As Cores do Paraíso - Capítulo 54

 

 

Gabriela e Sabrina caminhavam pela praia. Era um dia quente do mês de outubro. Sentiam a brisa morna tocando em seus corpos. O silêncio entre elas era inusitado, mas não era incomodo.

Gabriela parou e olhou para trás. Regressou e tentou apagar as próprias pegadas na areia úmida. O vento jogou uns cachinhos de cabelo loiro para a frente do seu rosto de menina e ela sacudiu a cabeça para afasta-lo.

-- Me ajuda a apagar as nossas pegadas, Sabrina.

A amiga não entendeu muito bem, mas aceitou o desafio proposto.

As duas passavam os pés apagando as pegadas antigas, mas continuavam a deixar mais pegadas por onde andavam.

Gabriela olhou para a amiga e sorriu.

-- Isto é daquelas coisas que nunca conseguimos apagar totalmente. "É fácil apagar as pegadas; difícil, porém, é caminhar sem pisar o chão". Lao-Tsé

Continuaram a caminhar e depois de alguns minutos uma onda mais forte bateu e dessa vez apagou todas as pegadas que elas haviam deixadas.

-- "É um pouco triste quando olhamos para trás e vemos nossas pegadas sendo levadas pelas ondas" - pelo rosto de Sabrina passou uma nuvem de tristeza e ela sorriu melancólica.

-- "Mas, olha para frente! Vê o quanto ainda podemos caminhar"! (Cássio Oliveira).

-- Mas se alguém quiser seguir a gente, Gabi?

-- "Não existe o esquecimento total, as pegadas impressas na alma são indestrutíveis". Thomas De Quincey. E são essas pegadas que as pessoas irão seguir, Tali.

-- Acho que ninguém vai querer seguir as minhas pegadas, Gabi. Sou tão vazia.

Gabriela deu uma risada gostosa e jogou um punhado de areia na amiga.

-- Agora você está cheia.... De areia... Kkkkkk -- se desviou do tapa com agilidade.

 

Continuaram caminhando pela praia até chegarem ao local aonde estava sendo construído o condomínio.

Elas pararam e sentaram-se em uma pedra para contemplar o lindo pôr-do-sol, que iluminava o céu sobre o oceano.

As ondas iam harmoniosamente ao encontro das rochas jogando água refrescante sobre elas como se fossem gotas de chuva.

Uma gaivota voou sobre as cabeças delas. Talita sorriu e olhou nos olhos de Gabriela. Respirou fundo e criou coragem para fazer a pergunta que esperava fazer há tanto tempo:

- Gabi... queria te perguntar uma coisa -- começou a falar hesitante - Depois que isso tudo... - abriu os braços mostrando ao redor - Estiver pronto, você trará a sua família para morar aqui?

-- Claro, Tali. A família inteira - falou cheia de entusiasmo.

Talita respirou fundo e abaixou a cabeça fazendo Gabriela levantar e tocar os seus cabelos.

-- Vem comigo. Quero te mostrar uma coisa.

Gabriela passou um braço pelo ombro da amiga e foram caminhando devagar pela ruazinha provisória que passava entre as casas em construção.

Pararam em frente a uma obra enorme.

-- Essa mansão é a que morarei com Larissa e os meus cinco filhos - risos - Por isso é grande assim. Essa desse lado, vai ser das minhas mães - colocou a mão no queixo pensativa - Não sei porque, mas a casa delas vai ficar pronta antes da nossa.

-- Tem certeza que não sabe o porquê? - Talita cruzou os braços e fez uma careta - A Samanta vem todos os dias aqui fiscalizar a obra. Tenho até pena dos engenheiros.

-- A mãe Samanta é uma figura mesmo.... Aquela alí do outro lado é do vô Davi.

-- Coitada da Larissa.

-- Não entendi o comentário. Eles são uns amores e adoram a Larissa.

-- Não disse que eles não gostam dela. É que as vezes gostar demais também sufoca.

-- Até pode ser Tali, mas passei dezenove anos de minha vida achando que havia sido abandonada pelos meus pais, que minha família se resumia ao vovô e a vovó... quero curtir eles, quero que meus filhos curtam eles e eles curtam meus filhos - jogou a cabeça para trás e sentiu o sol aquecer de leve o seu rosto - Quero que os pais de Larissa encontrem um novo sentido para a vida através do nosso filho.

-- O que aconteceu?

-- Eles perderam o filho afogado. Foi um choque muito grande para eles, que desde então, nunca mais foram felizes.

-- Que tragédia.

-- Ele tentou salvar um amigo e acabaram morrendo juntos.

Ficaram alguns instantes em silencio olhando para o mar que daquela distancia parecia tão inofensivo, incapaz de fazer mal a qualquer criatura.

-- Lembro-me de uma mensagem de André Luiz: "A vida não cessa. A vida é fonte eterna e a morte é o jogo escuro das ilusões. O grande rio tem seu trajeto, antes do mar imenso. Copiando-lhe a expressão, a alma percorre igualmente caminhos variados e etapas diversas, também recebe afluentes de conhecimentos, aqui e ali, avoluma-se em expressão e purifica-se em qualidade, antes de encontrar o Oceano Eterno da Sabedoria"

Silêncio...

Algum tempo estiveram caladas; enfim Gabriela rompeu o silêncio:

-- Vem Talita, quero te mostrar só mais uma coisa.

Poucos metros depois, pararam em frente a mais uma construção.

-- Já nos conhecíamos antes de nascer, Talita. Em outras vidas nós fomos irmãs, amigas, vizinhas...

-- Namoradas? - A garota perguntou assustada - Pode ser?

-- Isso não importa - a loira falou rindo da surpresa da amiga - O que importa é que nos encontramos porque tinha de ser. Eu e você já nos amávamos de outras vidas e mesmo não lembrando, sempre acabávamos nos encontrando e ficando juntas até o fim de nossa passagem na terra.

Talita não entendia até onde Gabriela queria chegar com aquelas palavras, mas estava muito curiosa. Deu uma voltinha ao redor de si mesma, passando o pé pela areia fofa.

-- Não estou entendendo, Gabi.

-- O que quero dizer é que também te quero perto de nós, de meus filhos - coçou a cabeça e completou com cara de inocente - Mandei construir essa casa especialmente para você e a Alice. Quero a sua família crescendo junto com a minha da mesma forma que nós duas fomos criadas - colocou as mãos nos bolsos e fez um montinho de areia com os pés - Diz que aceita...

Talita já estava emocionada e lágrimas rolavam em seu rosto.

-- Claro que aceito... na verdade estava... sofrendo - não conseguiu terminar a frase, começou a chorar feito criança.

Gabriela também não conseguiu dizer mais nada. Apenas abraçou a amiga e fez carinho em sua cabeça.

 

"Pode ser que um dia deixemos de nos falarmos.

Mas enquanto houver amizade,

Faremos as pazes de novo.

Pode ser que um dia o tempo passe.

Mas, se a amizade permanecer,

Um do outro há de se lembrar.

Pode ser que um dia nos afastemos.

Mas, se formos amigos de verdade,

A amizade nos reaproximará.

Pode ser que um dia não mais existamos.

Mas, se ainda sobrar amizade,

Nasceremos de novo, um para o outro.

Pode ser que um dia tudo acabe.

Mas, com a amizade construiremos tudo novamente,

Cada vez de uma forma diferente,

Sendo único e inesquecível cada momento que juntos viveremos, e nos lembraremos para sempre. " Autor desconhecido.

 

 

Sete semanas depois... Ultrassom para saber a idade gestacional e quantidade de fetos em casos de gravidez gem*lar.

 

Gabriela comemorava o resultado do ultrassom beijando a barriga de Larissa.

-- Eu estava muito, muito feliz.... Agora estou muito, muito, muito, muito feliz... aliás estou tudo em dose dupla, amor.

A gravidez de um único bebê já era uma enorme felicidade na vida de Gabriela e Larissa, mas saber que são dois levou as duas e a família inteira ao êxtase. Larissa estava curiosíssima e, vamos confessar, quem não ficaria curiosa em saber o que acontece dentro da sua barriga? Há margem para todo tipo de pergunta: será que eles interagem? Um acorda o outro? Os chutinhos são simultâneos?

São muitos os casos de gêmeos não idênticos que nascem a partir de da reprodução assistida. Esse fenômeno acontece porque, para que aumentem as chances de gravidez, os especialistas costumam implantar mais de um embrião no útero da mulher.

 

Larissa estava radiante. Sentou no colo da loirinha e a encheu de beijinhos.

-- Queria ficar o dia inteiro comemorando com você amor, mas tenho que ir trabalhar -- deu um beijo demorado na boca da loirinha e saiu do seu colo - Sem a Alice na construtora as coisas não andam - colocou a bolsa no ombro e caminhou lentamente até a porta - Vai fazer o que hoje?

-- Vou passar o dia com a Talita. Ela me ligou dizendo que teve dor de barriga a noite inteira.

Larissa não conseguiu segurar o riso.

-- É sério amor. Na escola aprendi que o sistema nervoso simpático é que diz para o intestino empurrar tudo para fora. De cara me antipatizei com ele - fez uma careta - Ele as vezes é tão inconveniente - completou.

-- Só você mesmo Gabi - sorriu abrindo a porta - Ela deve estar uma pilha, coitada. Me recordo muito bem como fiquei no dia do nosso casamento. Foi necessário até tomar um calmante.

-- Ontem ligaram para uma amiga às 3 da manhã dizendo que tinham sequestrado a esposa dela e se ela não pagasse 10.000 reais, eles a matariam.

-- Meu Deus Gabi - Larissa ficou horrorizada - E o que ela respondeu, amor?

-- Ela respondeu: Amigo são três da manhã, estou muito cansada e ela está dormindo aqui do meu lado. Mas me liga amanhã que o negócio me interessa.

Larissa saiu batendo a porta.

Gabriela ficou algum tempo olhando para a porta.

-- Ela nem deu um tchauzinho... são sempre assim...

Durante o namoro, quando a amadinha perguntava pra amada, apontando o dedinho pro céu, "por que aquela nuvem está encobrindo a lua?", a namorada lhe respondia, toda melosa:
-- É porque a lua está com vergonha da sua beleza, amor.
Depois de uns anos de casadas, quando a mulher lhe fez a mesma pergunta, numa bela noite, a esposa lhe disse, irritada:
-- Não está vendo que vai chover, sua besta!

 

 

Mais tarde na praia do Encanto.

 

-- Que triste né Tali... a Alice não vai ter sogra.

Talita olhou séria para Gabriela.

-- Você não vai fazer uma piada de tão mal gosto, né Gabi?

-- Claro que não, amiga - a loira sentou no sofá e jogou a cabeça para trás - Tá me estranhando?

Talita a encarou por alguns instantes depois sentou na poltrona a sua frente.

-- Se minha mãe fosse viva, com certeza não gostaria de Alice. Minha mãe era uma pessoa difícil de se agradar.

-- Toda sogra agi assim, não lembra de minha mãe? Odiava a Larissa. Vou te contar uma história verídica, Tali:

O rapaz chegou em casa muito animado e disse para a sua mãe que havia se apaixonado e queria se casar. A mãe inicia uma série de perguntas e ele faz a seguinte proposta:

-- Mãe, vou trazer aqui amanhã três mulheres e você irá tentar adivinhar com qual delas eu irei me casar.

A mãe acaba por concordar com o teste.

No dia seguinte, ele traz a sua casa três mulheres lindíssimas. Elas sentam-se no sofá e ficam conversando com a mãe do rapaz durante um bom tempo. Depois de horas de

Conversa entre elas o rapaz chega e pergunta:

-- Então mãe, você é capaz de adivinhar com qual eu vou me casar?

A mãe responde imediatamente:

-- Com a do meio.

O rapaz fica surpreso e pergunta:

-- É incrível mãe. Você acertou! Mas como é que adivinhou?

A mãe responde:

-- Não gostei dela...

-- É bem assim, Gabi - Talita levantou da poltrona sorrindo - Quer ver como ficou a minha roupa de casamento?

-- Claro. Veste lá e vem me mostrar.   

Depois de alguns minutos Talita retorna esbanjando elegância.

-- Uau... que gata! - Gabriela bateu palmas e assoviou - A Alice vai ficar babando, mana.

-- Você acha? - Talita deu uma voltinha - Não me sinto bem toda de branco.

-- Está linda, linda...

-- Sério? Sem piadinhas?

-- Sem piadinhas... Talita você sabe qual é o corno pai de santo?

-- Eu sabia que tinha piadinha. Tá me chamando de pai de santo é? - Não resistiu a curiosidade e perguntou: -- Fala aí... qual é?

-- É aquele corno que todo dia quando chega em casa tem que tirar o caboclo de cima de sua mulher.

 

Próximo capítulo: O casamento de Talita e Alice.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fim do capítulo