Capítulo 34 - Gaslighting
Capítulo 34 - Gaslighting
A travessia até a bela ilha levaria meia hora, as nuvens haviam dado espaço para o sol finalmente reinar sozinho no céu, deixando um dia perfeito para navegar até aquele pequeno pedaço de paraíso.
Poderia ter sido um passeio agradável no meio de tanta correria e preocupações, mas entre o casal aventureiro as coisas estavam cinzas.
O barco já seguia numa boa velocidade e ambas estavam no andar de cima, lado a lado no parapeito da grade de segurança. Em silêncio, suas roupas e cabelos tremulavam com o vento, Theo guardara o boné na presilha da calça.
Sam dividia seus olhares entre a paisagem e Theo. De forma hesitante pousou sua mão sobre a mão dela em cima da grade. Ao se dar conta do que acontecia, Theo deslizou sua mão para o lado, a retirando.
- Tem um assento vago ali no canto, não quer sentar? - Sam perguntou, tentava qualquer coisa para iniciar uma conversa.
- Não, obrigada. Mas sente-se lá se quiser.
- Você pode sentar no meu colo, minha perna mecânica aguenta a compressão de até meia tonelada. - Sam brincou.
- Estou bem aqui. - Theo respondeu sem mudança de expressão.
O sorriso de Sam desapareceu, dando lugar à desolação.
- Você disse que me desculpou, mas está distante, fria.
- Discordo, estou sendo cordial e respeitosa com você.
- Você está diferente, Theo.
- Não, eu estou te tratando de forma normal, como quando nos conhecemos.
- Mas naquela época não tínhamos nada.
- Exatamente.
Sam a olhou por alguns segundos, em silêncio.
- Entendi. - Sam balançou a cabeça, assimilando. - Ok, se você quer que as coisas sejam assim, então que seja.
O barco atracou num dos spots da ilha, conectando-se ao cais, a dupla aguardava por Igor na saída do barco.
- Já almoçaram? - Igor perguntou ao passar por elas.
- Eu te convidei para almoçar primeiro. - Sam brincou.
- Bem lembrado. Me sigam, vamos comer um peixe fresco.
Os três subiram pela entrada da ilha, desceram uma ruela e adentraram um restaurante simples.
- Esse aqui não é para turistas, mas a comida é até melhor. - Igor disse já sentando numa mesa plástica, sendo acompanhado por elas.
- Peixe, quanto tempo não como peixe. - Sam falou, Theo permanecia quieta.
- Você não enxerga? - Igor perguntou a Theo.
- O que?
- Não, não enxerga. - Sam respondeu por ela.
- E não ouve? - Igor riu.
- Ouço sim, mas não estava prestando atenção. - Theo respondeu rispidamente.
Sam bateu com seu pé no pé de Theo por baixo da mesa, chamando sua atenção.
- Então, o que uma tenente do grandioso exército europeu procura nestas terras?
Sam se aproximou de Igor, inclinando-se para frente.
- Aqui é seguro? - Sussurrou.
- Estamos entre amigos.
- Ok. - Sam ajeitou-se na cadeira de madeira. - Serei direta: você sabe onde o Beta-E é fabricado?
- Bem direta. - Igor servia seu prato.
- Você poderia dar uma resposta direta também. - Theo disse.
- Se eu tivesse uma resposta, eu não te daria, nem sei quem é você.
- Theo está num dia ruim. - Sam se desculpou. - Você sabe do que estou falando, você sabe das vacinas, então mesmo que não saiba onde estão as matrizes do Beta-E, talvez tenha suspeitas, ou outras informações.
- Sabe. - Igor mastigava devagar, olhando para o lado, onde haviam alguns coqueiros. - Uma vez a polícia do governo mandou um casal à paisana falar com um companheiro meu, aqui em Salvador mesmo. Se passaram por turistas, fretaram seu barco, fizeram um lindo passeio ao redor de Itaparica. - Olhou com um sorrisinho para Sam, e continuou. - O casal nunca mais foi visto, talvez estejam no fundo desse mar.
- Não somos da polícia do governo, abrimos o jogo desde o início. - Theo respondeu.
- Sabemos que é o grupo Archer que está por trás da fabricação. - Sam soltou a informação, mudando o semblante de Igor.
- Odín disse isso?
- Não, descobrimos sozinhas.
- Vocês têm ideia no que estão se metendo? A Archer não é a empresa mais poderosa da Nova Capital à toa, é um império antiético que controla um braço do governo, eles têm poder de justiça, esmagam quem se coloca no caminho deles.
- Não vamos desafiá-los, só precisamos pegar as matrizes do Beta-E.
- Para que?
- Entregar para outro laboratório. - Theo respondeu.
- Qual laboratório?
- Não sabemos.
- Tem recompensa pelas matrizes?
- A recompensa é um novo coração artificial para mim, o meu vai desligar semana que vem.
- Quem é seu contratante? O exército europeu? Esse laboratório que quer as matrizes é europeu, não é?
- Não sabemos, tudo que sei é que meu contato se chama David, mas não sei qual é a empresa ou nação por trás disso.
- Por que não rouba um banco e compra um coração no mercado negro?
- Eu preciso de um coração específico.
- Espera aí... - Igor arregalou os olhos. - Então é verdade? Vocês existem?
- Vocês?
- Borgs. Você é uma Borg?
- Você sabe sobre os Borgs? - Sam indagou surpresa.
- São lendas que ouço, nossa célula vermelha é especializada no planejamento tático e administrativo, mas ouço coisas da célula amarela sobre os avanços tecnológicos, é a especialidade deles.
- Qual a especialidade da azul? - Sam perguntou a Theo.
- Espionagem.
- Então você tem um coração de Borg? O que mais é artificial em você?
- Minha perna.
- Não tem implantes neurais?
- Tenho, não apenas neurais.
Igor sorriu fascinado.
- Estou quase pedindo um autógrafo a você.
- Preferiria não ter nada disso. - Sam sorriu com timidez.
- Posso ver sua perna?
- Ok, voltando ao assunto. - Theo interrompeu. -Temos a informação que as matrizes estão no mesmo local onde o Beta-E é fabricado, então procuramos algum laboratório grande e clandestino, o que você sabe sobre isso?
- Não sabia das matrizes, nunca ouvi falar disso.
- Mas sabe sobre o Beta-E.
- Apenas sei que o Beta-E é fabricado numa ilha.
Os olhos de ambas brilharam com a informação.
- Qual ilha?
- Boa pergunta.
- Você sabe, não sabe?
- Não faço ideia.
- Pelo amor de Deus, Igor, minha vida depende disso, qual ilha? - Sam implorou.
- Eu juro pelo Senhor do Bonfim, não sei qual é a ilha.
- Amigo, você tem ideia quantas ilhas tem no Brasil? Você deve ter mais informações, ou sabe como consegui-las, então pare de nos enrolar. - Theo disse.
- Não sou seu amigo, e não será nesse tom que você conseguirá alguma coisa.
Theo respirou fundo, engolindo a ansiedade.
- Sabe o estado pelo menos? - Sam tentou.
- Não, não sei. Escutem, eu realmente não tenho mais informações, gostaria de poder ajudar, nossa célula também procura a origem do Beta-E, mas isso é tudo que sei.
- Você faz parte da liderança?
- Estou chegando agora, ainda não tenho acesso a todas as informações, estou tomando aos poucos o lugar que meu pai deixou, ele era um dos líderes.
- Onde está seu pai?
- Se foi, sumiu no MT, você sabe o que acontece com quem some.
- Nunca mais aparece. - Theo respondeu.
- Você poderia procurar o núcleo e pedir por mais informações hoje, nós estamos sem rumo, esperando alguma pista concreta, podemos aguardar um pouco.
- Eles me passaram todas as informações que podiam, não me darão mais nada.
- Peça como favor pessoal. - Sam insista.
- Mocinha, acho que você não sabe como funciona o grupo, não é? Não somos uma irmandade, não somos amigos, cada um trabalha em prol de um bem maior, mas sem maiores contatos com outros membros, por segurança.
- Porque se um for pego, não tem muito o que entregar. - Theo completou, mexia devagar na mão ferida, com dor.
- Você pode pelo menos tentar? - Sam pediu.
Igor correu a mão pelos cabelos curtos negros ondulados, hesitante.
- É melhor terminarem suas refeições, o barco parte em quinze minutos.
Os três deixavam o restaurante e retornavam ao cais, era a metade de uma tarde agradável.
- Já conhecia Morro de São Paulo?
- Não. - Sam respondeu.
- Então não posso te deixar ir embora sem ver isso. - Igor mudou o rumo, as conduzindo numa estrada estreita.
Despontaram num mirante, que dava para o outro lado da ilha, era possível ver três praias com águas claras azuladas e alguns corais por baixo.
- Nossa... - Sam olhou impressionada para aquelas porções cristalinas de mar emolduradas por coqueiros.
- Já viu algo mais bonito? - Igor perguntou, orgulhoso.
- Nunca vi nada parecido, não sabia que o mar poderia ter essa cor. - Sam continuava olhando encantada.
- Se você tiver oportunidade de voltar, venha com tempo, mas cuidado, muitos não conseguem sair daqui. - Igor riu.
- Theo, eu encontrei. - Sam dizia com um sorriso.
- O que?
- Algo para comparar com seus olhos, eles são da mesma cor dessas águas.
- São?
- Sim, seus olhos já não são inefáveis. - Sam teve vontade de pousar a mão em seu rosto, mas desistiu, temeu ser repelida.
- Você também nunca esteve aqui? - Igor perguntou a Theo.
- Não, nunca estive.
- Bom, contemplação finalizada, vamos descer para o cais. - Igor saiu caminhando na frente.
- Voltaremos aqui, algum dia. - Sam sussurrou no ouvido de Theo, tomando sua mão para a caminhada.
Ao desembarcarem em Salvador, foram até a cabine falar novamente com Igor.
- Pelo menos aproveitaram o passeio? - Igor brincou.
- Você realmente vai nos deixar de mãos abanando? - Sam falou com uma voz cuidadosa, próximo dele.
- Eu dei uma informação.
- Vaga. - Theo resmungou atrás de Sam.
- É tudo que tenho.
- Não conheço a cidade, o que acha de nos mostrar um pouco de Salvador hoje à noite? - Sam convidou.
Igor não respondeu, deu alguns comandos numa tela de comando a sua frente.
- Um jantar quem sabe? - Sam insistiu.
- Você é insistente.
- E persistente.
- Tenho compromisso hoje à noite, mas passem aqui amanhã antes das oito, quem sabe eu tenha novidades.
- Você vai falar com alguém? - Sam se animava.
- Não prometo nada, mas um bom café eu poderei oferecer.
- Combinado. - Sam estendeu a mão, o cumprimentado.
Assim que entraram na caminhonete, Sam percebeu o semblante fechado de Theo.
- Passaremos a noite em Salvador, quer dar uma volta? Ainda nem são três da tarde e o dia está lindo.
- Quero analgésicos. - Falou de forma ríspida.
- Quanto mau humor. - Sam virou-se para trás, pegando um comprimido da caixa médica.
- Tome. - Entregou com uma garrafa de água. - A mão está doendo?
- Bastante.
- Deve incomodar o tempo todo, não é?
- Sim.
- Ok, vou deixar você quieta. - Sam deu partida com o carro.
- Você estava flertando com Igor? - Theo perguntou incisivamente.
- Claro que não.
- Vocês estavam flertando.
- Não, não estava flertando coisa alguma.
- Estava sim.
- Eu estava sendo educada para conseguir informações, e você deveria ter feito o mesmo.
- Vocês estavam flertando. - Theo resmungou baixinho, de forma quase inaudível.
- Pare de repetir isso.
Ficaram em silêncio por alguns minutos, Theo voltou a falar.
- Para onde estamos indo?
- Procurar algum lugar para ficar, vou aproveitar essas horinhas para lavar roupas, depois descansar.
Estacionaram numa pousada num casarão antigo nas proximidades, pegaram um quarto e passaram a tarde e a noite sem trocar palavras. O lugar era todo bege e marrom, incluindo a roupa de cama, tinha uma pequena janela com vista para a Baia de Todos os Santos.
Sam acordou no início da madrugada e não encontrou Theo na cama, a fazendo levantar rapidamente.
- Theo? Está no banheiro?
Ninguém respondeu, foi até o banheiro e a porta estava trancada por dentro.
- Theo, você está aí dentro?
- Estou.
- Por que trancou a porta?
- Quero privacidade. - Theo falava com uma voz fraca, triste.
- O que você está fazendo?
- Nada.
- Então saia daí e volte para a cama.
- Não.
- Anda, venha dormir.
- Não consigo dormir.
- Por causa da mão? - Sam falava com as mãos espalmadas na porta marrom.
- Sim.
- Saia daí, venha que eu te ajudo a dormir, te dou mais analgésico.
- Eu quero ficar aqui.
- Por que?
- Quero ficar longe de você, me deixe em paz. - Sua voz era sofrível.
Sam ficou em silêncio, tentando entender.
- Deixe de frescura, saia daí logo.
- Você conseguiu, parabéns.
- Consegui o que?
- Nunca mais chegarei perto de um piano, não era isso que você queria? Você conseguiu, eu não mexo mais meus dedos.
Sam sentiu-se mal, enjoada.
- Perdeu o movimento dos dedos?
- Perdi.
- Eu sinto muito.
- Não sente não.
Sam fechou os olhos recostando a testa na porta.
- Me desculpe.
Theo não respondeu.
- Saia do banheiro, eu cuido da sua mão aqui fora e te ajudo a dormir.
- Não.
- Por que você tem que ser tão teimosa? Saia logo daí.
- Por favor, me deixe em paz.
- Você está sofrendo porque quer.
- É, estou sim.
- Não ache que estou com pena de você, a culpa também é sua. - Sam falava agora num tom sério.
- Não quero sua piedade, quero só ficar longe de você.
- Você vai embora?
Theo demorou para responder.
- Não.
- Eu não quero que você vá.
- Tanto faz.
- Estou tentando te ajudar, mas você é tão arrogante que não permite, vai ficar aí sofrendo com dor na mão.
- De arrogância você entende, não é mesmo? - Theo retrucou.
- E de vitimismo você é profissional.
- É por isso que nunca vou conversar sobre minhas coisas, não tenho a menor vontade de dividir minha vida com uma pessoa egoísta como você.
- Egoísta foi você não me dando as informações mais importantes, você pensou só no seu bem estar, na sua segurança, e agora vem bancar de vítima? Você tem uma boa vida e um futuro pela frente, e eu? Eu estou tentando sobreviver! Mas você é uma exagerada, faz drama desnecessário.
- Como se eu ignorasse sua busca, não é? Você me decepciona cada vez mais, nos últimos dias só tem me surpreendido negativamente. - Theo disse com pesar.
- Olhe tudo que já fiz por você! Por causa de um rompante meu, um rompante totalmente justificável, que fique claro, você anula tudo que já te fiz, o quanto já cuidei de você e dessa maldita mão que só me dá dor de cabeça!
- Deixe a porcaria da minha mão então! Eu cuido do meu jeito, eu não te pedi nada, você que está me enchendo o saco aqui, desde o início dessa conversa idiota que estou pedindo para me deixar em paz, mas você é chata, é insistente.
Sam a essa altura já se exaltava do outro lado da porta.
- E você é petulante! E muito mal-agradecida!
- Obrigada por ser esse animal incontrolável e foder com a minha mão! - O clima piorava cada vez mais, os ânimos se inflamavam.
- Eu tive minhas razões! Você não consegue entender o que passei? Eu tinha certeza que você era uma traidora, que trabalhava nessa merd* de empresa! Eu vi a foto e deduzi que você era alguém enviado para acabar com a minha vida!
- Nada justifica sua violência!
- Eu estava desesperada! Eu fiquei sem chão, mas que merd*! Você não vai me entender nunca? Como você se sentiria se descobrisse que a mulher que ama quer sua morte?
- O que você disse? - Theo franziu as sobrancelhas, confusa.
- Oh droga... - Sam fechou os olhos deixando a cabeça cair junto a porta, ao lado das mãos espalmadas.
A discussão se encerrara de forma abrupta e inesperada, trazendo um silêncio carregado de confusão. Depois de longos segundos, Sam voltou a falar, agora já recomposta.
- Se quiser que eu olhe sua mão e dê mais analgésicos estarei aqui fora.
- É verdade o que você disse? - Theo perguntou ainda assimilando.
Sam demorou para responder.
- Por que você acha que terminei tudo com Mike?
Theo não respondeu.
- Eu vou dar uma saída, não abra a porta para ninguém. - Sam informou.
- Onde você vai?
- Dar uma volta.
Sam trocou de roupas e saiu da pensão. Theo saiu do banheiro algum tempo depois, foi até a cama e não a encontrou. Deitou-se, mas não conseguia dormir.
Meia hora depois, ouviu a porta se abrindo.
- Sam?
- Sou eu.
Sam foi até seu lado na cama.
- Chegue para lá um pouco. - Sam pediu, e sentou-se na beira da cama.
Theo não fazia ideia do que estava acontecendo, permaneceu deitada, com semblante apreensivo. Sam tomou seu braço direito, esfregando seus dedos por sua pele.
- Não mexa o braço. - Sam pediu, e aplicou lentamente uma injeção em sua veia.
- O que é?
- Hidrometa, 2 ml.
Theo logo sentiu a onda de calor subindo por seu corpo, fechando os olhos com força.
- Tem mais 8ml, usaremos com moderação nos próximos dias, ok? - Sam disse.
Theo balançou a cabeça concordando. Sam ergueu-se da cama e guardou o restante das ampolas na caixa médica. Trocou novamente de roupa e deitou-se ao seu lado.
- Tente dormir. - Sam orientou, virando-se para o lado de fora da cama.
- Obrigada. - Theo murmurou.
***
Theo sentou-se na cama num rompante, já estava quase amanhecendo.
- O quarto. - Falou assustada.
- Ãhn? - Sam acordou também, sem entender o que acontecia.
- O quarto. - Repetiu.
- Que quarto?
- Branco. - Theo tateou ao seu lado avidamente, procurando por Sam.
- Estou aqui. - Sam disse, segurando sua mão. - Que quarto branco?
Theo parecia confusa, soltou sua mão, esfregando o rosto com um semblante angustiado. Suspirou fundo e deitou-se, virada para fora.
- É por causa dessa porcaria, você tem pesadelos quando toma hidrometa e acaba me acordando também. - Sam resmungou.
Theo permaneceu em silêncio, Sam inclinou-se por cima dela, a observando, estava apertando os olhos com os dedos, com a respiração forte.
- Você está bem? - Sam perguntou.
- Me deixe em paz. - Theo encerrou, com a voz baixa.
- Ok. - Sam voltou a dormir.
***
- Bom dia, tenente! - Igor cumprimentou Sam assim que desceram as escadas do cais, onde os barcos e lanchas atracavam logo cedo.
- Bom dia, capitão. - Sam brincou, Theo estava ao seu lado com cara de poucos amigos.
- Vieram pelo café?
- Um bom café enriquecedor, eu espero.
Igor riu e se dirigiu até elas, apertou a mão de ambas.
- Vou ao escritório e já volto para levar vocês para o melhor café de Salvador.
- Espero que faça jus a propaganda. - Sam disse, e sentaram-se na mureta de pedras.
Theo entregou seu boné para Sam, tentava prender seu cabelo.
- Temos que ter um plano B. - Sam dizia, pensativa.
- Para o que?
- Para que Igor nos ajude, eu tenho certeza que ele tem mais informações do que diz ter, então por favor, seja simpática hoje.
- Serei um poço de simpatia.
Sam continuava compenetrada, fazendo planos.
- Temos uma carta na manga, e se for preciso teremos que usar.
- Qual carta? - Theo tomou o boné de volta, recolocando já com um rabo de cavalo.
- Você.
- Eu?
- Se ele não colaborar, diremos a verdade, que você é filha do Benjamin Archer.
- Eu não sou seu objeto de barganha. - Theo dizia com indignação.
- Que mal tem? Ele vai ficar fascinado com essa informação, vai querer fazer parte da nossa busca, não vai te fazer mal algum.
- Eu decido para quem contar, não você, é minha vida pessoal.
- Por segurança? Para a sua segurança? Você está pensando só em você, Theo.
- É o que eu tenho feito desde o início. - Theo debochou, e Igor retornou.
- Vamos? - Igor as chamou, e seguiram para um bar popular numa esquina dos casarões restaurados ali perto.
- Tem café aqui? - Sam olhava para todos os lados, era um lugar pequeno com três mesas metálicas com cadeiras.
- Tem sim, e sabe o que não tem aqui?
- O que?
- Os pássaros. - Igor apontou para o alto, na direção da porta.
- Ótimo. - Sam sorriu, e pediram seu desjejum.
Os minutos passavam e a conversa não saia das amenidades, Theo evitava participar da conversa, sua mão, que agora não mais se movia, voltara a doer com força total.
- Igor, já estou no segundo café, o que acha de falarmos sobre suas descobertas? Nosso tempo é curto. - Sam interrompeu a conversa sobre a carreira de ambos no exército, Igor havia servido na marinha da Nova Capital por seis anos.
- Não está gostando do café? - Igor sorriu.
- Você está nos enrolando, não é? - Theo entrou na conversa, já impaciente.
- Não, apenas estou sendo educado com vocês. Mas já que entraram no assunto, conversei com algumas pessoas ontem e não consegui nada de novo.
- Mais nenhuma informação? - Sam perguntou com desalento.
- Se eles possuem informações, me ocultaram, apenas me disseram que continuam investigando o grupo Archer, colocando espiões infiltrados nas diversas sedes.
- E até agora os espiões não deram nenhuma informação importante? - Sam perguntou.
- Nada que ajude vocês.
- Você conhece algum dos espiões infiltrados? - Theo perguntou.
- Não, isso não é da minha alçada.
- Algum nome? Sabe o nome de algum? Talvez eu conheça. - Theo insistia.
- E por que você conheceria?
- Por que eu sou filha do presidente da empresa, eu conheço um bom número de funcionários.
Igor e Sam arregalaram os olhos ao mesmo tempo, Igor a olhava estupefato.
- Você quer que eu acredite que essa garota maltrapilha sentada a minha frente é filha do Benjamin Archer? É alguma piada? - Igor perguntou a Sam.
- Procure no seu comunicador. - Theo respondeu antes que Sam pronunciasse algo.
- Procurar o que?
- Meu nome, Theodora Bedford Archer.
Igor olhou hesitante para Sam.
- Faça o que ela está dizendo, busque o nome.
Igor sacou o comunicador e confirmou a identidade de Theo, olhando boquiaberto para a pequena tela.
- Então você está do outro lado. - Igor falou nervosamente.
- Não, ela está do seu lado, e do meu lado, está me ajudando na busca.
- Como vou acreditar que ela não está defendendo os interesses do papai?
- Não está, acredite. - Sam disse.
- Eu faço parte da célula azul, lá eles sabem quem eu sou. E nesse momento meu objetivo é conseguir as matrizes para ela, foda-se meu pai, células, Archer, eu só quero achar esse laboratório. Para isso eu me coloco a sua disposição para dar as informações sobre a Archer que você quiser. - Theo falou.
- Em troca de que?
- Tudo que você está escondendo de nós. - Theo disse enfática.
Igor esticou-se para trás na cadeira de metal, pegou seu copo de café dando o último gole. Fitou analiticamente para ambas, como se decidindo seus próximos passos.
- E então? Precisa de um terceiro café ou vamos acabar com a enrolação? - Theo arrematou.
Igor largou lentamente seu copo em cima da mesa, ajeitou seu cabelo ondulado para trás.
- Ilha das Peças, Rio.
Ao final da conversa, um pássaro drone espião abandonou a porta do bar, sem ser percebido em nenhum momento.
***
Gaslighting: Técnica de manipulação emocional que desqualifica a pessoa, mesmo que ela tenha razão. O gaslighting pode ser qualificado como violência de controle/cerceamento ou também como violência psíquica/verbal.
Exemplos: "Calma, era só uma brincadeira", "Você está exagerando", "Você está surtada", "Cadê seu senso de humor?", "Você é sensível demais, relaxa um pouco", 'Tá de TPM?".
Nesse tipo de relação, o abusador tende a distorcer, omitir ou mesmo inventar informações, fazendo a vítima duvidar de sua memória, razão e sanidade. Ele também pode afastar a vítima de pessoas conhecidas, convencendo-a de que é o melhor a se fazer, ou que aquelas pessoas que foram afastadas eram pessoas ruins.
Mais informações:
- http://www.papodehomem.com.br/porque-as-mulheres-nao-estao-loucas
- http://www.dicasdemulher.com.br/gaslighting/
Fim do capítulo
Esse sem sombra de dúvidas foi o "eu te amo" mais inusitado que já escrevi...
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viiihellen
Em: 15/11/2015
Mas foi em um bom momento, afinal, se ela não tivesse dito acho que Theo iria querer ir embora de novo!!!

Mag Mary
Em: 18/10/2015
Ainda estou com raiva da Sam, mesmo ela dizendo que ama a Theo, e exatamente por isso ela não devia ter agido daquela forma. Só espero que a Theo consiga superar isso, que arrume um tratamento pra essa mão.
Ah vi que você mora na cidade de todos os santos né, meu amor também mora aí <3.
Bjus
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Lekanto
Em: 12/10/2015
Apesar do "Eu te amo" inusitado, a Theo tem motivos para ficar com raiva da Sam. Só espero que não demore muito para elas fazerem as pazes.
Fique bem.
Resposta do autor:
Oie!
Agora nos resta a expectativa que um novo 'eu te amo', dessa vez de uma forma decente, seja pronunciado em breve.
Eu tb fiquei com raiva da Sam em alguns momentos, entendo o que Theo está sentindo.
Obrigada ;)
Bjinhos!
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Anonimo 403998
Em: 12/10/2015
Adorei esse momento do 'eu te amo'
Explica um poko, mas não redime a Sam, apesar de eu achar q agora a Theo pode começar a tentar dar outra chance p a Sam.
Amei o capítulo, mas vc já deixou plantada a próxima confusão neh?
Espero q elas consigam se livrar disso e conseguir o coração da Sam ><
bjs ;]
Resposta do autor:
É, esse 'eu te amo' torto até ameniza um pouco as coisas, mas não resolve o que tá feito né?
Sam vai ter que ralar...
No dia que eu não plantar uma confusão, é melhor checar minha temperatura... rs
Obrigada por comentar ;)
Bjos
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