- "Que frio, meu Deus! Humana, me esquente logo. Estou com muito frio, não está vendo? Quase perdi uma vida dentro daquele saco. Aquele humano carniceiro me tirou da minha mãe para me jogar daquele jeito, mas a maldade dele não me venceu."

- Calma, gatinho, já chegamos em casa. Vou te dar comida e te secar. Para de miar só um pouquinho, por favor?! - A jovem Ana Júlia conversava com o gatinho recém-resgatado que havia encontrado 20 minutos antes em um saco de lixo no estacionamento do supermercado.

- "Humana, vou continuar falando (miando) até você me esquentar e me servir. Anda logo, pelo amor do Gato de Botas."

O pequeno gato laranja miava sem parar e Ana Júlia precisou agir rápido para acalmá-lo e evitar que ele ficasse doente depois da chuva que tomou ao ser abandonado daquela maneira. Levou o gatinho até seu quarto, ligou o ar condicionado na função heat, tirou o moletom que o cobria, pegou uma toalha no guarda-roupa e enrolou o felino rapidamente. O secou o máximo que pôde e o colocou na caminha do falecido Pantera. Naquele momento, agradeceu por não ter doado todos os itens do Pantera, que agora seriam de grande utilidade. Foi até a despensa, pegou um sachê de ração úmida para gatos, colocou em uma vasilha de plástico pequena, acrescentou um pouco de água e tentou dissolver e misturar o máximo que pôde. Voltou correndo para o quarto para alimentar o bichano.

- "Onde essa humana se meteu? Onde já se viu me colocar nessa caminha fedendo a gato de madame? Quem ela pensa que é pra fazer uma palhaçada dessas? Só porque me resgatou, se acha no direito de fazer isso comigo?" - Enquanto a dona da casa preparava a ração, o gatinho folgado miava sem parar, reclamando do seu novo paraíso. - "Além desse cheiro de gato de madame, também estou sentindo outro cheiro estranho. Parece cheiro de cou..."

- Voltei, coisa fofa. Olha o que eu trouxe pra você?! - Ana Júlia entrou no quarto com o alimento em mãos. - Vem aqui, vamos comer um pouquinho. - Falou ao pegar o pequeno animal no colo.

- "Huumm, até que o cheiro é bom, humana. Deixa eu provar." - A fome era tanta que o pequeno gato avançou sobre a vasilha de plástico, bebendo desesperadamente a ração úmida. - "Sério que você colocou água no sachê? Você me paga, humana, me aguarde."

- Você mia demais, gatinho. Até parece que está reclamando da comida. - Ana Júlia ria enquanto tentava controlar o desespero do gatinho esfomeado e impedir que ele derramasse tudo no chão.

Assim que o gatinho tomou toda a ração úmida, Ana Júlia limpou seu rosto e suas patinhas e deu aquela verificada para saber se era macho ou fêmea. Levantou o rabinho e, após muito analisar, deu o seu veredito: era macho, com certeza.

- "Humana, nem pense em fazer isso, respeite minhas intimidades, sua abusada."

- Você é macho, seu danadinho. Só assim para um macho entrar na minha vida, viu?! - Ergueu o gato na altura de seu rosto e encarou seus olhos expressivos. Foi impossível não lembrar do seu Pantera, que havia partido há menos de um mês. Uma lágrima teimosa caiu do seu olho. - Tenho certeza que foi o Pantera que te colocou no meu caminho hoje.

- "Quem é Pantera, humana? E por que você está com essa cara de choro? Não me encara desse jeito, assim eu amoleço." - Finalmente o gatinho parou de miar desesperadamente e começou a ronronar baixinho. A humana o colocou no colo e ficou fazendo carinho em seus pelos. Naquele momento, o felino percebeu que havia encontrado um lar, um colo e um amor para chamar de seu.

- Aleluia! Parou de miar. Até que enfim, seu pentelho. Eu me chamo Ana Júlia e, a partir de agora, serei sua família. Você vai se chamar Hércules, porque é amarelinho, rabugento e abusado igual ao Hércules do desenho.

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Hércules, além de rabugento e abusado, era muito astuto e, logo nos primeiros dias, percebeu que aquele cheiro peculiar em sua nova casa era de couro e que sua mãe era uma sap@tona convicta. Às vezes percebia que sua humana estava triste e pensativa demais e certamente iria chorar, seja por ter perdido o Pantera, o gato de madame, ou pelo chifre que levou da ex. Então, tratava logo de fazer alguma arte para chamar sua atenção e tirá-la da tristeza.

A cada dia que passava, gostava mais e mais da sua humana. Às vezes se irritava quando ela chegava em casa com cheiro de outros animais ou quando colocava água no sachê, mas nada que abalasse o amor entre eles.

Hércules adorava quando os amigos de Ana Júlia vinham visitá-la. Assim, recebia mais carinho e petiscos e ainda descobria algumas fofocas sobre a vida da humana.

- Pelo amor de Deus, Ana Júlia, vai fazer um ano que você não faz s3xo. Você precisa sair, trans@r, conhecer gente nova, beijar na boca. Não necessariamente nessa ordem, mas precisa fazer urgente. - Ângela, melhor amiga de Ana Júlia, disse após constatar que a amiga não havia ido no encontro orquestrado por ela.

- "Como assim, humana? Um ano? Mas não tem 6 meses que você terminou com aquela embuste da Raquel?"

- Viu só, até o Hércules está indignado com essa seca sua. - Danilo interveio, rindo do miado estranho que o gato em seu colo deu.

- Vocês são muito exagerados. Tem só 11 meses que estou sem s3xo e até agora não morri. Prefiro mil vezes ficar dois anos sem trans@r do que me envolver com outra canalh@ por aí. - Ana Júlia dizia sem graça, morrendo de vergonha de sua vida sexu@l ter se tornado tema da conversa entre os amigos.

- Peraí, gente. Mas o namoro não acabou tem uns seis meses? Como você está sem s3xo há 11? - Manuela, a amiga mais recente do grupo, questionou.

Ana Júlia respirou fundo e, munida das quatro long necks que havia tomado, resolveu colocar pra fora toda a angústia que sentia desde o término com Raquel.

- Bom, ontem fez seis meses que nós terminamos. Sei exatamente a data, porque nesse mesmo dia a gente "comemorava" dois anos de namoro. Em janeiro, ela foi transferida temporariamente no trabalho, ficaria em Curitiba por um mês, mas se tornou dois e depois três. Sempre que eu tentava me organizar para ir ver ela, ocorria algum imprevisto e ela dizia que era melhor a gente economizar e que logo voltaria. Daí, quando finalmente ela voltou, começou a me evitar. Só dormia aqui em casa quando estava menstruad@ e nunca gostou de fazer s3xo naqueles dias. Assim se passaram mais dois meses dela me enrolando e fugindo de mim de mil e uma maneiras possíveis. Até que no nosso aniversário, mesmo estando arrasada pelo Pantera, tentei fazer uma surpresa pra ela, mas a surpreendida fui eu quando vi ela e o novo chefe trep@ndo no sofá dela. Basicamente, foi isso. Mas hoje agradeço por ela ter evitado s3xo comigo, pois me sentiria pior só de imaginar que ela pudesse trans@r comigo depois de ter estado com ele.

- "Nossa, humana, que filha da put@ essa Raquel. Mas quem perdeu foi ela, fica triste não." - Hércules rapidamente pulou no colo de sua dona, recebendo seu carinho preferido.

A noite dos amigos foi longa e já eram 2h da madrugada quando o Uber chegou para levá-los para suas respectivas casas. Hércules já estava deitado na cama de Ana Júlia, esperando por sua dona para finalmente dormir. Ele já havia decidido: iria ajudar sua humana a encontrar um novo amor que valesse a pena. Certamente existia pelas redondezas alguma sapaton@, gente boa, honesta, bonita e que gostasse de gatos.

Fim do capítulo