Capitulo 16 - O aniversario de Julia
A mãe de Júlia, dona Marlene, chegou a Curitiba no início da manhã de sábado. Depois de um breve descanso, a família saiu para almoçar em um restaurante da moda na cidade. Júlia estava radiante — era a primeira vez que a mãe a visitava, e ainda por cima no dia do seu aniversário.
Logo cedo, recebeu um buquê de rosas vermelhas e uma caixa de bombons da namorada, que, curiosamente, havia desaparecido o resto do dia. Dos irmãos, ganhou um kit com perfume, sabonete e hidratante. A mãe lhe presenteou com uma camisa branca de estampa florida discreta. A avó, por sua vez, a ignorou completamente, como se esquecesse — ou preferisse esquecer — a data.
Também recebeu um buquê de rosas de Cairo, acompanhado de um bilhete de desculpas. Mas, para ele, Júlia manteve o silêncio.
Durante a manhã, Cairo tentou ligar três vezes. Júlia recusou todas. Em uma das ocasiões, Guilherme viu o nome dele aparecer na tela do celular da irmã, e percebeu quando ela, sem hesitar, recusou a chamada. Conhecendo bem a personalidade reservada da irmã, não questionou — mas, mais tarde, comentou em voz baixa com Larissa:
— Se ele fez alguma coisa com ela... juro que quebro a cara dele.
Já passava das sete da noite quando Laura apertou a campainha do apartamento de Júlia. Quem atendeu foi Guilherme, sorridente como sempre.
— Uau, cunhadinha... Se você não fosse comprometida, hoje mesmo te pediria em casamento!
Laura riu da ousadia do rapaz mais novo. Estava deslumbrante num vestido vermelho vinho, com um decote generoso, elegante sem ser vulgar. No pescoço, usava um colar discreto de ouro rosé com uma pedra azul, da mesma cor de seus olhos. Nos pés, um scarpin nude completava o visual impecável.
— Sua mãe está aí? — perguntou Laura, ainda sorrindo.
— Está no quarto, se arrumando. Júlia está na cozinha, no telefone com um primo que ligou pra dar os parabéns.
Poucos instantes depois, Júlia surgiu na sala — e o tempo pareceu parar. Quando os olhos das duas se encontraram, Laura perdeu o fôlego. A morena usava um vestido preto de ombro caído, deixando à mostra o colo moreno e delicado. Laura se aproximou com um sorriso encantado e a beijou suavemente nos lábios, cuidando para não borrar o batom.
— Esse vestido maravilhoso merece um acessório à altura — disse, tirando da bolsa uma pequena caixa de veludo vermelho. — Parabéns, meu amor. Você merece tudo de melhor.
Júlia abriu a caixinha e encontrou um colar de ouro amarelo com dois corações entrelaçados, unidos por uma pedra azul brilhante no centro. Seus olhos se encheram de emoção — pelo presente, pelo gesto, pelo cuidado.
— É lindo… — murmurou, tocando delicadamente a joia.
— Posso colocar em você? — perguntou Laura, com ternura.
Júlia assentiu, e Laura, com todo carinho, prendeu o colar em seu pescoço, aproveitando o instante para depositar um beijo leve sobre sua pele. Um momento íntimo, sutil e cheio de significado — como se naquele gesto selassem algo precioso entre as duas.
Enquanto isso, um par de olhos atentos observava toda a cena, com um misto de curiosidade e julgamento silencioso. Era Dona Marlene, que assistia da porta do corredor até ser notada por Guilherme.
— Mãe! A senhora está aí... Vem cá, deixa eu te apresentar. Essa é a Laura, minha namorada — anunciou Júlia, com um sorriso orgulhoso, chamando a atenção de todos na sala.
Dona Marlene caminhou com passos lentos, analisando Laura de cima a baixo. Havia algo em seu olhar que oscilava entre surpresa e desconfiança. Laura, ainda com a mão estendida, manteve o sorriso educado. Após alguns segundos de silêncio desconfortável, a mulher mais velha enfim apertou sua mão — com força.
— Prazer, Laura. Você é muito mais bonita pessoalmente do que na foto que minha filha tem no quarto.
Laura sorriu, um tanto enrubescida com a recepção inesperada. Mas manteve a postura.
— Muito obrigada, Dona Marlene. É um prazer conhecê-la. A senhora também é muito bonita e jovem... A Júlia claramente puxou à mãe.
O ambiente ficou brevemente suspenso por um ar denso, como se cada palavra carregasse mais do que o seu sentido literal. Dona Marlene manteve o olhar fixo em Laura por mais um instante, depois desviou para a filha, sem dizer nada. O silêncio foi quebrado por Guilherme.
— Já que as senhoritas estão prontas, acho que podemos ir. Estou faminto — disse Guilherme, com um sorriso impaciente, quebrando o clima tenso com bom humor.
O restaurante escolhido por Laura para a festa surpresa de aniversário de Júlia pertencia a amigos dos irmãos Becker. Recém-inaugurado, o espaço era charmoso, especializado em culinária italiana — uma das favoritas de Júlia — e possuía um ambiente reservado, ideal para recepções mais íntimas.
Laura havia pensado em cada detalhe. Não era nenhuma Tia Sofia da vida, mas, com a ajuda de Olívia, Fernanda e Lívia, fez o seu melhor para organizar uma noite memorável.
O carro mal havia estacionado e Júlia já notava algo estranho. Laura, sempre objetiva, de repente insistia em que ela descesse devagar, "com calma", dizia, enquanto trocava olhares com Larissa no banco de trás. Ao entrar no restaurante, o ambiente antes silencioso explodiu em vozes e aplausos.
— Surpresa! — gritaram em coro, amigos, colegas de trabalho, os irmãos, rostos conhecidos que lhe dava uma sensação boa de lar..
A morena levou a mão à boca, visivelmente emocionada. Seus olhos percorreram o salão reservado, decorado com luzes suaves, arranjos de girassóis e pequenas velas nas mesas. Um letreiro iluminado dizia: "Parabéns, Júlia!"
— Laura... — sussurrou, com a voz embargada.
— Feliz aniversário, meu amor — respondeu a loira, segurando a mão da namorada.
Cadu, colega de cirurgias e parceiro desde a faculdade, foi o primeiro a se aproximar com uma taça de espumante.
— Você merece tudo isso e mais. Obrigado por ser essa força dentro e fora da sala de cirurgia.
A família da Laura estava toda lá, confirmando que Júlia era bem-vinda à família.
Dona Marlene, mãe da Júlia, foi apresentada a todos os presentes, recebeu apertos de mão e até abraços calorosos de agradecimento. Todos a parabenizavam pela filha maravilhosa que tinha: dedicada, inteligente e humilde.
A noite foi perfeita e tranquila. Laura descobriu mais um talento de Júlia quando, no meio da festa, ela pediu permissão ao trio responsável pela música, sentou-se ao teclado e, acompanhada pelo violão de outro músico, cantou olhando nos olhos da sua amada.
Foi assim, como ver o mar
A primeira vez que meus olhos
Se viram no seu olhar
Não tive a intenção de me apaixonar
Mera distração e já era
Momento de se gostar
Quando eu dei por mim nem tentei fugir
Do visgo que me prendeu dentro do seu olhar
Quando eu mergulhei no azul do mar
Sabia que era amor e vinha pra ficar
Daria pra pintar todo azul do céu
Dava pra encher o universo da vida que eu quis pra mim
Tudo que eu fiz foi me confessar
Escravo do seu amor, livre pra amar
Quando eu mergulhei fundo nesse olhar
Fui dono do mar azul, de todo azul do mar
Foi assim, como ver o mar
Foi a primeira vez que eu vi o mar
Daria pra beber todo azul do mar
Onda que vem azul, todo azul do mar
Foi quando mergulhei no azul do mar
Daria pra beber todo azul do mar
Foi quando mergulhei no azul do mar
Compositores: Flavio Hugo Venturini / Ronaldo Bastos Ribeiro
Laura ficou presa no olhar de Júlia durante toda a canção. Uma lágrima de emoção escorreu de seus olhos, e naquele instante ela teve certeza de que Júlia era a mulher com quem queria somar a vida para sempre. Não foi pela música, mas pelo jeito como ela a olhava. Nunca ninguém a olhou daquele jeito, nem mesmo Natália, seu primeiro amor.
Quando Júlia terminou de cantar, a plateia aplaudiu com entusiasmo, e alguns chegaram a pedir bis. Afonso, pai de Laura, discretamente se aproximou da filha, passou o braço por sua cintura e sussurrou ao seu ouvido:
— No dia em que sua mãe me olhou assim, eu a pedi em casamento.
Laura apenas encostou a cabeça no peito do pai e sorriu.E sussurrou.
— Obrigada Pai.
Assim que a música terminou, Júlia desceu do pequeno palco e abraçou a loira que a esperava, sorrindo, com os olhos brilhando. Sussurrando em seu ouvido.
— Te amo, meu mar, meu tudo!
A festa de aniversário seguiu animada, entre elogios da família e dos amigos que ainda não conheciam aquele lado artístico de Júlia. Muitos se surpreenderam com a sua sensibilidade ao cantar e com o brilho sincero no olhar.
Dona Marlene, no entanto, manteve-se centrada e observadora. Por fora, estava contida; por dentro, os pensamentos não paravam de girar. Desde que a filha anunciara à família que estava namorando outra mulher, a vida de Marlene se tornara um verdadeiro inferno — não por causa de Júlia, mas pelas reações duras da mãe, que não poupava comentários maldosos e expressões de desprezo, sempre culpando a neta. Segundo ela, o erro era de Marlene, por ter "deixado a filha se perder".
Como mãe, o coração de Marlene buscava desesperadamente um motivo, uma explicação. A pergunta que não a deixava em paz era: onde foi que eu errei?
E hoje, sentada ali, rodeada por gente que amava sua filha e tratava tão bem, ela começava a perceber algumas respostas. Entendia, com dor, que muitas de suas atitudes do passado feriram Júlia mais do que imaginava. Que a dureza, os silêncios, o medo e até o orgulho contribuíram para afastar sua filha.
Aceitara o convite de Laura para a festa surpresa com desconfiança. Queria ver com os próprios olhos o que estava acontecendo — quem era essa mulher que tinha “virado a cabeça” de Júlia, como a mãe dizia. No fundo, esperava encontrar algo que confirmasse suas suspeitas, ou até que a trouxesse de volta “à realidade”, como dizia para si mesma.
Mas ao chegar ao restaurante, e testemunhar o entrosamento sincero entre as duas, os olhares, os gestos, a leveza… e, principalmente, o respeito com que todos ali tratavam sua filha — não pelo dinheiro ou posição, mas pelo que ela era — as certezas de Marlene começaram a ruir.
No lugar delas, surgiram dúvidas mais profundas. E talvez… um novo tipo de entendimento.
Após cantarem os parabéns e o bolo ser servido, os convidados começaram a se despedir e a festa chegou ao fim. Mas para Júlia e Laura, a noite estava apenas começando.
A mãe de Júlia e os irmãos seguiram para o apartamento dela.
Já Júlia foi com Laura para mais uma surpresa que a loira havia preparado — agora, um momento só delas.
Laura estacionou o carro em frente a um hotel sofisticado. As duas desceram, e ela entregou a chave do veículo ao manobrista com tranquilidade. Não precisaram passar pela recepção; entraram diretamente no elevador, de mãos dadas.
Assim que a porta se fechou, Júlia puxou Laura para um beijo intenso, carregado de desejo e carinho — como se dissesse, sem palavras, que aquele era o lugar certo para estar.
— Calma, minha gata selvagem... já estamos chegando ao paraíso — disse com um sorriso malicioso.
Laura passou o cartão pela fechadura eletrônica e a porta se abriu, revelando um quarto todo decorado com pétalas de rosas brancas e vermelhas espalhadas pelo chão, formando um caminho até a enorme cama de casal e no centro um coração desenhado de pétalas. Júlia, ansiosa, abraçou a namorada, deslizando as mãos pelo seu corpo, apertando-lhe os seios, mas Laura a interrompeu.
— Amor, espera só um pouquinho... vamos com calma. Você não vai se arrepender.
Ela se desvencilhou dos braços de polvo da namorada, pegou sua mão e a conduziu até a cama, onde havia um balde com um champanhe caro e uma travessa com morangos lindos.
Laura serviu uma taça para cada uma.
— Um brinde, amor. Ao seu aniversário... e a nós.
Júlia ainda não havia reparado, mas bem no centro do coração formado pelas pétalas estava uma pequena caixinha de veludo azul.
Laura não tinha planejado fazer aquilo, a princípio elas apenas trocariam uma aliança de compromisso, mas durante a festa teve a certeza de que era o momento certo de um compromisso mais sério, com uma promessa de futuro. Pegou a caixinha, foi até Júlia, que estava sentada na cama, e ficou de pé diante dela.
— Jú, eu sei que estamos juntas há pouco tempo, que ainda estamos nos conhecendo... pode parecer precipitado, e eu entendo se você não estiver pronta. Eu posso esperar. Mas eu preciso dizer isso ou vou explodir.
— Ana Júlia, eu te amo. Como nunca amei ninguém nesta vida...
Ela abriu a caixinha com duas alianças e se ajoelhou na frente da morena.
— Ana Júlia, quer casar comigo?
Júlia, que já chorava desde que entendeu o que Laura estava fazendo, não pensou duas vezes, não analisou nada. Apenas respondeu:
— Sim... sim, eu quero! Laura, eu te amo, e sim, quero ser sua esposa!
Com as mãos no rosto de Laura, ela a beijou com ternura — um beijo calmo, sereno, daqueles que não têm pressa.
Quando o beijo terminou, Laura colocou a aliança no dedo de Júlia, e Júlia colocou a outra no seu, mantendo os olhos fixos uma na outra.
Na penumbra suave do quarto decorado, só o som discreto do champanhe borbulhando e a respiração delas preenchia o espaço. Júlia estava sentada na beira da cama, ainda com os olhos úmidos de emoção, enquanto Laura permanecia ajoelhada à sua frente, olhando-a como se ela fosse o centro de todo o universo.
Laura se aproximou devagar, segurando o rosto da amada com as duas mãos. Seus polegares deslizaram pelas bochechas quentes de Júlia, e então seus lábios se encontraram novamente — agora mais profundos, mais doces, mais conscientes do que estavam prestes a compartilhar.
O beijo era uma promessa silenciosa, e nenhum som além da troca de suspiros era necessário.
Com delicadeza, Laura ajudou Júlia a tirar o vestido e a deitar-se entre as pétalas, explorando o corpo dela como quem desvenda um segredo precioso. Tocava cada centímetro com reverência, como se desenhasse memórias sobre a pele da mulher que amava. Os dedos passeavam pela curva do pescoço, pelos ombros expostos, até a cintura, onde parou por um instante — não por hesitação, mas por respeito.
Elas se olhavam o tempo todo, pedindo e oferecendo permissão com os olhos.
— Você é linda... — sussurrou Laura, e viu Júlia sorrir, com o coração acelerado e os olhos brilhando como nunca.
Os lençóis acolheram seus corpos entrelaçados. O tempo, ali dentro, parecia ter parado. Elas se entregaram uma à outra com cuidado e desejo, num ritmo tranquilo, como se o mundo inteiro existisse apenas naquele quarto. Cada toque era um carinho. Cada beijo, um agradecimento. Cada suspiro, uma confissão muda de amor.
Não houve pressa, não houve medo. Só havia elas — e o amor que ali, mais do que nunca, se fazia real, intenso e inesquecível.
Depois de se amarem com a delicadeza de quem sabe valorizar cada instante, Laura e Júlia permaneceram abraçadas sob os lençóis macios, ainda com os corpos entrelaçados e os corações pulsando em sintonia. Lá fora, a noite seguia silenciosa, cúmplice do momento que compartilhavam. A noite estava longe de terminar, Laura tinha outros planos.
Laura se levantou devagar, pegando a taça de champanhe que estava sobre a bandeja ao lado da cama. Tomou um pequeno gole e sorriu maliciosamente para Júlia, que a observava com os olhos semicerrados, preguiçosos de prazer.
— Acho que ainda temos algo doce pra explorar... — disse Laura, estendendo a mão até a travessa de morangos e escolhendo o mais vermelho, mais suculento.
Ela molhou a ponta do morango no champanhe e o levou lentamente até os lábios de Júlia. Mas em vez de deixá-la morder de imediato, passou a fruta pelos cantos da boca dela, provocando um arrepio. O líquido escorreu um pouco, e Laura, sem dizer uma palavra, inclinou-se e lambeu devagar a gota que deslizava pelo queixo da namorada.
— Hmmm… você fica ainda mais deliciosa com gosto de champanhe e morango — murmurou, os olhos brilhando.
Júlia riu baixinho, puxando Laura de volta para cima dela com um movimento rápido e inesperado, invertendo as posições.
— Então experimenta isso — disse, pegando outro morango e deslizando-o pela pele da loira, da clavícula até o centro do peito. A cada ponto tocado, deixava um rastro úmido e doce.
Laura arfou, fechando os olhos, completamente entregue.
Júlia então se inclinou, e com beijos suaves foi provando cada pedacinho de pele marcada pela fruta. A brincadeira seguiu lenta, sensual, feita de risos baixos, toques leves e olhares carregados de desejo e amor.
Entre um gole de champanhe e outro, entre morangos e beijos molhados, elas descobriram um novo prazer: o de brincar com a confiança e a intimidade que só o verdadeiro amor permite. Não era só o corpo que se entregava, mas o coração também — inteiro, sem reservas.
Ali, no silêncio cúmplice daquele quarto, Laura e Júlia não tinham pressa. Eram duas almas celebrando o amor de todas as formas possíveis: com riso, com desejo, com respeito. E sabiam, no fundo, que aquela noite seria lembrada para sempre — não apenas pelos gestos, mas pela conexão profunda que transformava tudo em algo sagrado.
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O sol de domingo brilhava generoso sobre o jardim da casa da família Becker. O gramado bem cuidado, as árvores frondosas e a piscina com borda infinita deixavam claro o padrão de vida elevado. No centro da área externa, uma churrasqueira moderna soltava fumaça cheirosa, enquanto Afonso Becker, de avental e pinça em punho, comandava o churrasco com maestria.
Júlia chegou com a mãe, Marlene, e os irmãos, Guilherme e Larissa. Todos estavam bem vestidos, discretos, com olhos que percorriam o ambiente grandioso com curiosidade e uma pontinha de receio. Júlia, porém, parecia mais à vontade. Afinal, conhecia aquela casa, aquele espaço, já estivera outras vezes ali com Laura — e, principalmente, aquela família.
Laura correu até eles, cumprimentando a sogra e os cunhados com um beijo no rosto e abraçando Júlia como se não tivessem visto aquela manhã,
— Que bom que vocês chegaram! Vem, amor… sua mãe tá linda — disse Laura, piscando para Marlene, que sorriu, meio sem graça.
Camila logo veio seguida recebendo os convidados com um abraço caloroso.
— Marlene, Larissa, Guilherme… é uma alegria ter vocês aqui. Espero que estejam com fome, porque o Afonso está animado na churrasqueira, e quando ele troca o bisturi pelo garfo de churrasco, os convidados não se arrependem… Brincou.
Do outro lado da varanda, Dra. Eunice surgia elegante, de vestido leve e sorriso afetuoso. Ao lado dela, Dr. Hermes — sempre impecável — carregava uma taça de vinho e uma postura que misturava autoridade e ternura.
— Júlia! — disse Eunice, abrindo os braços. — Minha querida, que bom que chegaram! Você está linda!
— Obrigada Eunice. E você está ainda mais charmosa hoje — respondeu Júlia, com carinho verdadeiro.
— Sejam bem-vindos, família da Júlia! — disse Camila com um sorriso sincero. — Marlene, sua filha conquistou nossos corações e já faz parte desta família. Sintam-se à vontade!
— Obrigada, doutora Camila… e doutora Eunice, pelo carinho de vocês com a minha filha e pelo convite para este almoço — respondeu Marlene, com sinceridade no olhar e na voz.
— Que nada, mulher! — disse Camila, com um toque de bom humor. — Aqui somos todos família e estamos em casa. Nada de "doutoras", só Camila e Eunice, por favor! Vamos entrando, sentem-se e fiquem à vontade. Sirvam-se sem cerimônia.
Ela então conduziu os convidados com naturalidade até a varanda, onde a mesa já estava pronta para um almoço especial.
Hermes aproximou-se com um brilho nos olhos.
— Olha só… a minha aluna predileta. Dra. Ana Júlia Carvalho… nunca imaginei que um dia eu estaria no churrasco da família da sua namorada.
— E eu nunca imaginei que meu mentor fosse ser "quase" meu avô postiço — respondeu ela, com um sorriso cheio de memória e respeito.
Hermes gargalhou.
— Se depender da Eunice, já sou. E se depender de você, continuo sendo seu mestre do bisturi.
— Sempre será. Foi o senhor que me ensinou a operar com o coração, não só com as mãos — respondeu Júlia, emocionada.
Mas uma vez a mãe de Júlia observava tudo e a todos.
Enquanto isso, Guilherme que sempre foi louco por churrasco, já interagia com Afonso na churrasqueira.
— E esse equipamento aqui? mandou fazer sob medida, doutor? — perguntou ele, admirado com a estrutura.
— Sim, quando compramos essa casa estava toda velha e abandonada, foi minha única exigência para a arquiteta, essa belezura de equipamento, o resto tudo deixei a gosto da Camila, um ensinamento jovem rapaz, mulher satisfeita, casamento feliz — respondeu Afonso, rindo. — Mas se quiser manejar uma picanha, tá contratado!
— Opa, só quero. respondeu animado.
Enquanto isso, os homens da família começaram a se agrupar ao redor da churrasqueira, como acontece em qualquer bom churrasco de domingo. A conversa entre eles fluía naturalmente — carros, trabalho, histórias de pescaria, churrasco e, claro, comentários bem-humorados sobre as suas respectivas mulheres. Fabrício equilibrava entre participara da conversa e pajear Letícia na piscina.
Do outro lado da varanda, as mulheres estavam reunidas em volta da bancada, assistindo Camila finalizar o almoço com elegância e domínio. Entre goles dos drinks preparados por Laura, conversavam sobre tudo um pouco: moda, maternidade, rotina no hospital e até dicas de receitas caseiras.
Na ponta da bancada, Larissa e Olivia conversavam sobre o ambiente hospitalar. A certa altura, Larissa perguntou com curiosidade sincera, o que fez o grupo todo silenciar para ouvir:
— O que um médico precisa fazer para se dar bem num hospital?
Antes que Olivia pudesse responder, Laura, Júlia, Fernanda e Eunice disseram em uníssono, como se fosse um mantra:
— Não irritar as enfermeiras!
A gargalhada foi geral.
— Isso aí, cunhadinha! — completou Laura, rindo. — Primeira regra dos médicos: não irritem as enfermeiras. Elas mandam em tudo. Se você se meter com elas… tá lascada.
— Se for cirurgiã, tenha uma boa instrumentadora e um ótimo anestesista — acrescentou Júlia, com ar experiente. — Eles fazem toda a diferença durante uma cirurgia. E paparique eles.
Fernanda, com um sorriso cúmplice, fez um beicinho:
— A sua irmã, por exemplo, roubou de todas nós a Doroti. Ela é a melhor! E ainda exige o Dr. Cadu como anestesista. Se ele estiver em outra cirurgia, ela até dá birra!
— Como é que ela conseguiu fidelizar a Dodô, hein? — brincou Olivia, piscando para a cunhada. — Acho que tá na hora de investigar isso, Laura!
Entre risos e provocações carinhosas, o ambiente transbordava leveza e intimidade. Mesmo com as diferenças de origem, era impossível não sentir que, ali, duas famílias estavam se tornando uma só.
Camila finalizou o almoço com maestria e, com um sorriso orgulhoso, chamou todos para se acomodarem à mesa. Nesse momento, Júlia e Laura se afastaram discretamente por um instante. Haviam combinado que só usariam as alianças após falarem com os pais — e agora era a hora.
As duas colocaram as alianças nos dedos, emocionadas, e voltaram de mãos dadas. Sentaram-se lado a lado, trocando um olhar cúmplice.
Quando todos já estavam servidos e os pratos cheios, Laura levantou-se, batendo levemente o talher na taça, pedindo a atenção de todos.
— Família… — começou, com a voz firme mas o coração acelerado. — A Júlia e eu temos algo importante pra compartilhar com vocês. Jú… me ajuda aqui.
Júlia levantou-se ao lado dela, apertando sua mão.
— Bem, gente… nós duas estamos imensamente gratas pelo apoio e carinho que temos recebido de todos. E queremos partilhar com vocês uma novidade: ontem à noite, ficamos noivas.
As duas estenderam as mãos, exibindo as alianças com emoção nos olhos.
Marlene, pega de surpresa, teve um leve acesso de tosse e ficou pálida como o guardanapo que segurava. Tentava manter a compostura, mas a notícia parecia ter sido um impacto maior do que esperava.
Guilherme e Larissa sorriram, felizes pela irmã, embora trocassem olhares discretos, preocupados com a reação da avó Meire quando descobrisse o noivado repentino.
A família Becker aplaudiu de imediato, em meio a gritos animados, palmas e risos calorosos. Era visível o quanto torciam por Laura — e agora por Júlia também.
Foi Leonardo quem, com seu humor de sempre, quebrou o momento emocionado com leveza:
— Tá, mas agora queremos saber: qual das duas fez o pedido?
— A Laura! — respondeu Júlia sem hesitar, apertando a mão da noiva com carinho. — Minha princesa… o melhor presente de aniversário que eu poderia ter.
— Essa é minha garota! — exclamou Afonso, orgulhoso. — Puxou ao pai… não deixou a mulher da vida escapar!
— Parabéns, irmãzinha! — disse Fabrício com um sorriso largo. — E Júlia… bem-vinda à família Becker: o clube dos irmãos meio malucos, mas de coração grande.
Afonso então bateu a faca levemente no copo, pedindo silêncio.
— Pessoal, só um minutinho…
Todos se calaram e voltaram os olhos para ele, que se levantou com a taça erguida.
— Laurinha, minha filha… Júlia, minha nova filha. Casamento não é coisa simples. Vai ter dia em que tudo vai parecer leve e bonito — e outros em que vocês vão se perguntar se vale a pena. Mas o que faz a diferença é estarem comprometidas com amor, com parceria.
— Haverá dias em que uma vai ter que ceder. E nesses dias, não tem quem perde. Juntas, vocês sempre ganham. Separadas… sempre será perda.
Desejo a vocês uma vida cheia de respeito, paciência e riso. E que nunca falte amizade entre vocês. Um brinde… ao amor e às noivas!
— Ao amor e às noivas! — repetiram todos, erguendo as taças num brinde caloroso.
Os olhos de Laura e Júlia se encontraram novamente, marejados, mas firmes, trocaram um beijo leve e quase castos, mas estavam felizes, alheias às apreensões da mãe de Júlia.
O assunto casamento tomou conta da mesa, comentando do casamento de Leonardo e Fernanda que estavam próximos e questionando quando as duas pretendiam se casar. Até que Fernanda voltou para a mãe de Júlia.
— Dona Marlene a senhora vai estar aqui em Curitiba no nosso casamento, será muito bem vinda a cerimônia e a festa é claro.
— Agradeço o convite, mas acredito que não vou ficar até no próximo sábado e depois retorno a minha cidade, volto ao trabalho.
— Marlene você pretende se mudar para Curitiba, agora seus filhos já estão aqui. - perguntou Eunice
— Ainda não sei.
— A Júlia nos disse que você se formou em gastronomia, existe um nicho bem grande aqui em Curitiba para área, comentou Lívia, temos alugado muitos imóveis para empresas de gastronomia. - completou
— Ainda estou pensando, essa semana que estou aqui vou conversar muito bem com meus filhos sobre isso, foram muitas novidades e algumas eu não estava prevendo. - Olhou para a filha que entendeu.
Leonardo como sempre era o rei em quebrar climas tensos.
— Então Casal 20, pais contem para a turma a história de amor de vocês.
— Ah! não! Vocês já sabem de cor essa história - replicou Camila.
— Mas nós amamos essa história mãe e a Júlia não conhece - falou Olivia.
— Eu adoraria ouvir Camila - disse Júlia.
— Começa você amor! falou Afonso.
Ela respirou fundo, riu com os olhos e começou:
— Nos conhecemos na festa dos calouros da USP, em São Paulo. Já estávamos no terceiro ano da faculdade, e o Afonso tinha acabado de se transferir de uma universidade do Paraná.
— Transferido… mas não disfarçado — interrompeu Afonso, rindo. — Cheguei do meu jeito.
Camila revirou os olhos, divertida:
— Ele desceu daquele Maverick amarelo e preto, envenenado, velho, barulhento, que parecia cuspir fumaça. Alto, forte, olhos absurdamente azuis, cabelo longo, barba por fazer… e vestindo uma camiseta preta do Nirvana, como quem tinha acabado de sair de um show underground.
— Me apaixonei. Simples assim.
— Bernardo odiava aquele carro — comentou Dra. Eunice, erguendo a sobrancelha. — Mas o Afonso trabalhou um verão inteiro na fazenda para o meu pai pra comprar aquilo… de um dos peões! Veio com cheiro de cavalo e tudo.
A mesa caiu na gargalhada.
Camila continuou, mais séria:
— Naquela época, eu era noiva do filho de um banqueiro. A minha família, tradicional, conservadora, já estava totalmente falida, e o “plano de salvação” era claro: eu terminaria a faculdade e me casaria com Ronaldo Figueiredo, que eu… detestava. Aquele tipo que não entende “não” como resposta.
— Um dia, ele apareceu na faculdade pra me buscar. Me encontrou conversando com um colega e teve uma crise de ciúmes. Veio me arrastando pelo estacionamento na frente de todo mundo.
Ela fez uma pausa, os olhos marejando com a lembrança.
— Afonso viu tudo. E veio como um bicho selvagem, furioso. Me tirou das mãos do Ronaldo. Quando ele partiu pra cima do Afonso, levou um “olé” tão bonito, que caiu de costas. A faculdade inteira aplaudiu.
— Desde aquele dia, nos tornamos amigos. E, bom… depois disso, eu também me apaixonei. - disse Afonso completando.
— Eu era um romântico alternativo — comentou Afonso. — A cada batida do motor daquele carro, meu coração dizia “vai nela”.
Todos riram alto, e Hermes, com ares de quem sabia demais, murmurou:
— Mal sabia ele que ia acabar casando com a herdeira da elite em ruínas.
Camila retomou:
— Minha família não aceitava de jeito nenhum que eu rompesse o noivado. Afinal, era o pai do Ronaldo quem bancava tudo. Pra se vingar, ele adiantou a data do casamento.
— Cheguei chorando na faculdade, desesperada. Afonso ficou louco. Chamou o Osvaldo — que já fazia direito na época — e montou um plano.
— Vocês não fazem ideia das loucuras que esses dois aprontavam — disse Eunice, cruzando os braços. — Dois homens com dois anos de diferença. Quando o Osvaldo nasceu, eu disse pro Bernardo: “Se deixar, eles vão crescer juntos e virar encrenca”. Dito e feito.
Camila riu.
— A única solução que encontramos foi… nos casarmos. No civil. Já éramos maiores de idade. E fugimos.
— Pra Argentina — completou Afonso. — Minha tia Beatriz morava lá. Irmã do meu pai. A mais maluca da família.
— Mais louca que os dois juntos! — exclamou Hermes, arrancando gargalhadas da mesa.
— Uns três dias depois, Bernardo — o pai do Afonso — estava se arrumando pra ir trabalhar e, como de costume, ligou a televisão no quarto para ouvir as notícias da manhã. Enquanto escovava os dentes, ouviu sobre uma estudante da USP sequestrada e voltou para a frente da TV.
— De repente, aparece a manchete: “Estudante de medicina desaparecida. Suspeita de sequestro. Dois jovens procurados.” E lá estavam as fotos dos meliantes: Afonso e Osvaldo!
A mesa explodiu em risos.
— Bernardo quase teve um infarto! Jogou a escova longe e gritou: “Os dois irresponsáveis sequestraram a filha dos Prado!”
— Por sorte, ele tinha muitos amigos na polícia… e como deputado federal, sabia ligar pros lugares certos — completou Afonso, entre risos. — E como nos conhecia bem… soube imediatamente que estávamos na Argentina.
— Quando voltamos, casados e com certidão na mão, o escândalo já era irreversível. Minha mãe… bom, até hoje não aceita muito bem o genro.
— Ela me chama de “o do carro amarelo” até hoje — comentou Afonso, rindo.
— Mas, no fim, tudo deu certo. Estamos juntos há mais de trinta anos. E, sinceramente, eu nunca teria escolhido outro caminho.
Camila olhou para Afonso, emocionada. Ele sorriu de volta, segurando sua mão.
E, como sempre, Eunice fechou com seu comentário mordaz:
— E pensar que o homem que me deu tanta dor de cabeça… hoje faz o melhor churrasco da família. Pelo menos pra alguma coisa serviu. Todos riram
As risadas ainda ecoavam pela varanda, os copos estavam pela metade e a sobremesa ia e vinha entre os convidados. A mãe de Júlia e os irmãos estavam mais à vontade interagindo nas conversas que não ficaram apenas em medicina e hospital. O clima era de pura leveza, mas Camila, com aquele jeito discreto de quem guarda uma bomba envolta em papel de seda, pigarreou levemente e chamou a atenção dos filhos.
— Já que estamos todos aqui… tem uma novidade que preciso contar — disse, repousando a taça na mesa e ajeitando os cabelos com naturalidade.
Laura, ainda de mãos dadas com Júlia, ergueu uma sobrancelha. Leonardo e Fernanda se entreolharam. Afonso cruzou os braços, já desconfiado do tom solene da esposa.
— Meus pais chegam na próxima semana — anunciou Camila.
O silêncio durou meio segundo. Só se ouviu um leve “ihhhh” vindo de Olivia, que já imaginava o que aquilo significava.
— Sério? — perguntou Leonardo, já rindo. — A vó Paulinha vem mesmo?
— Vem sim. Ela e o vovô Augusto. Vão chegar na quinta-feira e vão ficar até o casamento de vocês, Leo — respondeu Camila, com um sorriso tenso. — Então… teremos uns dias bem animados por aqui.
— Anotem aí: tensão na área! — brincou Fabrício, fingindo escrever na palma da mão. — E a vovó já sabe que tem mais um casamento a caminho?
Camila lançou um olhar carregado de significado para Laura, depois para Júlia.
— Ainda não. Vamos deixar a emoção concentrada no casamento do Leonardo por enquanto. Depois, lançamos o próximo capítulo da novela.
Todos riram, mas Afonso, com o olhar atento de pai experiente, pousou o garfo e falou com tom sereno e cheio de malícia:
— Laurinha, minha filha… talvez seja uma boa ideia você se mudar temporariamente pro apartamento da Júlia durante esses dias. Vai evitar tensão desnecessária com a tua avó… e ainda treina pro casamento, né?
Laura fez um biquinho irônico, mas não demorou a rir.
— Isso é um conselho ou uma estratégia de sobrevivência?
— Os dois. — respondeu Afonso, dando de ombros. — Já basta quando ela descobre o vinho na carne do almoço. Imagina ver vocês duas noivas. A mulher pode não resistir.
— E deixa eu adivinhar — disse Olivia, fingindo inocência — vão hospedar a vovó aqui em casa?
Camila suspirou.
— Onde mais ela se sentiria à vontade pra criticar as cortinas, a comida e o genro?
Afonso levantou as mãos:
— Ah, dessa vez eu me escondo no hospital. Férias vencidas ou não, vou plantar cirurgia inventada!
— Que bom que a família tá unida, né? — comentou Fernanda, irônica. — Casamento, tensão e uma pitada de vovó venenosa. Receita perfeita!
Camila sorriu, já imaginando o caos que vinha pela frente, mas ao olhar para Laura e Júlia, ali, firmes, sorrindo uma para a outra, soube que por mais difícil que fosse a visita da mãe… essa geração estava pronta para enfrentá-la — com amor, com coragem, e com boas doses de sarcasmo bem aplicado.
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Depois de um fim de semana intensamente emocional para Júlia, Laura e suas famílias — cheio de encontros, confissões e surpresas — a segunda-feira começou, enfim, com um raro respiro de normalidade. O hospital estava tranquilo, e o dia, até então, seguia num ritmo calmo e produtivo.
Já era fim de tarde quando Júlia, organizando os últimos relatórios do dia, ouviu batidas suaves na porta de sua sala. Sua assistente apareceu com um tablet na mão e um semblante ligeiramente hesitante.
— Doutora… você ainda tem mais uma consulta.
Júlia franziu a testa.
— Pensei que a senhora Dalva fosse a última.
— Essa entrou de última hora — explicou, entregando o tablet. — Pediu com certa urgência.
— Tá bom… libera o prontuário pra mim e pode mandar entrar.
Mas ao levantar os olhos e ver quem atravessava a porta, o ar mudou imediatamente. O semblante de Júlia endureceu como pedra.
— Cairo?! O que você está fazendo aqui?
Ele deu aquele sorriso cínico que a irritava profundamente.
— Marquei uma consulta. Era o único jeito de você me ouvir.
— Isso aqui é o meu local de trabalho. Eu não resolvo assuntos pessoais entre um bisturi e uma prescrição — rebateu, já cruzando os braços e tentando, discretamente, esconder a aliança que brilhava sob a luz da sala. Não queria mais um embate homofóbico. Não hoje.
— Não foi o que ouvi hoje pelos corredores…
— Cairo, vamos direto ao ponto. Sei que você está goz*ndo de perfeita saúde — disse ela, com a voz seca e impaciente.
Ele baixou o tom, parecendo genuinamente constrangido.
— Júlia… vim te pedir desculpas pela minha atitude na sexta. Fui estúpido. Tô envergonhado. Sério mesmo.
Ela respirou fundo, lutando contra a vontade de gritar.
— Olha… eu tô muito chateada com você. Muito. Mas em nome da nossa antiga amizade, e pela gratidão que tenho à sua família… você está perdoado.
— Obrigado. De verdade. Que tal um último happy hour? Como despedida, só eu e você?
Júlia suspirou, já pegando a bolsa.
— Agradeço, mas não. Minha mãe está na cidade, e a Laura está me esperando lá embaixo. E se não tiver mais nada… vamos indo.
Os dois desceram juntos. Cairo tentava puxar conversa, mas Júlia apenas murmurava respostas curtas, sem paciência. O dia estava quase virando noite, e o estacionamento já começava a escurecer sob as luzes automáticas.
Foi quando Laura surgiu, acompanhada de dois colegas médicos, no campo de visão de Cairo, rindo e descontarída. Sem Júlia perceber. Antes que qualquer um tivesse tempo de agir, Cairo avançou e beijou Júlia à força, num gesto abrupto e covarde. Os três pararam diante da cena.
O som do tapa que ela deu ecoou pelo pátio como um tiro seco. Tão alto que poderia ter sido ouvido até nas salas de cirurgia do andar de cima.
Mas Cairo mal teve tempo de processar o golpe. Em segundos, uma mão pequena e firme agarrou sua gola, e uma joelhada certeira o atingiu bem no centro do ego. Um soco direto no nariz o fez tombar no chão, com sangue escorrendo pelo nariz e gemidos de dor.
— EU VOU MANDAR TE PRENDER, SUA PUTA DESGRAÇADA! — gritava, contorcendo-se. — E JOGAR A CHAVE FORA!
Antes que terminasse a frase, foi erguido pela camisa com brutalidade. Diante dele, olhos azul-acinzentados, frios como gelo e ardendo de raiva.
— Tenta. Tenta bem. — rosnou Leonardo, sem piscar. — Porque se você ousar fazer isso, eu acabo com a sua vida e com a sua reputação antes mesmo dela chegar na delegacia. Seu merdinha. Se desrespeitar minha irmã ou minha cunhada mais uma vez… você desaparece da sociedade.
Cairo, ainda se agarrando ao que restava da própria dignidade, tentou reagir:
— Você está ameaçando uma autoridade! Eu sou delegado federal! Posso mandar prender todos vocês!
Leonardo sorriu. Um sorriso gelado.
— Melhor ainda. Vai ser um prazer derrubar um merdinha concursado. Vem pra cima que eu faço o Ministério Público cair no seu pescoço. Vamos ver até onde vai tua dignidade e distintivo.
Nesse momento, Laura, Fernanda e Júlia intervieram, alarmadas:
— Leo, deixa ele ir! — pediam, conscientes da plateia de curiosos que já se formava ao redor.
Leonardo, respirando pesado, recuou com relutância. Mas voltou-se para os residentes parados e gritou:
— Ei, doutores! Peguem uma maca e levem esse verme lá pra dentro. Vai precisar de atendimento.
Cairo temeroso e covarde, ainda tentou se arrastar para longe, mas foi impedido pelo segurança do hospital, que já chegava. Em poucos minutos, estava deitado numa maca, sangrando, gem*ndo… e sendo levado para dentro por uma equipe médica — agora em silêncio, tentando conter o riso.
Júlia ainda tremia, mas sentia-se protegida. Laura a abraçou, e Leonardo — de punhos cerrados — ficou ao lado delas, vigilante como sempre.
A noite caía em Curitiba. Mas no coração das três mulheres, um limite havia sido traçado. E ninguém mais o ultrapassaria.
Fim do capítulo
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