A preterida
A preterida
- Vamos! Já está na hora.
- Ao seu lado, eu quero fazer tudo, me sinto mais viva quando estamos juntas. Mas, que tal hoje ficarmos deitadas, sem fazer nada, só de boa.
- Cristina, é sério. Não estou brincando, já conversamos sobre isso. Você tem que cooperar para o nosso próprio bem. É uma questão de sobrevivência.
- Eu sei, desculpa!
Em poucos minutos chegaram no campo de tiro.
- Foco! Presta atenção e se concentra.
Seguiu todas as instruções, detestava tudo aquilo, no começo da semana teve aula de defesa pessoal, achava até legal, mas, ficava cansada. Sabia que era importante, porém, não entendia a real necessidade de tudo aquilo. Milena sempre muito misteriosa, não contava detalhes do seu passado. Tinham acabado de finalizar quando o proprietário do local se aproximou.
- Oi casal, vamos sorrir e fingir que não estou contando nada demais. Sem demonstrar reação para não chamar a atenção de ninguém por aqui. Saindo daqui não retornem para o apartamento, foi invadido e revirado. Milena é melhor ficar em alerta!
Entregou um celular nas mãos de Cristina, que ficou olhando as fotos da bagunça toda.
- Terminamos por hoje, vamos ficar num hotel, apaga essas imagens (falou devolvendo o aparelho).
Segurou na mão dela e logo deixaram o local. O percurso foi feito em silêncio.
- Motel. Você tinha dito que seria um hotel.
- Aqui vai ser melhor, temos fácil acesso para rodovia.
- Quem invadiu o seu apartamento no centro da cidade?
- Deixa isso para lá, toma banho primeiro, eu vou em seguida.
- Conversa comigo, por favor!
- Agora preciso fazer uma ligação, aposto que as câmeras foram quebradas, vou checar o que aconteceu e te conto.
Discou e começou a falar em língua banta, idioma tradicional da sua família africana. Cristina colocou a banheira para encher e entrou embaixo do chuveiro, para tirar o suor do corpo.
- Quer que eu coloque a espuma de banho?
- Tanto faz (respondeu e continuou no box, deixando a água percorrer todo o seu corpo).
Milena conferiu a temperatura da água, despejou a embalagem para fazer espuma e retirou toda a sua roupa.
- Meu bem, eu não estou fingindo que nada aconteceu. Eu vou te explicar.
- Mês passado aquele seu amigo apareceu todo machucado, você também falou que explicaria tudo, mas, só disse que a sua família é muito complicada, que são vários traumas e em resumo ficou me enrolando. É sempre um mistério, estou cansada disso.
- Se você que chegou na minha vida tem dois anos, já está cansada. São trinta anos lidando com tudo isso, na minha infância eu já sabia o que era rejeição. Você acha que é simples? Por isso, quando nos conhecemos te alertei, que era um erro se apaixonar. Sempre te falei que vivo fugindo do meu passado.
- Mas, por qual motivo? Por qual razão? O que te fizeram ou o que você fez? Qual é o verdadeiro problema e todos os riscos? Você já falou que tem muita coisa errada na história da tua família. Mas, nunca conta tudo. Eu não me arrependo por ter me apaixonado por você, eu te amo. Só quero respostas (afirmou entrando na banheira, enquanto a outra foi para o chuveiro).
Voltaram a ficar em silêncio, até Milena desligar o chuveiro e entrar na banheira.
- Eu crio mecanismos de autodefesa para não sofrer, por isso, sempre evitei relacionamentos. Já te falei e repito: nem quero que você sofra por conta das minhas escolhas. Por muitos anos fui desprezada por ser quem sou e aprendi a lidar com as minhas dores. Ser mulher é muito desafiador e em alguns locais do mundo é amedrontador. No meu país, são muitas etnias, vários dialetos e uma diversidade cultural lindíssima; mas, as mulheres sofrem inúmeras restrições, infelizmente a igualdade de gênero ainda é utopia em diversos locais. Eu não fui criada com a mesma liberdade que você, sempre fui cobrada para seguir toda tradição do meu povo, que lugar de mulher é abaixo dos homens. Tenho cinco irmãos, ou seja, minoria novamente e as meninas são educadas para servir, cuidar da casa, da família, dos filhos e marido. Quem não obedece é ainda mais discriminado. Eu queria ter nascido em outro local da mãe África, ser livre das amarras sociais, sem misoginia, minha mãe já sofreu violências domésticas, foi acusada de não me educar corretamente, a nossa sorte foi que os meus dois irmãos mais velhos fizeram questão de sair em sua defesa e ela é protegida deles. Até já tentei, mas, não consegui lidar com toda submissão, prefiro lutar por todos os meus direitos, consegui escapar com ajuda do meu irmão mais novo, ele sempre foi apaixonado por tecnologia, foi com ele que aprendi a atuar na área, para ter a minha independência e nunca mais retornamos para nossa terra natal.
- Meu Amor, sinto muito por tudo isso.
- Mas não termina por aí, tem envolvimento com criminalidade também, lucros com contrabando, em resumo muita sujeira. Quem revirou meu apartamento é inimigo do meu pai, descobri quando fiz a ligação.
- Querem se vingar dele te machucando?
- Não, o meu genitor em nada sofreria, ele me deserdou. Querem obter informações, querem me torturar até que consigam elementos contra a minha família, sou mais valiosa para eles viva. Acontece que não sou traidora, fugi do que me fazia mal, mas, não quero vingança. Eu estava esgotada do mundo sombrio, desigual e perigoso do seu passado.
- Agora tudo faz sentido e entendo o motivo de você lutar com todas as suas forças, custe o que custar. Por qual motivo não me contou tudo isso antes?
- Para não expor todas as minhas vulnerabilidades, por gostar de ti e não querer te perder, eu não sou mocinha nessa história toda, também tenho o meu lado vilã (confessou).
- Eu te amo minha malvada favorita (brincou para descontrair).
- Falo sério, não me orgulho das coisas que já fiz, nem pratico lutas somente pelo esporte e...
- Eu sei e entendi tudo que me contou. Lembro quando você me explicou que andar armada é necessário para nossa segurança e te falei que mais nova já tinha caçado com meu pai. Você disse que era muito mais complicado quando se tratava de pessoas, mas, que em situações de risco, não temos muito tempo para pensar antes de apertar o gatilho. Agora vamos deixar esse assunto para depois, vamos para cama, acredito que amanhã precisamos acordar cedo para pegar a estrada e quero aproveitar essa noite aqui contigo.
Fim do capítulo
Grata por cada leitura. Desta vez tem continuação, vou dividir essa história nas imagens 2, 3 e 4 deste desafio. Boa semana e até logo. Beijos e abraços, May.
Comentar este capítulo:
Sem cadastro
Em: 21/03/2025
Bom dia, May!
Que bom que Milena tem alguém na família por ela, apesar de ter vivido sobre o abuso do pai por muito tempo. - Resolveu lutar pelo que acredita. Não está sendo fácil para ela, mas ela está firme em busca dos objetivos dela.
Até a próxima!
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Cristiane Schwinden
Em: 14/03/2025
Gosto assim, com correria e suspense!
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Zaha
Em: 17/02/2025
Oiee, May!!!
Que texto interessante, gosto desse ar criminal e gostei muito que você comentou como é a cultura onde uma das personagens,Milena nasceu e as diferenças, o que esperam de um homem ou uma mulher e como muitas são submetidas e já tem seu papel definido, sem excessões.....tema muito bom! Gosto muito!!!
Vamos ver esse 2 caps!!;;
Pena que terminou tão rápido.... difícil, né?! Escrever em poucas palavras...eu adoro comentar tb!!!!
Beijos e nos vemos semana que vem!!!
Beijos
May Poetisa
Em: 17/02/2025
Autora da história
Zaha, fico feliz em te reencontrar por aqui em mais uma semana do desafio. Sim, é mesmo desafiador e fico impressionada com quem consegue cravar mil palavras, o meu primeiro ficou com 969, o Word do meu notebook, não aponta a mesma quantidade do site, não bate. Já o segundo texto com 1114, passei bastante e não deu para concluir kkk então lá vamos nós para mais um capítulo. Agradeço por seu comentário e que bom você ter gostado da abordagem. Tenha uma excelente semana. Beijos e abraços, May.
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