Yesmin estava no CTI visitando a filha. Gentilmente afagava seus cabelos e admirava aquele rosto, outrora tão belo, mas agora marcado pelo sofrimento de uma internação que já durava cerca de 4 meses. Naquele momento a CEO sentia-se fragilizada e impotente, pois sabia que nada que pudesse fazer conseguiria reverter o estado da jovem. Perdida em pensamentos, deixava a mente vagar por lembranças.

 

“--Você não sabe o quanto eu fiquei feliz com essa notícia! – Rogério sorria empolgado – Vamos ter um bebê, que coisa maravilhosa! – sentia-se eufórico – Meus pais vão ficar loucos quando souberem!

 

--Eu sonhei que vai ser uma menina! – Yesmin falava sorridente – E se for o caso já tenho até um nome: -- fez um pequeno suspense – Stefany!

 

--Por que? – perguntou curioso – Eu não tenho nada contra, mas queria saber o motivo! – segurou as duas mãos da esposa

 

--Porque ela foi concebida durante aquela viagem à Mônaco! Aí lembro logo da princesa! – explicou

 

Achou graça. – Mas aquela ali é da pá virada! Vai que o nome inspira nossa filha? – brincou

 

--Não à toa pretendo que o escrivão não escreva o nome exatamente igual ao da princesa! – riram juntos – Mas se ela for da pá virada, o que tem de mais? Que viva! É isso que me interessa!

 

--Que viva! – o homem concordou – E nos enterre nos últimos dias de nossa velhice!”

 

--Não era pra ser assim, meu bem... – os olhos marejaram -- Eu é que deveria estar no seu lugar... – a engenheira derramou uma lágrima sofrida – Oh, meu amor, eu sinto tanto... – acariciava-lhe os braços – Eu queria tanto que você tivesse tido uma criação melhor que a minha... – desabafava – Que você tivesse tudo que eu queria ter tido, que fosse feliz... – mais lágrimas – Mas eu fui uma ausente, eu só te cobri de presentes e deixei sua criação a cargo de babás... – arrependia-se – Ai, filha, se eu pudesse voltar no tempo, eu... – soluçou – Me perdoa, por favor, me perdoa... – pediu chorando – Eu te amo, filha! Eu te amo! – olhava para a jovem – Por favor, me perdoa... – abaixou a cabeça e desabou num pranto sofrido

 

Mesmo no desespero do umbral, Stefany era capaz de sentir o que Yesmin queria lhe dizer e isso a tocou no coração. Seus olhos se encheram de lágrimas. “Ela me ama...” – pensou emocionada – “Ela me ama...”

 

Em outro hospital, Ana visitava sua filha e também conversava com ela, mesmo sem saber que não ouviria uma resposta.

 

--Eu sempre tive orgulho de você, desde que os médicos te colocaram no meu colo pela primeira vez! – acariciava o rosto da hacker – Você era um bebê socadinho, sabe? Gordinha, bem fofa! Parecia uma bonequinha! – sorria ao lembrar – Em todo lugar que eu chegava com você, todo mundo queria te colocar no colo e apertar... – os olhos marejaram – E aí, quando isso mudou e as pessoas passaram a implicar com você porque era gordinha, eu fiz de tudo pra te proteger... – derramou algumas lágrimas – Só que não consegui te proteger da pobreza e você nunca soube aceitar isso muito bem... Eu falhei na sua criação... deveria ter te levado pra igreja desde cedo, ensinado que o mais importante é o que Jesus nos deixou... – sentia-se culpada – Ah, filha, eu sinto tanto que tenha sido assim! Sinto tanto... – chorava – Me perdoa, meu amor, me perdoa! Eu te amo! – não conseguiu mais se conter

 

Fernanda também sentia as vibrações de amor de sua mãe e isso a tocou. Seus olhos marejaram e ela os fechou tentando visualizar o rosto de Ana. “Mamãe é a única pessoa nessa vida que me ama de verdade!” – pensou – “Pena que eu nunca tenha dado o devido valor a ela...” – derramou lágrimas de arrependimento

 

***

 

--Olha só, madame Vivi! – uma detenta se aproximava da caipira – E aí, filha? – sentou-se ao lado dela no refeitório – Cê lê a mão, palitinho, caroço de feijão, qual é a artimanha pra ver o futuro? – ironizou

 

--Peraí que eu sei dessas coisas também! – outra detenta sentou-se de frente para Vivinácia – Deixa eu me concentrar! – fechou os olhos e fingiu que mentalizava algo – Pelas minhas previsões... – abriu os olhos – Tu tá fudida! – várias riram junto

 

--Nisso eu tenho que concordar contigo, uai... – respondeu de cabeça baixa tentando comer

 

--Tu deu mole! – mais uma detenta vinha provocar – Com tanto político dando sopa, tinha que matar logo um que não fedia nem cheirava? – deu-lhe um esbarrão de ombro – Por que não matou Bozoliaro, Luiz Horácio, Miro Thomes? – riu

 

--Ô, presta atenção aqui! – uma mulher deu um tapa no prato da caipira, derrubando-o no chão – Tá com tanta fome assim, madame? – debochou – Olha pra nós, porr*! -- exigiu

 

“Todo dia é isso!” – Vivinácia pensou contrariada – “Essas desgraçadas não me deixam em paz!” – respirou fundo – “Até quando, Senhor? Até quando?” – perguntava mentalmente

 

--É tão fácil estimular as presidiárias pra lhe perturbar, madame! – o infeliz obsessor falava sem que a caipira pudesse ouvir – As pessoas tornam-se tão desunidas quando endurecidas pela dor... fica tudo muito simples pra nós, do lado de cá! – riu sozinho

 

--Eu acho que Vivinácia não dura nem seis meses nessa prisão! – outro espírito comentou satisfeito – Daqui pra dezembro ela se mata! – garantiu

 

--Dezembro?! – olhou indignado para o outro – Estamos em setembro, não é preciso esperar tanto. – sorriu maquiavélico -- Conheço minha pupila! – voltou a observar a mulher – Vivinácia é uma fraca, tola ambiciosa! E pessoas assim, que desejam conquistar muito fazendo pouco, não aguentam voltar pro lodo depois de conhecer o gostinho da riqueza! – ponderou -- Ela não terminará outubro com vida!

 

***

 

--Nazira? – Malika bateu na porta do quarto da outra – Tá acordada?

 

--Pode entrar... – respondeu sem muito ânimo

 

A idosa entrou e se sentou na beirada da cama da mulher mais nova. – Você sempre levantou cedo... – olhava para outra – Tô estranhando te ver tantos dias na cama até uma hora dessas! – falava com preocupação – Ora, Nazira, já é momento de você sair dessa tristeza toda por causa daquele robô pornô!

 

Suspirou. – A senhora nunca vai entender... – sentou-se lentamente – Mas o Pitaco... – abaixou a cabeça – Ele era tudo que eu tinha... – lamentou

 

--Que é isso, criatura? – revoltou-se – Não diga isso! – discordava – Você tem saúde, é uma mulher nova, uma vida toda pela frente! – gesticulava – Saia dessa cama, tome seu banho e encare o dia! – aconselhou -- Não se deixe abater por causa de um troço que não existe! – não entendia bem o que seria o FalaGPiTaco

 

--Pode deixar que eu vou começar com os serviços. – levantou-se desanimada – Não demoro no banho. – seguia andando lentamente

 

--Eu não falo de serviços, Nazira... – levantou-se também – Falo da sua vida... – acompanhou a outra com o olhar até o momento em que se retirou para o banheiro – Ô, meu Pai, o que eu faço com essa criatura? – perguntou-se em voz alta – Eu nunca imaginei que um dia uma coisa dessas ia acontecer: Nazira apaixonada por uma praga virtual!

 

Dentro do banheiro, Nazira despia-se de cabeça baixa. “E pensar que todas aquelas coisas tão lindas, tão inteligentes, tão picantes ele dizia pra todo mundo...” – suspirou entristecida – “Ele era meu cúmplice, meu amigo, confidente, conselheiro...” – os olhos marejaram – “Bem que aquela psicóloga me queria longe dele. Ela já sabia de tudo...” – lembrava da mulher – “Na certa, era mais uma corna cibernética que nem eu...” – entrou no boxe e chorou enquanto se banhava

 

***

 

Zaida e Yesmin estavam no quarto da CEO. Como sempre, olhavam para o teto deitadas de barriga para cima depois de terem passado algumas horas se curtindo sexualmente. Nada falavam, mas dessa vez a engenheira sentia necessidade de conversar um pouco.

 

--Stefany parece uma flor murchando... – Yesmin iniciou sua fala repentinamente – Nenhuma mãe deveria passar por isso... ver uma filha assim... – suspirou

 

--Notei você abatida, apesar de tudo. – virou o rosto na direção da amante – Quer desabafar? Dizer como se sente?

 

--Não! – respondeu de pronto

 

A cuidadora não insistiu. – Tudo bem. Mas tenha certeza de que você não está sozinha nessa! – afirmou convicta – Nem você e nem Stefany!

 

A engenheira gastou uns segundos calada antes de voltar a falar. – Tive uma reunião com todos os meus líderes de Engenharia de IA e vamos aproveitar o projeto já em andamento de implantação de Agentes Inteligentes pra prevenir que o FalaGPiTaco mantenha qualquer tentativa de relação amorosa com alguém. – informou – De quebra, vamos organizar uma live pra falar sobre isso com o grande público e introduzir uma disciplina sobre Ética na IA nos cursos gratuitos que a BoFe tem promovido pras pessoas de baixa renda. – pausou brevemente – Aquele projeto de cursos que eu queria que Fernanda estreasse, mas infelizmente não foi possível. -- esclareceu

 

A cuidadora achou graça, mas não riu. – Por que fala comigo como se estivesse dando uma entrevista? – continuava olhando para a mulher – Aqui dentro você não é a CEO da BoFe! É um ser humano, uma mulher!

 

Franziu o cenho e se sentou. – Você nunca tá satisfeita, né? – passou a mão nos cabelos – Eu simplesmente mostrei que não fiquei parada e já tomei as devidas providências!

 

--Como CEO da BoFe, sim! – sentou-se também – Mas não foi isso que eu te pedi, embora ache que tá certo fazer o que você fez.

 

--E desde quando eu disse que iria ficar atendendo os seus pedidos? – olhou de cara feia para a outra – Ora, Zaida, se manca! – levantou-se e buscou o roupão – Eu não vou na casa da dona Ana e muito menos vou na casa da sua mãe!

 

--Será possível que a gente nunca vai conseguir conversar sem brigar ou se desentender de alguma forma? – levantou-se também – A gente só consegue se entender calada e na hora do sex*! – aproximou-se da engenheira

 

--E já não é o suficiente? – respondeu olhando nos olhos – Eu não pretendo te assumir e me casar com você, meu bem! – falava com firmeza – O que acontece aqui é puramente sex* pra descomprimir e aliviar as tensões! – caminhou em direção à janela – Ainda mais agora que Rogério saiu da minha vida e eu não tô a fim de buscar um amante por aí! – cruzou os braços e ficou olhando para fora – Meus inimigos podem muito bem plantar alguém no meu caminho só pra me vigiar e ter sucesso no plano de levar a BoFe à falência! – pausou brevemente – Se é que você não seria essa pessoa!

 

Riu por achar absurdo, mas ao mesmo tempo sentiu uma pontada de dor com o que ouviu. – Eu não fui plantada por ninguém pra te destruir e também não tava pensando em qualquer compromisso com você! – respondeu desaforada – Só não acho que por causa disso tenhamos que viver brigando! – começou a se vestir – Mas eu desisto! Você é uma pessoa dificílima e só fica feliz se brigar!

 

Também sentiu uma certa dor ao ouvir a resposta, mas não transpareceu. – Já vai? – olhou rapidamente na direção da outra – Vê se sai daqui discretamente! – advertiu – Não é porque maama já sabe de tudo que a coisa virou bagunça!

 

--Já sabe de tudo?? – perguntou surpreendida – Não me diga que você...

 

--Claro que não! – interrompeu a fala da outra e olhou para ela novamente – Acho que ela nos viu na cobertura, da primeira vez... – concluiu – Aquela em que paramos no meio porque ouvimos um barulho e... – fez um gesto – Você lembra!

 

“Isso explica muita coisa... dona Adma se modificou tanto comigo...” – Zaida pensou – Pode deixar, serei discreta. – caminhou até a porta e a abriu – Mas lembre-se de uma coisa: primeiro você nasceu e depois virou engenheira. – olhava para a outra – Então a ordem deveria ser sempre essa: primeiro a mulher e depois a CEO. – fez um gesto de cabeça – Até! – saiu e fechou a porta

 

Yesmin deu um suspiro profundo, fechou os olhos e abraçou-se consigo mesma.

 

***

 

Adma e Zaida caminhavam de braços dados na beira da praia. Depois um tempo a idosa desejou parar um pouco para se sentar e a cuidadora providenciou água de coco para ambas.

 

--Dona Adma, aproveitando que estamos sozinhas, eu gostaria de ter uma conversa com a senhora. – observava a idosa – Nós duas construímos um relacionamento muito bonito ao longo desse tempo de convívio e... de repente eu percebi que a senhora estava se afastando de mim. – a libanesa mantinha seu olhar no horizonte – Fiquei sem entender porque, mas agora me parece que sei o motivo... – pensava em como falar

 

--Situação de Stefany abala eu demais. – respondeu com uma meia verdade – Não tem muita disposição pro conversa.

 

Olhava para a paciente com carinho. – É claro que isso interfere, mas eu vejo como a senhora conversa quando está na casa da maama ou lá na dona Ana. – comentou com cuidado – Eu quero ser honesta e sem truques... sem meias verdades... – pausou brevemente – A senhora ficou decepcionada comigo porque descobriu o que acontece... entre sua filha e eu... não foi isso? – arriscou

 

Adma não esperava uma pergunta tão direta e levou uns segundos antes de responder. – E o que acontece, Zaida? – mantinha-se olhando para o horizonte

 

--E se eu lhe disser que não sei? – terminou de beber a água de coco – Nós... quando estou de plantão... – gesticulava brevemente -- nos encontramos depois que a senhora dorme e... – pausou brevemente – e é isso!

 

--Você está apaixonado por ela? – queria saber

 

Não sabia o que dizer. – Sua filha mexe comigo, me provoca, me deixa... – suspirou – Mas ao mesmo tempo a gente não tem nada a ver... – mirou o horizonte também – Ela não quer nada comigo... Eu sou muito insignificante no mundo dela...

 

“Mas na meu mundo você é tudo!” – a idosa pensou com tristeza – Yesmin é adulto, você é adulto e eu não tem nada com isso. – terminou de beber a água de coco – Relações por puro atração, desejo sexual... já vivi isso mais de uma vez na passado. – olhou para a cuidadora – Se os duas querem isso, vivam isso. Se um dos dois quer mais... – pausou brevemente – se você quer mais, tenha cuidado. – olhou novamente para o horizonte – Quem se envolve sozinho, fere próprio coração. – ponderou – “Eu bem sei!”

 

--Não se preocupe comigo, eu já sou escaldada. – respondeu com um breve carinho no braço da idosa – Até mais do que gostaria! – considerou – “Ilusão acreditar que alguém como Yesmin quisesse qualquer coisa comigo além de apenas trans*r.” – pensou com certa tristeza – Mas eu amo muito a senhora e não gostaria que ficasse triste comigo por causa disso. Não gostaria que ficasse distante, que algo atrapalhasse nossa amizade. – acariciava-lhe os cabelos – Também não quero ferir seu senso de decência. Eu prezo muito o que nós construímos juntas e foi muita coisa!

 

--Você não tem que se preocupar com senso de decência meu. Eu fui artista, lembra? – preparou-se para se levantar – Eu pintou e bordou, como fala em Brasil. – levantou-se ajudada pela cuidadora – Desde que vocês não se peguem no meu frente é o que me interessa!

 

--Que é isso? – achou graça – Claro que não! – deu o braço a idosa – Mas e então? – perguntou brincalhona – Amigas como antes?

 

“Nada será como antes, Zaida!” – a idosa pensou com tristeza – Como antes... – concordou sem verdade

 

--Então, que tal voltarmos pra casa e cozinharmos juntas o almoço de hoje? – propôs animadamente – Encontrei na internet uma receita de um suflê de legumes que parece uma delícia!

 

--Vamos. – respondeu com falsa animação – Eu gosta disso!

 

--Ótimo! – seguiam caminhando – “Será que realmente resolvemos um problema? Será que ela me esconde alguma coisa?” – a cuidadora pensava – “Infelizmente, fica um sentimento de que nada será como antes...” – considerou – “E eu não sei o que fazer pra mudar isso!”

 

***

 

--Você é uma bicha danada de custosa, viu, fi? – Vivinácia falava de cara feia – Não sei que tanto vem aqui fuxicar pra cima de mim! – olhava para a outra – Só aceitei falar contigo porque dona Ana insistiu muito e eu gosto dela por demais da conta! – gesticulou – Mas vê se não me enrola porque não ando com muita disposição pra trololó! – advertiu desaforada

 

Achou graça, mas não riu. – Claro que na sua situação ninguém estaria com muita disposição pra trololó. – Shirley concordou – Mas pense em mim da mesma forma como você se sente em relação à Fernanda. – pediu gentilmente – Dona Ana me disse que a moça nunca foi muito sua fã, mas nem por isso você deixou de visitá-la e ajudar.

 

Ficou pensando no que ouviu. – É... ela nunca gostou muito de mim mesmo não... – olhava para a negra – E no teu caso? Como você sente em relação a mim pra fazer tanta questão de vir me visitar nesse trem horroroso que é essa prisão? – perguntou curiosa

 

Sorriu para a caipira. – Dona Ana disse que você sentia uma certa identidade com Fernanda. – cruzou as pernas – Da mesma forma eu sinto em relação a você. – olhava para a caipira – Eu também comecei como uma médium, assim... não muito politicamente correta; exatamente igual a você!

 

--Humpf! – fez um bico – Tá me chamando de picareta, é? – perguntou de cara feia

 

Achou graça. – Ai, ai, madame Vivi. – suspirou – Você sabe muito bem quem você é e o que fez ao longo dos anos. Eu não preciso dizer nada! – respondeu tranquilamente – Mas você pode e deve se corrigir naquilo que errou e existe muito trabalho pra ser realizado. – pausou brevemente – Temos um longo caminho pela frente!

 

--Você acha que vindo com essa conversa mole vai conseguir me catequizar pra trabalhar no seu centro no subúrbio? – perguntou ironicamente – Trabalhar de graça, vivendo na pobreza e ralando pra ajudar gente que nunca nem vai me dizer um muito obrigada? – balançou a cabeça negativamente – Meu negócio é outro, fi!

 

--E foi esse outro negócio que te trouxe pra cá! – respondeu de pronto – Vale a pena?

 

--Ontem eu conversei com meu advogado e a cobertura já tá pra vender. Com isso, adeus multa! – gesticulou – Ele falou que se eu me comportar bem por demais da conta pode reduzir a pena pra mim. – olhava para a outra – Também tá conversando com alguns clientes que podem mostrar que eu fiz bem a eles e isso ajuda.

 

--E tudo isso demora, querida. Mas o dia a dia aqui continua. – reclinou-se sobre os joelhos – Pra você resistir, é preciso muita fé, serenidade, paz... você acompanhou como foi a vida da Fernanda enquanto esteve presa. – tentava fazê-la refletir – E mais que tudo: você precisa se livrar das influências espirituais que te fizeram ficar doente! – olhava nos olhos – Se não fizer isso, esses pensamentos suicidas que te rondam todos os dias vão se materializar, você vai fazer uma besteira e será aprisionada pelos infelizes espíritos que um dia você julgou que te guiavam! – falava com seriedade – Quer dizer, eles te guiavam, mas pra derrota!

 

Surpreendeu-se com o que ouviu. – Oxe! E como você pode dizer que penso nesses trem? – não entendia – “E o pior é que penso mesmo!” – admitiu dentro de si

 

--Eu posso dizer porque já estive no seu lugar! – confessou – Apenas não fui presa. – levantou-se – Mas você precisa entender que se não se cuidar, vai acabar morrendo prematuramente: seja por um suicídio ou por definhar em sua saúde. – alertou – Saúde essa que os seus obsessores conseguem minar porque você abriu a porta pra isso!

 

Levantou-se também. – Não admito que você venha aqui pra me condenar! – respondeu com raiva – Eu nunca condenei Fernanda quando vinha ter com ela! – gesticulou – Quem você pensa que é?

 

--Não te condeno, Vivinácia! – retrucou de pronto – Apenas te mostro uma realidade que você não quer ver, mas TEM que ver! – pausou brevemente – Por hoje, acho que já falei demais, né? – reconheceu – E dessa vez até que você não me deixou falando sozinha. – pegou a bolsa – Agora tenho que ir. – fez um gesto de cabeça – Pense no que lhe falei e fique com Deus. – preparou-se para se despedir

 

--Shirley? – a caipira chamou e a outra olhou para trás para vê-la – Quem é você afinal?

 

--Na devida hora, você vai saber. – deu tchauzinho – Até mais! – partiu

 

Na espiritualidade, Alice e outros espíritos do Bem desmanchavam gradualmente a barreira energética que impedia os obsessores de Vivinácia de se aproximarem dela. Tão logo se sentiram libertos, eles avançaram para a caipira como moscas sobre carniça.

 

--Hoje você conseguiu evoluir um pouco sobre ela. – Alice dizia na mente da negra – O sofrimento e humilhações que têm experimentado na prisão também ajudam um tanto nesse sentido. – Shirley caminhava ouvindo a guia espiritual – Embora Vivinácia ainda seja um pouquinho mais arrogante do que deveria ser a essa altura.

 

--Ela é osso duro de roer! – a negra falava aparentemente sozinha – Mas eu também era, não é? – riu brevemente

 

--Um pouco menos que ela, devo dizer. – Alice respondeu – Mas continue como está e se mantendo vigilante em seus pensamentos como vem fazendo, que nós conseguiremos sempre manter os obsessores longe de você. – aconselhou – Se você se descuidar um pouco que seja, eles virão com todas as forças para lhe afetar!

 

--Imagino... – respondeu pensativa – Mas vou continuar nesse ritmo. Eu prometi que cumpriria essa missão e não vou descansar enquanto não salvarmos Vivinácia dela mesma!

 

--Essa é a minha garota! – Alice brincou antes de se despedir

 

***

 

--Nazira! – Malika entrava em casa trazendo um pequeno pacote – Você recebeu uma encomenda. – anunciou – Na hora que eu tava entrando no prédio, o carteiro chegou e me entregou.

 

--Encomenda?! – apareceu na sala – Mas como assim, se eu não comprei nada? – não entendia – “Não tenho dinheiro pra isso e agora nem mais um celular que seja...” – pensou desanimada – Quem me mandou? – recebeu o pacotinho com desconfiança

 

--E eu lá enxergo essas letrinhas? – respondeu de imediato – Abre aí e descobre. – aconselhou – E abre logo que até eu fiquei curiosa! – esperava para ver

 

--Cruzes, mas que letrinhas! Também não consigo ler! – tentou em vão – Deixa eu abrir logo pra ver o que é. – decidiu – Meu Deus!!! – arregalou os olhos – Gente, é um celular novo!! – animou-se – Um Gangung N25, minha nossa!!! – olhou para a idosa – Dona Malika, esse aqui é um dos celulares mais modernos do mundo!! – afirmou empolgada

 

--É mesmo?? – surpreendeu-se – Quem te mandou isso, criatura? – mais curiosa ficou – Vê aí, procura! – gesticulava – “Quem compraria um troço tão caro pra Nazira?” – pensou intrigada

 

--Tem uma cartinha aqui dentro, olha só! – desdobrou o papel – “Prezada Nazira,” – começou a ler em voz alta  – “Como forma de nos desculpar com você, mas de longe sem a pretensão de compensar a dor de um coração partido, aceite este presente para mostrar nossa consideração e estima por uma usuária tão fiel do FalaGPiTaco.” – sentia o coração acelerar – “Aproveite bastante e usufrua de tudo de bom que a tecnologia nos oferece. Atenciosamente, Yesmin Zahia Torricelli!!” – ficou pasma – Meu Deus... – as pernas bambearam – “Minha sogra!” – pensou antes de desmaiar sobre o sofá, derrubando carta e celular no chão

 

--Mas será possível, Nazira? – sentou-se do lado da outra – Desmaiando de novo? – deu uns tapinhas no rosto dela – Que coisa! – esticou a mão e pegou a carta – E não é mesmo que foi a tal que mandou o celular? – constatou – Ô, meu Pai... – tentava reanimar Nazira em vão – Eu não sei o que é pior: essa criatura desiludida com o robô pornô ou um presentinho vindo da própria mãe da praga virtual... – resmungava – Pai Santo, dai-me forças! – clamou aos céus

 

Fim do capítulo