Após a tempestade a necessidade de reconexão.
Capitulo 13
13 Reconexão
Havia se passado pouco mais de vinte dias daquele passeio revelador e decisivo em Campos do Jordão e o fim de qualquer comunicação entre Carolina e Helena.
Helena mal chegou ao seu apartamento, organizou suas malas e pegou o primeiro voo rumo ao Mato Grosso, deixou algumas orientações aos empregados, disse que somente retornaria após a entrega da reforma, precisava fugir daquilo tudo, precisava organizar sua vida. Em seu interior confusão, tristeza, frustração, saudade, tudo se misturava em uma realidade diferente da qual havia vivido toda sua vida.
- Isso não é pra mim! Eu preciso deixa-la ir. Repetia o mantra para tentar esquecer e se convencer de algo que parecia estar marcado dentro de si.
Já em Cuiabá encontrou seu apartamento sob a penumbra da noite silenciosa, estava complemente vazio, parecia um lugar que há muito não era habitado. Passou a noite toda ali, vendo parte da madrugada passar diante de seus olhos, assim como diversos flashes dos últimos acontecimentos, estando Carolina estava em quase todos eles. Estranhamente não se importou com a ausência do marido, que de acordo com a agenda deveria estar em casa naquele dia. Aquilo parecia irrelevante naquele instante, no outro dia resolveria a situação, tentaria buscar uma solução para o seu casamento, precisava lutar por isso, era somente o que lhe restara, só não faria a mínima ideia de como seria.
Acordou cedo, sequer tomou café, pegou um taxi e seguiu para a casa dos pais, precisava estar perto da família, precisava ter alguém que a amasse naquele instante.
- Mamãe, estou de volta. Resolvi passar uma temporada em Cuiabá para resolver algumas pendências.
Adentrou a porta da cozinha onde sua mãe organizava algo na prateleira auxiliada pela ajudante.
- Minha filha, que ótima surpresa! Não pensei que deixaria o apartamento até o fim da reforma.
- Então, mãe, a reforma vai continuar, eu é que preciso organizar algumas coisas, resolvi dar novos passos.
Mãe e filha abraçaram-se ternamente na casa da família, para onde Helena havia ido para se reconectar. Foram em direção a sala e por ali ficaram boa parte do dia conversando amenidades.
Por meio de ligação telefônica Helena informou ao marido que estava de volta e que iria passar algum tempo na cidade. Como sempre, Paulo, discordou da esposa, embora tenha aceitado o fato. Explicou que estaria em Brasília e que somente retornaria para o fim de semana.
E assim foi o encontro de ambos na sexta feira, Paulo sempre alegre e diplomático fez a festa, todavia, as cobranças recomeçaram pouco depois da pequena trégua.
Durante a noite Helena foi procurada pelo esposo. O marido sempre foi um homem carinhoso, chegou a conseguir se excitar, mas tinha certeza que nada parecia fazer o sentido de antes. Era somente um ato, uma chama morna, uma vontade de cumprir uma obrigação.
- Quero voltar a trabalhar.
Disse Helena, alguns minutos após a entrega.
Seu esposo permaneceu em silêncio por algum tempo, parecendo digerir algo.
- A gente tinha um combinado, Helena.
Disse resoluto.
- Eu não estou fugindo dele, só estou querendo dar mais sentido a minha vida, ser útil.
- Você não estava envolvida com reforma? Nem era pra você estar em Cuiabá, simplesmente decidiu e voltou por conta.
- Essa também é minha casa. Você parece não estar feliz com meu retorno. Por um acaso atrapalho tanto assim? Disse em direção ao marido.
- Não é isso, você sabe. Eu não quero atrapalhar nossos planos, precisamos de um filho.
- Eu já te disse que não estou fugindo desse plano, eu também quero ter um filho.
Continuou olhando para o nada.
- Esse mês não vou parar em Cuiabá.
- Você nunca parou, posso conviver com isso.
- Só não quero que fique sozinha, você está cansada de saber de minhas obrigações.
- Pra mim, é indiferente, já estou acostumada. Existe um distanciamento que entendo ser de ambas as partes, daqui um tempo seremos quase dois estranhos nesse relacionamento.
- Não exagera, Helena, já te disse que assim que tivermos nosso filho tudo isso vai mudar. A gente se ama, nosso casamento é muito importante pra mim.
E assim ninguém mais falou. Helena já não tinha mais ânimo para discutir, principalmente por algo que parecia não ter possibilidade de mudança.
No outro dia despediram-se com animosidade, em cumprimento ao protocolo que silenciosamente combinaram.
Helena passou grande parte do dia procurando respostas. Precisa se reconectar consigo mesma, talvez voltar para o direito, para a advocacia seria uma oportunidade. Lembrou-se com carinho do tempo que passou na sociedade com uma antiga amiga de faculdade. Tinham muitos clientes e a carreira estava em expansão quando decidiu por se tornar esposa de Paulo e ter que mudar radicalmente os planos profissionais em apoio ao esposo, um político em ascensão.
- Julia, bom dia, aqui é a Helena. Bom falar com você, também, minha amiga. Estou de volta em Cuiabá e tomei uma decisão, quero voltar para o mercado, para advocacia. Então... ainda estou morando em Ribeirão Preto, gostaria de tentar algo por lá mesmo, talvez abrir uma sociedade. Essa seria minha primeira alternativa, queria que você pudesse me indicar pessoas que topem essa parceria, começar algo novo, gostaria de trabalhar com empresas.
-Fico feliz que você queira voltar para o ramo. Seu talento sempre foi reconhecido e acredito que o seu sucesso será rápido, minha amiga, o que precisar estarei à disposição. Tenho antigos colegas em Ribeirão Preto que possivelmente tenham pessoas indicadas a esse seu projeto, não desista vai dar certo. Assim que tiver uma resposta entro em contato.
E assim seguiu a ligação com Helena segura e decidida a fazer sua vida mudar, precisava se agarrar a alguma coisa para seguir, para esquecer...
Do outro lado, Carolina resolveu solicitar as férias que estavam em atraso. Ficaria ausente por quinze dias da empresa, daquela cidade. Decidiu ir pra casa dos pais, precisava do calor humano familiar para se recompor, colocar as ideias no lugar. Escalou uma colega de confiança para acompanhar a obra no apto de Helena. Não tinha condições humanas de retornar aquele lugar, pelo menos tão cedo. Conversou com sua amiga Patrícia, era a sua única confidente naquele momento, e o conselho do afastamento tornou aquela a melhor realidade para o momento. Iria e precisava lutar por si mesma.
- Minha filha, você tem estado quieta demais, não quis sair para rever os amigos, os primos que você tanto ama?
- Mamãe, eu simplesmente tenho precisado de mim mesma, quero ficar quietinha...
- Hum, mas o que tá acontecendo, minha filha? sou sua mãe e sabe que pode contar comigo para qualquer coisa.
Carol entende que a mãe deseja se aproximar e mesmo assim decide não se abrir.
- São coisas minhas, mamãe, preciso pensar melhor sobre tudo – Ela apenas disfarçou e tentou melhorar o ânimo, não estava pronta para revelar fatos tão íntimos naquele momento. Passou o dia entre conversas com os pais e maratonando series da Netflix.
E os quinze dias se passaram rápidos demais. Precisava retornar para sua vida, trabalho. Depois de algum tempo os pensamentos foram aliviados e as respostas que precisava só tinham se estruturado um pouco mais em sua mente. Patrícia ligara algumas vezes dando apoio e sendo ouvinte para as frustrações daquele coração partido. Enfim, ela se questionava sobre a sexualidade até então definida e as mudanças que a fizeram se encarar sob uma nova realidade. Aceitou que o sonho de ter um relacionamento com Helena racionalmente não seria possível, não seria uma opção. Assim tentaria se afastar de vez para diminuir a dor da ausência, evitaria qualquer contato durante a obra no apto da ex-amiga e seguiria sua vida, foi o que planejou ou ao menos rezou internamente para que acontecesse.
Na Spezzato, Carolina retornou e se afundou no trabalho, embora seu coração as vezes vagasse a procura de uma certa pessoa, o trabalho exaustivo tomava-lhe o tempo que precisava simplesmente para não ter em quem pensar. E assim seguiu mês a dentro.
Por outro lado, a obra do apartamento de Helena ficara pronta, todavia, fora informada que a própria havia recebido as imagens do imóvel e que tinha aprovado o resultado via chamada de vídeo. Preferiu não saber os detalhes que a colega tentara passar. Enfim, suportou até onde deu, até os últimos palpites antes da entrega do imóvel.
A empresa que trabalhava encontrava-se numa excelente fase, principalmente pelo trabalho de arquitetas talentosas e Carol era uma delas. Todavia, a mesma estava descontente com a falta de gerenciamento da filha do proprietário.
- Eu não a suporto Patrícia, essa menina vai condenar o bom nome da Spezatto.
- Mas ela ainda é a filha do chefe e isso nunca vai mudar, ela estraga nossos projetos e fica por isso mesmo. Precisamos largar essa empresa e procurar algo que nos adoeça menos, Carol.
- Meu sonho, preciso tomar juízo e investir em algo que é meu, só assim pra eu conseguir me sentir melhor.
As arquitetas estavam furiosas pelas mudanças ocorridas no projeto Sunday, um conjunto residencial de alta classe onde a filha do dono da empresa havia realizado uma série de mudanças sem qualquer consulta as idealizadoras. Algumas dessas mudanças deveriam ter sido melhor estudadas para evitar falhas estruturais no projeto. Enfim, mais um problema a ser administrado no futuro.
- Amiga, faz um tempão que a gente não sai pra tomar um chopp, um drink, vamos desentocar, Carol, a vida tem que ser mais que trabalho.
- Não tô muito afim, Paty, estou absurdamente cansada, ainda mais depois dessa presepada toda da Cláudia.
- Esquece essa loira água oxigenada, tudo tem limite, vamos lá tomar uma, vai.
- Só uma, quero dormir cedo.
- Combinadíssimo.
E assim, Carolina fez o primeiro passeio depois de dois meses no qual se resguardou diante da frustração do sentimento por Helena.
Do outro lado, em Mato Grosso, Helena comemorava o convite para trabalhar na Camargo Borges advogados associados.
- Eu começo assim que vocês sinalizarem. Sim, pode ser na próxima semana.
Foram as últimas palavras de Helena antes de sair dando pequenos saltos pelo apartamento. Havia conseguido a vaga indicada pela sua antiga colega de faculdade. Enfim teria uma chance de mostrar o seu valor e não precisaria mais viver a sombra do marido. Iria pensar um pouco em si mesma, construir algo que lhe desse orgulho, enquanto a maternidade não chegava.
Avisou a mãe e o esposo, que estava em Brasília. Estranhamente Paulo aprovou o seu retorno a Ribeirão Preto e parecia não se importar com o fato da sua volta ao trabalho. Certamente isso a deixou mais aliviada, seria uma discussão a menos, pra variar. Assim, decidiu que iria embora na sexta, quando poderia se organizar no fim de semana para poder se apresentar na segunda.
Helena parecia não acreditar quando o motorista a deixou em frente ao prédio imponente. Não sabia se ria ou chorava. Aquele frio na barriga a fazia sentir-se um pouco mais jovem, com uma áurea sonhadora. A vida estava sendo generosa consigo novamente, iria aproveitar essa chance, dedicaria-se ao máximo.
- Seja bem vinda ao time, Helena, esta é Ana Paula, Maria Beatriz e Carla. São todas sócias da Camargo Borges.
- Obrigada Luciana, estou muito feliz em poder contribuir com o time. Darei o meu melhor.
Maria Beatriz apresentou as instalações e o restante da equipe do escritório que se tornou referência em advocacia empresarial na cidade de Ribeirão Preto. Grandes empresas faziam parte do seu portfólio.
Maria Beatriz Camargo era a socia majoritária do escritório e filha do famoso jurista Camargo Borges. Herdou o escritório do pai após a sua morte e junto com algumas colegas de faculdade pode continuar o trabalho que o mesmo conduzira por tantos anos.
- Nesse início concluímos que trabalhar diretamente com Carla deverá ser melhor para o escritório, vocês dividirão as ações e os trabalhos com algumas empresas específicas. Ela é uma pessoa muito generosa, vocês vão se dar muito bem.
- Obrigada Maria Beatriz, estou muito feliz em fazer parte da equipe e terei prazer eu auxiliar a Carla no que puder.
Helena tomou posse da nova sala, ao lado da sala de sua colega Carla que ao longo do dia apresentou a pasta de clientes e os andamentos que seguiriam nos próximos dias. Teriam muito trabalho pela frente. Estava muito empolgada e assim passou a semana sendo familiarizada com a nova função, reuniões com clientes antigos, captação de novos clientes e muito trabalho.
- Mamãe estou exausta, mas incrivelmente feliz com o trabalho. Trouxe muita coisa pra casa para adiantar e pegar o ritmo.
- Minha filha, entendo sua empolgação, mas não exagere, você precisa se cuidar, manter a saúde.
- Estou mais saldável que nunca, mamãe, prometo não exagerar. Vou passar o fim de semana estudando alguns casos, estou muito feliz pela oportunidade e quero muito mostrar serviço.
- Você irá minha filha, sempre foi muito dedicada, logo será reconhecida.
E assim Helena se entregou ao trabalho no fim de semana. Estava adorando a fase, ela ajudava seus pensamentos não lhe traírem e a levarem para uma certa pessoa, que há mais de 60 dias não sabia sequer como estaria. Sentia-se mal pelo fim da amizade, do companheirismo daquela ligação tão especial. Mas a transformação dessa realidade em algo tão íntimo poderia lhe trazer grandes problemas. Gostaria muito que fosse diferente, mas sabia que era algo forte demais para ser alimentado por mais tempo. Doía a ponto de sufocar, de doer por dentro, mas não havia mais nada a ser feito a não ser esperar o tempo levar embora todo aquele turbilhão de sentimento.
- Helena boa tarde, temos uma urgência. Um cliente precisa de consultoria hoje para as 16:00. Empresa de arquitetura com problemas na execução do contrato com empreiteira, houve umas mudanças no projeto e a empreiteira solicitou uma reunião. Seria importante você nos ajudar nessa missão, precisamos ajuda-los para não gerar maiores problemas.
- Vou me organizar para ir com você.
Helena organizou suas coisas quando foi até o carro onde o motorista as levariam para a empresa onde se reuniriam com a equipe que iria conduzir a situação.
- Doutora Carla e doutora Helena, por gentileza nos acompanhe. A equipe técnica aguarda vocês na sala de reunião.
As advogadas foram conduzidas até a sala onde já as aguardavam.
O ambiente estava ricamente decorado com o que havia de melhor na arquitetura moderna. A grande sala tinha capacidade para mais de vinte pessoas e já estava sendo ocupada pelo proprietário, sua assessoria e corpo técnico de engenheiros e arquitetos quando Helena foi apresentada.
Ela quase não se moveu quando se deparou com a figura que agora se levantava para cumprimentar as recém chegadas. Os olhos se cruzaram surpresos de algo que até então parecia impossível acontecer. A primeira tentativa foi tentar manter firmeza diante da situação, a segunda foi segurar o choque que percorreu suas mãos durante o cumprimento antes de sentarem-se, uma de frente para a outra.
- Isso não está acontecendo. O que ela está fazendo aqui?
Carolina pensava enquanto encarava Helena que mal conseguia disfarçar, parecia desconsertada e aflita.
- Não é possível, isso não está acontecendo...
Helena tentava recitar um mantra interno sem qualquer esperança.
- Doutoras, solicitamos essa reunião por uma urgência contratual com a representante da empreiteira, a sra Lucia, que está presente. Houve mudança nos projetos iniciais realizados sem o aval dessa administração, então precisamos entender os problemas que isso poderá nos trazer no futuro.
Um homem de meia idade, de aparência sisuda se manifestou sem rodeios interpelando todos na sala.
- Senhor Eduardo, boa tarde. Precisamos estudar um pouco mais os contratos realizados antes de dar um parecer jurídico, até porque precisamos entender essas mudanças e o que de fato podemos negociar com a empresa construtora.
- Eu preciso saber disso o quanto antes doutora, o que vocês precisam da Spezzato?
- Cópia dos contratos com a empreiteira e que os responsáveis pelo projeto nos expliquem as mudanças ocorridas.
- Carolina e Cláudia, vocês deverão atender as advogadas no que elas precisarem.
- Mas papai, não faz muito sentido a Carolina...
- Cláudia, eu não perguntei o que você acha, simplesmente trabalhe com a Carolina para resolver isso. Foi você quem mudou os projetos sem a nossa autorização, agora resolva da melhor forma possível. A responsabilidade é sua. Vocês me desculpem, terei que me retirar pois tenho uma viagem a fazer. A ordem foi dada e ao meu retorno espero que essa situação tenha sido resolvida. Boa tarde!
O homem se levantou visivelmente contrariado deixando a sala completamente silenciosa.
- Acredito que possamos solucionar isso da melhor forma possível, Cláudia. Nos encaminhe as cópias do contrato. Podemos marcar nos próximos dias para nos encontrar para podermos melhorar o entendimento sobre o contexto da obra, o que foi mudado.
- Pode ser...
Cláudia falou com desdém, reforçando seu caráter de menina mimada filha do chefe.
- Acaso eu não tenha agenda a Carolina vai até vocês.
Carolina arregalou os olhos diante de Helena que permanecia visivelmente constrangida.
Após alguns minutos novamente a tortura veio durante a despedida com a troca profunda de olhares como se reconhecessem desde sempre, se odiassem e se amassem simultaneamente, com toda confusão que pudesse existir nesse mundo.
Quando não tinha mais rastros das visitantes ela saiu quase que correndo da sala. Carolina acelerou o passo até chegar ao banheiro. Precisava respirar. Faltou-lhe o ar, as respostas nunca foram tão vagas, não imaginava que os caminhos se cruzariam tão cedo, mas o destino não lhe deu qualquer trégua, teria que engolir a pedra sem um gole d´água.
Fim do capítulo
Estamos de volta para tentar terminar a história.
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