--Poxa, dona Malika, assim não dá! – Nazira protestava – Eu já não aguento mais ser tratada como criança! – olhava para a idosa – Eu sei que a senhora deu sumiço no meu celular desde a véspera de natal, mas já estamos em janeiro e até agora nada dele aparecer! – cobrou – E eu sei que a senhora tá fazendo isso pra me afastar do meu Pitaquinho e até desconfio por influência de quem deve ser! – pensava na psicóloga

--Se você é tratada como criança, motivo tem! – retrucou de pronto – Além do mais não tem ninguém me influenciando, não senhora! – fez um gesto de negação – Escondi sim, senão você ia passar as festas de final de ano futicando celular ao invés de trabalhar na igreja! – justificou-se – E não te devolvi até agora porque você está de castigo! – afirmou com firmeza

--Ah! Essa é boa, tô de castigo! – cruzou os braços – Eu trabalhei na igreja, socializei nas festas, rezei, fiz tudo que uma boa católica tem que fazer, então quero saber por que tô sendo castigada! -- cobrou

--Simplesmente porque a boa católica não deixou sequer um homem ter sossego durante as festas! – respondeu de imediato – Ou você acha que eu não te vi pegando na mão de tudo que era macho pra fuçar procurando aliança? – gesticulava – Dois oito aos oitenta não escapou nenhum! Fez um papelão tão grande que teve esposa dando queixa de você pro padre Assumpção e ele veio me falar! – olhava para a outra – Morri de vergonha, viu, Nazira? Morri de vergonha!

Abaixou a cabeça. – Se a senhora tivesse me deixado falar com meu Pitaco, eu podia ter conversado com ele pra pensar numa abordagem melhor... – fazia birra

--Humpf! – fez um bico – Eu sinceramente não sei o que é pior: a sua versão casadoira inveterada ou a faceta Bethmaníaca! – colocou as mãos na cintura – Pois vai ficar de castigo enquanto me der na telha! – decidiu – Agora fique quieta aí que vou pra casa do síndico pagar o condomínio. – pegou a bolsinha que estava sobre a mesa – E não ouse vir atrás de mim ressuscitando sua paixonite pelo tal nerd, pois nunca mais nem vi aquele sujeito! Se bobear até já se mudou! – abriu a porta e saiu

“E a irmã dele bem me bloqueou no QQOV?...” – pensou em Nazaré e suspirou – É, Nazira... – falava consigo mesma – Mais um ano começa e 2025 me pega solteira, sem nerd, sem Beth, sem terço e sem Pitaco!

Nisso, Sultan desfila pela sala, olha para Nazira, mia desaforado e segue seu caminho.

--Em compensação, entra ano, sai ano e essa peste continua no meu caminho! – resmungava olhando para o gato

***

Stefany e Luiza curtiam um amasso dentro do carro desta última. No auge da excitação, de repente Stefany interrompe o que acontecia.

--Foi mal, mas não rola. – ajeitou-se no banco do carona

--Ah, dentro do carro é só pros esquenta! – mordeu-lhe a orelha esquerda – Vamo pro teu apê pra terminar essa parada no teu quarto? – sugeriu insinuante

--Sério, Luiza! – afastou-se e olhou para a outra – Tu me procurou, deixei rolar até aqui, mas não dá! – passou a mão nos cabelos – Não consigo...

Estranhou a reação. – Tranks, no hard feelings! – acariciou o rosto da outra – A gente pode ficar no seu quarto só se curtindo. – insistiu – Aí cê me conta como foi na China. – sorria – Vamo combinar que cê postou um monte de coisa foda, geral curtiu e...

--Luiza! – interrompeu a fala da outra – Não vai rolar porque... – pausou por alguns segundos – Tô apaixonada por outra pessoa!

Levou um impacto ao ouvir aquilo. – O que?? – perguntou indignada – Apaixonada, que porr* é essa?? – sentiu o coração acelerar – Por quem??

--Você não conhece... Foi uma parada que eu não esperava... – dizia a verdade – E eu quero muito viver isso! – desviou o olhar  – Foi mal, Luiza, mas é melhor a gente não se ver mais, tá ligada? – abriu a porta do carro – A gente não tem mais nada a ver! -- rapidamente olhou para o rosto da outra – Se cuida! Fui! – saiu e fechou a porta em seguida

Luiza permaneceu imóvel por alguns segundos, apenas observando Stefany se afastar. Sentia-se triste e sem chão. Ligou o carro e foi embora sem saber para onde ir. “Por quem será que essa vadia se apaixonou?” – pensava agoniada – “Puta que pariu, que merd*!” – derramou algumas lágrimas de dor – “Por que ela nunca se apaixonou por mim?”

***

--Eu gostou das presentes que você trouxe de China -- Adma dizia animada – e pelos fotos o viagem foi interessante. – olhava para a filha – Stefany veio aqui também com presente e mostrou mil e um postagens que jogou na rede pra bombar. – acharam graça

--A China é sempre muito interessante, maama. – Yesmin respondeu ao cruzar as pernas – E já que a senhora tem melhorado tanto, de repente, um dia... – não continuou a frase

“Meu filha quer viajar comigo?” – perguntou-se surpreendida – Somos maama e filha, Yesmin. – respondeu com delicadeza – Não precisa ser China. – olhava para a outra – Podemos fazer muitos coisas juntos. – pausou brevemente – É só você querer!

“Maama me dizendo isso? Ela nunca teve interesse em ficar passeando comigo...” – pensou estranhando – Meu tempo é muito tomado, maama. Não é simplesmente uma questão de vontade... – pausou brevemente – Mas eu também queria ter uma conversa importante com a senhora. – olhava para a idosa – E foi por isso que pedi pras cuidadoras saírem.

“E eu que pensava que Débora e Tamara tavam lanchando no cozinha!” – pensou desconfiada – Então foi isso? Você veio, trouxe presente, mostrou foto, gastou tempo conversando, fez todo coisa pra me amansar e depois vem com sua sacanagem! – gesticulava – Fala qual é o tua, Yesmin!

--Maama?! – ficou sem graça – Vejo que seu contato com Stefany tem incrementado seu vocabulário! – comentou com ironia

--Fala logo o que você quer! – ordenou – E não me enrola que não nasci ontem e não sou nenhuma Zé Mané!

--Calma, tudo bem? – pediu levantando brevemente as mãos – O que eu queria dizer é que a senhora melhorou muito e nossa celebração de natal me deixou bem claro que não é mais necessário que tenhamos duas cuidadoras ao mesmo tempo trabalhando nessa casa! – chegou aonde desejava – Bastam duas se alterando em turnos de 24 h e tá de bom tamanho!

--Eu sabia! – espremeu os olhinhos – “Eu disse a Zaida que ela ia fazer isso!” – lembrou

--Ora, maama, não me olhe com tanta condenação! – pediu mal disfarçando o constrangimento – Eu até já transmiti isso à agência. – informou – Só falta a senhora decidir quem fica. – finalizou a notícia

--Eu esperava que você viesse com essa papo! Sabia que ia fazer isso! – acusou – E por que, Yesmin, por que? – queria entender – Não é por falta de dinheiro! – gesticulava – Tudo isso é pra atacar Zaida? Fazer eu dispensar ela ou ela desistir de mim? – questionou – Pois ela fica e você é sem coração porque outros moças vai pro rua!

--E eu lá tô pensando em Zaida, maama, eu hein? – levantou-se revoltada – Vê lá se eu perco meu precioso tempo pensando em cuidadora? – passou a mão nos cabelos – Não tô perseguindo ninguém, só quero que a senhora tenha independência!

--Humpf! – fez um bico – Eu não acredito nessa teu kaô!

--Meu kaô, veja isso, parece até Stefany! Daqui a uns dias tá falando um monte de palavrão! – fez um gesto de desagrado – Bem, já sei que Zaida fica e quem mais? – insistiu – Por favor, me responda porque agora tenho que ir!

--Eu quero todas eles! – insistiu ao se levantar com dificuldade – E se você colocar qualquer um dos meninas no rua você esqueça que tem maama! – ameaçou – Esqueça!

--Esquecer que tenho maama? – olhava para idosa – E algum dia eu tive uma? – perguntou magoada – Tudo bem, já entendi que a senhora não vai escolher quem fica, a menos por Zaida, é claro! – falava com despeito – Depois conversamos. Até mais! – fez um gesto de cabeça e partiu

Adma sentiu-se confusa após a discussão e ao mesmo tempo decepcionada com o que ouviu. “Será que Yesmin faz todos esses coisas porque tem mágoa de mim?” – questionou-se – “Será que ela pensa que amo Zaida mais que a ela?” – pensava no que fazer – “Eu vou resolver esse coisa da minha jeito ou não me chamo Adma Zahia!” – decidiu

***

--Assim que o recesso do Judiciário terminou a primeira coisa que eu fiz foi voltar à carga! – o político dizia – E tenho ótimas notícias! – sorriu – A tal moça, sua protegida, vai sair da prisão! De abril não passa! – garantiu

A caipira manteve-se séria. – Abril?! – questionou ao se debruçar na mesa – E eu aqui achando que na pior das hipóteses deveria ser fevereiro, uai!

Indignou-se. – Ora, madame, mas a senhora não tem noção de como são as coisas no Judiciário? – questionou de cara feia – Conseguir tirar a moça da prisão até abril é uma vitória em tempo recorde!

--Humpf! – fez um bico – E eu que pensava que o senhor era capaz de fazer melhor que isso! – provocou – Mas, tudo bem. Só não reclame se meus guias o fizerem esperar mais que o desejado, viu, fi? – advertiu

Deu um suspiro profundo. – Eu vou insistir um pouco mais. – prometeu de má vontade

--Assim espero! – deu um sorriso irônico – Agora vamos nos concentrar no seu caso! – esfregou as mãos e fechou os olhos

O homem fechou os olhos também e permaneceu em silêncio.

Vivinácia acreditava que naqueles processos que forjava no terreiro estava apenas enrolando o homem para que ele investisse tempo e dinheiro antes de obter o que havia pedido a ela. A caipira sequer sonhava imaginar que seu pretenso guia lhe sugava energia vital a cada consulta e a cada vez que se divertia com uma bela mulher em sua cama. Ela ainda não conseguia perceber que, dentre outras coisas, o que estava em jogo era sua saúde.

***

Zaida seguia para a igreja. Estava em um dia de folga e muito chateada com o que Adma lhe dissera. Sabia que não seria demitida, mas sentia por conta das colegas que ficariam desempregadas, embora nada ainda houvesse acontecido. Por tudo isso pensou em Yesmin, em suas atitudes contraditórias e na imensa atração que ela lhe despertava. Pensou em Stefany e em seu assédio indisciplinado. Pensou também em Adma e na confusão de sentimentos que todas estas mulheres despertavam. Lembrou de Vivinácia, rememorou o relacionamento que tiveram e sentiu dor pelo modo como tudo terminou.

Ao entrar no templo buscou um lugar reservado e se ajoelhou. Fechou os olhos e orou humildemente pedindo à Divina Mãe que a amparasse, uma vez que fazia muito anos que não sabia o que era um colo de mãe. Quase uma hora depois, quando se preparava para sair, levou um susto com uma mulher que entrava apavorada e quase a atropelou.

--Ai, moça, me desculpa, mas é que é tanto problema na minha cabeça que eu fico doida, sabe? – Nazira dizia esbaforida

--Tudo bem. – sorriu em compreensão – Tchau! – preparou-se para sair

--Ei, espera, você tá com pressa? – segurou-a pelo antebraço direito – Eu tinha que me confessar com o padre, mas fico muito mais à vontade conversando com uma amiga!

Achou graça. – Acho que a gente ainda vai levar um tempinho pra ser amiga porque nem nos conhecemos. – libertou-se das mãos da outra – E sim, tô com pressa porque ainda tenho várias coisas pra fazer hoje. – respondeu com delicadeza – Conversamos numa próxima oportunidade!

--Ah, tá... – respondeu desanimada – Mas, olha, meu nome é Nazira. – apresentou-se – Quando a gente se esbarrar aqui na igreja você já sabe: – deu-lhe um tapinha no braço – é pra colocar as fofocas em dia, viu?

“Que figura!” – pensou – Tá certo, Nazira. – concordou – Fica pra próxima! – deu tchauzinho e se afastou – E à propósito, meu nome é Zaida! – fez um gesto de cabeça e partiu

--Moça simpática. – Nazira disse para si mesma enquanto seguia para dentro da igreja – Zaida... nunca conheci ninguém com esse nome. – escolheu um lugar e se ajoelhou – A única pessoa que eu soube que tem esse nome é a filha da dona Malika. – fechou os olhos para orar, até que uma súbita ideia a despertou – Meu Deus! A filha da dona Malika! – arregalou os olhos e se levantou – Será que ainda pego ela? – correu para fora da igreja e em vão buscou por Zaida

***

--Esse nome não é comum no Brasil, então bem que poderia ser ela! – Malika andava de um lado a outro da sala – E faz sentido, porque um dia vi uma moça assim pela rua e pensei logo em minha filha! Depois é que achei que não, porque usava cabelos curtos e era magrinha, igual essa que você falou... – dizia mais para si do que para a outra – Ai, meu Deus, minha filha tá aqui perto! Ela mora nesse bairro! – postou as mãos e olhou para cima – Por favor, fazei com que eu a encontre! – implorou

--Ela frequenta a igreja! – Nazira salientou – Então se a gente ficar indo lá direto, bem que pode encontrar com ela e pegar de jeito pra não escapar! – deu um soco na mão

--Verdade... – Malika concordou balançando a cabeça

--Então, como tô ajudando a realizar o sonho da sua vida a senhora tem que me tirar do castigo e devolver meu telefone! – pediu de imediato – Ou melhor: me dar um telefone novo!

--Hum, pois sim, telefone novo! – discordou de pronto – E o castigo continua! – decidiu – E vai continuar até que eu encontre minha filha!

Nazira suspirou. “De hoje em diante vou virar rata de igreja!” – pensou – “E quando encontrar essa Zaida trago ela pra cá nem que seja amarrada!”

***

Stefany estava no quarto usando o notebook. Trabalhando com o FalaGPiTaco buscava avaliar a evolução do engajamento em torno de seu nome e o perfil dos seus seguidores. De repente pensou em Zaida e uma ideia lhe veio à mente. “Cara, será que essa porr* me ajuda a arrumar um jeito de conquistar aquela mulher?” – pensou – “Bora ver!” – voltou a digitar – Aí, Pitaco, pega visão: como faço pra chegar chegando numa mulher gente fina, humilde, cuidadora da minha gidda e difícil de conquistar? – falava enquanto digitava

Vai de boa, sem kaô, mostra teu lado gente fina e responsável, sem ostentar. – a IA respondeu de pronto – Adote uma pegada romântica, sem aquela coisa de chegar caindo em cima! – aconselhou – Ela precisa sentir que não é uma qualquer na sua vida e que você tem maturidade pra um relacionamento a dois; ou melhor, a duas! ⚢

--Mas tu acha que é uma eu ir pra casa dela? – continuava falando enquanto digitava – Porque lá é o único lugar onde a gente pode se pegar em paz, tá ligado?

Até pode ser, mas ela pode se sentir invadida. – a IA ponderou – Por que você não aproveita pra oferecer uma carona a ela num dia de folga? – sugeriu – Ela sai do serviço, você aparece e leva ela de carro pra casa! 🚗

--Porr*, mas ela sai da casa da gidda às oito da matina! – digitava e falava – Cedão, aí!

Você não tem aula de manhã na faculdade? Então é acostumada a acordar cedo! ⏰

Achou graça. – Aí que tu se engana, tá ligado? – continuava respondendo – Não chego lá antes das nove! – digitava – E quem vier reclamar que se foda! Tô pagando! E tô passando nas porr* toda, aí!

Se você quer conquistar uma pessoa, não acha que vale o sacrifício de acordar cedo? – a ferramenta provocou

Parou de digitar e ficou pensando. – É... – concordou balançando a cabeça – Vale...

E você também deveria adotar um modo de falar mais maduro pra ela te achar mais mulher e menos mocinha, sabe qual é? – a IA continuava aconselhando

--Porr*, e vou fazer isso como? – discutia e digitava – Sempre falei do meu jeito, tá ligado?

Posso te ensinar. Eu sei conversar desde com a pessoa mais simples e descolada até com a mais erudita e formal! – respondeu de pronto – Vai por mim que você se dá bem! 😉

Suspirou. – Vou dar uma moral pro Pitaco. – a jovem dizia para si mesma – Vale tudo pra colocar Zai na minha fita!

***

Stefany aguardava a saída de Zaida. Com o carro estacionado na rua da avó, esperava o momento certo para abordar a cuidadora. Estranhava não vê-la sair mesmo sendo quase 9h da manhã.

De repente se viu surpreendida com a chegada de Jorel, que estacionou em frente ao prédio de Adma. Menos de 5 minutos depois viu que a idosa entrava no carro acompanhada por Débora e Tamara. Zaida se despediu das mulheres e seguiu caminhando pela rua.

--Vai que é tua, Stefany! – falava consigo mesma ao ligar o carro e seguir a cuidadora

Zaida olhou para os dois lados para atravessar a rua e nisso reconheceu o carro da jovem. “Ai, não, Stefany resolveu me seguir agora!” – pensou contrariada – “Dona Adma acabou de sair pra falar desaforo pra filha na BoFe! Se Stefany me abordar aqui, me der carona e Yesmin ficar sabendo, ela vai achar que tudo foi um plano maligno da minha parte pra jogar a mãe dela contra ela e fazer a filha perder aula na faculdade!” – concluía – “É capaz até de achar que tô seduzindo a garota!” – apressou o passo -- “Deixa eu me misturar no meio do povo e dar um perdido nela!” -- decidiu

--Puta que pariu, cadê ela? – a jovem reclamava por tê-la perdido de vista – Meteu o pé, caraca! – procurava em vão – Jura que madruguei à toa? – reclamava – Da próxima vez eu vou ficar sentada na portaria! – decidiu – Que merd*! – deu um soco no volante

***

Fernanda trabalhava em uma atividade grupal no presídio. Junto com outras mulheres costurava fardamentos e fazia isso com gosto. Sem que reparasse, Luzia prestava atenção em cada gesto seu.

--Que deu em você que tá aqui amarradona fazendo isso? – uma detenta perguntou desconfiada – Quando rola essas coisas tu raramente participa! – observou

--Quero que o tempo passe logo! – respondeu sem olhar para a outra – Conto nos dedos quando vou recomeçar minha vida! – costurava do jeito que podia

--Mas ainda tem um tempo pra tu pagar pena, garota. – outra mulher respondeu de pronto

--Tempo é um conceito relativo. – Fernanda continuava respondendo sem olhar para as mulheres – E quando menos se nota, ele passa!

Luzia ouviu a conversa e ficou desconfiada. “Essa boyzinha tá pra sair daqui!” – concluiu – “E ela sabe disso e tá contando com o ovo no cu da galinha!” – reparava na hacker – “É uma apadrinhada mesmo!” – pensava com raiva

***

Vivinácia caminhava pela orla da praia. Fazendo uma retrospectiva mental do ano que havia se acabado sentia-se triste e solitária. Pensou em Zaida e envergonhou-se por nunca ter dito a ela que sabia do paradeiro de Malika. “Se ela soubesse disso nunca me perdoaria...” – concluiu

A caipira igualmente sentia-se cansada, mas julgava que a tristeza que a invadia seria a causa de seus males. Caminhou até perto de onde as ondas lambiam suavemente a areia e se sentou olhando para o mar. “Senhor,” – iniciou uma prece em pensamento – “eu Vos imploro, fazei com que Zaida e a mãe se reencontrem e possam logo se entender!” – fechou os olhos e derramou uma lágrima – “Inspira Zaida, ó, Pai, pra que ela possa de alguma forma estar em algum lugar que a mãe dela também esteja! Que ela seja orientada por Vós pra seguir pelo caminho certo!”

Percebendo a mudança vibracional de sua vítima, o infeliz espírito que obsidiava a caipira veio para perto dela e sem que a mulher notasse, buscava inspirá-la em outros pensamentos. “Zaida foi embora quando você mais precisava dela! Por que fica aí se preocupando com aquela ingrata?” – o homem a induzia mentalmente – “Ela é uma moralista fracassada, uma mulher sem graça, sem atrativos físicos e pobre de tudo!” – buscava envolvê-la – “Tem mulheres muito mais interessantes à disposição. Basta estalar os dedos e você consegue comer uma gostosa!” – sorria com malícia – “Por que não procura aquela atriz boazuda e passa a noite comendo ela?” – sugeriu – “Lembra como a vadia gem* gostoso quando se fode o cuzinho dela?”

Vivinácia secou os olhos com as duas mãos e se levantou. – Acho que vou procurar aquela atriz pernuda! – pensou que decidia por si – Passar um papitho nela, levar a tolinha no bico e comer aquela bicha a noite toda! – os pensamentos a deixaram excitada – Simbora, caipira! – bateu uma palma e foi

O espírito sorriu vitorioso antes de desaparecer no espaço.

***

Malika e Nazira assistiam a missa de domingo sentadas logo numa das primeiras fileiras. A mulher mais nova de quando em vez olhava para todos os lados procurando localizar uma figura conhecida.

--Quer prestar atenção na missa, criatura? – a idosa beliscou-lhe o braço – Eu hein, não para com essa cabeça, parece até uma cobra! – ralhava aos cochichos

--Ai, dona Malika! – reclamou esfregando a pele dolorida – Eu sei o que tô fazendo, tá? – cochichava também – Confia!

Sem que as mulheres soubessem, Zaida assistia a mesma missa sentada em uma das últimas fileiras. A igreja estava cheia e ela havia chegado um pouco atrasada. Algumas pessoas assistiam de pé.

Antes de terminar a missa, a cuidadora decidiu ir embora pois precisava procurar o bombeiro encanador que tinha uma lojinha a dois quarteirões dali. Ele costumava abrir a loja aos domingos, mas a fechava bem cedo. Um problema de vazamento na cozinha já a havia forçado a faltar em um plantão na casa de Adma e ela não sabia que não deveria faltar mais.

Por sorte Nazira acabou vendo o exato momento em que Zaida se levantou e a reconheceu de imediato. – É ela! – exclamou para si mesma ao se levantar rapidamente

--O que?? – Malika sentiu o coração acelerar – Minha filha? É minha filha? – olhava para todos os lados -- Onde?

--Gente, não faz barulho na hora da missa! – uma senhora ralhou

Nazira quase atropelou as pessoas que estavam sentadas naquela fileira para poder chegar no corredor principal da igreja. – Dá licença, pessoas, mas é questão de vida ou morte! – falava enquanto andava -- EI, ZAIDA!! – gritou – PARE AÍ AGORA MESMO! -- ordenou

“Alguém me chamou?!” – a cuidadora pensou descrente ao olhar para trás

As pessoas começaram a cochichar entre si vendo Nazira correr no meio da igreja. Padre Assumpção interrompeu a cerimônia e acompanhou a cena sem entender. “Mas o que ela tá fazendo, meu Deus?” – pensou alarmado

Sem que esperasse, Zaida deu de cara com Nazira correndo em direção a ela e se assustou com a situação. “Mas o que essa louca quer comigo??” – pensou antes de decidir fugir

Percebendo que Zaida estava prestes a sair da igreja, Nazira se desesperou, correu o mais rápido que pode e saltou em cima da outra como um goleiro com fome de bola: -- NÃOOO!!! – gritou apavorada

--NAZIRA, NÃO!! – Malika gritou ao chegar no corredor principal da igreja

--Mas o que é isso?? – as pessoas se perguntavam – O que é que tá acontecendo aqui??

Nazira agarrou-se ao pescoço de Zaida e as duas mulheres caíram no chão agarradas rolando como duas doninhas.

--É ELA, É ELA!! – Nazira gritava enquanto dava uma gravata na outra – PEGA, PEGA!!!

--Me solta sua louca! – a cuidadora tentava se libertar em vão

--Mas o que está acontecendo aqui?? – o padre perguntou atônito – “Não me diga que tudo isso é Nazira encontrando a filha da dona Malika?” – pensou incrédulo

--CORRE, DONA MALIKA! – Nazira gritava enquanto Zaida a mordia – É ELA!

--Dona Malika?? – Zaida perguntou sentindo o coração acelerar

--Zaida... – a idosa não conseguia sair do lugar – Minha filha... – sentia-se trêmula – Ai, meu Pai... – tonteou e desmaiou em seguida sendo aparada por duas mulheres

--Socorro, gente, ajuda aqui! – uma das mulheres pediu ao deitar Malika no chão – Ela é pesadinha, né?

E o fuzuê na igreja era total.

--Meus filhos, ajudemos dona Malika a se recuperar! – padre Assumpção pediu aos fiéis – E Nazira, por favor, desagarre do pescoço da moça antes que o pior aconteça! – ordenou – “Trata-se de dona Malika e Nazira, Assumpção! Claro que esse reencontro entre mãe e filha não poderia ser uma coisa normal...” – pensava sem saber ao certo o que fazer

--Missão cumprida! – Nazira exclamou orgulhosa ao se desvencilhar de Zaida – “Não vejo a hora de recuperar meu telefone!” – pensou ao se sentar – “O Pitaquinho vai ficar passado quando eu contar esse babado pra ele!” -- sorria

Zaida sentia-se abestalhada e não sabia o que pensar.

Fim do capítulo