Capitulo 31
Por Helena:
A segunda-feira amanheceu com um céu azul encoberto por um tapete de nuvens brancas e densas. O ar estava pesado, como se prenunciasse uma chuva que provavelmente não chegaria. Apesar disso, o hospital já estava agitado, com pacientes chegando e vozes se misturando no habitual burburinho da manhã. Meu dia prometia ser longo, com uma agenda lotada de consultas.
Assim que entrei na recepção, algo chamou minha atenção: um enorme buquê de rosas vermelhas, posicionado com destaque na prateleira ao lado do balcão. As flores eram de um vermelho tão vivo que contrastavam fortemente com o ambiente clínico.
— Bom dia, Rosane! Parece que temos alguém apaixonado por aqui? — comentei, apontando para o buquê enquanto um sorriso meio irônico surgia em meu rosto. Para mim, o gesto parecia mais teatral do que romântico.
Rosane olhou para o buquê e riu, um brilho nos olhos enquanto respondia:
— Ah, mandaram entregar para a doutora Isabela. Foi o noivo dela.
Ao ouvir o nome dela, senti um leve aperto no peito, uma sensação que eu já conhecia bem. Mantive a compostura, mesmo sentindo uma irritação se formar.
— Ah, sim… E por que a Isabela deixou o buquê na recepção? Não seria melhor levá-lo para a sala dela? Esse troço é tão grande que quase vira poluição visual.
Rosane riu novamente, mas sua expressão ficou um pouco confusa.
— Pois é, doutora. Na verdade, eu também não entendi por que ele pediu para entregar aqui.
Inclinei a cabeça, tentando disfarçar meu incômodo.
— Você está certa, Rosane. Esse tipo de demonstração deveria ser mais íntimo. Ele deveria ter mandado para a casa dela, não?
Rosane balançou a cabeça, com um sorriso.
— Acho esse tipo de gesto muito romântico, doutora. Não é por isso que estranhei ele ter mandado entregar aqui.
— Então, não entendi. — disse, olhando para ela de maneira confusa.
Rosane olhou para mim, agora com um sorriso enigmático.
— É estranho porque a doutora Isabela não vem hoje.
— Como assim ela não vem?
— Ela me ligou de madrugada, disse que estava doente.
Minha preocupação se intensificou imediatamente, e tentei esconder o nervosismo que crescia junto com as várias perguntas que começavam a se formar em minha mente.
— Poxa vida… Será que é algo grave?
Rosane deu de ombros.
— Não sei, doutora. Espero que não. E sobre o buquê, acho que o Lucas deve ter se confundido e mandado para cá por engano. Posso deixá-lo aqui na recepção, já que a sala da doutora Isabela está trancada?
— Sim, claro, pode deixar aí. — Tentei parecer despreocupada, mas minha mente já estava longe.
Caminhei até minha sala, mas não conseguia parar de pensar em Isabela. O que poderia ter acontecido? Será que ela estava piorando? Lembrei-me de sua voz cansada da última vez que conversamos, e minha preocupação só aumentava. Cada pensamento vinha acompanhado de um desejo impulsivo de pegar o telefone e ligar para ela, mas a dúvida me detinha. Será que ela gostaria que eu me envolvesse? E Lucas provavelmente já estaria ao lado dela, cuidando de tudo ou não?
Enquanto essas perguntas martelavam em minha mente, uma inquietação tomava conta do meu peito. Eu precisava fazer algo, ainda que não soubesse exatamente o quê. Minha preocupação com Isabela pairava sobre mim, mas meus pensamentos foram interrompidos por batidas na porta.
— Pode entrar! — disse em tom firme, tentando soar concentrada.
A enfermeira Cristiane entrou com uma pilha de prontuários nas mãos.
— Doutora Helena, aqui estão os prontuários de hoje — disse ela, colocando-os sobre minha mesa com cuidado.
— Obrigada, Cristiane — respondi com um sorriso agradecido.
— Posso chamar o primeiro paciente?
— Pode sim, por favor.
Eu sabia que precisava deixar de lado minha preocupação com Isabela e focar no trabalho. A manhã prometia ser exaustiva, e a tarde não seria diferente. Entre consultas e diagnósticos, a manhã passou como um borrão. Quando finalmente consegui uma pausa para o almoço, decidi comer em casa na companhia de Geralda.
Enquanto saboreava o risoto, Geralda me sondou com um sorriso curioso.
— A Geany chegou toda feliz ontem. Parece que adorou sair com você… e com aquele Marcos.
Ri, tentando disfarçar a ponta de ciúme que o comentário dela carregava.
— Eles se gostaram, né, Geralda?
— Pois parece que sim. Mas isso não dá certo, menina.
— Por que não, Geralda? Nunca vi o Marcos tão empolgado.
Ela balançou a cabeça, como quem já sabia onde aquilo ia dar.
— Empolgação não é o mesmo que amor. E um lá e outro cá, com tanta distância, não dá certo.
— É, a distância complica mesmo. — Suspirei, concordando.
Mudando de assunto, Geralda perguntou:
— E no hospital, tudo certo?
— Tudo sim, só a Isabela que está doente e não foi hoje. — Não consegui evitar que meu pensamento voltasse para ela.
— Doente? Falei hoje cedo com a Raquel sobre ela, antes de vir pra cá e ela nem disse nada. Será que sabe?
— Não sei. Não falei com a Isabela hoje… Você acha que está tudo bem? Que eu deveria fazer alguma coisa?
— Meu Deus, menina, acho que não. Ela tem o noivo e a tia.
Suspirei mais alto do que pretendia, e Geralda me olhou com uma expressão inquisitiva.
— Você e ela estão se dando bem agora?
— Normal — respondi, tentando parecer desinteressada.
— Hum… A Isabela é uma moça muito forte. Já passou por muita coisa.
Não queria me alongar naquele assunto, então terminei minha refeição rapidamente e me despedi de Geralda. Perguntar demais só confirmaria meu interesse em Isabela.
De volta ao hospital, o fluxo de pacientes era incessante. Quando finalmente terminei meu turno, estava exausta, mas uma cena me chamou a atenção ao sair. Lucas, estava deixando o hospital apressado.
Passei pela recepção e me aproximei de Rosane.
— Era o Lucas que eu vi saindo agora? — perguntei, fingindo desinteresse.
— Era sim. Acho que ele não sabia que a doutora Isa estava doente. Estava meio nervoso.
— Por que acha isso?
— Ele olhou para o buquê e perguntou onde ela estava. Quando disse que estava em casa, ele saiu correndo, nem me deu tempo de explicar mais nada.
— Entendi… E o seu turno, Rosane? Não está para acabar?
— Só estou esperando a Vanessa chegar, doutora.
— Certo. Bom descanso para você.
A confirmação de que Lucas não sabia que Isabela estava doente me encheu de dúvidas. Será que ela estava bem? A imagem dele saindo apressado, ficou gravada na minha mente. Uma parte de mim queria ignorar, seguir para meu apartamento, mas outra insistia em me perguntar: e se ela precisasse de ajuda?
Por fim, decidi ir para casa, sentindo o peso do dia nas costas. Ao entrar, percebi que Geralda havia deixado tudo impecavelmente organizado. Isso trouxe um breve alívio, mas minha mente não parava de pensar em Isabela. Após um banho quente e demorado, fui até o closet pegar um pijama. No topo da pilha, uma peça de roupa me chamou atenção: o pijama de Isabela. Geralda, sem saber que não era meu, o lavou e o deixou ali.
Peguei o pijama em mãos, e um impulso tomou conta de mim. Suspirei profundamente. “Eu vou devolver isso.” Decidi. Não era apenas sobre o pijama; era sobre a necessidade de vê-la, saber se estava bem.
Escolhi uma roupa casual: jeans escuro, blusa de linho bege e uma jaqueta de couro preta. Enquanto me arrumava, enviei uma mensagem rápida para Isabela:
"Isa, está melhor? Preciso devolver algo seu. Posso passar aí?"
Esperei por uma resposta, mas ela não chegou. O ticket indicava que ela não havia nem recebido a mensagem. O silêncio só intensificou minha inquietação. Olhei para o pijama dobrado na cama e decidi agir por conta própria. “Que seja.” Peguei as chaves, o pijama e saí.
No carro, a hesitação começou a me corroer. “O que estou fazendo?” murmurei enquanto dirigia em direção ao endereço que sabia por causa do cadastro dos funcionários. Estacionei em frente ao prédio e fiquei ali, imóvel, com as mãos no volante.
Quando finalmente decidi sair, um morador estava abrindo o portão e me lançou um olhar curioso.
— Vai entrar?
— Sim. — Respondi com um sorriso educado. Ele me deu passagem, e aproveitei para olhar as caixas de correio com os nomes dos moradores. “Apartamento 23.”
No elevador, meu coração parecia querer escapar do peito. Ao chegar à porta de Isabela, respirei fundo e toquei a campainha. Segundos que pareceram eternos se passaram até que a porta se abriu.
Isabela estava ali, vestindo um roupão cinza-claro e com os cabelos úmidos, indicando que havia tomado banho recentemente. Seu rosto exibia uma mistura de surpresa e cansaço.
— Helena? — Sua voz saiu suave, carregada de curiosidade.
— Oi, Isabela. — Respondi, tentando soar casual.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]