Capitulo 11 - Um dia de sorrisos
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Dormi feliz da vida. Leve, no que me pareceu muito tempo de tormenta. Acordei animada, tomei banho, tomei um café bem reforçado e fiquei sorrindo até para o bule. Escolhi a dedo que roupa vestir e me arrumei da melhor maneira possível, eu me sentia viva! Como se fosse o primeiro dia de uma vida inteira. Senti o ar bater no meu rosto, as cores das flores nas ruas me atingiram e escutei o som caótico do trânsito. Tudo pareceu mais vivo. Cheguei na empresa, falei bom dia para a recepcionista, bom dia para o guarda do elevador, cheguei em Vanessa e disse:
-- Bom dia Vanessa, tudo bem? - Ela me olhou assustada. Abriu a boca duas vezes antes de me responder. Por que será? Fiquei meio tímida e comecei a fuçar em alguns papeis em cima da sua mesa.
-- Tudo bem, Dona Ana. E a Srta.?
-- Tudo ótimo. - respondi. - Por favor, leva os recados para mim, depois?
-- Sim, claro.
-- OK. - Ainda olhei pra ela, uma ultima vez e ela me encarava daquele mesmo jeito.
-- Hum... - Eu estava mesmo sem graça e estava prestar a começar a rir. Queria contar aquela cena para Lara, e assim rirmos juntas. -- An... Pede pra Lara ir à minha sala assim que ela chegar?
-- Claro, dona Ana.
-- Obrigada. - E sai dali o mais rápido possível. Achei graça até do jeito que eu andava rápido, como se estivesse fugindo. Eu me sentia bem, de verdade.
Lara
Acordei quase pulando da cama! Tomei banho, desafinei no banheiro e o chuveiro quase queimou com minha voz. Vesti roupa, praticamente fazendo a dança da bundinha, tentando entrar naquela calça. Tomei café correndo, peguei o trânsito louco de São Paulo e fui cantando as musicas que tocavam no rádio. Cheguei, dei bom dia para o Sr. João, do elevador. Eu não tinha a mínima ideia de como ele se chamava, eu nunca me lembro do nome de ninguém, mas ele sempre ria quando eu o chamava de João do elevador. Ele era o guardinha que fica lá dentro, subindo e descendo. Cheguei à empresa e fui direto para a Vanessa, eu só me dei conta que estava meio que correndo, quando apoiei com um baque na mesa dela, meio arfando.
-- Bom dia, Nê! - Ela arregalou os olhos.
-- Nê? – Ela deu um sorrisinho e eu comecei a rir.
-- É. Vanessa é lindo, mas muito grande. Fica Nê, para os dias ensolarados.
-- Ah, sua boba! - Ela riu também. - O que está acontecendo aqui hoje?
-- Por quê? – Fiquei curiosa.
-- Dona Ana chegou toda sorridente, me deu bom dia e tá até parecendo mais jovem. E agora você chega aqui, me chamando de Nê?! - Achei ótimo e ri de novo.
-- Relaxa, Nê. – Frisei o apelido. -- As negociações andam a mil. – Comentei isso, pois não me esqueci do papel de durona de Ana aqui.
-- Hum, que bom, então! Não que eu esteja reclamando, só que é muito esquisito.
-- Ah sim, claro. A Ana dando bom dia? Corre, porque deve ser o apocalipse! -- Ri da minha piada sem graça e Nê ficou me encarando como se tivesse visto uma assombração. Tentei conter o riso, sem graça e limpei a garganta. - Bem, o que tem pra mim hoje?
-- Não sei. A chefe pediu pra você ir para a sala dela, assim que chegasse!
-- Oba! - Tentei parecer sarcástica, mas eu queria era sorrir. -- Vou indo então, antes que o chicote venha.
Aquilo era outra piadinha! Olhei para ela tipo: ' Não? Não riu? ' e fiquei lá, com cara de boba, de novo e ela não pareceu entender mesmo, minha piada. A Nê estava meio lenta hoje, ein? Dei um tapinha na mesa, totalmente sem graça, prendendo a risada e fui pra sala da chefe!
Bati na porta e esperei.
-- Entra! – Ela disse rápida. Realmente sua voz parecia mais alegrinha até do outro lado da porta. Abri e olhei pra ela, já sorrindo e ela sorriu também. Não foi preciso dizer mais nada.
-- Bom dia! – Eu disse tentando me recompor e ser, no mínimo, apresentável.
-- Bom dia, Lara!
Acho que ficamos nesse sorriso bobo uns minutinhos, até que eu limpei a garganta e disse.
-- Dormiu bem?
-- Como um anjo. - Ela nem me esperou perguntar direito. Ela parecia tão elétrica quanto eu. -- E você?
-- Como um bebê. – Balancei sob os pés.
Rimos de novo e reparei em como ela parecia moldada, essa manhã. Ela parecia mais arrumada do que de costume, muito mais bonita e corada. Para mim ela estava irresistível. Não pude conter um comentário:
-- Você está muito bonita hoje, de verdade. - Ela sorriu meio envergonhada.
-- Obrigada. -- Eu e minha boca de mineira. Até eu me senti meio envergonhada por ter deixado transparecer o que eu sentia, daquele jeito. ‘‘Inventa algum assunto, anda rápido. ’’ -- Vanessa veio me contar, extremamente assustada, que você deu bom dia para ela, hoje! Acredita?
-- Nossa, isso é sério? - Ela fez uma cara de surpresa/assustada.
-- Seriíssimo!
-- Acho que tenho que dar mais ‘bom dia’, né?
-- Seria muito bom. Até porque seu sorriso é tão bonito e fica aí, sendo desperdiçado.
Ela piscou umas 2 vezes, sem parecer entender minhas palavras muito bem quando eu disse isso. Opa! Eu não devia ter falado aquilo também, né? Já estava arrependida, me xingando mentalmente, quando ela me surpreendeu, dizendo.
-- Eu também gosto do seu sorriso, Lara, muito! E pelo visto, você nunca desperdiça o seu! – Ela disse que gostava do meu sorriso, acho que fiquei meio mole.
-- Jamais. Minha pasta de dente me paga 10 centavos para cada vez que sorrio. -- Péssima piadinha! De onde eu estava tirando essas coisas hoje? Meu Deus! Mas ela riu, para minha surpresa, e muito!
O dia foi ótimo, trabalhamos a mil e tudo rendeu! Almoçamos juntas, finalmente. E até na hora de atravessar a rua foi divertido. O sinal estava fechado, mas a luz verde do pedestre começou a piscar, indicando que em pouquíssimos segundos o sinal para os carros se abriria e ficaria vermelho para nós. Puxei sua mão no meio da multidão, já parada, e sai correndo com ela. Não parei, até chegar do outro lado. Imagina duas doidas com bolsas e salto alto, correndo no meio do trânsito louco de SP. Foi bem assim, talvez um pouquinho pior. Paramos somente na frente do restaurante, sem ar de tanto correr e rir.
-- Sua doida! – Assim que ela recuperou parcialmente o ar, ela me deu tapinhas nas costas.
-- Pra dar mais emoção pra vida. – E como eu tava adorando os tapinhas, nem reclamei.
-- Você vai é terminar sem vida, assim.
- Que nada! – Dei uma piscadinha para ela, balancei os ombros e fiz pose de quem não ligava pra nada.
Entramos no restaurante fazendo barulho, enquanto continuamos rindo como loucas. Colocamos comida, sentamos e acabamos trocamos algumas coisinhas, durante o almoço, para experimentarmos o que a outra gostava. Teve uma hora que ela até me deu um pouquinho de uma torta na boca. Tentei não olhar muito para os seus olhos e me entregar. Fiquei envergonhada e meio eufórica, vou confessar. Ela ficou calada, me encarando por poucos segundos, também. Aquele olhar que fez aquele pontinho mais secreto de mim formigar. Aí para distrair o clima, ela me contou histórias do seu colegial e começou a falar de suas amigas. Naty, Carol e depois Andréa. Falou um pouco de cada uma, mas o mais importante para mim e que ela falava muito de si mesma, enquanto falava delas. No meio da conversa ela disse.
-- Ah, me lembrei agora. As meninas tão marcando de ir numa boate esse fim de semana. Se você não tiver nada marcado com ninguém – senti como ela frisou esse ninguém, aí, mas não soube o que deduzir com aquilo. -- Você gostaria de ir? – Ela estava me chamando para sair? Eu não pensei nem meia vez antes de responder, gente!
-- Claro! Fechado!
Não perguntei qual boate era, quem mais iria, se o namorado dela estaria lá também, eu não perguntei nada. Ela não falou também, só ficou olhando pra mim e sorrindo, com a mão no queixo. Eu também fiquei assim, não quis estragar o momento.
Fomos pagar a conta, o restaurante já estava quase vazio. Nem vimos o tempo passar.
-- Moça, cadê as tortinhas de morango? – Eu perguntei.
-- Hoje não tem, desculpe. - Eu assenti um ‘tudo bem’, fazer o que, né? Quando Ana me empurrou para o lado e falou brava com a mulher.
-- Como assim, não tem? Eu almoço aqui há uns cinco anos e sempre tem! – Tadinha da moça, ela olhava Ana assustada e eu também. Olhei para os lados temendo que todos estivessem vendo aquela cena. A louca aqui era ela, eu não tinha nada haver com isso, deixando bem claro!
Rindo sem graça, empurrei Ana para trás.
-- Moça, no débito, por favor. – Disse entregando o cartão.
-- Para de ser emburrada, te compro outra coisa depois, do outro lado da esquina! -- sussurrei.
-- Eu não sou emburrada. Paga aí, que depois te dou o dinheiro. Vou esperar lá fora!
Eu ri dessa pessoa mimada e assenti. Sai lá fora ainda rindo e ela não pareceu gostar muito disso, também. Que sexy ela ficava assim. Ela ficou com um bico enorme e eu tentando brincar, apertei suas bochechas, perguntando.
-- O que foi, menininha?
-- Nada! – Ela respondeu tirando o rosto das minhas mãos. Epa, aquilo tava estranho.
-- Ana, o que foi? Tudo isso por uma tortinha? Não tinha ué, fazer o que?
-- Não é só pela tortinha, você estava dando em cima da moça, descaradamente e... – Parei no meio da rua olhando abismada para ela! De onde ela tinha tirado aquilo? Eu nem me lembro de que cor era o cabelo da atendente. Ela parou o que estava dizendo, gaguejou umas vezes e saiu pisando forte.
- Ana, eu nem me lembro que cor a moça era, eu juro! – Será que ela não percebia que eu não tinha olhos para mais nada, além dela? Mas espera aí, ela estava com ciúmes? Não, não podia ser! E porque eu estava me explicando daquele jeito? Nos não tínhamos nada!
-- Eu não ligo se você dá em cima de todo mundo, eu...
-- Ei, eu não dou em cima de todo mundo, não! – Disse cortando-a. Ela me fuzilou com os olhos por eu ter cortado ela. Murmurei um ‘desculpa’ com os lábios e ergui as mãos, como quem tira o corpo fora.
-- Enfim, eu só não gostei de você ter me empurrado para trás. Eu quase torci o pé, sabia?
E eu lá pensando que ela estava com ciúmes, eu era idiota! É claro que ela só estava puta porque tirei a autoridade dela e quase quebrei seu salto caro.
-- Desculpa! Eu não tive a intenção! Pensei que você fosse voar na mulher, só isso.
Ela continuou andando e pisando duro. Ergui as mãos para cima, pedindo paciência, ficando para trás. Num reflexo, segurei seu braço e a fiz olhar para mim.
- Desculpa, OK? – Falei séria dessa vez. Nos olhamos fundo, de novo. E eu sei que estávamos no meio daquele trânsito louco, mas não consegui tirar os olhos dos seus lábios e senti uma extrema vontade de beijá-la.
- Tudo bem. – Ela disse, desviando o olhar. Depois olhou para mim de novo, com cara de menina arteira e disse. – Cadê o negocio que você prometeu comprar pra mim, ein?
Eu ri, me segurando para não apertar ela.
-- Logo ali, vem!
Segurei a mão dela e fomos andando, sem me importar se alguém nos veria assim. A mão dela era tão macia, nossa, muito! E quente. Meu Deus, eu queria aquelas mãos no meu corpo, até imaginei a cena. Passei a mão na testa, limpando o suor que tal pensamento me proporcionava. Queria andar assim com ela, sempre. Do outro lado da rua tinha um senhor vendendo Gelinho, aqueles sucos em saquinhos congelados no meio da rua. Parei perto dele, sorri para o mesmo, me virei para ela e perguntei.
-- Você gosta de qual sabor? - Quem me encarou assustada agora foi ela.
-- O que é isso? – Ela perguntou
-- Como assim o que é isso? – Eu rebati.
-- Isso! – Disse ela apontando para o carrinho.
-- Pelo que eu saiba aqui em SP se chama Gelinho, em Minas Laranjinha, em outros lugares pode se chamar Sacolé, Geladinho ou tanto faz...
-- Ah... - Ela disse meio pensativa. Continuei olhando para ela como se não acreditasse que ela era desse planeta.
-- Você não teve infância, não? - Ela me fuzilou com o olhar. O senhor riu, chamando nossa atenção pra ele e nos lembrando que estávamos no meio da calçada, discutindo.
-- Você quer de que, ein? Fala logo! – Falei meio apressada, enfiei as mãos no bolso da calça, tentando contê-las. Foi engraçado e encantador ver ela chegando perto do carrinho, quase como se fosse um cachorro bravo, olhou lá dentro e perguntou com uma voz doce para o senhor.
-- Tem de que, moço? - E ele foi falando os sabores. Ela sorriu e disse.
-- Quero de Groselha. – Ufa, até que enfim!
-- Um de uva pra mim, Sr. - Ele sorriu, cortou a pontinha do Gelinho, dei o dinheiro pra ele e fomos embora.
-- Tá feliz agora? – Eu perguntei olhando para ela, enquanto eu tentava andar e não babar nela. Ela nem tirou o gelinho da boca, estava realmente muito bom e também fazia muito calor. Fez um 'Humrum' com a cabeça e sorriu. Comecei a sorrir, balançando a cabeça. Desejando poder apertar aquelas bochechas, beijar, morder e por aí vai. Mas me contive. Apertei o geladinho com toda força e continuamos andando rumo ao escritório.
ANA
Minha mente estava mais leve pro trabalho, era perceptível. Consegui analisar algumas coisas que antes eu não estava conseguindo, mas ainda sim fiquei olhando o relógio de tempo em tempo, contando os minutos para ela chegar. Graças a Deus não demorou e ela bateu na porta. Eu podia sentir sua batida, pois já reconhecia a mesma.
-- Entra. - Assim que ela entrou, ficamos nos olhando. Eu sorri como sempre, desde que ela pareceu em minha vida e como seu esperava que sempre fosse, a partir de agora. Ficamos nesse encanto um bocado de tempo, antes de ela tentar ser a adulta, dizendo.
-- Bom dia!
-- Bom dia, Lara. - Eu quis poder sentir o gostinho de dizer seu nome, de forma doce e suave.
Ficamos assim com esse brilho nos olhos, hipnotizadas, mais um tempo.
-- Dormiu bem? – Ela perguntou.
-- Como um anjo. - Nem dei tempo de ela terminar a frase e percebi que eu estava super elétrica. -- E você?
-- Como um bebê. - Ela tinha cara de bebê, mesmo sendo um mulherão de 26 anos. Bom, eu pelo menos me sentia uma criança perto dela. Rimos de novo. Nervosas e ansiosas.
-- Você está muito bonita hoje, de verdade... -- Ela quebrou, de novo, o silêncio. E eu me senti tocada, pois ela tinha percebido o quanto eu tinha me arrumado secretamente para vê-la hoje. Ninguém nunca me nota, com ou sem uma melancia na cabeça. Mas ela notava, pelo visto. Fiquei com vergonha, talvez até meio vermelha.
-- Obrigada. -- Disse com minha voz doce e envergonhada. Sim, eu estava com a voz doce. Eu me sentia bonita hoje e nem me lembro a última vez que me senti assim. Ela pareceu meio nervosa, porque disparou algo meio nada a ver.
-- Vanessa veio me contar, extremamente assustada, que você deu bom dia para ela, hoje! Acredita? – Ela riu meio debochada. Acho que estávamos tentando fazer as coisas ficarem mais leves. Demorou um segundo a mais para que eu pudesse entender o que ela disse. Pisquei não acreditando no que ela disse.
-- Nossa, isso é sério? - Será que eu antes vivia tão morta assim?
-- Seriíssimo! – Eu adorava seu jeito de falar, com aquele sotaque tão fofo.
-- Acho que tenho que dar mais ‘bom dia’, né?
-- Seria muito bom. Até porque seu sorriso é tão bonito e fica aí, sendo desperdiçado.
Eu acho que fiquei meio vermelha de vergonha e também, quando suas palavras vinham assim, eu me sentia quente. O sangue subiu tanto para minha cabeça, que eu disse a primeira coisa sem pensar.
-- Eu também gosto do seu sorriso, Lara e muito! E pelo visto, você nunca desperdiça o seu! – OK, talvez eu não devesse ter falado isso, não se pensar. Mas acho que eu teria falado mesmo se tivesse pensado. É verdade oras, seu sorriso era lindo e alguém já tinha visto ela desperdiçar algum? Eu nunca vi.
-- Jamais. Minha pasta de dente me paga 10 centavos, para cada vez que sorrio. -- Primeiro eu acho que não entendi o que ela falou, mas depois percebi que era algum tipo de piadinha muito ruim e talvez por isso eu comecei a rir tanto. Ela tinha umas coisas que eram só delas e isso de falar coisas sem noções era uma delas.
Como eu disse mais cedo, tudo rendeu hoje. Trabalhar nunca foi tão bom e prazeroso. Decidimos almoçar juntas, andar um pouco e sentir a vida, como Lara disse quando eu propus pedir algo para comer aqui mesmo. Fomos andando e conversando quando parei no sinaleiro, até porque a luz indicando que iria abrir para os carros, em poucos segundos, estava piscando. Mas Lara puxou meu braço quase arrancando meu pescoço e saiu correndo! Eu quase entrei em pânico. Aquilo era SP, ela tinha noção disso? Eu nunca tinha ido a Minas, mas ainda sim, aquilo era SP. A doida não parou, nem quando já tínhamos atravessado o sinal. Eu correndo de salto, imagina! Mas não foi um desastre tão grande assim, eu confesso. Mas foi difícil com aquelas bolsas batendo na minha barriga e eu tentando desviar de tanta gente. Paramos na frente do restaurante, com Lara vermelha de correr e de tanto rir. Pra ela aquilo era quase um parque de diversão, pelo que me parecia. Eu ria também e muito, não dava para negar que apesar da adrenalina, foi divertido.
-- Sua doida! - Dei tapinhas em suas costas. Não era aquilo que eu imaginei quando ela me disse que deveríamos sentir a vida. Mas ainda sim, eu continuava rindo.
-- Pra dar mais emoção pra vida. – Ela repetiu. Ela era louca, de fato. E eu mais ainda de querer tanto ir com ela.
-- Você vai é terminar sem vida, assim.
- Que nada! – Ela disse piscando para mim e dando os ombros. Ela era tão leve e eu sempre ficava olhando-a abobalhada.
Entramos no restaurante rindo, conversando alto e fazendo barulho. Eu nunca tinha feito isso, geralmente eu era o mais silenciosa possível! Odiava chamar atenção pra mim, mas no momento estava tão gostoso que nem estava ligando. No fundo eu estava me descobrindo outra pessoa. Colocamos comida, trocamos algumas e teve uma hora que até coloquei um bocado de torta na boca dela. Ficamos nos encarando assim por um tempo. Eu estremeci e senti algo no meu intimo arrepiar. Senti vontade de jogar tudo no chão e beijar ela. Deus, eu estava ficando muito gay, aquilo não estava certo. Não deveria acontecer tudo tão rápido assim. Tentei distrair o clima e comecei falando da minha vida. Ela era ótima pra escutar, então falei das minhas amigas, sobre meu colégio e muitas coisas. Eu me sentia com muita vontade de deixar alguém me conhecer. Na verdade, eu queria que somente ela me conhecesse. Pensei que o momento era esse quando disse:
-- Ah, me lembrei agora. As meninas tão marcando de ir numa boate esse fim de semana. Se você não tiver nada marcado com ninguém – senti medo. E se ainda houvesse a tal advogada? Ou outra? E outra coisa, eu estava nervosa, pois ali estava eu a chamando para sair. Não esperava que ela notasse isso também. -- Você gostaria de ir?
-- Claro! Fechado! - Foi tudo o que ela disse e foi tudo o que eu precisava. Não falamos mais nada, apenas ficamos nos olhando. Eu festejando por dentro por ela ter aceitado.
Fomos pagar a conta, ela não me deixou pagar para ela e entrou na minha frente na fila. Ela era cabeça dura e orgulhosa. Engraçado como eu pensava que ela era somente uma pessoa louca, mas a cada hora eu ia descobrindo coisas novas sobre ela. Ela perguntou para a moça do caixa sobre as tortinhas, e eu me senti super contente. Eu sentia muito carinho por essas tortinhas, elas marcavam a gente, sabe? Quando a moça disse que não tinha e, ainda por cima, com um sorriso estranho rumo a Lara. Eu abismei com o fato de não ter a torta e que sorriso era aquele? Como assim??! Entrei na frente da Lara.
-- Como assim, não tem? Eu almoço aqui há uns cinco anos e sempre tem! – Seu sorrisinho safado saiu do rosto e seu olhar ficou assustado. Ótimo, quem era ela para dar em cima da Lara assim, descaradamente e ainda por cima dizer que não tinha tortinha?
Para piorar a situação, Lara me empurrou para trás parecendo constrangida e deu um sorriso, quase como quem pede desculpas, para a fulana!
-- Moça, no débito, por favor. – Disse lhe entregando o cartão e eu vi muito bem o sorriso que aquela mulher deu de volta! Ela era mesmo estranha, tinha o cabelo raspado de um lado só da cabeça e um piercing no nariz.
-- Para de ser emburrada, te compro outra coisa depois, do outro lado da esquina! - Ela sussurrou e voltou a olhar para a moça. Eu não era emburrada! E porque ela estava sussurrando comigo, em vez de conversar normalmente? Além do mais, aquela tortinha sempre tinha! Porque hoje que era meu dia, não tinha? Aquela moça tinha estragado tudo!
-- Eu não sou emburrada. Paga aí, que depois te dou o dinheiro. Vou esperar lá fora!
Fui esperar lá fora. Eu não era criança para ela me tratar assim e, eu também não ficaria lá vendo aquela troca de olhares das duas. Ela veio rindo achando graça da minha cara ou talvez tenha conseguido o telefone da cretina. Fiquei mais emburrada! Ainda rindo ela apertou minhas bochechas e disse:
-- O que foi, menininha?
-- Nada! – Tirei a mão dela do meu rosto, porque aquilo sempre me dava um choque estranho.
-- Ana, o que foi? Tudo isso por uma tortinha? Não tinha ué, fazer o que? – Ela disse meio exaltada como se minha reação fosse um absurdo!
-- Não é só pela tortinha, você estava dando em cima da moça, descaradamente e... – E eu percebi que tinha falado demais. Olhei para ela ainda pensando na mancada que eu tinha dado. Ela parou no meio da calçada, então reparei em como sua boca estava aberta, ela parecia assustada. Ai, será que ela tinha percebido minha mancada? Tinha eu falado demais? Tentei dizer algo como desculpa para minha reação exagerada, mas não encontrei nada, então sai pisando duro.
- Ana, eu nem me lembro que cor a moça era, eu juro! – Ela disse, tentando acompanhar meus passos rápidos. Por mais que eu estive com ciúmes, dava para perceber como seu tom de voz soava verdadeiro. Aquilo balançou comigo, talvez eu estivesse sendo boba.
-- Eu não ligo se você dá em cima de todo mundo, eu... – Precisava concertar a mancada que eu dei e disfarçar o ciúme que eu senti.
-- Ei, eu não dou em cima de todo mundo, não! – Ela me cortou. Fuzilei ela com os olhos. Ela sibilou um ‘Desculpa’ e colocou as mãos para cima, como quem se rende e tira o corpo fora. Eu quase ri daquela cena, mas tive uma ideia antes.
-- Enfim, eu só não gostei de você ter me empurrado para trás. Eu quase torci o pé, sabia? – Eu não tinha nem chegado perto de torcer o pé, mas me pareceu uma boa desculpa.
-- Desculpa! Eu não tive a intenção! Pensei que você fosse voar na mulher, só isso. – Ela já não usava mais o tom engraçado. Eu teria voado nela mesmo, se ela tivesse dado em cima dela mais descaradamente do que tinha dado. Ou será que ela só tinha sido educada? Dessa vez fiquei com ódio de mim e dela, por fazer eu sentir essas coisas as quais eu não conseguia me controlar.
Sai andando pela cidade, ainda com muita vergonha por ter feito cena e com raiva de mim e dela, quando ela puxou meu braço, do nada e me fez encará-la.
- Desculpa, OK? – Sua voz soou rouca. Tá bom, dessa vez eu me tremi inteira, mesmo. Achei que fosse desfalecer nos seus braços ou me jogar neles, enquanto nos encarávamos. Porque ela não me beijava? Minha boca viva cheia d’água com vontade disso, por mais que eu nunca confessasse.
- Tudo bem. – Eu disse, mas precisava de ar. Tentei pensar em algo para apaziguar meus ânimos. – Cadê o negocio que você prometeu comprar pra mim, ein?
Ela sorriu com tanta ternura pra mim.
-- Logo ali, vem!
Pegou minha mão e saiu andando. Sua mão era macia, dava para perceber, mas muito firme. Imaginei aquelas mãos no meu corpo e o efeito que elas fariam. Se só se segurar a minha, eu já tremia toda. Ela parou na frente de um carrinho com um senhor, cortando meus pensamentos e me perguntou, de repente.
-- Você gosta de qual sabor? – Do que ela estava falando? Encarei ela sem entender.
-- O que é isso? – Ou melhor, o que estava acontecendo?
-- Como assim o que é isso?
-- Isso! – Eu apontei para o carrinho.
-- Pelo que eu saiba aqui em SP se chama Gelinho, em Minas Laranjinha, em outros lugares pode se chamar Sacolé, Geladinho ou tanto faz...
-- Ah... – Eu disse, mas não tinha a mínima ideia do que ela falava. Nas minhas escolas fora do país, na faculdade ou nas ruas, eu nunca tinha reparado em algo parecido. Mas imaginei, mais o menos, o que fosse aquilo.
-- Você não teve infância não? -- Lógico que tive, fuzilei ela com o olhar, de novo. Se ela não sabia, minha vida foi regada a taças de vinho e um monte de etiquetas. Eu estava me sentindo uma estranha em outro planeta.
-- Você quer de que, ein? Fala logo! – Agora era ela quem parecia uma criança, bicuda. Aproximei do carrinho pra dar uma melhor olhada. Aquilo era confiável? Assim, no meio de SP? Aquele carrinho tinha fiscalização? Olhei para o Sr. e ele me pareceu ser tão bonzinho. E aquele monte de saquinhos coloridos, pareciam gelados e gostosos.
-- Tem de que, moço? -- E ele foi falando os sabores quando um meio rosa, meio vermelho me chamou atenção.
-- Quero de Groselha.
-- Um de uva pra mim Sr. -- Ela foi rápida, pois devia estar acostumada com aquilo. O Sr. cortou um pedacinho, limpou com um pano e eu coloquei na boca. Humm... Realmente era geladinho! Que delicia nesse calor. Gostei muito e era docinho também.
-- Tá feliz agora? -- Ela perguntou tentando se fazer de brava, mas deixando transparecer um sorriso. Eu nem tirei da boca, só murmurei um 'humrum' e fui feliz trabalhar. Nos olhamos profundamente, como vínhamos fazendo todo tempo. Quem diria que em um simples almoço, pudesse render tantas histórias. Eu queria abraçar ela, rir e mostrar o quanto aquela nossa pequena aventura pelas ruas, tinha me deixado viva e feliz. Sentia a criança dentro de mim descobrindo o mundo, mais uma vez.
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Fim do capítulo
Autora ansiosa pelos comentários de vocês que me dão tanta motivação! <3
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Lisbela
Em: 10/09/2024
Há tempos que gostaria de ler esse conto novamente. Li a primeira vez no extinto Abcles. Por acaso resolvi visitar o site novamente(fazia tempo que não visitava) na esperança de ler essa história de novo. Fiquei surpresa e feliz com tamanha coincidência. Autora não deixe de atualizar o conto. Aguardamos ansiosamente cada capítulo.
Abraços!!
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Booksreaders
Em: 18/08/2024
Bora autora, onde está a atualização da história? Estou esperando a semana toda rsrs
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Sem cadastro
Em: 17/08/2024
Eu estava esperando ansiosamente pela atualização da história, e ainda estava esperando dois capítulos...fechei meu dia com chave de ouro!
Nossa, estou adorando como as duas estão se aproximando, se conhecendo melhor...tomara que no dia da boate role muitas coisas interessantes... ;)
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Marta Andrade dos Santos
Em: 11/08/2024
Aceita que dói menos Ana.
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Sem cadastro
Em: 07/08/2024
Eu estava esperando ansiosamente pela atualização da história, e ainda estava esperando dois capítulos...fechei meu dia com chave de ouro!
Nossa, estou adorando como as duas estão se aproximando, se conhecendo melhor...tomara que no dia da boate role muitas coisas interessantes... ;)
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