Às dez da manhã Manuela foi acordada com o barulho insistente da sua campainha. Levantou da cama amaldiçoando quem quer que estivesse lhe incomodando àquela hora. Ela ia ter uma conversa com o porteiro depois, avisaria que quando ela chegasse às 5 da manhã não queria receber nenhuma visita às 10. Vestiu o robe enquanto saia do quarto para abrir a porta.

— Por que você não atende o celular Manuela? — falou Isabela, invadindo o seu apartamento antes mesmo de Manuela processar quem estava do outro lado da porta.

Isabela não estava sozinha, Amanda vinha logo atrás com uma cara de quem estava no meio de uma crise. Manu não estava entendendo nada, mas esperou Amanda entrar no apartamento, fechou a porta e foi tentar descobrir onde era o incêndio.

— Primeiro eu gostaria de dizer bom dia, é sempre um prazer recebê—las em minha casa. Agora você pode me explicar por que a sua mulher está assim histérica, Amanda?

— Desculpa a invasão, Manu. Nós estamos preocupadas com você. Onde você estava que não nos atendeu ontem?

— Eu tive um compromisso e desliguei o celular. Desculpa. – Manu explicou desconfiada – O que foi que aconteceu de tão grave?

As duas se entreolharam e voltaram a encarar Manuela que se sentava no sofá, pronta para ouvir uma explicação. Estava claro que ela não sabia sobre a chegada de Julia, existiam algumas pessoas que poderiam passar essa informação para Manu, aparentemente nenhuma delas havia conseguido.

— Você não conversou com o Pedro?

— Não, Isa. Para falar a verdade, ontem eu falei com a Amanda antes dela entrar na cirurgia, depois trabalhei o dia inteiro sem falar com mais ninguém e a noite, como vocês já sabem, eu estava indisponível.

— Ótimo. – disse Amanda se sentando sem saber como dar a notícia para sua amiga. – Senta aí, Isa. Manu, a gente tem que conversar.

Quando Amanda ia começar a falar a campainha tocou mais uma vez. Manu se levantou para abrir a porta e deu de cara com um Willian muito preocupado.

— Olá, meninas. Vocês ainda não falaram para ela? – perguntou Willian entrando na sala.

— Não. – elas responderam em uníssono.

— Ok, é oficial. Vocês já estão me assustando. Alguém me explica o que é que está havendo aqui? E você Willian, o que faz aqui? Você não devia estar em Fortaleza?

— Eu adiantei a minha volta depois do que aconteceu.

— E o que foi que aconteceu afinal? – Manuela tentava conjecturar o que poderia ter acontecido de tão grave. Pedro não estava presente, mas se fosse algo com o namorado de Willian eles não estariam tão calmos. Além do mais, se fosse algo de ordem médica com alguém, Amanda já teria dito. Ela passou menos de 24 horas sem falar com eles, boa parte do tempo era madrugada, não existia em sua cabeça algo que demandasse tanto drama e comoção em sua casa àquela hora da manhã. No fim ela estava genuinamente curiosa.

— A gente não sabia como dizer.

— Me deixa dar uma dica pra vocês, Isa. Falem de uma vez.

Os três se olharam cúmplices. Eles não sabiam como dizer a Manuela que a mulher por quem ela havia sofrido, aquela que havia partido seu coração, estava de volta. E pior que não saber o que dizer, era não saber como Manuela reagiria depois da notícia.

**

Julia estava amando estar de volta. Depois de tudo que tinha vivido naqueles seis anos, era bom sentir que as coisas finalmente estavam seguindo um rumo tranquilo. Ela sabia que certas coisas do seu passado jamais poderiam ser acertadas, por esse motivo tudo que ela esperava era recomeçar. Foi esse sentimento que fez ela voltar para o Brasil em primeiro lugar. Se ela estava reassumindo o controle da sua vida, e pretendia fazer tudo diferente dessa vez, nada melhor do que escolher a cidade onde havia sido mais feliz para fazê—lo. Julia foi acordada de seus devaneios com o toque do telefone. Era da recepção, sua amiga a esperava para tomar o café da manhã.

— Ju, eu não acredito que você está aqui. Que saudade. – Tatiane disse enquanto abraçava a amiga.

— Nem me fale em saudade, Tati.

Tatiane e Julia não se viam há quase dois anos, desde que Tati havia ido à Europa. Elas se abraçaram por um longo tempo e embarcaram em uma conversa nostálgica sobre a história da amizade das duas. Depois do café subiram para o quarto de Julia para continuar conversando.

— Julia, eu tenho que confessar que fiquei muito surpresa quando você me ligou há duas semanas pra dizer que estava voltando de vez pra cá. Me explica, como foi que isso aconteceu?

— Bem, eu resolvi mudar algumas coisas em minha vida depois do divórcio. Entre elas voltar a viver aqui, no Brasil, eu nunca me conformei em ir morar fora do país por tantos anos.

— Então você se divorciou mesmo? – Tati perguntou curiosa sobre o tema.

— De papel passado.

— E o que você pretende fazer agora?

— Eu quero abrir um escritório de arquitetura aqui. Afinal de contas, durante todos esses anos eu não deixei de me dedicar à arquitetura. Com a experiência que eu tenho, dos anos que trabalhei em Londres, acho que não vai ser muito difícil me arranjar.

— Com o seu talento e seu nome, querida, não vai ser nada difícil você se dar bem por aqui.

— Tomara que você tenha razão minha amiga. – Julia falou sorrindo.

— Sou capaz de apostar com você que eu tenho razão. E você sabe que qualquer acessória jurídica que você necessite eu estou totalmente à sua disposição.

— Que ótimo, viu!? Porque eu acho que vou mesmo precisar dos seus serviços como advogada.

— Ótimo, mas não vamos começar a falar de trabalho agora. A gente ainda tem muita coisa pra conversar até lá.

As duas passaram horas colocando os assuntos em dia. Embora Julia não tivesse explicado os termos e até contornado o assunto de forma sutil, ela havia deixado claro que estava divorciada, por isso Tatiane resolveu tocar em um assunto um pouco mais delicado.

— E esse coração? Ainda batendo pela mesma pessoa? – Tati falou com cautela.

Tatiane encarou a amiga consciente de que a resposta seria a mesma de todas as outras vezes. Rara eram as vezes que Julia falava o nome de Manuela ou qualquer coisa que se referisse a ela, mas sempre existiu uma compreensão velada entre as duas de que os sentimentos da arquiteta continuavam os mesmos.

Julia encarou a janela, olhou para o céu que mostrava um dia lindo lá fora. Tatiane sabia a resposta para aquela pergunta, o coração de Julia sempre bateria pela mesma pessoa.

— Isso nunca vai mudar?

— E você acha que eu já não tentei? Só eu sei o quanto eu quis tirar isso da cabeça. – Julia respondeu encarando a amiga e voltando a olhar a janela completou – Não importa o quanto eu mude com o passar dos anos. Não importa o quão distante a vida me leve. Não importa quantas novas pessoas eu conheça. Parece que nada e nem ninguém vai mudar isso.

Tatiane concordou silenciosamente com a amiga, ela era testemunha da verdade nas palavras de Julia. Depois de todos aqueles anos e todas as reviravoltas que a vida de sua amiga tinha tido, a advogada pesou mais uma vez se não era hora de falar sobre Manuela. Enquanto sua amiga sofria em outro país a tristeza de imaginar que nunca mais teria uma chance de viver seu amor, Tati se calou para não causar mais tristeza, mas agora Julia estava tão próxima de Manuela outra vez e não fazia a menor ideia que ela mesma, Tati, poderia ser o elo que faltava para aquele reencontro. Diante desse dilema, ela resolveu escolher o silêncio mais uma vez e esperar um momento mais oportuno para revelar que ela e Manuela conviviam e compartilhavam uma relação de cordialidade que existe entre aqueles que têm amigos em comum.

Fim do capítulo