Capitulo 3
ANJO E DEMÔNIO -- CAPÍTULO 3
Na sacada do prédio, Melissa encostou-se na mureta de segurança, olhando distraída para alguns convidados que caminhavam pelo jardim. Não demonstrou entusiasmo nem quando o vice-prefeito apareceu rapidamente, acompanhado de alguns vereadores. Ninguém parecia notar que ela estava na sacada, com uma taça de champanhe na mão. Suspirou, tomando um gole do espumante de altíssima qualidade. Sua amiga Valquíria saiu para o jardim, colocou as mãos na cintura e olhou para todos os lados, provavelmente procurando-a. Ela arqueou-se para frente, os braços apoiados na mureta, os pés em ponta, a cabeça para baixo, procurando uma melhor posição para chamar a amiga.
-- Não está pensando em se jogar daqui de cima, né?
A voz aveludada, logo atrás de si, assustou-a e ela se virou imediatamente.
Melissa se deparou com uma moça loira, muito linda e elegante.
-- Não estou pensando em me jogar.
-- Tem certeza?
-- Absoluta. Estava tentando chamar a atenção de uma amiga que passou lá embaixo.
Bruna olhou-a de cima a baixo, com uma estranha expressão nos olhos claros. A mulher à sua frente tinha um corpo estonteante. Os seios médios presos em um decote em v. Os quadris bem torneados e suas longas pernas, esguias e nuas, eram uma tentação.
-- Fico muito feliz em saber disso, seria um grande desperdício.
Melissa franziu o cenho.
-- Como assim?
-- Pensa. Uma mulher tão linda como você ficar toda estrupiada. Porque se você caísse primeiro com os pés, eles provavelmente virariam pó. Seus tornozelos desapareceriam. Seus joelhos ficariam apontando para direções diferentes. Seus braços quebrariam e os ossos da mão ficariam detonados. Seu punho partiria ao meio.
Melissa ficou aterrorizada. E ela disse tudo isso com o rosto iluminado com um sorriso!
-- Você é ortopedista?
-- Não, eu assisto CRIMINAL MINDS -- Bruna fixou sua atenção no rosto sério de Melissa -- Você é casada?
Melissa achou aquela pergunta meio estranha, então, preferiu mentir.
-- Sim, meu marido está lá dentro.
-- Hum -- Bruna resmungou, decepcionada -- Ele já deve estar preocupado com você.
-- Provavelmente está, quem ama cuida -- Melissa arrependeu-se do comentário bobo. E arrependeu-se mais ainda depois da resposta que recebeu.
-- Quem ama ch*pa gostoso. É minha opinião.
-- Acho melhor eu entrar -- disse sem jeito -- Já devem estar me procurando.
Bruna levantou uma das mãos e acariciou a bochecha dela.
-- Não vai não, tenho certeza que o seu marido deve estar se divertindo.
Melissa a encarou e tentou controlar a reação que teve ao ser tocada por ela. O perfume da moça provocava seus sentidos.Era bom demais!
-- Tudo bem, vai lá. Com uma mulher linda desse jeito, até eu teria o maior cuidado.
Apesar da garota manter uma conversa estranha, Melissa sentiu-se um pouco culpada por ter mentido.
-- Eu não sou casada, menti para você.
Bruna deu um sorriso indecifrável.
-- Que revelação maravilhosa! -- internamente ela comemorou como se fosse um gol do Fluminense -- Casamento é igual a circo: você é equilibrista, domador, mágico ou palhaço.
-- Não penso dessa forma. Casar é o sonho de toda mulher.
-- Agora você disse tudo. Casar é o sonho de toda mulher, não dos homens. Se você quiser fazer um test drive em mim eu topo. Vai que role uma química.
-- Peraí, entendi direito? Você está me paquerando? -- Melissa deu um passo atrás.
-- Lógico, você aí procurando o amor da sua vida, e eu nem estou me escondendo.
Melissa encarou-a irritada.
-- Era só o que me faltava.
-- Não falta mais, bebê -- Bruna sorriu.
-- Vou voltar para a festa -- quando chegou à porta que dava para o salão, ergueu os olhos e parou. Bruna estava parada à saída, com as mãos nos bolsos, os cabelos loiros sobre os ombros e um sorriso fatal. Ela parecia uma princesa, linda, misteriosa, de partir o coração. E não fazia ideia de onde surgiu aquela deusa. Os olhos verdes cristalinos a atraíram enquanto forçava a passagem.
-- Com licença, eu quero passar.
Bruna negou com a cabeça. Melissa ficou irritada.
-- Eu vou chamar a polícia, você não sabe com quem está falando.
Bruna calou-a colocando um dedo sobre seus lábios.
-- Confessa que você está achando essa festa de riquinhos uma bosta e que está bem mais divertido aqui comigo -- ela retirou os dedos de seus lábios -- Estou certa?
-- Sim. Não. Quero dizer -- Melissa agitou as mãos, como se quisesse recolher as palavras que falara. Ela pestanejou, percebendo o quanto estava agitada e juntou as mãos diante do corpo -- Sim, a festa está muito chata. Só que você está passando dos limites. Eu não sou lésbica, não gosto de mulheres, quero dizer, não assim do jeito que você gosta.
Bruna moveu-se, cruzando a curta distância até um garçom que passava.
Melissa não se moveu e permaneceu em silêncio enquanto Bruna pegava duas taças de champanhe da bandeja.
-- Desculpa se te assustei, é o meu jeito de ser. Champanhe? -- ela entregou o copo e certificou-se de que seus dedos a tocassem.
Melissa tomou um gole da bebida, esperando umedecer a boca que ficara subitamente seca. Não sabia por que ainda estava ali, só entendia que a inesperada presença dela a afetava.
-- Tudo bem, só pare de flertar comigo.
Bruna riu.
-- Flertar? Quem flerta é o meu avô, eu dou em cima -- ela disse afastando o cabelo de Melissa para trás da orelha -- Caramba, como você é linda!
Melissa revirou os olhos e se preparou para deixar a varanda. Bruna agiu rapidamente.
-- Espera, espera. Pronto, parei -- Bruna colocou-se à frente de Melissa, bloqueando-lhe a passagem -- Fica, prometo que não vou mais falar que você é a mulher mais linda e gostosa que conheci até hoje.
Melissa balançou a cabeça.
-- Que tal se começarmos pelo começo? quem é você? É turista?
-- Turista? Sério que tem gente que vem até aqui para conhecer maracujá roxo?
-- Nossa cidade não tem só maracujá, tem beleza natural, histórias, muita cultura e lindos visuais.
-- Você tem razão. Eu boto muita fé no desenvolvimento econômico local.
-- E ao atendimento das necessidades de seus habitantes -- completou Melissa, pronunciando orgulhosa o slogan de sua última campanha eleitoral -- Qual o seu nome?
-- Até que enfim te encontrei.
Melissa ouviu a voz da amiga e se virou.
-- Vem logo, estão solicitando a tua presença.
Melissa se virou para Bruna, um pouco decepcionada.
-- Vou ter que ir. Maracujá Roxo é uma cidade pequena, tenho certeza de que nos encontraremos em breve.
Melissa sentiu um frio no estômago quando Bruna se aproximou e a beijou no rosto.
-- Até mais.
Melissa estava totalmente despreparada para o beijo suave que ela deu em seu rosto, que chegou a derrubar a bebida. Sentiu um calor percorrer suas veias.
-- Até mais -- ela saiu caminhando devagar, olhando de vez em quando para trás.
Valquiria a puxou pelo braço.
-- Você tem que agradecer pelas doações, meu Deus, foi maravilhoso! Os Castros fizeram doações milionárias...
Bruna a acompanhou com o olhar enquanto ela adentrava ao salão. Fazia tempo que não conhecia uma mulher tão encantadora, tão sem vaidade ou malícia. E ainda por cima, tão linda. Será que ela teve noção do quanto a sua presença a afetou? Enfim, de nada adiantaria, provavelmente nunca mais se encontrarão. Bruna meneou a cabeça loira, e em seguida saiu à procura da irmã e de Gustavo.
Melissa colocou o copo vazio sobre a mesa e se dirigiu a amiga.
-- A festa está chata, estou indo embora.
-- Não está aguentando o ritmo, amiga?
Melissa ficou tentada a revelar que era justamente a falta de ritmo que a desanimou. Em vez disso, simplesmente sorriu e saiu para despedir-se dos convidados mais próximos. Valquiria a seguiu.
-- Me conta uma coisa, quem é a beldade que estava com você na varanda?
Melissa mordeu o lábio, contrariada, ao perceber que nem sequer sabia o nome da moça.
-- Eu não sei quem é, deve ser uma turista -- iria lembrar-se dela sempre que aspirasse a fragrância frutado do perfume Coco Chanel.
-- Tanto tempo naquela varanda e não sabe com quem estava conversando? Que absurdo! -- disse Valquíria, olhando-a de frente.
Melissa sorriu para ela e balançou a cabeça.
-- Isso pouco importa, a moça é simpática, mas provavelmente nunca mais nos encontraremos.
Assim que começou a caminhar pelo salão, sentiu o braço de Patrícia em sua cintura.
-- Sumiu, aonde estava?
-- Na varando, pegando um ar. O clima aqui dentro me sufoca.
-- Uma rica que não gosta de ricos, um pouco controversa essa sua implicância.
-- Não, não tenho implicância com ricos, minha implicância é com políticos. Tudo o que eles fazem é buscar eleitores, são mentirosos descarados e compulsivos.
-- Não generalize, acredito que deve existir alguns que pensam no bem estar da população.
-- Não acredito -- afirmou Bruna, convicta -- Bem, não vale a pena debatermos sobre isso. Vamos embora?
-- Claro -- respondeu Patrícia, com um sorriso.
Foi um alívio para Bruna quando chegaram ao hotel. Gustavo jogou-se no sofá passando a mão bela barriga.
-- Estou com desconforto, exagerei na comida. Se pudesse ter um superpoder, seria o de comer tudo o que quisesse sem ganhar peso. Seria o Super Comilão.
-- Fica esperto Gustavo, daqui a pouco sua barriga de tanquinho vai virar barriga de barril.
-- Não me preocupo, amanhã eu vou correr na esteira como se eu estivesse fugindo dos boletos e fica tudo bem.
-- Não precisa correr na esteira -- disse Bruna -- Amanhã você vai limpar a sepultura abandonada.
Gustavo pulou do sofá.
-- Nãooo... Eu não vou -- ele berrou desesperado -- Eu tenho medo. Eu imploro.
Mas a expressão no rosto arrogante de Bruna não transparecia emoção alguma além de autoritarismo.
-- Vai e ponto final. Eu prometi para a dona Anita. Ela vai ficar muito agradecida por você limpar a sepultura do parente dela.
-- Não estou preocupado com a gratidão dela, estou preocupado com a gratidão do defunto morrido. vai que ele resolva agradecer pessoalmente.
-- Larga de ser frouxo.
-- Ah, é? Fala isso porque não é você quem vai enfrentar espíritos desencarnados e afins.
Patricia observava sem entender nada. Bruna balançou a cabeça. Em seguida, sentou-se ao lado dele no sofá.
-- Não se preocupe, eu vou com você.
Gustavo virou o rosto para o outro lado.
-- Grandes coisas a sua presença, preferia o padre Fábio de Melo.
-- O que vamos fazer agora? -- perguntou Patrícia.
-- Não sei -- respondeu Bruna, evasiva.
-- Vamos tomar o suco de maracujá roxo que eu ganhei do pessoal da prefeitura?
-- Pode ser.
Patricia aproximou-se com dois copos cheios até a borda. Ela estendeu um para Bruna e outro para Gustavo.
-- Saúde.
-- Para você também -- Gustavo apontou para o sofá -- Senta aqui.
Patricia bebeu um gole do suco e abriu uma lata de biscoitos. Em seguida, sentou-se ao lado dele no sofá.
-- Quer?
-- Muito obrigado -- disse Gustavo, apanhando um biscoito.
-- Não estava passando mal? Já vai comer de novo!
-- Ah, tô nem aí. Eu perdi peso no mês passado.
-- Mas pelo jeito este mês encontrou de novo -- disse Bruna, pegando um biscoito.
-- Você lembra Bruna de nossos passeios na casa da vovó, quando o papai pegava férias?
-- Se lembro! Ela contava mil histórias de fantasmas -- para Bruna, aquele tempo tinha sido o mais precioso de sua vida. As visitas à fazenda dos avós eram sempre no final de ano e causavam nela uma grande emoção. -- Você era uma criança chata, Bruna. Não parava de fazer perguntas
Gustavo deu uma risada bem-humorada e encarou-a de relance com o canto dos olhos.
-- Hoje ela não faz muitas perguntas, mas continua chata.
Bruna voltou-se e encarou-o com uma fisionomia séria.
-- Você quer morrer ou ir para o quarto?
Gustavo tomou um gole de suco e dirigiu um olhar oblíquo a Bruna.
-- Prefiro ir para o quarto, tô com sono mesmo -- ele bebeu o resto do suco e colocou o copo vazio em cima da mesa -- Boa noite, Patrícia -- ele desviou o olhar para Bruna e resmungou -- Boa noite, só para as queridas.
Bruna apenas sacudiu a cabeça e deu de ombros. Estava aborrecida demais e sem paciência para praticar o seu passatempo preferido que era pegar no pé do Gustavo. Não se perdoava por não ter perguntado, pelo menos, o nome da mulher que conheceu no evento. Ela era muito linda, mas não tinha a mínima ideia de quem pudesse ser.
-- No que você está pensando? -- Patricia inclinou a cabeça e olhou, curiosa, para a irmã.
-- Ah, desculpe. Eu estava distraída.
-- Pensando em que? -- insistiu Patricia.
-- Pensando em uma mulher que conheci lá no evento.
-- Que legal! -- exclamou Patrícia com animação, inclinando-se para trás e encostando a cabeça no sofá -- Apesar de eu estar torcendo para que você e a prefeita se esbarrassem no salão. Ela é uma mulher tão admirável, parece forte, um pouco antiquada, mas até certo ponto normal para quem vive em uma cidade do interior. Queria tanto que você a conhecesse.
Bruna serviu-se de outro copo de suco e começou a falar com animação da mulher que havia conhecido.
-- Você fala isso porque não viu a gata que eu conheci na varanda. Pensa numa mulher bonita. Pensou? Agora multiplica por dez. É ela. Em uma mulher dessa eu até faço massagem nos pés, depois de vinte e quatro horas de sapatos -- o olhar irritado do início deu lugar a um sorriso aberto, divertido.
-- Poxa, eu nunca ouvi você falar tão bem de uma mulher. Quem é ela? Como se chama?
Bruna coçou a cabeça.
-- Eu não perguntei o nome dela.
-- Não posso acreditar que esteja falando sério -- falou Patrícia, sem conseguir disfarçar o espanto -- Você me diz que conheceu uma pessoa maravilhosa e sequer perguntou o nome? Quem é você, o que fez com a minha irmã? Devolva ela!
-- Idiota -- Bruna deu um tapa em seu ombro -- O papo estava tão bom que me esqueci.
-- Que pena, mas ainda acho que você iria gostar da prefeita.
-- Para com isso, eu odeio essa mulher homofóbica, odeio esse povo homofóbico e odeio políticos -- e, de repente, Bruna levantou-se, recuou, contornando a mesinha de centro -- Não quero mais ouvir você falar nesse assunto.Tenho uma boate para inaugurar e essa mulher é a minha inimiga número um.
Patrícia levantou a cabeça para encarar a irmã e fez uma careta.
-- É, você tem razão. Ela é contra o nosso projeto e temos uma guerra judicial pela frente.
-- Agora você disse tudo -- Bruna se deu por satisfeita e encerrou o assunto -- Vou dormir... Amanhã tenho que acordar cedo para ir ao cemitério.
-- O que? -- Patrícia olhou-a curiosa -- O que você vai fazer no cemitério? Pensei que o que você falou para o Gustavo fosse brincadeira.
-- Não era brincadeira. Vou até o cemitério cumprir uma promessa que fiz a uma senhora, amanhã eu te conto com detalhes.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]