Capitulo 52
Cap 51 - Flávia
- Oi! Podemos conversar? - eu travei, sem saber exatamente o que fazer, com o coturno na mão, descabelada e correndo.
- Ah, não Bruna - sentei no sofá colocando o coturno, ela se manteve na porta, olhando o movimento, ambiente - Eu saindo para uma operação, e diga-se de passagem estou atrasada. Não vou parar para conversar com você agora.
- Mas é rápido Fla - deu uns passos em direção ao sofá.
- O que eu quero conversar com você não é rápido. E eu não vou me estressar agora - levantei do sofá, parei na beirada da porta - não preciso ir estressada pra nenhuma operação.
- Eu pensei que você estava em casa, dispensada - falando com aquela voz suave dela, de quem nunca errou, cachorro perdido.
- Eu dispensada? - falei andando em direção ao banheiro, parei na frente do espelho e comecei a rapidamente pentear meu cabelo. Tenho que acelerar.
- É por conta do falecimento da Fabi - ouvi o barulho da porta fechando delicadamente, e o click clack do salto.
- Nossa, você sabe que ela faleceu - Comecei a rodar o cabelo em um coque, enquanto ela parava na porta do banheiro.
- Eu li suas mensagens, te respondi também.
- Bruna, não quero falar com você agora! - falei um pouco mais ríspida - Eu trabalhei duro nesse caso, preciso estar bem para finalizar. Se você tem um pouco de respeito por mim, vai embora.
- Flávia… - olhei pra ela apenas após terminar meu coque.
- Conversamos depois da operação Bruna! Chega.
- Quando?
- Não sei quanto tempo. E não só o tempo da operação, o meu tempo - coloquei a mao no ombro dela, com um limite de educação que às vezes eu me assusto, fui empurrando ela para a porta.
- Não esquece de mim, tenho meus motivos.
- Quando eu quiser falar, te ligo - eu sou muito educada, por muito menos alguém teria fechado a porta na cara dela. Eu apenas sorri, e fui fechando até que a Bruna teve o mínimo de senso e saiu andando.
Eu realmente não quero me estressar antes de uma operação, na verdade nem sei se vou “operar” hoje, mas sei que vou pro DP e vou precisar ajudar o pessoal, nem que no contexto sanidade, noção. Essas coisas. Voltei rápido pro quarto, peguei minha mochila, deu uma batida de olho se tinha tudo, se estava certinho. Por sorte está, apoiei nas costas e parti. Espero que a Bruna já tenha saído, pra não ter o desprazer de encontrar ela pelo caminho até a rua.
Por sorte o tempo que esperei o elevador e caminhei em direção a saída foi o tempo para ver ela na esquina da rua de casa, mais afastada, acredito que esperando um uber. Não fui lá falar com ela, nem quero, atravessei a rua e segui em direção ao DP, que são dois quarteirões de distância. Não que a delegacia seja um lugar tranquilo, pelo contrario, alguns medos e problemas meus estão lá, mas pelo menos manter a cabeça ocupada me ajuda. Não demorei no trajeto, quando cheguei já subi direto para o espaço administrativo, onde fica a sala dos investigadores, a dos delegados, do delegado chefe e assim por diante. Antes mesmo de pousar, a Isa já me viu e chamou.
- Flávia, vem aqui - ela estava entrando na sala de reuniões, com uma caneca na mão.
- Pego café? - perguntei chegando mais perto.
- Não, tem aqui. Vem - entrei na sala de reuniões junto com Isa, mas isso não me salvou de ser o centro das visualizações. Todos me olharam, o Alcino, chefe dos delegados só me acenou o rosto, mas um olhar foi muito incômodo, o olhar do Cantão. Ele nunca me olhou dessa forma, quando eu entrei na sala, ele me olhou, apertou a boca de um modo raivoso, depois voltou a olhar pra mesa. Ele sabe sobre a Bia. Só pode ser isso, e esse é um dos meus medos.
- Flávia, pedi pra te acionar porque está acontecendo. Recebemos dois alertas hoje, um foi as câmeras do aeroporto de Congonhas rastreou e identificou o Puca. Alerta dois, foi uma queixa de sequestro de uma mulher, 33 anos, vinda de Portugal, médica. O irmão dela abriu uma queixa no DP da Vila Mariana, quando bateu no sistema, chegou aqui.
- Puta merd*, excelente! - escutei um “Flávia” ao fundo, como uma bronca pela minha comemoração - Ah gente, trabalhamos com a desgraça dos outros. E finalmente vamos sentar o cacete nesses caras.
- Seguinte, atenção, Flávia, quero você para conversar com a família. Você já foi do anti sequestro, sabe como lidar com essas situações sem precisarmos chamar a especializada.
- Tranquilo.
- Cantão e Isabelle, quero os mandatos.
- Flávia, temos a localização exata?
- Chefe, temos a localização do hospital e do Grilo. O que não temos exato é na praça da sé, o serviço inicial. Na visita que fiz ao presídio semana passada, consegui a chave que é usada, acho que vale enviar aquele antigo para puxar o lugar. é uma linha de ação.
- Isabelle, aciona ele e se alinha com a Flávia.
- Cantão, traçou uma linha de ação?
- Po chefe, ainda estou avaliando, acho que… - o Cantão começou a cartear.
- Chefe, uma opção é esperar em tocaia nos três lugares e estourar junto. O hospital, a casa do chefe e a sala na praça da Sé. Já tem o Cunha de tocaia no hospital, o Álvares está na casa. Com o antigo fechando a sala, já coloca mais um. Sabemos que o sequestro da médica é por conta do nascimento da criança, mas não podemos colocar nem a criança, nem a médica em perigo. Acho válido deixar a tocaia e seguir o movimento, mas quebrando os três ao mesmo tempo. Mas a decisão é do senhor.
- Entra em contato com a equipe que vai quebrar e deixar eles já acionados. Quero você Full com a família. Flávia, pelo contato inicial que o Diógenes me passou, é uma família delicada, classe elevada, o irmão que está acompanhando as negociações é médico também, a vítima sequestrada é uma médica meio que reconhecida, não dá pra tratar na porr*da não, precisa segurar na labia. Sem contar que estamos segurando aqui entre a gente a investigação, quando começar a abordagem, sei que vai encher de jornalista aqui.
- Tô ciente chefe. Pode deixar.
- Senhores, por hora é isso. Todos seguindo suas missões, quero todos em condições de acionamento, todos em alerta até segunda ordem. Flávia, vem comigo, quero te mostrar uma coisa - Segui o Alcino, delegado chefe, até a sala dele, fomos em silêncio.
- Senta aí Flávia. Sendo bem direto, você está em condições?
- Chefe, eu prefiro estar aqui trabalhando, que em casa pensando. Trabalhamos muito nesse caso, quero acompanhar e participar da resolução. Estou em condições sim.
- Tá bom Flávia, se em algum momento sentir que passou seu limite, sinaliza.
- Sim senhor. Chefe, como foi a denúncia?
- Cara, olha a merd*. A médica, Dra Caroline, estava em Portugal em um estágio pelo que entendi. Enfim, ligou há 2 dias para a secretária, chamada Clara, pedindo uma passagem para voltar ao Brasil. Ok, entrou no voo lá em Portugal, ela estava em uma província de Trás-os-Montes, fez um voo de três escalas, bateu em Recife, de lá Congonhas. Chegou aqui, pegou a mala, sem alteração. Conversou alguma coisa com um segurança, seguiu para o Starbucks. Pediu um café e foi abordada pelo Puca. Provavelmente ele colocou alguma coisa na bebida, a Dra ficou dopada e foi jogada pelo Puca em um carro. A tal da Clara, que ficou de buscar ela no aeroporto viu a cena e avisou o irmão, Lucas se não me engano. Aí eles foram no DP da Vila Mariana e prestaram queixa.
- O DP da Vila Mariana que acionou o senhor?
- Sim e não, o aeroporto já estava com o rastreio para o Puca, que a Isabelle havia conseguido. O segurança do aeroporto acionou o DP do jabaquara, quando bateu a queixa veio pra gente. Logo em seguida o da Vila Mariana recebeu a queixa, acionou o do jabaquara que é o mais perto do aeroporto, que me acionou novamente.
- O irmão e essa secretária, a Clara, já prestaram depoimento? Porque vale pensar, quem sabia que a médica estava voltando? O irmão e a secretaria? Algum marido, namorado? Cai sobre os dois a hipótese de acionamento da quadrilha. Ou alguém de Portugal, que sabia que ela estava vindo, avisou a quadrilha - Pensei por alguns segundos - Chefe, posso chamar a Isa? Hoje mais cedo, eu e ela estávamos trabalhando em umas imagens do caso Evangelista, que pode encaixar aqui.
- Chama. Caralh*, vocês tem que me atualizar.
- Chefe, não querendo tirar o meu da reta, mas vimos isso não tem umas ou 5 horas, na verdade é uma investigação em off que estou fazendo, que acabou batendo no Evangelista, que deve encaixar com essa.
- Liga ai pra ela - peguei o celular, enquanto ligava o chefe continuou falando.
- Sabe que se tiver envolvimento internacional, vai subir pra PF né?!
- Vem no chefe, urgente. Po chefe, eu sei. Mas tem bastante vínculo interno, não vamos ficar na mão não. Oh, mandei mensagem pro Cunha, o retorno dele é que desde manhã está tendo uma movimentação maior no hospital, mas não chegou nenhuma vítima, nem ninguém diferente. Só os mesmos chave de cadeia de sempre.
- E na casa?
- O Álvares avisou que um carro preto diferente do habitual, sem placa passou 2 ruas acima, o Puca desceu e foi andando até o beco da casa. Ficou uns 20 minutos, depois saiu no mesmo carro preto.
- Qual carro?
- Segundo ele um Corolla, com insulfilm, provavelmente zero.
- Ou está em outro cativeiro ou estão rodando pela cidade.
- Já mandei colocar olheiro nas quatro entradas, principalmente na entrada perto do matão, que dá acesso ao bar que entra o túnel do Grilo.
- Me chamaram?
- Isa, senta aí. Cara, a médica tava vindo de Portugal. A princípio duas pessoas sabiam que ela estava vindo, o irmão e a secretária.
- marido? Namorado? Colega?
- vou levar ainda. Mas a questão é, ou alguém daqui avisou ou alguém de lá sabia - a Isa já levantou a sobrancelha - entendeu né?!
- Puta que pariu. Chefe, lembra do caso Evangelista certo? - o Alcino confirmou com o rosto - a Flávia com um olhar apurado pegou uma jornalista do mesmo lugar que ele trabalhava, viagens quase que semanais a Europa, pelo menos mensais, bate e volta, bens móveis e imóveis que não condizem com o imposto de renda. E que na última gravação do Grilo com o Puca, pegamos que existe alguém com codinome “Das Letras” que faz o transporte dos doadores até Londres.
- Então oficialmente temos uma rede internacional. Não encaixa ainda que alguém de Portugal avisou o Puca, mas é bem possível. Acompanhem isso. Eu quero ser atualizado 24h antes do relatório. Me liga, me avisa.
- Flávia, fica atenta que o irmão, confirma o nome se é Lucas mesmo, ficou de vir aqui, já liguei pra ele pedindo pra vir. Vamos avisar essa questão da Caroline ser uma vítima de tráfico de órgãos, o parto, essas coisas. E atenção ao trato.
- Sim senhor, vou estar lá na minha mesa - eu voltei lá pra minha mesa, mas aquela adrenalina de começo de operação já começou a aparecer em mim, uma das coisas complicadas em caso de sequestro e em uma situação crítica dessa é o tempo, não dá pra abordar antes da hora nem depois. No caso de hoje, provavelmente esperar a criança nascer, acompanhar, ficar de olho. Até o clima do DP muda, muito provavelmente vou dormir essa noite aqui no alojamento ou quem sabe nem dormir.
Com a descida da noite, fui pensando em algumas coisas. Desde que a operação foi avançando o Gabriel foi ficando mais distante de mim, a gente tinha e tem uma amizade muito legal, de anos, que é algo que tenho muito medo de perder por conta da Bia. Eu sei que não tenho nada com ela e tudo tem que acontecer ao seu tempo, mas a essa altura do campeonato não dá pra negar que passar uma tarde assistindo filme com ela no sofá, cheio de dengo, não é gostoso. E isso nós já estávamos fazendo antes da viagem, antes do velório.
A Bia é uma menina tão doce, tão delicada. Daquelas mocinhas que a gente tem vontade de colocar em um pote e guardar? Eu tenho muito carinho por ela e uma vontade de cuidar, proteger. Acho que minha maior vontade seria tirar toda aquela dor dela, que o Ricardo causou, assustou. Apesar que depois de eu rasgar os 4 pneus dele, ele não apareceu mais, mas sei que não vai demorar até ele dar o ar da graça de novo.
Estou preocupada com a quantidade de aulas da faculdade que estou perdendo. A Ana Lu está me dando uma moral e assinando a maior parte das listas de chamada pra mim, mas não é correto. Nesse último semestre é mais um laboratório de prática jurídica, a maior parte da experiência eu consigo sendo investigadora, mas não é bom perder aula assim, me preocupa. Nos próximos dias mesmo eu vou perder, estando em acionamento Full, não vou correr o risco de sair do DP e perder a infiltração.
A noite foi adentro e o tal Lucas não apareceu para falar sobre o sequestro da irmã dele. Mas nesse tipo de caso, o coitado não deve estar nem sabendo que tem que vir aqui, ou não está em condições, não sei exatamente. Eu e a equipe toda do caso acabamos dormindo no DP esperando um acionamento, mas nada aconteceu. Lá por volta de umas 10 horas da manhã que o Alcino me chamou, que o Lucas irmão da Dra Caroline tinha chego, após ele acioná-lo.
Eu entrei na sala do Alcino, delegado chefe, um rapaz, acho que uns 25/30 anos estava sentadinho de frente com o delegado. Muito bem vestido, bem penteado, mas assim que olhou pra mim, pude perceber os olhos fundos, abatido, apático. Ao lado de um sapate que habita em mim, saúda o sapate que habita em você, me lembrou um pouco a Bia, um cabelo abaixo dos ombros, umas mechas loiras perdidas, ela estava abatida também, olhos fundos, rosto cansado. Mas posso dizer que os dois aparentam uma excepcional saude, digo isso no sentido de boa vida, pele boa, essa parte. Infelizmente, quando alguém é sequestrado não há rico nem pobre, só a vítima e sua família.
Lucas, desculpe a demora. Tivemos algumas ocorrências desde que conversei com você. Como você está? - o Alcino esticou a mão e logo sentou, olhando para a “sapate” do lado - E a sra é? - minha curiosidade deu risada dentro de mim, óbvio que deve ser namorada, esposa.
- Fernanda, sou amiga da Caroline. Estou a acompanhaire o Lucas nesse momento complicado - puxou um sotaque português intenso, bem daqueles nativos. E, amiga? Ah, que desse migué eu entendo. Mantive meu profissionalismo, mas eu queria era dar risada dela
- Essa é a Flávia, ela é investigadora. Quero que ela participe dessa nossa conversa - estiquei a mão e cumprimentei os dois - Depois que conseguimos as gravações do aeroporto, acompanhado de você identificar o sequestrador e o retrato falado, colocamos essas informações no sistema e conseguimos a imagem exata - era visível a ansiedade e a tensão deles. Puxei a imagem do Puca, impressa de frente e perfil.
- Sr Lucas, você reconhece essa pessoa? - na hora que bateu o olho ele respondeu.
- Pra mim esse é o Puca, bem mais velho que a última vez que o vi, mas é ele.
- Exato. Esse é o Jorge Puca, um dos líderes de uma organização de tráfico de órgãos - soltei a bomba e nitidamente assustei ela e o Lucas. Os olhos dele esbugalharam e os da Fernanda começaram a encher de lágrima..
- Tráfico de órgãos? - Ela me perguntou, de bate pronto - O que tem a Caroline com isso?
- Estamos acompanhando de perto essa quadrilha há algum tempo. Um dos líderes está com a mulher grávida. Estamos aguardando o momento do parto, onde todos estarão mais dispersos para abordar eles. Será uma ação mais perigosa, considerando que terá um recém nascido no meio de todo mundo. Acreditamos que a Caroline foi sequestrada por essa organização, exatamente por isso, por causa do nascimento da criança. Considerando que ela é ginecologista e conhecia o Jorge Puca.
- Faz sentido, principalmente porque o Puca conhecia a Carol. Mas como eles fazem transplante de orgãos? É algo que precisa de espaço especializado, medicos. A Caroline não foi sequestrada para pegarem os orgãos dela? - o Lucas perguntou.
- Lucas, eu não posso te garantir uma motivação exata do sequestro da sua irmã. Estamos trabalhando com essas hipóteses. Acredito mesmo que a Caroline foi sequestrada em condição do nascimento do filho do chefe, do Grilo. Eles possuem uma rede de sequestro de pessoas para a retirada de órgãos e aliciamento de pessoas para a venda dos órgãos. O Puca é o responsável pela retirada e colocação do órgão, por ele ser médico e ter uma breve experiência em cirurgia. E acreditem, eles possuem um centro cirúrgico, quase que um hospital, no meio da favela de Heliopolis.
Era nitido como os dois estavam afundados, em choque. Uma ddas tecnicas para aumentar a confiança ou até criar a confiança da familia com a equipe, é expor detalhes, que mostram que estamos acompanhando mesmo o caso, assim começei a falar: Eles são uma quadrilha muito bem organizada e gerenciada. Atuam no roubo de materiais hospitalares, sequestro de pessoas, venda e tráfico de órgãos, assassinatos para a retirada desses órgãos. Estamos trabalhando neles há um bom tempo. Posso garantir no tocante a minha tarefa policial que farei o que couber a mim para trazer a Caroline de volta para vocês.
- Quando vocês vão invadir o lugar? Quero ir junto. Sou médica e posso ajudar - a Fernanda começou a falar. Juro que entendo ela, por muito menos tambem me enfiav* nas coisas com a Fabi. Mas ter uma medica na infiltração não tem um porque. Ela precisa sim é estar em condições para receber e cuidar da menina dela. Da “amiga”.
- Senhora, quanto a data de abordagem, isso é algo sigiloso, não posso expor esses dados da operação. E quanto a senhora participar da abordagem, isso é algo sem a menor possibilidade. A senhora sendo médica ou não, sendo o papa ou o presidente, para sua própria segurança, não tem acesso a abordagem - Fui firme, tentei não ser grossa, mas de verdade, não tenho paciência.
- O que devemos fazer então? Aguardar novas notícias? - o Lucas arrematou a conversa.
- Isso doutor. Peço que aguardem nosso próximo contato. Prometo que faremos nosso melhor. O senhor já tem o contato do delegado, vou deixar o meu também - comecei a escrever em um papel - toda e qualquer novidade, alguém entrar em contato com vocês, qualquer coisa. Eu preciso saber, tá?!
O Lucas estava claramente desolado, mais do que quando ele chegou. As olheiras que já estavam fundas, ficaram mais escuras. Os olhos dele ficaram mais cansados. Já a Fernanda, nitidamente nervosa, agitada, ansiosa. Enquanto eu e o Alcino terminavamos alguns documentos que o Lucas precisava assinar, ele pediu licença e saiu da sala, não sei se para chorar ou se para quebrar tudo. Ele estava definitivamente perdido. A Fernanda estava travada, manteve-se sentada, chacoalhando as pernas, pensando.
Eu não gosto muito de trabalhar com sequestro porque é muito pessoal, você tem que entrar na vida das pessoas, descobrir coisas que nem sempre são fáceis, mas esse caso em si, eu tenho um apreço, é a finalização de toda a investigação quase. Eu sai de trás da mesa que eu estava, impessoal, firme, e sentei ao lado da Fernanda, no lugar onde o Lucas estava. Fui direta.
- Fernanda, a Caroline é sua menina?
- Não tivemos tempo para determinar um título ao que somos - respondeu com um sotaque forte - Mas posso te garantir que o que sinto por ela vai além de qualquer outro sentimento. Eu trocaria de lugar com ela nesse exato momento, sem pensar - que bonitinho.
- Fernanda, eu não posso dizer que sei o que está sentindo, não posso nem dizer que imagino - não deixa de ser verdade, a dor é única mesmo - Não consigo nem imaginar minha namorada em uma situação assim, sequestrada - eu soltei isso, mas eu mesmo me pergunto, que namorada? Bruna? - O que eu posso te dizer, com toda e completa certeza - segurei a mão branca dela, gelada de medo e de tensão - eu vou fazer o que estiver ao meu alcance para trazer sua menina para casa de novo. Isso eu prometo.
A Fernanda desabou nesse momento, o choro foi intenso, quase soluçando. Eu tentei me manter profissional, mas eu própria estava quase abraçando ela e dando cafuné. Não conheço ela, nem sei da relação dela com a Caroline, sequestrada, mas deve ser algo intenso, verdadeiro, ela não está bem.
- Fernanda, eu preciso que você seja forte e firme. Infelizmente, essa situação vai ficar pior. É possível que enfrentemos ainda uma fase de negociação de valor pelo resgate, voces tenham que suportar a emoção da invasão ao cativeiro e inúmeras outras situações - falei segurando a mão dela, tentando ser profissional, mas humana - O Lucas, irmão da Caroline, aparenta ser uma pessoa extremamente centrada, firme, mas ele está esgotado. Dá para ver no olhar dele, você vai precisar segurar essa barra, pela sua mulher - olhei firme para ela, sendo verdadeira - Imagina o quanto ela vai precisar de você quando for libertada! Sequestro causam consequências emocionais que levam anos para superar, você terá que dar esse apoio para a Caroline. Precisa ser firme.
Fiquei ali, dando apoio, segurando a mão dela, o tempo que precisou. Quando a Fernanda se sentiu um pouco melhor, talvez mais firme, ela soltou minha mão e levantou da cadeira. Secou rapidamente as lágrimas.
- Flávia, obrigada por todo esse apoio. Agora é acreditar no trabalho de vocês e rezar muito - que sotaque português pesado, mas gostoso de ouvir, diferente.
- Fernanda, fico à disposição de vocês. Já tem meu telefone, qualquer coisa não deixem de me ligar - Ela confirmou com o rosto e seguiu, saindo da sala do Alcino, quase cambaleante. A Caroline vai se machucar, ter a dor dela, mas não dá pra negar que a Fernanda também está com o machucadinho dela.
Depois que a Fernanda e o Lucas saíram, eu fui ao banheiro, lavei o rosto, fiz um café forte na sala dos investigadores e cara, eu vou fazer de tudo pra acabar com essa merd* de quadrilha. Eu me olhava no espelho, e eu conseguia ver a dor da Fernanda como a minha. Eu acabei de perder o amor da minha vida por conta de bandido, sabe? Se eu puder ajudar esse casal de alguma forma eu vou ajudar.
Sentei na salinha dos investigadores e dei uma nova olhada na questão das viagens da Mayra. As datas dos desaparecimentos que o Evangelista identificou sempre batiam 3, ou uma semana depois das viagens da Mayra, todos os desaparecidos são homens, por volta dos 30 anos. A Isa conseguiu as imagens do aeroporto nas datas que a Mayra viajou nos últimos meses, agora preciso sentar e olhar essas imagens em si. Preciso identificar e ter uma prova real que ela estava com os desaparecidos.
Combinei com a Isabelle que enquanto eu analisaria as imagens da Mayra, ela e um investigador da equipe dela, iria para Heliópolis, não para ver o possível cativeiro, não, mas para falar com a primeira vítima que descobrimos desaparecido. Preciso saber quem seleciona essas vítimas e se estão mesmo relacionados ao tráfico de órgãos.
Enquanto eu acompanhava as imagens, fiquei de olho no meu celular, afinal o Cunha e o Álvares ainda estão de tocaia na favela, de olho se tem alguma apresentação da Caroline e depois de umas três ou quatro horas, finalmente conseguimos uma informação válida:
- Flávia, se liga cara, aqui na base do hospital, tá rolando um movimento. Primeiro veio uma moto, com dois. Entraram no beco, ficaram uns 15 minutos e saíram. Meia hora depois veio o carro preto, trazendo um refém, mulher, encapuzada, não dá para prever idade. Uns 15 minutos depois a mesma moto do início trouxe a Yasmin, mulher do Grilo.
- Pau! Pegamos. Armados com o quê?
- 762 e pistola.
- Caralh*! Beleza. Mantém na posição. Qualquer novidade aciona - Está provavelmente acontecendo o parto, acho que até o final do dia vamos invadir. Repassei rapidamente a informação para o Alcino e por rádio para os envolvidos.
A Isabelle fez contato com a equipe que está de tocaia na entrada do Beco do Grilo, e eles apenas repassaram praticamente a mesma informação, seguranças armados com
762 e pistola.
O Alcino, teve um retorno do nosso antigo, que ele conseguiu o contato do escritório que “oferece” os orgãos”. Ficou marcado que entrariam em contato com ele para agendar uma reunião. Segundo o Antigo, foram de excepcional educação, quase um consultório privado. Ele continua fazendo a hemodiálise dele na clínica envolvida com o caso.
A tensão da situação era praticamente palpável, sensível a todos. O clima do DP estava diferente, estava pesado. Eu estava em alerta full, mas tentando poupar energia e usá-la da melhor forma. A Beatriz não está participando desse momento, afinal ela é perita de imagem e tem as fotografias dela para fazer e analisar. Mas mesmo não estando envolvida nessa ação, a Bia manteve-se cuidando de mim. Um oi aqui, um “comeu?” ali. Estou encantada pelo cuidado e carinho dela.
Por volta das 22h, eu já estava no alojamento repousando, mas ainda não tinha conseguido pegar no sono, quando meu celular tocou. Eu havia trocado telefone com a Fernanda, para se ela recebesse alguma atualização, qualquer coisa sobre o caso, me ligasse. Atendi meu celular com formalidade:
- Pronto. Flávia Albuquerque Silva - até parece que tenho essa formalidade bizonha
- Flávia, aqui é a Fernanda. Sobre o caso de sequestro da Caroline. O sequestrador entrou em contato, entrou em contato - dava para ouvir e sentir o choro na voz dela. Que dor essa garota deve estar sentindo.
Fim do capítulo
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