Nunca Te Amarei -- Capítulo 36

Abalada, Kristen escorregou até o sofá. Até aquele momento, ela estava convencida de que tinha sido enganada por sua namorada gananciosa e agora acabou de descobrir que além de tudo Eduardo é o seu irmão. Kristen sentiu uma raiva que a fez estremecer. 

-- Compreendo que você sinta amargura pelas mentiras dela -- Francesco se virou e olhou-a com um olhar terno.

-- Eu jamais devia ter acreditado nela. Ela deve ter zombado muito quando eu falava de minhas esperanças, meus planos e minhas emoções.

-- Não diga isso, existem feridas entre vocês que provavelmente jamais cicatrizarão, mas nem por isso seus sentimentos deixarão de existir.

-- Para o senhor as coisas parecem tão simples.

-- Viver é enfrentar um problema atrás do outro. O modo como você o encara é que faz a diferença. Você acabou de ganhar um irmão, isso é maravilhoso. A Luciana me contou que ele ama o surf da mesma forma que você ama. É um garoto educado, lindo e vai ser o seu companheiro para o resto de suas vidas. O que mais você quer? Esqueça por um momento a Luciana, vai curtir o teu irmão. Lembre-se: tem coisas que levam tempo e tem outras que o tempo leva. Deixa o tempo curar as feridas entre vocês duas, mas não perca tempo em amar o seu irmão.

Luciana abriu os olhos por um instante e levou as mãos ao rosto. Então Jefferson estava ao seu lado, com as mãos sobre a cama. Ela olhou para cima, tomada por uma terrível sensação de vazio.

-- Porque ainda está aqui? Quero ficar sozinha. 

-- Não precisa me agredir -- a expressão de Jefferson era velada, mas não dura ou sarcástica -- Eu não tenho culpa de nada, muito pelo contrário, sempre te aconselhei a falar a verdade.

Ela parou, recordando-se de tudo. Olhou para o amigo. Uma dor profunda envolveu Luciana, tão aguda que ela não sabia se conseguiria suportar. Sua voz tremeu com a força da emoção:

-- Vai embora, Jefferson. 

Ele não se moveu por um longo momento, e Luciana rezou para que ele fosse. Precisava ficar sozinha.

-- Por favor.

Jefferson balançou a cabeça concordando e quando finalmente saiu, ela virou a cabeça para a parede oposta e chorou pelo passado que tinha sido de sucessivos erros. Mas sabia que também estava chorando por alguma coisa muito mais perturbadora. Estava tudo acabado. Kristen, com tudo o que aconteceu, não hesitaria em expulsá-la de sua vida. O jeito como ela a olhou ontem a devastou, banindo qualquer dúvida de que ela pudesse perdoá-la. E Luciana chorou ainda mais ao reconhecer que o tempo que passou com Kristen foi maravilhoso. Agora era tarde demais.

Kristen andava de um lado pro outro da sala, como se isso ajudasse a acalmar o seu sofrido coração. Porque, como podia se sentir tão arrasada por romper com uma mulher que só soube mentir?

Uma emoção a percorreu, abalando-a com força. Era a mesma sensação de impotência e raiva que experimentara ao olhar para o corpo morto de seu pai. Era dor. E, por um segundo, inundou-a como uma onda gigante, ameaçando destruí-la. Tal sentimento a pegou de surpresa e a abalou mais do que qualquer outra coisa, porque, pela primeira vez, teve de admitir que a amava loucamente. As palavras de Lorena lhe voltaram à mente: "Luciana foi amante do seu Arthur durante anos". A dor aumentou com o pensamento de tal cenário.

O telefone tocou. Como se saísse de um transe, Luciana olhou para o relógio. Sete horas da manhã. O tempo tinha passado e não havia percebido. O telefone continuava tocando. Ela estendeu a mão e atendeu à chamada:

-- Alô, bom dia. 

-- Ainda bem que você ainda está em casa! -- quem se encontrava no outro lado da linha era Jaqueline.

-- O que aconteceu, Jaque?

-- Eu que te pergunto, o que aconteceu, mulher? Acabo de receber a sua carta de demissão.

Luciana respirou fundo.

-- Sim, pedi demissão. Já entreguei meu pedido ao Recursos Humanos, com meus motivos. 

-- Você não pode fazer isso! Você é louca, como vai se sustentar e sustentar o teu filho?

-- Eu me viro, não se preocupe. Amanhã mesmo vou procurar outro emprego, a Donati não é a única empresa do Rio de Janeiro. 

-- Tem certeza que é isso mesmo que você quer, amiga? 

-- Tenho, Jaque. Vou sentir muita falta de vocês, mas é necessário que eu saia, não tem mais clima. Além disso, acredito que se eu não fizer isso, a Kristen fará. Então, estou apenas antecipando.

-- Se você está decidida, só me resta apoiá-la. 

Após combinarem um café para a semana que vem, Jaqueline desligou o telefone. 

Luciana sentia uma surpreendente sensação de liberdade, para alguém agora desempregada. Não podia mais trabalhar na construtora, precisava estar longe para tentar se livrar da tristeza e culpa que sentia. 

Estava sentada à mesa na cozinha, a comida intocada. No momento, não queria comer, nem conversar, por isso, ficou irritada quando Laura sentou-se ao seu lado.

-- Pediu mesmo a demissão?

Empurrando o prato, Luciana pegou a caneca de café, querendo que a deixasse com a sua tristeza. 

Em vez disso, Laura perguntou: 

-- Não tem mais jeito mesmo? 

-- Não. 

-- E você vai deixá-la ir sem lutar? 

O tom incrédulo de Laura fez com que a olhasse.

-- E o que você pensa que eu devo fazer? A Kristen precisa de um tempo para digerir o meu passado.

-- Se fosse eu me jogaria aos seus pés e pediria perdão, chorava, gritava, esperneava, sei lá, mas não desistiria tão fácil.

A raiva de Luciana aumentou, ameaçando explodir. Sentia-se sentada diante de um júri que a condenava por algo que não tinha como modificar. Ela cruzou os braços sob os seios e encostou-se na cadeira.

-- Eu não vou fazer nada disso, se um dia ela quiser voltar, terá de ser por vontade própria. Não posso mudar o passado e mesmo que pudesse não mudaria por completo, tenho um filho que amo mais que tudo na vida, fruto do meu relacionamento com o Arthur. O meu maior erro foi não ter falado a verdade.

-- Não estou dizendo para arrastá-la para cá. Precisa convencê-la com palavras e atos. Deixe-a saber o que você sente.

-- Ela sabe que a amo. Portanto, preciso esperar que ela me perdoe e volte espontaneamente.

Laura suspirou frustrada.  

-- Inferno, mana, você não pode esperar. Vá até ela. 

Luciana não conseguiu conter um sorriso. 

-- E o que eu digo a ela? 

-- Vou ter de dizer? Você a encontra e diz que quer voltar com ela, a menos que não a ame, mas duvido. Está escrito em seu rosto. 

-- Claro que a amo e ela sabe disso.

-- E ela também está apaixonada por você. 

Luciana não conseguiu esconder a curiosidade. 

-- Ela disse isso?

-- Caramba, mana, nem precisava dizer. Eu podia ver em cada vez que ela olhava para você. Em cada vez que vocês se olhavam. Nunca conheci duas pessoas mais tolas e teimosas. É hora de ambas se livrarem do orgulho e irem em frente. 

Surpreendendo Laura, Luciana pousou uma das mãos na dela. 

-- Você tem razão. Eu vou procurá-la, mas não agora. Por hora vou me empenhar em colocar a minha vida no prumo. 

-- E se preparar para a guerra.

Luciana olhou-a sem entender o que aquela frase significava.

-- O que quer dizer com isso?

-- Você realmente acha que os Donati vão fazer de conta que o Eduardo não existe? Ele é um herdeiro que pode exigir os seus direitos a qualquer momento. O que a Donatela fará quando souber?

Donatela ergueu-se lentamente, com o rosto pálido e as mãos trêmulas. João Vitor se calou imediatamente, Donatela deu um soco na mesa.      

-- Desgraçado! -- disse ela, com os olhos cheio de ódio -- Traidor maldito. Estou feliz que tenha morrido -- ela fez um enorme esforço para não desmoronar ali mesmo -- Porque me escondeu isso, João?

-- Eu não tinha certeza -- mentiu -- Eram apenas fofocas de chão de fábrica.

Uma enxurrada de perguntas, acusações e exclamações raivosas tomou conta do ambiente. Donatela não se conformava. Não era de se estranhar que seu marido tivesse se envolvido com uma mulher mais jovem, mas fazer um filho, isso já era demais.

-- Quem poderia imaginar uma coisa dessas? -- disse Donatela, num tom de voz raivoso -- O velho babão tem um filho! -- ela fechou os olhos, desgostosa. Não porque seu marido teve um caso, tampouco pelo fato de ser uma mulher mais jovem, mas sim por tê-la engravidado.

Ela puxou a cadeira e sentou-se, determinada a não permitir que aquela raiva a dominasse. Olhou diretamente para João Vitor.

-- Nós temos que fazer alguma coisa -- disse Donatela -- Mas não agora. Tenho que pensar, criar um plano perfeito. Se ela pensa que vai se dar bem com o manjado golpe da barriga, está muito enganada. A Construtora Donati só tem uma herdeira, que é a minha filha!

-- Bom dia -- Rick sorriu para Kristen, mas recebeu de volta um olhar frio.

-- Só se for para você -- resmungou, continuando a olhar para o celular. Era evidente que não queria conversar. Rick serviu-se de café e sentou-se ao lado dela. De repente, ele sentiu os olhos de Kristen sobre ele e percebeu que estava furiosa. Assustou-se, sabendo muito bem a razão da irritação dela. Sem conseguir enfrentar seu olhar, baixou os olhos e tomou mais um gole de café.

-- Quais os seus planos para hoje? Vai sair?

-- Eu tenho uma empresa para dirigir. 

-- Nunca se importou com isso -- resmungou Rick, corajosamente. 

Kristen se recusou a responder ao comentário. Pegou o celular e se levantou.

-- Não esqueci o que você fez. Pensa que vai ficar por isso mesmo? -- ela disse. Depois saiu, sem esperar por uma resposta.

Kristen chegou na empresa meia hora depois e seguiu direto para o escritório. Aquele era o seu santuário particular, o lugar onde ela encontraria a necessária privacidade para esmurrar uma parede sem ter ninguém como testemunha. Diria a Jaqueline para suspender todos os telefonemas e reuniões e se dedicaria tão somente a avaliar a situação e pensar no que faria de agora em diante. Com certeza, seria capaz de controlar o seu mau humor e superaria a insanidade de se apaixonar pela amante do pai. 

Kristen ignorou o sorriso sem graça de Jaqueline. A temperatura de seu sangue se elevava à medida que se aproximava do lugar onde Luciana trabalhava. Estava esperando vê-la ao cruzar a primeira porta, concentrada nos papéis com a costumeira eficiência que já vinha demonstrando há alguns meses, desde que ela a havia promovido do Departamento Financeiro, mas a mesa de Luciana estava vazia, embora o relógio já marcasse nove horas. 

Seguiu direto até a sua sala, resistindo à vontade de jogar o vaso de flores que estava sobre a mesa dela contra a parede. Inspirando profundamente, ela fechou a porta sem ceder à tentação de batê-la com força, xingando baixinho ao expirar. Sem perder tempo pegou o telefone e chamou Jaqueline. 

A secretária apareceu em segundos.

-- O que deseja?

Kristen esfregou as mãos nervosamente.

-- Quero que providencie junto ao RH, a demissão da funcionária Luciana, para hoje mesmo.

Jaqueline olhou para ela e franziu o cenho surpresa.

-- Não tem como demiti-la, a Luciana pediu demissão hoje logo cedo. Ela enviou a sua carta por email para o RH.

Kristen engoliu em seco, muito irritada.

-- Como assim? Eu é que queria demiti-la.

Fim do capítulo