De aço e de flores
São Paulo, 15 de dezembro de 2015. 16h40min
Fui católica de criação. Vestidos rodados, bem amarrados com laços enormes nas costas. Mãos erguidas, olhos para o chão, murmurando rezas decoradas bem cedo na vida.
Hoje, não sou mais. Não acredito nesse Deus cruel e mesquinho nem na vida triste e simples que um dia será recompensada no paraíso.
Estamos aqui para aprender e melhorar, sempre e mais.
O Deus em que eu acredito caminha ao meu lado, segurando a minha mão e me mostrando que haja o que houver Ele está ali, meu amigo fiel e companheiro querido.
Com Ele, não há vergonha: eu posso chorar, rir, xingar, posso até perder a fé. Ele entende, Ele acolhe e me mostra que eu estou errada com toda a gentileza que um pai amoroso tem com sua filha adolescente.
Tenho um carinho inexplicável por Nossa Senhora. Nas horas de desespero, quando estou jogada na cama, com os olhos vermelhos e sem esperança, sinto quando ela chega de mansinho, mãe carinhosa que é, deita minha cabeça em seu colo e acarinha meus cabelos até que eu durma ou me acalme.
E tenho meus guias e orixás.
Tenho as forças da natureza que me limpam e me fortalecem.
Tenho Iansã, que com sua chuva miúda leva toda a tristeza embora e deixa o terreno limpo para a próxima temporada.
Tenho Ogum, o ferreiro, que me empresta suas armas para que eu aprenda a me defender dos males do mundo e de mim.
Tenho Oxóssi, o caçador, que ao meu lado abre caminho nas matas para que possamos seguir em frente sempre.
Tenho Oxum, minha mãe, rainha do amor e do ouro (e que riqueza no mundo é maior que amar e ser amado?).
Sozinha eu sei que não estou.
Rebeca, por sua vez, não crê em absolutamente nada e me enxerga como uma tola. “A religião é o ópio do povo!”, ela costuma repetir sempre que tenta me convencer.
Então, eu acendo minhas velas e oro por ela também. Para que um dia ela seja menos incrédula e perceba a magia que nos rodeia.
Tenho tido dias bons, não sei se já escrevi isso aqui. Acho que sim.
Dias bons, porém noites horríveis. Acho que acontece com todo mundo uma hora ou outra.
De qualquer forma, comecei com essa história toda de crenças porque me lembrei de um livro que ganhei do meu pai no meu primeiro final de semana de internação.
Os finais de semana são longos no hospital. Depois que as visitas vão embora, temos o resto do dia inteiro para não fazer nada. Sem educação física, sem terapias... Apenas nós mesmos e nossos pensamentos.
Gostei do título do livro e alguns contos são muito bons.
Ganhei no sábado, no domingo tinha acabado. Voltei a ficar sozinha comigo mesma.
Antes eu não achava que era uma boa companhia, hoje passo a perceber que talvez (só talvez!) eu estivesse errada. Eu não poderia ser de outro jeito, eu sou do jeito que devia ser.
E é suficiente.
Fim do capítulo
Indicação de leitura: "Mulheres de aço e de flores" (Pe. Fábio de Melo, 2008)
Comentar este capítulo:
Marianna P
Em: 24/02/2016
Desculpe a ignorância, mas esses guias e orixás são referentes a Umbanda?
Resposta do autor em 24/02/2016:
Resposta do autor em 12/03/2016:
São sim!
Ana_Clara
Em: 18/02/2016
A Betina tem momentos incríveis, onde a sua alma é leve e tranquila. Nesses momentos vejo uma saída para suas crises. Gostaria de ler o ponto de vista da Rebeca, será possível?
Resposta do autor em 24/02/2016:
Posso pensar nisso. Talvez eu escreva um conto, capítulo único, do ponto de vista da Rebeca. É uma boa ideia!
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]