Capitulo 1 - Entre tacas e trapacas
Capitulo 1 – Entre taças e trapaças
O vento frio de Londres queimava minhas bochechas. Mas nada se comparava ao frio do meu coração — um frio que começava no peito e descia até o estômago. Se vovó estivesse aqui, diria que era fome, e que um copo de leite quente com chocolate e um bom pedaço de bolo de fubá resolveriam na hora. Quem dera fosse só isso. Quem dera esse desconforto passasse com comida. Nem mesmo os três anos longe de casa me prepararam para o que seria essa volta.
Havia muito tempo que eu evitava pensar naquele fatídico jantar — o dia em que tudo mudou. Meus sonhos foram destroçados, meu caminho, redirecionado à força. Vovó sempre dizia: “O que não te mata, te fortalece.” Será? Porque, sinceramente, eu tenho medo de não ser forte o suficiente.
Aquela noite... Meu corpo estava exausto, mas o sono simplesmente não vinha. O medo ocupava todos os espaços da minha mente, junto das lembranças que eu tanto queria esquecer.
Os jantares na casa da Tia Sofia sempre foram verdadeiros eventos: muito requinte, comida de primeira, bebida melhor ainda. E, claro, uma pontinha de ostentação — seria um pecado capital se ela fosse mais humilde do que suas taças de cristal Baccarat. Naquela noite, porém, o convite veio de última hora — algo completamente fora dos padrões da minha tia.
Chegamos na mansão dela, em um condomínio de luxo em Curitiba, e lá estava tudo impecável, como sempre. Mesa posta com porcelanas caríssimas, arranjos florais coordenando até com a gravata do garçom, e aquela atmosfera de “somos finos, mas nem tanto assim... só o suficiente para que você se sinta ligeiramente desconfortável”.
Tia Sofia, na juventude, havia sido decoradora de festas — daquelas que montam casamentos que mais parecem desfiles de ego. Conheceu Tio Osvaldo em uma delas, em sua formatura de direito, irmão do meio do meu pai. Depois que se casaram, ela largou a profissão e passou a se dedicar “full time” a administrar sua casa como se fosse um empreendimento de luxo — e, de certa forma, era.
O jantar ainda não havia sido servido. Esperávamos meu primo Eduardo, que, pelo tom solene, tinha uma “grande comunicação” a fazer. Ali estavam: minha avó paterna Eunice, meus pais, meu irmão gêmeo Leonardo, minha irmã caçula Olívia, meu irmão mais velho Fabrício com sua esposa Lívia, meus primos Frederico, Heitor, Daniel e Carla. Até Tia Alice e Tio Carlos tinham vindo — e olha que eles moram a 250 km dali. Definitivamente, era coisa séria.
A porta da sala se abriu. Eduardo entrou, sorridente, olhos verdes faiscando, impecável no seu terno italiano de corte milimetricamente ajustado. Logo atrás... Natália. Morena, olhos negros, deslumbrante em um vestido branco que realçava sua pele cor de canela. Cabelos cacheados, soltos, pareciam até photoshopados de tão perfeitos.
Na mesma hora, meu coração disparou como escola de samba em final de Carnaval. Eu estava tão acostumada com a presença dela, tão... minha, que nem percebi, de imediato, como sua presença ali destoava de todo o cenário.
No meio dos cumprimentos, ela segurou minha mão, apertando-a forte, e sussurrou:
— Laura... a gente precisa conversar. É urgente.
Suas mãos estavam geladas, seu rosto carregava ansiedade — ou talvez culpa. Mas não houve tempo para mais nada. Eduardo, no auge da sua necessidade crônica de atenção, ergueu a taça e pediu silêncio:
— Família, peguem uma taça de champagne e brindem conosco!
O garçom, treinado provavelmente pela SWAT dos eventos sociais, apareceu servindo todos. Quando a última taça foi entregue, Eduardo segurou Natália pela mão. Nossos olhos se cruzaram. Nos meus, havia perguntas desesperadas. Nos dela... não sei dizer se era medo, arrependimento ou apenas pânico.
E então, ele vomitou as palavras que eu jamais, nem no mais louco dos pesadelos, imaginei ouvir:
— Família... Primeiro, obrigado, mãe, por essa recepção impecável, como sempre. E obrigado a vocês, minha amada família. Estamos muito felizes em anunciar que... Natália e eu vamos nos casar. E mais: estamos esperando um bebê!
Meu mundo, naquele momento, parou. Congelou. Explodiu. Virou pó. Não sei bem a ordem.
E, segundos depois, virou caos. Leonardo, meu irmão gêmeo, voou em cima de Eduardo com um soco, gritando:
— Seu cretino desgraçado!
Rolavam pelo chão, sobre o caríssimo tapete persa, trocando socos, enquanto papai e Tio Osvaldo tentavam separá-los, impedindo de derrubarem um vaso Mig. Tia Alice, tomada por um espírito digno de novela mexicana, agarrou Natália pelos cabelos, chorando e berrando:
— Sua traiçoeira, vagabunda! Como pôde?
Enquanto isso, Tio Carlos tentava arrancá-la dali aflito, lembrando a todos o seu estado: “Mulher, ela está grávida!”
Natália, entre puxões, gritava:
— Me perdoa, Laura! Por favor, me entende!
E eu? Eu... simplesmente... fiquei. Parada. Estática. Observando aquele circo pegar fogo, sem conseguir entender como a minha família — aquela mesma que parecia inquebrantável — havia se transformado numa mistura de UFC com episódio de “Casos de Família”.
Até que senti braços fortes me envolverem, me apertarem... e uma voz calma, carinhosa, sussurrar no meu ouvido...
— Vamos, Laura. Acabou.
Não lembro como saí. Lembro apenas de despertar no dia seguinte, na antiga fazenda da família, com vovó Eunice ao lado da cama. Ali, onde tudo começara, percebi que meus sonhos adolescentes jaziam junto ao caminho que um dia imaginei percorrer com Natália.
Fim do capítulo
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lia-andrade
Em: 18/06/2025
Ei autora, volta aqui. Posta mais, por favorzinho! Kkkk já ansiosa para o próximo..
Parabéns!
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