A lua ainda não havia subido quando Rhae Cerwyn foi parar — completamente nua — no telhado da taverna do vilarejo de Eiswalt, com duas garras afiadas cravadas na madeira podre e o ego sangrando por conta própria.
— Isso não foi nada digno de uma alfa — murmurou para si mesma, bufando enquanto tentava se equilibrar. Os cabelos ruivos, longos e rebeldes como ela, caíam em mechas úmidas sobre o rosto sardento. — Nem de uma loba decente. Nem de um guaxinim bêbado, pra falar a verdade.
A confusão havia começado pouco antes do pôr do sol, como sempre começava: com bebida barata, provocações melhores ainda, e uma Rhae entediada demais pra dizer "não" a uma aposta estúpida. Os visitantes da alcateia Mossfang estavam em Eiswalt pela Feira do Solstício, e era tradição fazer algum tipo de desafio idiota envolvendo velocidade, transformação e parcial nudez. Uma espécie de ritual extraoficial entre lobos jovens. E ninguém era mais jovem, insuportável e corajosa que Rhae.
O desafio? Correr pelados em forma lupina pela trilha de cascalho até a taverna, escalar o telhado e uivar para a lua antes dela subir no céu. Fácil. Rhae venceu com facilidade — e se empolgou tanto que deu um salto triunfal que terminou com a bunda na madeira podre. Daí pra frente foi só decadência.
Ainda deitada, ela ouviu um coro de gargalhadas vindas do chão, seguidas por uma voz masculina zombeteira:
— Caiu foi de bunda, Cerwyn! A velha Maura vai arrancar tua pele quando vir o estrago!
Rhae ergueu o dedo do meio, mas não se deu o trabalho de responder. O céu acima começava a tingir-se de azul escuro, e os primeiros aromas da noite chegavam com a brisa: fumaça de lenha, vinho apimentado, especiarias, e… um cheiro diferente. Novo. Doce, mas não comum. Humano, mas com algo mais.
Ela se ergueu com esforço e olhou para baixo. As ruas de pedra do vilarejo estavam movimentadas com a chegada dos visitantes. A taverna "Javali de Ferro" — ponto de encontro oficial da confusão — estava iluminada por archotes encantados. Um grupo de artistas de rua tocava um alaúde desafinado, enquanto duas bruxas jovens discutiam sobre preços de poções amorosas. Nada fora do comum.
Exceto ela.
No meio da multidão, surgia uma figura que fazia tudo ao redor parecer cinza: uma mulher alta, de postura ereta, cabelos negros como tinta molhada e pele tão pálida que parecia feita de porcelana viva. Ela usava um vestido preto com cortes sutis, elegantes, que insinuavam curvas mas escondiam muito mais do que mostravam. O pescoço longo e exposto trazia um colar de pedra escura que pulsava discretamente, como um segundo coração.
Rhae prendeu a respiração.
E então, os olhos da mulher se ergueram. Direto para o telhado. Direto para ela.
Por um segundo inteiro, o mundo parou. Rhae sentiu o estômago revirar com um arrepio estranho — não medo, não vergonha, mas algo primal. Uma atração que parecia ultrapassar a carne. Um chamado. Aquela mulher a via. E sorria.
Um sorriso de canto, torto e perigoso. Um sorriso que dizia: "eu sei o que você é".
A mulher virou-se e entrou na taverna. Sem pressa. Como se tivesse todo o tempo do mundo.
Rhae desceu do telhado com um pulo, amparando-se em uma das vigas da varanda. Estava nua, sim, mas isso nunca a incomodara. Pegou um pano qualquer — uma toalha de mesa, talvez — e amarrou sobre o corpo apenas o suficiente para não causar escândalo

Fim do capítulo