Capitulo 1
Gabriela Martins caminhava pelos corredores da delegacia, o som de suas botas ecoando de maneira inconfundível no piso de cerâmica. Era seu primeiro dia de verdade, e a responsabilidade pesava sobre seus ombros. Desde que se formara, ela sabia que não seria fácil, mas nada poderia prepará-la para o que realmente significava ser uma policial em uma cidade pequena, onde todo mundo se conhecia.
Ela sabia que estava ali porque queria justiça, mas o que ela não sabia era o quanto a realidade era cinza. Em sua mente, sempre foi tudo preto no branco, mas a experiência, como diziam os mais velhos, era um código que só se aprendeu com o tempo.
Ao lado dela, Lucas, seu velho amigo e vizinho, estava tão tranquilo quanto uma brisa do campo. Seus olhos azuis claros estavam fixos na tela de seu celular, provavelmente verificando algo relacionado à operação de mais tarde. Ele tinha alguns anos a mais que Gabriela e sempre fora o garoto perfeito da cidade — filho de delegado da cidade, capitão do time de futebol da escola, até escoteiro ele tinha sido (quem é escoteiro de verdade no Brasil?), com o mundo aos seus pés, e sempre disposto a ajudar qualquer um. Gabriela gostava dele, mas, ao mesmo tempo, não queria ser vista apenas como a "menina bonitinha" que ele sentia necessidade de proteger. Eles se conheciam há anos, moravam na mesma rua e se viam nas festas de bairro, mas agora tudo parecia mais... tenso.
— Vai ficar tudo bem, Gabi. Só não pense muito. É só o primeiro dia, vai ser tranquilo. — Lucas disse, sem tirar os olhos do celular.
Ela olhou para ele, tentando sorrir, mas não conseguia. Lucas sempre se importou com ela, talvez até mais do que ela gostaria. Como filho de Polcial, ele estava acostumado a lidar com o que era certo, e Gabriela sabia que ele esperava que ela fosse a menina certinha da história, presa na torre esperando o príncipe ou o guerreiro — só Deus sabe o que ele imaginava. Mas ela não queria ser isso. Ela queria fazer a diferença por si mesma.
A porta da sala de briefing se abriu, e todos entraram. Na mesa, Fernanda estava em silêncio, fazendo anotações rápidas. Gabriela se lembrava dela, sobrinha de Dona Elena, dona da padaria. Ricardo, sempre tão quieto e pensativo, estava olhando pela janela, a mente em algum lugar distante, provavelmente lembrando do tempo como policial na cidade grande — pelo menos é o que o povo falava, que as lembranças dos casos não resolvidos ainda eram vividas em sua memória. De vez em quando, ele pegava um cigarro, dava uma tragada lenta e exalava a fumaça com um ar de quem já viu de tudo. Gabriela não sabia se aquilo era uma forma de aliviar o estresse ou uma maneira de marcar território, mas, de qualquer forma, aquele simples gesto deixava claro que ele era uma pessoa sem rodeios, marcada por uma longa trajetória de experiência de vida.
Porém, o foco estava em Olívia Santori. Ela entrou na sala com aquele passo inconfundível, sua presença carregada de autoridade e um sorriso irônico nos lábios. Era impossível não reconhecer a filha dos Santori. O nome da família era sinônimo de poder e riqueza na cidade, e todos sabiam onde ela morava — naquela enorme mansão nos arredores, onde o poder econômico e social se encontravam. Ela não era apenas uma policial. Era Olívia Santori, filha da família mais influente da região.
Com seu terno preto perfeitamente ajustado, cabelo escuro e uma postura que exalava distância, Olívia cumprimentou a todos com um simples movimento de cabeça, mas não era o tipo de pessoa que tinha que fazer gestos para chamar atenção. Seu olhar gélido percorreu a sala, até se fixar em Gabriela por um momento, antes de se voltar para o mapa da operação.
Gabriela a observava com uma mistura de admiração e cautela. Olívia não era como os outros policiais. Ela não estava ali para fazer amizades, se promover ou para tentar agradar. Ela era pragmática, calculista, e, sem dúvida, a mais letal da equipe, mesmo jovem, um lembrete dos anos de atuação nas operações especiais da Polícia Federal. Sua postura firme e a maneira como analisava cada situação demonstravam uma confiança que parecia vir de algo mais profundo, algo que Gabriela ainda não conseguia compreender completamente. Em certo ponto, Gabriela sentiu uma curiosidade crescente, mas também uma inquietação. Algo nela parecia estar sempre distante, como se Olívia estivesse em um lugar onde ninguém mais poderia alcançá-la.
Lucas, por sua vez, não parecia muito à vontade com a tensão. Ele fez um comentário sobre o caso que estavam prestes a discutir, tentando quebrar o gelo, mas sua voz esbarrou na de Olívia. Ela não o ignorou, mas não deu muita atenção. Gabriela notou a maneira como Olívia parecia desapegar de tudo ao seu redor, concentrando-se apenas no que importava.
— Temos uma operação importante hoje. Precisamos agir rápido. — Olívia falou com precisão, quase sem emoção, como se já soubesse de cor cada passo que teria que dar. Ela não esperava opiniões, nem perguntas. Ela estava ali para executar. O que fosse necessário.
A missão de hoje era delicada — um suspeito de tráfico de armas estava se escondendo em um local próximo, e a operação seria difícil. O plano exigia silêncio absoluto e precisão.
— Fernanda e Ricardo, vão por um lado. Lucas e Gabriela, pelo outro. Eu e Olívia, ficamos com a parte final. — Hugo, o chefe de departamento, disse de forma firme, com total controle sobre aquela situação.
Olívia lançou-lhe um olhar de consentimento. Ela estava pronta para agir. Mas, antes de sair, ela se voltou ligeiramente para Gabriela.
— Não hesite. — A frase foi seca, mas havia algo nela. Um aviso? Uma lembrança? Gabriela não sabia ao certo, mas, no fundo, sentiu um arrepio.
Hugo, observando a tensão, fez um breve gesto de encorajamento para Gabriela, como quem queria transmitir confiança em meio à atmosfera pesada. Seu olhar parecia dizer: "Você vai conseguir". Era o primeiro dia dela, mas Hugo sabia que, no fundo, a pressão só aumentaria a partir dali. Gabriela tentou se concentrar, sentindo o peso do olhar de seu chefe e a responsabilidade que lhe era atribuída.
Quando saíram para a rua, a missão começou com uma calma tensa. Olívia e Gabriela estavam lado a lado, mas a distância entre elas parecia maior do que nunca. O cheiro da cidade pequena, o toque das superfícies ásperas das paredes e a sensação de estar sendo observada tornavam tudo mais intenso. Gabriela sentia o peso da presença de Olívia, e, ao mesmo tempo, algo na forma como ela a olhava, com aquele olhar intenso e misterioso, fazia Gabriela se sentir nervosa e intrigada. Olívia parecia carregar consigo um certo poder, uma aura difícil de decifrar. Mas, quando ela falava, suas palavras pareciam ser como uma lâmina afiada, sem espaço para dúvida.
Olívia fez um movimento brusco, interrompendo o silêncio tenso.
— Está nervosa? Não há tempo para isso. Só faça o que precisa ser feito. — A voz de Olívia, fria e autoritária, ressoou no ar, arrepiando Gabriela.
Fim do capítulo
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