Capítulo 3 - Sororidade
- Rápido! Coloque a máscara! – Sam bradou para Theo, que cochilava ao seu lado, no carro.
- Ãhn? Cadê a máscara?? – Theo acordou aturdida, tateando ao redor, procurando a máscara.
Até que ouviu Sam rindo.
- Eu não preciso colocar a máscara, não é? – Theo perguntou, se dando conta que era uma brincadeira.
- Segundo os índices radioativos que o visor está indicando, ainda não. Se quiser colocar por segurança, fique à vontade, você vai ficar uma graça de máscara. – Sam agora segurava o riso.
- Agora eu sei porque você tem esse péssimo hábito de pregar peças. Isso é coisa do exército, não é? Sacanear os amiguinhos.
- Digamos que seja uma prática militar corriqueira.
A medida que se deslocavam pelas ruas desertas de Seattle, Sam se surpreendia com o abandono total daquele lugar que um dia fora um grande centro econômico, os arranha-céus tomados por infiltrações e musgos verdes, os letreiros destruídos, elas já estavam na Zona Morta.
- Eles já sabem que você vai visitá-los?
- Não, mas tenho uma indicação quente, vão me atender bem. Aqui, 4989, chegamos.
- Garcia, é você? – Sam perguntou para um homem rechonchudo hispânico de uns quarenta anos, que suava na frente de um computador.
- E vocês são?
- Meu nome é Samantha. Foi o Falcon do laboratório Astor que me passou seu endereço. Precisamos de dois documentos de identificação e dois passaportes, já com os vistos para entrar na Nova Capital.
- Ele falou dos valores?
- Duzentos.
- Cada. Preciso ver antes de fazer.
Sam deu uma olhada rápida em Theo.
- Ok, tenho os quatrocentos aqui. Em quanto tempo fica pronto?
- Relaxa gata, em vinte minutos você vai ter um belo nome latino. E sua amiguinha também. – Ele deu uma piscadinha. – Ela vai precisar tirar essa faixa da cabeça, para a foto.
- Ok. – Sam disse já puxando Theo para o canto. – Theo, eu vou tirar a faixa, abra os olhos devagar. – Disse colocando a mão aberta por cima dos olhos dela.
Sam removeu a faixa, e Theo abriu de imediato os olhos, estranhando a luz do ambiente.
- A luz não é tão forte. – Theo disse, mas ainda fazia um semblante de mal-estar.
- Posso tirar a mão?
- Pode.
Sam conduziu Theo até a cabine onde Garcia tiraria sua foto e faria o arquivamento da identificação da íris.
Era uma pequena sala abafada no subsolo de um grande prédio desocupado, duas mesas, um armário e dois computadores eram praticamente todo o mobiliário dali, onde um ventilador no teto girava numa velocidade que não era suficiente para refrescar o local.
- Documento feito, estou terminando de imprimir o passaporte dela, prepare-se para sua foto, gata.
Após guardar os documentos de Theo, Sam tirou os óculos escuros que estavam no alto da cabeça, e entregou à sua acompanhante, que recolocava a faixa. Quando ia na direção da cabine para a foto, um jovem latino com trancinhas apareceu, já com arma em punho, parecia nervoso.
- Hey, hey, abaixe isso! – Sam falou, Theo não entendia o que acontecia, apenas encostou na parede.
- Essas putas trabalham para o Rhode! – O rapaz falou gesticulando com uma pistola de imobilização.
- Vocês trabalham para aquele porco?? – Garcia perguntou.
- Eu nem sei quem é Rhode, só queremos documentos falsos.
- Não conhecemos Rhode. – Theo completou.
- Viu o jeito que elas mentem? Elas são cobradoras do Rhode, aquele traficante filho da puta.
- Traficante? – Theo se assustava com a situação.
- Porr*, eu falei que ia pagar aquele canalha na semana que vem! – Garcia se exaltava, já de pé, empunhando uma carabina.
- Não viemos cobrar nada, só quero meu documento falso.
- Ela veio foder com você, Garcia! Eu vi quando elas estacionaram aqui na frente, logo percebi que era coisa do Rhode, ele sempre manda garotas para a cobrança e execução, porque não chama a atenção.
- Que porr* de Rhode é esse? Eu só quero que façam meu documento para poder seguir viagem para a fronteira com o México!
- Duas traficantes mentirosas e astutas, olha que dupla temos aqui para dar fim, porque nem eu, nem Garcia pretendemos pagar merd* de droga nenhuma hoje, eu avisei para ele! Quem ele pensa que é?
- Garcia, você pode fazer meu documento para que possamos ir embora? Não somos traficantes. – Sam tentava.
- Eu vou chamar a polícia. – Garcia respondeu, com insegurança.
- Polícia?? – Sam e o jovem de trancinhas responderam na mesma hora.
- Não fode Garcia, acaba com essas duas e mostra para o Rhode que aqui não tem ninguém de brincadeira não.
- Se eu matar essas duas ele vai me capar. – Garcia tremia a arma.
- Então eu mato!
Sam pulou para cima do rapaz das tranças e jogou sua arma para longe, Garcia pulava de um lado para outro sem saber o que fazer, enquanto os dois lutavam entre si. Theo tentava entender o que acontecia pelo som. Até que três tiros foram ouvidos.
- Vamos sair daqui. – Sam pegou Theo pelo braço, a carregando rapidamente na direção do carro.
- E seu documento? Ele precisa fazer seu documento. – Theo disse, enquanto fechava a porta do automóvel.
- Não tem documento, eu matei Garcia.
E saiu arrancando com seu carro.
- Matou? Como faremos? Só eu tenho a documentação. Em quanto tempo chegaremos na fronteira?
- Se as supervias daqui estiverem funcionando, em três dias cruzamos a fronteira. Precisamos pensar em algo.
- Algum outro lugar que faça documentos frios?
- Esse foi indicação de quem me contratou, não faço ideia se existem outros lugares como esse, esse país está quase deserto, Theo.
- Por que você matou o cara dos documentos?
- Ele pulou nas minhas costas, eu me defendi. Atirei nos dois. Não sei para onde estamos indo. – Sam olhou ao redor e depois no localizador no painel.
- Siga para o sul, somos agora passarinhos migrando para o sul. Ou temos algo a fazer aqui na Zona Morta?
- Nada, meu próximo compromisso é no México. Até lá vamos ter uma agradável viagem de três dias por esta zona cheia de radioatividade e poucos seres humanos, vamos ter que dormir no carro.
***
A primeira noite no carro foi razoavelmente tranquila, estacionaram dentro de um centro esportivo e Sam acordou mais cedo que o normal, mal humorada. Na segunda noite o desconforto de dormirem em pouco espaço podia ser visto nos hematomas nos cotovelos e joelhos. Sam acordou com os olhos vermelhos e demasiado cansaço. Até que a terceira noite chegou.
- Outra noite no carro?
– Chega, eu não aguento mais dormir no carro com você! E que merd* de estrada! – Sam reclamava, dirigindo no início da noite por uma supervia com falhas e buracos, que a faziam perder a programação da viagem e ter que fazer desvios.
- Eu não tenho culpa.
- Você é espaçosa e ronca mais que um foguete espacial dando partida!
- Nunca soube disso. E também minha mão que você furou ainda dói bastante. – Theo cruzava os braços. – O que eu posso fazer?
- Não sei, mas sei o que eu posso fazer. – Sam deu uma guinada no volante, saindo da supervia.
- O que vai fazer?
- Ter uma noite decente de sono, eu estou esgotada física e mentalmente, se eu tiver que dormir mais uma noite no carro com você vou acabar espancando alguém.
– Desde que não seja eu.
Quarenta minutos depois adentravam uma rampa em declive, que após três andares de zigue-zague terminou na entrada de uma hospedaria.
- O que é aqui? – Theo perguntou.
- O paraíso.
Theo apenas franziu as sobrancelhas.
- Algo que deveria se parecer com um hotel. – Sam completou.
– Como é?
– Um local apertado com paredes cinza escuro, tem algo parecido com um rato morto no canto e tem cheiro de tapete molhado. Bom, o cheiro você pode sentir também.
– Não precisamos de máscara aqui embaixo?
– Isso é tipo um hotel bunker.
- Aqui está, um quarto com duas camas de casal, andar inferior, a direita. – A recepcionista ruiva e com dentes podres sorriu, entregando o cartão passe.
- Perfeito, obrigada. – Sam agradeceu e levou Theo pelo braço até as escadas.
- Você poderia parar de me arrastar pelo braço. – Theo disse, ainda nas escadas.
- Não é assim que fazem com cegos?
- Não, você poderia me conduzir de uma maneira mais humana.
- E você pode ir sozinha se quiser.
- Sam, parece que você está me arrastando para um calabouço.
Saíram das escadas e continuaram a conversa no quarto, enquanto Sam separava o que precisariam. Era um quarto de tamanho moderado, haviam duas camas com lençóis amarelados, uma cômoda marrom envelhecida, e uma poltrona bege ao lado. Sam deixou apenas a luz do abajur rasgado ligada, para que Theo tirasse a faixa, que fez prontamente.
- Então como você quer que eu te conduza?
- Eu poderia segurar no seu braço, ao invés de você segurar no meu.
- Vai parecer que eu estou conduzindo uma cega.
- Oi?
- É estranho. Vou pensar em outro jeito de te conduzir.
- Ok, me dê uma toalha, quero tomar um longo banho decente e quente. – Theo estendeu a mão, recebendo a toalha, roupas, e uma nécessaire. Seguiu tateando até o banheiro.
– Deixe eu fazer as honras com o banheiro. – Sam a orientava, levando sua mão até os lugares que citava. – Aqui é a pia, torneira quente, torneira fria. Aqui o vaso, e aqui o box. Algo mais?
– Lave minhas costas.
– O que?
Theo riu.
– Não, nada mais, pode me deixar.
Sam aguardava o término do banho sentada na poltrona, mexendo em seu comunicador, compenetrada.
- Aaaai!
Escutou um estrondo e Theo gritando de dentro do banheiro.
- O que foi?
- Bati a cabeça no box.
- Teve dano cerebral?
- Não.
- Então está tudo bem. – Sam voltou a usar o comunicador, um pequeno eletrônico multifunção flexível e extremamente fino, e digitava no teclado holográfico à sua frente, conversava com sua irmã.
“Por que você não colocou essa garota num abrigo ainda?” Lindsay perguntava.
“Eu desisti da ideia, ela vai me acompanhar até o fim.”
“Isso é loucura, Sam. Ela vai te atrasar, te prejudicar.”
“Não acho, ela pode ser útil.”
“Eu não vejo como, se eu fosse você a deixaria no México, lá já é Nova Capital, tem bons abrigos do governo, terá os cuidados que precisa para a deficiência dela, e você terá essa preocupação a menos.”
“Mas ela não me preocupa, ela me…”
Ouviu-se outro berro vindo do banheiro.
- Ahhhh! Sam, você me deu uma toalha de rosto!
Sam começou a rir.
- Se vire com esta! – Levantou ainda rindo e levou a toalha de banho até ela. Antes de entregar a toalha à Theo, não conseguiu resistir à uma demorada observação silenciosa, era como uma força inconsciente que a deixava estática.
– Tome. – Falou por fim, e atirou a toalha nela.
Então voltou à poltrona, mas não se recordava mais o que estava fazendo naquela tela, e sentiu-se culpada por deitar seus olhos de forma secreta numa pessoa nua que não fazia ideia do que estava acontecendo. As tatuagens me chamam a atenção. Deduziu.
- Você precisa parar com essas coisas. – Theo disse ao sair do banheiro, secando o cabelo, já vestida.
- Theo, venha cá.
- O que foi?
- Você está sangrando. Sente-se na cama.
– Não vou cair nessa. – Theo sorriu.
Sam colocava a maleta de primeiros socorros em cima da cama. Theo passou os dedos no supercílio, percebeu que estava realmente molhado de sangue.
- Nossa, está sangrando mesmo. – Falou agora séria.
– Eu falei. Sente-se.
– Ok.
– Como você conseguiu a façanha de bater o supercílio e o malar ao mesmo tempo?
– Cortou aqui embaixo também? – Theo disse, passando os dedos abaixo do olho.
– Não cortou, mas vai ficar roxo.
– O banheiro é menor do que eu imaginava.
– Use mais as mãos, tateie mais.
– Vai precisar de pontos? – Theo disse, já sentada e com Sam limpando o corte.
– Não, mas posso dar alguns se quiser, uma pena você não poder ver o ótimo trabalho que fiz na sua mão.
– Por falar nisso, depois você poderia trocar o curativo da minha mão?
– Ainda não está sujo o suficiente.
– Me dê uma atadura que eu mesma troco.
– Pare de se mexer, estou tentando colocar um curativo em você e não quero correr o risco de te deixar ainda mais cega.
– Aqui tem TV?
– Tem.
– Ligar TV. – Theo falou em voz alta e nada aconteceu. – Por que não ligou?
– Aqui é a moda antiga, tem um controle remoto em cima da cama.
– Ou através do seu comunicador.
– Como sabe que tenho um?
– Quando você fica quieta eu sei que está mexendo no comunicador.
– Nem sempre. Ok, terminei. Tem comida na bolsa aqui ao lado da cama, fique à vontade, minha vez de limpar o sangue.
– Que sangue? – Theo perguntou confusa.
– Levei um tiro de raspão na perna.
– Sério? Foi feio?
– Não, está bonito, adoro a cor vermelha. – Sam disse ligando a TV.
– TV!
– Você não enxerga, qual a graça disso?
– Adoro TV, ainda posso ouvir. E você pode me narrar o que está acontecendo.
– Não conte com isso. – E entrou no banheiro.
– Sam, pelo amor de Deus, durma, você está insuportável.
***
Theo tinha razão, Sam acordou na manhã seguinte com um humor infinitamente melhor.
– Eu li no aviso do quarto que tem café da manhã. – Sam disse, subindo as escadas e levando Theo pelo alto do braço.
– Não sei porque, mas tenho o pressentimento que vou agradecer por não enxergar o café da manhã daqui.
– Você está exigente demais.
Chegaram até a recepção, com a mesma ruiva de dentes ruins.
– Bom dia, tem café incluso, certo?
– Sim, basta seguir em frente, a porta a esquerda. – A ruiva falou lançando um olhar desconfiado para Theo.
Já no pequeno salão refeitório, que parecia um acampamento com mesas compridas, Sam ia narrando as opções. Mais dois casais faziam o dejejum ao canto.
– Tem café? Eu quero café, muito. – Theo disse, animada.
– Mais nada?
– Pão, mesmo você tendo descrito como uma mistura de sabão com excremento de elefante.
– Tentei ser realista.
Sam fez sua oração habitual e silenciosa, como de praxe antes das refeições. Theo nunca entendia esses silêncios dela.
Terminavam o café quando Sam percebeu uma movimentação estranha na entrada do salão, a moça ruiva estava em companhia de dois homens grandes, de paletó e arma na cintura, e apontou o dedo na direção delas.
Discretamente Sam sacou a arma da perna, e a manteve embaixo da mesa, o trio se aproximou da mesa onde estavam.
– Essas duas aqui. – A moça disse, de forma ríspida.
– Posso ajudar em alguma coisa? – Sam perguntou, levantando-se, havia colocado a arma no cós às costas.
– Você leu nosso informe com as regras do hotel, é proibido qualquer ato de violência em nossas dependências.
– Violência? – Theo perguntou.
– Eu vi quando vocês duas chegaram ontem à noite, essa garota não estava com estes machucados no rosto, e agora aparece de olho roxo.
– Eu bati no box.
– Conta outra, a vítima sempre inventa desculpas esfarrapadas por medo de represália, diz isso para defender o agressor.
– É sério, eu bati no box, eu não enxergo.
– Senhorita, queira se levantar, quero que você duas nos acompanhem até a sala de segurança. – Um dos homens falou.
Theo levantou, e tentou dialogar.
– Ela não me bateu, se tivesse de fato batido eu seria a primeira a denunciá-la à justiça.
Sam olhou assustada para ela.
– Temos uma política rígida anti-violência, levem elas. – A ruiva disse.
– Vocês estão cometendo um engano. – Era a vez de Sam argumentar. – Não houve violência de forma alguma naquele quarto, posso garantir que sequer encostei nesta garota, e ela não está falando isso apenas para…
Gritos, pessoas caindo, pessoas correndo, o pandemônio começou quando Theo interrompeu o que Sam falava e atirou com uma pistola paralisadora no segurança que empunhava a arma. Em seguida Sam tomou a pistola das mãos de Theo e derrubou o outro também. A ruiva saiu correndo.
– Vamos! – Sam pegou a mão de Theo, sua bagagem, e saíram correndo para o carro.
A ruiva ainda bradou algo enquanto o carro tomava o rumo da primeira rampa, mas já era tarde demais, a fuga fora executada com sucesso.
Assim que saíram na estrada Theo cobriu os olhos por causa da claridade.
– Cadê sua faixa?
– Acho que deixei lá.
– Quer amarrar alguma coisa?
– Não, apenas trate de dirigir com velocidade.
– Tome meus óculos, quem sabe ajude.
– É tolerável. – Theo disse após colocar os óculos, ainda apertava os olhos, estranhando a luz do dia.
– Onde você achou uma arma paralisadora? – Sam perguntou, seu coração ainda estava disparado, mas já estavam à uma boa distância do hotel.
– Do cara das trancinhas.
– Bom tiro. E que gente louca!
– De nada. Pegou tudo?
– Ahan.
Sam deu uma olhada em Theo.
– Acho que achei um jeito de te conduzir.
– Qual?
– Pela mão. É humano e não parece que estou conduzindo uma pessoa cega.
– Por mim tudo bem, porém talvez alguém acabe achando que você é minha namorada. – Theo riu.
– Claro que não, nós não parecemos com lésbicas.
– O que é parecer com uma lésbica para você? – Theo perguntou, intrigada e segurando o riso.
– São aquelas mulheres machonas, que se vestem como homens, e tem vida promíscua.
– Uou. – Theo estava estarrecida.
– O que foi?
– Isso é o que você realmente pensa?
– É sim, não temos nada a ver com esse tipo de gente.
Theo coçava a testa, procurando as palavras para contrapor a opinião de Sam.
– Eu sempre soube que na Europa, por causa da constante intervenção do Vaticano, as pessoas eram mais conservadoras e mente fechadas que aqui na América, mas você tá de parabéns, me surpreendeu.
– Mente fechada? Nunca tratei nenhum homossexual de forma preconceituosa, mesmo alguns não se dando ao respeito. Até conversava com um que trabalhou com minha irmã.
Theo uniu as mãos, pensativa.
– Nem sei por onde começar a apontar os erros nessas suas frases, é quase um crime contra o bom senso.
– Por falar em crime, que história é essa de ‘se ela me batesse eu mesma a denunciaria à justiça’?
– Eu denunciaria qualquer pessoa que me batesse.
Sam olhou boquiaberta para ela.
– Você seria capaz de me denunciar? Mesmo depois de tudo que fiz por você? – Sam se exaltava.
– E por isso você teria o direito de bater em mim?
– Se você merecesse sim, eu entendo porque alguns maridos batem em suas esposas, às vezes elas aprontam tanto que pedem por isso, fazem por merecer.
– Meu Deus, Sam, você também é mulher, como pode dizer uma asneira dessas? – Theo dizia, impressionada.
– Não é porque sou mulher que vou ser hipócrita, as mulheres precisam parar com esse coitadismo, essa ideia de querer ser superior ao homem, precisam se colocar em seu lugar.
– E por causa de mulheres como você que a luta feminista tem muito o que fazer ainda, para despertar o sentimento de sororidade entre nós. Fazer com que as próprias mulheres parem de se diminuir e parem de propagar pensamentos machistas, como os seus.
– Você é uma dessas feministas? – Sam disse, com repulsa.
– Sam, repare o jeito como você se referiu a mim agora. Você é uma mulher machista.
– Eu não sou machista, mas vocês feministas estão sempre exagerando, tudo é machismo. Esse movimento é uma perda de tempo, tantas coisas que vocês poderiam estar correndo atrás, poderiam se dedicar a cuidar melhor dos maridos e filhos. Feminismo é falta de louça na pia.
Theo suspirou pesadamente.
– Ok, eu entendo, é sua cultura, você cresceu com esta vivência e está repetindo o que ouviu. Acredito que não é tarde para você expandir sua forma de pensar, desconstruir esse montante de impropérios machistas que te fizeram acreditar. Em nome da admiração e gratidão que tenho por você, acho melhor não continuarmos esta conversa.
Ficaram em silêncio por longos minutos, Theo fechou os olhos e recostou a cabeça no banco.
– Eu nunca bateria em você. – Sam murmurou.
– Eu sei.
– Eu falei por falar. Eu nunca te faria mal.
Theo sorriu.
– E se fizesse perderia o braço.
– Na mesma moeda?
– Então, oficial. – Theo mudava de assunto. – Quando chegaremos na fronteira?
– Hoje à noite.
Sororidade: s.f.: Pacto entre as mulheres que são reconhecidas irmãs, sendo uma dimensão ética, política e prática do feminismo contemporâneo.
Fim do capítulo
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Ana_Clara
Em: 28/11/2015
'Feminismo é falta de louça na pia.' A nossa sorte é que algumas pessoas sempre estão aptas a mudanças e para o nosso alívio a Sam é uma delas. Gente, até me doeu o coração ler as palavras que a Sam disse para a Theo. Que horror! Mesmo sendo uma 'tapada' algumas vezes, gosto muito dessa oficial.

Julia Eidrian
Em: 09/09/2015
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk essas duas são uma piada . Sam tem cada percepção.
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