Capítulo 37 - Nêmesis
Igor acordou de um cochilo e ergueu-se no banco do carro, deu uma olhadela na direção do palco, vendo Theo em cima de Sam. Sorriu balançando a cabeça ao perceber que as coisas haviam se ajeitado entre as garotas, e voltou a dormir.
Theo parou o carinho que fazia pelo rosto de Sam ao ouvir que ela queria conversar novamente.
- Sobre o que quer conversar? - Theo perguntou, receosa.
Sam hesitou por alguns segundos, fitando o olhar sem foco de Theo.
- E se eu ficar?
- Onde?
- Aqui, na Nova Capital. Você ficaria comigo?
- Você odeia a Nova Capital.
- Sabe que estou começando a gostar? - Sam sorriu.
Theo pensou por alguns segundos.
- Não, você não pode fazer isso, é seu sonho voltar para sua família, seus amigos, sua igreja, a sua terra que você tanto ama. Não seria correto ficar aqui, eu não permitiria que você quebrasse seus sonhos.
- Meus sonhos têm sofrido uma reviravolta impressionante nos últimos tempos.
- Seu lugar é na Europa, você não seria feliz aqui.
- Eu seria feliz ao seu lado, em qualquer lugar. Se eu ficar, poderei te ver?
- Você quer morar no Brasil, é isso?
- Quero, quero reconstruir minha vida aqui, e estar perto de você. Eu posso conseguir um emprego na área de segurança, ou treinamento militar, posso me sustentar e alugar um quarto ou um pequeno apartamento. Eu sobreviverei, eu tenho condições de recomeçar e ter uma vida honesta e tranquila aqui.
- Acho que você mudará de ideia.
Sam muniu-se de um sorriso triste.
- Você prefere que eu não fique, não é?
- Essa não é a questão, você precisa se dar conta do que estará abrindo mão, talvez você se arrependa, aqui é bem diferente da vida que você conhece.
- Não sei, realmente não sei se me arrependerei, mas só posso descobrir se tentar.
- Você quer se envolver com uma mulher? Já pensou o quanto isso vai contra suas crenças?
- Pelo amor de Deus, Theo, apenas me diga se poderei te ver ou não.
- Depende, com qual frequência? - Theo riu.
Sam não sorriu.
- Você não está me levando a sério.
- Desculpe. - Theo tirou o sorriso do rosto, não por completo. - Você quer mesmo saber como seria se você morasse aqui?
- Quero, por gentileza.
- Eu te convidaria para sair, levaria você num restaurante e pediria bife com batatas fritas, você poderia pedir outra coisa, tudo bem. Depois você me levaria para sua nova casa, que ainda não conheço, e eu esbarraria em tudo. Mas você me apresentaria o banheiro, porque você sabe fazer isso bem, depois me apresentaria a cama. E passaríamos a noite na sua cama, teríamos uma noite bem agitada, terminando com você dormindo nua com a cabeça no meu peito, me deixando uma poça de baba. De manhã eu tomaria banho primeiro, como sempre, e esperaria você tomar o seu. Quando você saísse, eu procuraria sua mão direita e te pediria em namoro, mas sem flores nem bombons porque não gosto dessas convenções.
Ambas riram.
- De joelhos então, nem pensar? - Sam brincou.
- Eu levaria meia hora procurando sua mão.
- Então ficarei aqui. - Sam arrematou. - E deixe comigo, eu posso me ajoelhar. Já te contei que minha perna aguenta a compressão de meia tonelada?
- Já, já contou. - Theo disse rindo.
Sam pousou suas mãos ao redor da cabeça de Theo, a puxando para um beijo. Theo escorregou para o lado, aninhando-se em Sam.
- Você pode morar comigo, se quiser. - Sam voltou a falar. - Posso trabalhar bastante e cuidar de nós duas, te dar um lugar tranquilo para morar, onde você se sinta segura. E eu protegerei você do seu pai.
- Eu não quero passar minha vida fugindo dele, resolverei isso assim que possível. Mas agradeço a oferta.
- Você não poderá voltar para sua casa.
- Não, pedirei ajuda à Letícia, talvez more com ela por um tempo, até ajeitar minha vida.
- Sua ex?
- Ela é minha melhor amiga, sei que posso contar com ela.
- Então você vai morar com sua ex?
- Melhor amiga. E seria temporariamente.
- Eu poderei te visitar?
- Claro.
Silêncio.
- Tem alguma chance de vocês voltarem? - Sam perguntou, de mansinho.
- Eu e Letícia? As mesmas chances de você voltar com Mike.
- Eu não pretendo voltar com ele.
- Que bom.
- Só estou perguntando por curiosidade, não tenho ciúmes. - Sam disse.
- Ótimo, também não sou uma pessoa dada a ciúmes e afins.
Silêncio.
- Você estava com ciúmes de Igor. - Sam disse.
- Não estava não.
- Nadinha?
- Absolutamente nada, apenas achei que você estava confiando demais num estranho. Mas não era ciúmes. - Theo falou taxativa.
- Ahan. - Sam respondeu sem acreditar.
Silêncio.
- Mas vocês estavam flertando. - Theo espezinhou.
- Não, senhora.
- Estavam flertando, você ficou interessada nele, mais do que um mero informante.
- Theo, você tirou conclusões erradas, eu realmente estava tentando conseguir a confiança dele para arrancar informações.
- Ele é um cara bonitão, religioso, ex-soldado como você, eu entendo seu interesse.
- Bonitão?
- Eu sei que ele é. Forte e bonito.
- Forte sim, bonito... Bom, depende do ponto de vista. Eu acho que ele é um homem bonito, mas... Não sei explicar, não quero soar preconceituosa.
- Como assim?
- Pelos padrões sociais ele não é bonito, mas beleza é algo subjetivo.
- Pelos padrões sociais?
- Você não percebeu, não é? É, acho que não teria como você perceber...
- Perceber o que?
- Igor tem cicatrizes num lado do rosto e da cabeça, umas seis ou sete cicatrizes profundas.
- Tem?
- Sim, ele é praticamente desfigurado do lado direito do rosto. Acredito que ele tenha conseguido no acidente da marinha, aquele que o afastou.
- Eu não fazia ideia. - Theo assimilava. - Deve ser por isso que a noiva o largou após o acidente.
- Largou? - Sam perguntou.
- Ele me contou, enquanto você dormia no banco de trás. Ele disse que superou, mas pela voz eu percebi que ele ainda tem mágoa.
- Isso é triste. - Sam falou com pesar.
- Seu interesse talvez tenha sido empatia involuntária.
- O que?
- Sam, depois do seu acidente, Mike passou a te tratar de forma diferente, não foi? Ele não te via mais da mesma forma.
Sam exasperou longamente antes de responder.
- Sim.
Theo correu seu pé pela perna mecânica de Sam, embaixo das cobertas.
- Sua perna é legal, Mike é um babaca.
Sam sorriu, acariciando sua nuca.
- É que você é diferente.
- Diferente como? - Theo perguntou, já sonolenta.
- Você me enxerga melhor do que qualquer outra pessoa, você é sensível.
- Porque é bom tentar entender quem a gente gosta. Não só entender o lado bom e bonito, mas também o lado condenável, aquele que ninguém tenta entender, apenas julgar.
- Theo, eu sei que acabei de te conhecer, não faço ideia de como você era antes disso tudo, mas... Sabe o que eu acho mais incrível? Você acabou de passar por dois anos infernais, vivendo o pior pesadelo que uma mulher pode sofrer, e mesmo assim aquele lugar não roubou sua doçura.
Theo esboçou um pequeno sorriso.
- Talvez eu estivesse guardando para você.
Sam sorriu abertamente, lhe tocando o rosto.
- É disto que eu estou falando.
***
Sam desligou o alarme em seu comunicador e esticou-se com preguiça, olhou para o lado e viu Theo dormindo virada para seu lado, lhe trazendo um sorriso bobo. Tomou o comunicador e colocou entre os travesseiros, tocando Morning Mood.
Theo levou alguns segundos para acordar, moveu a cabeça entendendo o que estava acontecendo.
- Bom dia, recruta. - Sam disse, com a voz ainda um pouco rouca.
- Bom dia, oficial. - Disse após um longo suspiro sonolento. - Já amanheceu?
- Já, e está fazendo um belo dia para conseguir um coração novo. - Sam falava com animação.
Theo sorriu.
- Hoje é o dia, é o seu dia.
- Posso confessar uma coisa?
- Tudo o que você quiser.
- Eu estou uma pilha de nervos, como nunca fiquei em missão alguma.
- Essa é a mais importante da sua vida, literalmente.
- Já estamos no dia nove, meu prazo termina em quatro dias. Eu vou conseguir, não vou?
- Vai sim, e eu estarei ao seu lado enxugando sua baba enquanto se recupera da cirurgia.
Sam correu a mão por sua nuca, e a beijou.
- Sabe há quanto tempo eu não acordo com música? - Igor disse, saindo do carro.
- A música não foi para você. - Theo zombou.
- Claro que não, se fosse para mim seria algo mais animado.
- Vocês dois, se aprontem, vou cuidar do café. - Sam disse, já sentada, coçando os olhos.
- Não, vamos tomar um belo café da manhã na estrada, por minha cortesia. - Igor lavava o rosto na traseira do carro.
- Quem sou eu para discordar de você. - Sam brincou.
Olhou para trás e viu Theo ainda deitada, com preguiça. Inclinou-se sobre ela, roubando um beijo.
- Não vejo a hora de não precisar ter pressa. - Sam murmurou em seu ouvido.
- E dormir no mesmo lugar mais de uma vez.
- Em breve, muito breve. Dividiremos a mesma cama por muito tempo. - Sam deu um beijo rápido e levantou-se.
Já na estrada, Igor despojava-se no banco de trás.
- Coloquem uma música animada, o dia pede! - Igor disse.
- Seu pedido é uma ordem. - Sam ligou o som, tocava músicas antigas.
Depois de algum momento, começou a tocar Heroes do David Bowie.
- Aquela música de novo. - Theo sorriu, ao se dar conta.
- Eu começo e você pega a segunda linha?
- Combinado.
- I, I will be king.
- And you, you will be queen. - Theo apontou para Sam.
No intervalo da música, antes do refrão, Igor se meteu.
- Eu conheço essa música, posso cantar também?
- Não.
- Não.
Responderam ao mesmo tempo, enfaticamente. E continuaram cantando.
- I, I wish you could swim
- Like the dolphins, like dolphins can swim - Sam cantava com animação.
- Though nothing, nothing will keep us together
- We can beat them, for ever and ever
- Oh we can be heroes, just for one day - Theo finalizou.
- Pronto, você já pode falar, Igor. - Theo brincou, no fim da música.
- Agora não quero.
Sam dirigia com a mão direita no volante, a outra apoiava seu queixo, com o braço recostado na porta.
- Eu ouvia essa música quando era criança, e tinha certeza que um dia seria heroína. Não sei do que, mas eu salvaria alguma coisa, ou faria algum ato heroico. - Sam refletia.
- Já pensando no exército?
- Acho que não.
- Quando você entrou no exército, você ainda queria ser uma heroína, fazer a diferença de alguma forma, ou era apenas vocação?
- Era vocação. Mas do meu pai. - Sam resmungou.
- Imaginei.
- Mas seria legal poder ser uma heroína, não acha? Fazer a diferença, mesmo que para uma pessoa, ou só por um dia. - Sam animava-se.
- Se você for heroína por um dia, será para sempre. O ato imortaliza.
- Depende do tamanho do ato. Evitar que um cachorrinho seja atropelado é um ato heroico, mas no dia seguinte ninguém lembrará disso.
- É, depende do tamanho do ato heroico... - Theo concordava.
- Não encontrou ainda um lugar para o café? - Igor perguntou.
- Em meio quilômetro, acalme sua fome.
Minutos depois estacionaram o carro numa rede de fast food no centro de uma cidade de médio porte.
- Nós vamos tomar café aqui? - Igor questionou, já descendo do carro.
- Sim, aqui tem café. E outras coisas.
- Igor, aqui tem café de verdade. Não estou querendo desmerecer seu café. - Theo apontou para Sam, que a conduzia pela mão. - Seu café já me salvou algumas vezes, mas um café de verdade é primordial.
- Eu sei que não é dos melhores. - Sam sorriu e passou seu braço pelos ombros de Theo, lhe dando um beijo no rosto.
Sentaram-se numa pequena mesa quadrada e fizeram seus pedidos para a garçonete virtual que surgiu no meio da mesa.
- Se eu pedir com manteiga, você passa para mim? - Theo perguntou, ao escolher seu pedido.
- Claro, pode pedir. - Sam respondeu carinhosamente, fazendo um afago rápido em sua mão.
- Bem melhor assim. - Igor disse.
- Bem melhor o que?
- Vocês, assim, em paz.
- Você está falando com a nova cidadã... Como se diz, nova-capitalense? Nova-capitaliana? - Sam perguntou, sorridente.
- Americana. Quem nasce na Nova Capital é chamado de americano. - Theo a corrigiu.
- Sério? Ok, então serei uma americana.
- Você não vai voltar para a Europa? - Igor questionou.
- Não, vou morar aqui no Brasil depois da cirurgia.
- Com Theo?
- Quem sabe um dia. - Theo se antecipou, com um sorriso arteiro.
- E seu noivo? - Igor questionou.
- Eu não tenho mais noivo, nós terminamos.
- O major que lustra as botas? - Igor falou rindo, Theo também riu.
- O que? - Sam não entendeu.
- Seu noivo, o major que não está entre nós.
- Ex-noivo.
- Ele também é Borg?
- Não.
- Ainda não transplantam cérebro... - Theo murmurou.
Igor cuspiu o café.
- O que esse cara te fez, criança? - Igor perguntou, rindo.
- Isso. - Theo apontou para seu supercílio, onde havia uma cicatriz recente.
- Ah. - Igor desfez o sorriso. - Que covardia do major.
- Não é um bom assunto para a mesa do café. - Sam encerrou.
- Ok, não conheci o ilustríssimo major, mas acho que você fez uma ótima troca, Sam.
- Uma pena que ronque tanto. - Sam brincou.
Ao final da refeição, Sam mexia em seu comunicador.
- Está orando ou no comunicador? - Theo perguntou.
- Respondendo mensagens de Lindsay e Maritza.
- Como elas estão?
- Lindsay está desesperada porque perdeu um dos empregos, vai ter que fazer horas extras. Maritza sofreu um acidente essa semana, durante uma simulação, mas já está se recuperando.
Nenhuma mensagem de Mike?
- Não, não para mim, mas ele tem falado com Lindsay e Maritza.
- Onde ele está?
- Não sei, e prefiro não saber. Quer ir ao banheiro?
- Sam, toda vez que você vai ao banheiro sozinha alguma merd* acontece, então sim, eu vou ao banheiro com você.
- Ótimo, faça vigília para mim.
Sam usava o banheiro na cabine do meio enquanto Theo massageava a base da mão esquerda, recostada na bancada da pia. Alguém entrou no recinto, entrando na cabine ao lado esquerdo de Sam. Theo estranhou o perfume masculino, mas não deu atenção a este detalhe, ela própria usava fragrâncias masculinas às vezes.
- Sam?
- Já estou saindo.
Para Theo foi apenas um estrondo assustador, a divisória de mármore do banheiro foi espatifada e um homem de gravata azul e amarela estava agora na cabine de Sam, a segurando contra a outra parede, com uma mão em seu pescoço.
- Para constar nos registros, ID militar número 91695355 sendo desligado agora. - O homem que não mudava de semblante falou calmamente, enquanto sacava a pistola de dentro do terno negro.
- Sam! O que foi isso? - Theo aproximou-se, já com sua arma em punho.
- Doze... doze horas.... - Sam falava com dificuldade, com aquela mão apertando seu pescoço. - Doze em ponto, em ponto!
Theo estendeu a mão segurando a arma, apontando para frente. Atirou uma vez, acertando o homem bem vestido no alto do braço, chamando sua atenção.
- Eliminando ameaças. - Ele disse e apontou a arma na direção de Theo.
- De novo! Atire de novo! - Sam pedia.
Theo apertou o gatilho três vezes, mas apenas uma bala o acertou, no rosto, deformando seu queixo. Foi o suficiente para Sam conseguir soltar-se de sua esganadura, o empurrando para frente.
Caíram sobre o vaso da cabine ao lado, Sam girou o corpo, tentando sair de cima dele, o homem a colheu ainda no ar, a segurando por ambos os braços, e ergueu-se rapidamente.
Agora era ele que a empurrava na direção contrária, destruindo o vaso ao lado e depois outra parede de mármore, a prensando com as mãos contra a parede de concreto no final das cabines.
- Atiro de novo? Busco Igor? - Theo perguntou, em pânico.
Sam encarou com raiva a face sem emoção dele, e bradou.
- Você quer brincar? Vamos brincar. - Sam falou.
Sam alcançou a arma elétrica que estava no cós da sua calça, por dentro da camisa. Mesmo com os ombros presos, deu uma cabeçada nele, o afastando o suficiente para erguer um pouco a arma e apertar o gatilho.
Uma corrente elétrica intensa o arremessou contra a parede oposta, três cabines depois. Sam pulou os escombros até chegar ao corpo que ainda vibrava no chão, havia fumaça saindo de suas articulações. Seus olhos incandesceram até chegar num tom vivo de laranja, houve um estouro e os olhos voltaram a cor normal.
Sam abaixou-se devagar, colocou os dedos em sua garganta e tirou rapidamente, sacudindo os dedos.
- Merd*!
- Sam? Que porr* está acontecendo?
- Queimei os dedos.
- Você está bem?
- Sim. - Sam olhava para a mão.
- O que aconteceu? Quem está aí?
- Acabou, vamos sair daqui logo.
Uma senhora com uniforme da lanchonete entrou no banheiro e soltou um grito ao ver o corpo do homem caído na última cabine, suas roupas estavam chamuscadas, o rosto sem expressão e a boca entreaberta liberava fumaça.
- Venha. - Sam saiu rapidamente dali, com Theo em sua mão.
Chegaram com semblantes transtornados na mesa onde Igor as aguardava, e foram logo o chamando para sair dali.
- Esse barulho, foi vocês? O que aprontaram?
- No carro eu explico, levante-se.
Na saída da lanchonete um segurança do estabelecimento segurou o braço de Sam.
- Ninguém sai, a polícia está chegando. - O forte homem continuava segurando seu braço.
- Estamos com pressa. - Igor respondeu.
- Você pode fazer o favor de me... - Sam foi interrompida por um grunhido do segurança, que caiu ainda tremendo no chão.
Theo havia lhe aplicado um choque paralisante.
- Eu não matei, foi só um choquinho. Vamos logo para o carro. - Theo disse.
- Você ainda tem essa arma paralisante? - Sam perguntou, enquanto a colocava dentro do carro.
- Achei no chão do carro hoje, providencial, não acha? - Theo sorriu.
- Que raios aconteceu nesse banheiro? - Igor perguntou agitado, com os braços apoiados nos bancos a sua frente.
Sam acelerou ainda mais ao ouvir as sirenes da polícia, olhando pelos retrovisores e telas.
- Eu também não faço ideia, mas foi algum homem esquisito que entrou no banheiro e fez essa bagunça toda. - Theo disse. - Você se machucou, Sam?
- Não, ele apertou meu pescoço, minha garganta está doendo, mas vou sobreviver.
- Quem era? - Igor perguntou.
- Um cara muito, muito insistente. E imortal, pelo visto.
- Imortal? Você já o viu antes?
- Ele já me apareceu três vezes, essa foi a quarta vez. Na primeira eu apenas desviei dele na estrada, na segunda não deu tempo de desviar, atropelei, ele ressurgiu e tentou me matar, um caminhão o atropelou. Mas não foi o suficiente, ele apareceu uma terceira vez, num museu, quase esvaziei minha arma nele, mas só amassava, não perfurava. A quarta vez foi hoje, fritei com a pistola de eletrochoque que peguei ontem.
- Ele usava gravata azul e amarela? - Igor perguntou, para surpresa de Sam.
- Sim, como você sabe? Theo lhe contou?
- Claro, eu vi a cor da gravata com minha visão supersônica.
- Às vezes eu esqueço que você não enxerga. Ok, mas como você sabia desse detalhe, Igor?
- É um Nêmesis. - Igor disse.
- Explane.
- A Europa quer de volta o que lhe pertence.
- Meu coração?
- Você.
- Mas essas coisas querem me matar.
- E levar seu corpo de volta. Sam, você aprontou algo mais? Colocaram vários Nêmesis na sua cola, você deve ter irritado alguém na Europa.
- Eu fugi do exército.
- Só?
- Fui um pouco malcriada com um general antes de ir embora... - Sam disse sem jeito. - E surrupiei algumas coisas.
- Eles querem o coração de volta, não só o coração, eles querem toda a tecnologia que há em você de volta, eles têm medo que o seu corpo caia em mãos inimigas. E ainda por cima você irritou um general.
- Mas que porcaria são esses Nêmesis? São soldados europeus? São Borgs avançados?
- São robôs europeus, humanoides, com passe livre para matar no território da Nova Capital. Você está mais encrencada do que eu imaginei... - Igor balançava a cabeça.
- A Europa não tem poderes aqui.
- Os Nêmesis têm.
- Então a Europa tem um acordo sangrento com a Nova Capital? - Theo perguntou.
- Tem, um acordo sujo e secreto. A Europa fornece tecnologia de ponta para a Nova Capital, em troca da liberdade de circular seus brinquedinhos mortais por aqui.
- Claro, o governo da Nova Capital sonha em ter a tecnologia da Europa, nem sei porque estou surpresa com isso... - Theo resmungou.
- Despistou a polícia? - Igor perguntou.
- Sim, estamos seguros. - Sam disse olhando novamente ao redor.
- Não, não estamos. - Igor rebateu.
- Eu torrei esse Nêmesis.
- Não sabemos o número ao certo, mas talvez tenham centenas deles por aqui, movendo-se como sombras. - Igor disse.
- Assim que conseguir o coração vou correr atrás da minha liberdade, eu soube que soldados europeus conseguiram anistia aqui na Nova Capital, não terei mais um coração Borg, serei livre.
- Eu já ouvi falar nisso. - Igor disse.
- No que?
- Anistia para soldados. Tem algumas organizações aqui que auxiliam soldados refugiados.
- Você conhece alguma? - Sam perguntou interessada.
- Não, só ouvi falar, mas tem ONG's que podem te ajudar, corra atrás disso quando estiver com o novo coração, peça informações à célula azul, através de Theo.
- Faremos isso. - Theo respondeu por Sam. - Ok, o que fazemos agora, continuamos viagem? Ou nos preparamos para mais ataques de Nêmesis?
- Há um intervalo entre os ataques, então vamos voltar a focar na invasão do laboratório na ilha. - Igor respondeu. - Sam, quer repassar nossa tática ou ainda está tremendo?
- Ainda estou tremendo, temos onze horas de viagem pela frente, me dê um tempo.
- Eu também ainda estou tremendo. - Theo disse.
- Você não conta. - Igor zombou e atirou uma garrafa de água vazia nela.
Theo arremessou uma garrafa cheia de água na direção dele.
- Ai! Meu nariz!
- Ok, o próximo que atirar algo, desce do carro. - Sam disse, entrando na brincadeira.
Theo esticou-se no banco, e pousou sua mão esquerda na perna de Sam, que passou a afagar com cuidado.
- Onde está seu boné? - Sam perguntou, algum tempo depois.
Theo, que estava de olhos fechados com a cabeça recostada abriu os olhos, preocupada.
- Droga, deixei em cima da mesa da lanchonete. - Lamentou, com a mão na cabeça.
- Lá se vai seu boné...
- Que porcaria, não imaginei que teríamos visita no banheiro.
- Acontece.
- Poxa, eu gostava desse... - Theo resmungou, entristecida.
- Tinha valor sentimental?
- Tinha.
- Que pena. Mas veja só que coincidência, achei um igualzinho. - Sam disse e colocou o boné na cabeça de Theo.
- É o meu boné? - Theo tateava a própria cabeça.
- É sim, peguei antes de sair da lanchonete.
- Você acabou de ganhar pontos. - Theo brincou.
- Só isso? Não ganho nem um "obrigada, oficial"?
Theo virou-se na direção dela, com a mão direita erguida, a procurando. Procurou seus lábios com os dedos e lhe deu um beijo.
- Bem melhor. Posso dizer "de nada" na mesma linguagem?
Theo riu e a beijou de novo.
- Esse carro vai encher de formigas, desse jeito. - Igor falou.
- Já que se manifestou, aproveite e pegue uma coisa que está no compartimento de fora da minha bolsa.
- A bolsa preta?
- Sim.
- Aqui, é isso?
- É sim, obrigada.
- O que é? - Theo perguntou.
- Ontem naquele restaurante, antes do trio sequestrador me abordar, eu peguei uma coisa para você da loja de souvenirs. - Sam entregou o pequeno objeto de resina na mão de Theo.
Theo tateou e correu os dedos por todas as curvas e nuances, decifrando o que era.
- É uma praia? - Theo se deu conta, e sorriu.
- É uma praia. Você gosta, não gosta?
- Eu adoro praia. - Theo continuava correndo seus dedos pelo objeto. - Tem alguém surfando nas ondas. E tem conchas.
- Acho que sim.
- Nossa, e tem cocos nos coqueiros.
- É verdade que tem água dentro deles? - Sam perguntou, ingenuamente.
- Essa é uma pergunta séria? - Igor se meteu.
- Não tem coqueiros na Inglaterra.
- Sim, tem água. - Theo respondeu.
- Vocês duas poderiam tomar uma água de coco em Morro de São Paulo algum dia. - Igor disse.
- Você nos levaria de graça?
- Apenas fiz uma sugestão.
***
Próximo das nove de noite estacionaram o carro num pequeno cais de madeira em Grumari, no Rio; haviam barcos pesqueiros balançando no mar agitado e mais nada por perto, apenas a escuridão de uma noite sem estrelas.
- Esperamos até meia-noite? - Theo perguntou, ainda dentro do carro.
Sam saiu e foi até ela, lhe abrindo a porta.
- Você disse que não costumam fazer turnos de trabalho à noite na Archer, mas acho que meia-noite é mais seguro que agora, não são nem nove horas ainda.
- Enquanto isso estiquem as pernas, comam algo, e se concentrem no que faremos. - Igor disse.
Sam foi até a traseira da caminhonete, abrindo a tampa e tirando uma caixa. Entregou biscoitos a Theo e Igor e sentou-se na tampa.
- Não vai comer? - Theo perguntou.
- Acho que não vou conseguir engolir...
- Por causa da sua garganta machucada? - Theo falou terminando de devorar um biscoito.
- Não. Tensão demais. Acho que vou dar à luz a um ovo de preocupação.
Theo se aproximou, lhe tocando no braço.
- Suas metáforas não são boas. - Falou baixinho.
- É, eu sei.
- Permaneça confiante
- E se não der certo?
Theo se aproximou mais, posicionando-se entre as pernas de Sam, que a abraçou, repousando sua cabeça um pouco abaixo do seu peito.
- Você vai conseguir, meu anjo. - Theo disse afagando seus cabelos, segurando um biscoito.
- Isso passeando na minha cabeça é um biscoito? - Sam perguntou franzindo a testa. Theo apenas riu.
Igor voltava da beira do mar, havia ido olhar o estado dos barcos.
- Latas velhas, seis latas velhas. Mas pegaremos aquele ali, o azul, acho que aguenta a viagem. Chegaremos na ilha em quarenta ou cinquenta minutos, se o motor não fundir antes...
- Como os funcionários chegam até a ilha? - Sam perguntou.
- Com super helicópteros, transportam até trinta pessoas e chegam lá em cinco minutos.
- Será que não tem outro cais, com barcos melhores? Faremos a travessia nesse mar revolto num barco em péssimo em estado? - Sam indagou.
- Não tem outro cais. Preparem-se, será uma viagem agitada. E seja o que Deus quiser. - Igor se benzeu, segurando um biscoito.
Nêmesis: Nêmesis é um substantivo masculino com origem no grego, que indica vingança ou indignação justificada. Também é usada como sinônimo de inimigo. Nêmesis também pode ser usada para representar algo que uma pessoa não consegue conquistar ou alcançar, ou um rival poderoso que é muito difícil de vencer. Em muitos casos, nêmesis é uma referência a um agente ou ato de castigo ou vingança.
Fim do capítulo
Meninas, desculpe os comentários ainda não respondidos, irei colocar em dia essa semana.
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