Uma história em resposta a um e-mail que recebi em setembro me perguntando se eu iria voltar a escrever um dia. Por coincidência tem um tempinho que eu estava pensando nesse lugar que tenho grande carinho. Já estava com saudade. É sempre bom voltar. Divirta-se e viaje junto comigo
Capitulo 1 - Primeiro de Tudo
I - Primeiro de tudo
Maria Emília
- O que espera dessa volta? O que está sentindo?
- Sinto-me... sinto... É como se a minha verdadeira vida tivesse parado no tempo. Como se tudo o que vivi até hoje fosse uma mentira e eu fugisse de um destino que estava traçado.
- Como uma mentira, Emília? Isso não faz o menor sentido. Você reconstruiu sua vida e é feliz. Ou pelo menos eu acho que seja feliz.
- Acho que não estou sabendo me explicar. Eu... droga, estou te olhando e não sei se é a minha amiga ou se é a profissional que está conversando comigo.
- Tente, Mili. Eu preciso que tente botar para fora o que sente. Eu sei o quanto é difícil falar sobre o seu passado e que tem os seus segredos, mas precisamos acertar os ponteiros antes da sua partida. Não omita nada, preciso saber como te auxiliar da melhor forma. Nós precisamos continuar confiando uma na outra. Ainda dá tempo de desistir, lembre-se que é arriscado... Pense bem.
Meus olhos se perderam na vista da janela. O mundo me abraçou quando pensei que a solidão tomaria conta do meu ser. Descobri que existe mais pessoas solitárias no mundo do que se pode imaginar. Cada uma delas pareceu colocar uma mão imaginária em meu queixo para que eu erguesse minha cabeça e enfrentasse os obstáculos que viriam. Mas nenhum obstáculo pode-se comparar ao maior, que será encarar de frente meus erros e o desprezo da pessoa que supostamente deveria ser a pessoa mais importante da minha vida.
- Eu sei o que fazer. Quero apenas a minha amiga agora, pode ser?
- Claro, claro. Estou te escutando, pode falar.
Respeitei fundo, soltei o ar, deixei que o borbulhar de meus pensamentos saíssem pela minha boca:
- Eu queria poder voltar exatamente para o dia 26 de outubro 2004. Aquele dia minha vida começou a desandar. Não foi o dia da minha partida, mas o dia que tudo mudou. Tenho a sensação de que as consequências que vieram depois interferiram em um destino que estava traçado para mim.
- Isso agora é novidade. Você já me contou sobre tudo o que te aconteceu de cabo a rabo, mas não dessa maneira que está colocando.
- Te contei o que aconteceu, não o que deveria ter acontecido. O que pelo menos eu acho que deveria ter acontecido.
Minha amiga esperou que meus olhos se voltassem para os seus. Compreensão e respeito foi o que encontrei, então prossegui na minhas lembranças:
- Não é estranho e um alívio quando descobrimos que o primeiro amor é apenas isso: o primeiro de muitos amores? Não é fantástico descobrir que se pode ama outras pessoas tão ou mais intensamente que aquela primeira ou segunda ou terceira pessoa que beijou ou fez sex*? A novidade sempre me chamou a atenção. Tive a sorte de ter muitas outras mulheres. Ou uma maldição, às vezes penso nisso. É bom descobrir que não precisamos nos afobar para nada na vida. Mas... Por que ter tantas e ao mesmo tempo não conseguir me conectar com nenhuma? Nenhuma ter a profundidade que eu sempre almejei encontrar? Já te falei: no fundo eu sempre quis uma relação duradoura. Odeia ter tantos sentimentos ao mesmo tempo que a vida me cobrou o desapego. Eu já tinha enterrado essa história junto com o meu passado. Juro-te que era uma vaga lembrança que pensei estar no fundo dos meus pensamentos mais bobos.
- Espera. Estamos falando do que aqui? Você nunca me disse que teve sentimentos tão profundos por alguém que deixou no Brasil. Então você tinha uma namorada que ainda guarda sentimentos? E existe uma chance de encontrá-la, o que te deixa com medo? Isso muda muita coisa.
Neguei com a cabeça. Com um sorriso procurando disfarçar a dor, esclareci:
- Não muda nada porque não deixei ninguém. Eu nunca a encontrei pessoalmente e não tenho a mínima ideia de onde ela está. A conheci no Orkut, trocamos diversos, como era mesmo o nome? Ah sim, recados com elogios. Nossas comunidades batiam, inclusive foi em uma de poemas que nos conhecemos - dei uma risada fraca ao me recordar quando uma avalanche de emoções felizes tomou conta dos meus pensamentos. - Lembro-me que as coisas aconteciam mais devagar na internet daquele tempo. Até porque não vivíamos conectados a todo tempo. Lembra? Tinha que ligar o computador e a conexão era lenta. Demoramos cerca de 2 meses para trocarmos o MSN e começarmos a conversar para valer. Nossos perfis não tinham fotos. Caramba, eu me vi apaixonada por uma mulher que eu não tinha noção de como era. Sentia as famosas borboletas na barriga quando dava 21:00 pois era o horário que marcamos para nos falar na quarta e no domingo. Nossa amizade foi evoluindo lentamente até chegar ao ponto de confiarmos uma troca de fotos - meu sorriso sinceramente feliz brotou em meus lábios - e que mulher linda! A mais linda que conheci na vida. Se eu já era louca pelos seus gostos, sua forma de pensar, seu jeito, sua beleza foi um bônus, não vou negar. Não demorou muito para querer vê-la pessoalmente, pela primeira vez na vida eu sentia que havia encontrado alguém especial. Aparentemente ela sentiu o mesmo, topou o convite que fiz para ir à uma festa coincidentemente na cidade que ela morava. Mas...
- Ela não apareceu, óbvio. Que clichê.
Confirmei voltando o meu olhar para o relógio. Em pouco tempo estarei embarcando de volta para o Brasil.
- É bem provável que eu esteja com essa história na cabeça porque foi um amor que não aconteceu. Foi a única mulher que desejei e não tive. Acho que só estou me recordando de tudo pela vontade de parar exatamente no ponto em que eu sairia da festa, entraria no MSN e a questionaria sobre o bolo que me deu. Talvez ela tivesse uma boa razão, ou talvez inventaria algo que eu certamente fingiria que acreditava apenas porque marcaríamos outro encontro e esse daria certo. Então eu viveria uma linda história de amor, estaria com ela até hoje, teríamos filhos, tudo seria diferente.
- E quem te garante isso, Maria Emília Zardini?
- Ninguém. Poderia mesmo ser um desastre, a gente ter se separado com brigas e ódio. Mas eu teria completado mais essa etapa da minha vida.
Voltei a olhar para o minha amiga, suspirei acusando o cansaço de minha mente e praticamente finalizei a nossa conversa.
- Entende quando eu digo que sinto como se a minha vida fosse uma mentira? Tudo o que vivi foi empurrado goela a baixo em mim. Como se minha vida tivesse dado uma pausa para viver por aí perambulando como uma pessoa sem passado. Eu vivi fugindo de tudo, das pessoas do meu passado, de quem eu era. Apenas você, das pessoas que conheci depois que saí do Brasil, sabe de tudo. Parece que não tive infância, pai, mãe, irmã, parente algum. Brotei nos lugares como capim que nasce sem alguém plantar.
- Depois que você resolver o que tem para se resolver, pode procurar essa moça que tanto te encantou.
- É impossível. Ela só me conheceu como Maria, e eu também só sei seu primeiro nome. Falávamos sobre dança, livros, filmes, sobre a vida, sobre amor. Gostávamos do mistério que uma gerava na outra. Hoje em dia, assim como eu, pode nem morar mais no Brasil. Pode ter se casado, estar namorando, bonita do jeito que era com certeza conheceu outras e mais outras. Sinceramente? Duvido que ela pense em mim. Vivian será para sempre essa lembrança gostosa e dolorosa, um amor que não vivi. Apenas isso.
- Não me leve a mal mas você sabe que isso não dará em nada. Você mesma compreende que ama o mistério e o fato de ela ser a única mulher que nunca teve. Vamos focar no que interessa. Só me prometa que se for procurá-la ou se ela por um acaso cruzar o seu caminho durante esses dias que estará lá, não se deixe levar. Você sabe o que deve fazer e tem pouco tempo para isso. Promete? Estamos de acordo?
- Eu também sou prática... ou me tornei com o tempo. Não se preocupe, são apenas lembranças que pensei estarem adormecidas, já já eu esqueço tudo isso de novo. Não vou me desviar da chance que estou tendo para consertar pelo um pouco do estrago que ocasionei. É esse empurrão que faltava para a minha volta.
O relógio bateu 12:00. É hora de ir ao aeroporto. É hora de encarar o meu sombrio passado.
Fim do capítulo
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dannivaladares
Em: 11/11/2025
Confesso que demorei a crer que vc tinha postar um novo capitulo
. Fiquei muito feliz.
Obrigada a quem pediu para vc voltar a escrever e postar. Vou acompanhar!
Seja bem-vinda de volta!
Abc.
Dani
Bastiat
Em: 16/11/2025
Autora da história
Querida, Dani! Obrigada pelo carinho e o incentivo de sempre!!!
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