Capitulo 21
Lívia Duarte
- Oi Lívia. - Ela se aproximou e me cumprimentou.
- Oi. - Falei baixo. Estava desconfortável.
- A tia Yana vai nos ajudar na mudança, mana. - Gabriel falou enquanto abraçava um lado da perna da minha amiga.
- E ela também fez lasanha para o nosso almoço. - Meus irmãos pareciam muito empolgados com a presença de Kimi. Era bom ver eles sorrindo de novo.
- Que bom meus amores. - Falei enquanto todos sentavam a mesa. Tentei ignorar o olhar de Kimi sobre mim. Não estava pronta para encará-la. Não imaginava que ela poderia estar aqui. Não sabia que ela manteve contato com Clara e muito menos com os meus irmãos. Tão pouco estava chateada com isso, eles estavam claramente felizes com a presença dela. O que me incomodava era esse clima estranho entre nós.
- Crianças, é para comer tudo tá? Daqui a pouco vocês vão dormir. - Clara falou enquanto colocava o almoço para os meus irmãos. - Meninas, fiquem a vontade. Sintam-se em casa. O quarto de hóspedes está organizado para vocês. - Minha mente me levou para a cama de solteiro, a qual eu e Kimi compartilhamos da última vez que estivemos aqui. Apesar de já ter dormido inúmeras vezes na mesma cama que minha amiga, dessa vez me sentia estranha e até um pouco nervosa.
- Obrigada Clara, não precisa se preocupar. Estou aqui para ajudar. - Kimi falou. Ela parecia tão indiferente a mim. Era estranho, estava sentindo sua falta. Mas eu não iria falar isso pra ela. Afinal, ela que resolveu contratar Samantha. Só que imaginar eu e Kimi compartilhando a mesma cama, me deu um enorme frio na barriga. Já fizemos isso tantas vezes que perdi a conta, mas nunca estávamos brigadas e muito menos eu me sentia desse jeito.
O almoço estava ótimo, como tudo que Kimi cozinhava. As crianças ficaram muito empolgadas perguntando sobre como era a nova casa onde iriam morar e a escola onde iriam estudar. Foi bom, pois eles preencheram o desconforto que eu estava sentindo.
Após o almoço, Kimi foi para o quarto dos Gêmeos, eles insistiram para ela contar histórias antes deles dormirem.
- Você não deve sentir ciúmes. Seus irmãos te adoram. - Clara comenta. Acho que ela percebeu meu olhar em kimi e interpretou errado.
- Oh, não estou com ciúmes. - Sorri com vergonha por ela me pegar encarando a porta por onde minha amiga passou a alguns segundos. - Na verdade, eu gosto de ver os três juntos.
- Eles são uma graça, a Yana sabe como deixar tudo mais divertido. - Clara tirou os pratos da mesa. Logo a imitei e colocamos tudo na pia. Resolvi mudar de assunto. Falar sobre Kimi, não era uma zona segura pra mim naquele momento.
- Eles são uma graça mesmo. - Fiquei um tempo calada antes de tomar coragem para dizer. - Como vocês estão lhe dando com... Você sabe... Sem o papai?
- Todo dia é uma luta. Está tão recente. Sentimos muito a falta dele, mas é diferente para as crianças. O seu pai me preparou para o que estava para acontecer, vi ele sofrendo muito nos meses de tratamento. Claro que nunca estive realmente preparada para quando ele partisse, mas para as crianças está sendo pior, é uma grande mudança na vida deles. O Fernando era tudo para os nossos filhos.
- Mas eles têm você também. Está tudo muito recente, sei que a saudade não vai diminuir, mas com o tempo vai ficar mais suportável.
- Obrigada Lívia. Não sei o que faria sem a sua ajuda, sei que não está sendo nada fácil para você. Fernando tinha acabado de voltar para a sua vida e essa tragédia aconteceu. Como você está se sentindo? - A sua pergunta me pegou desprevenida.
- Estou bem, não parei muito para pensar nisso. - Não queria falar sobre meus sentimentos, nem sabia como estava me sentindo sobre vários assuntos, e esse era um deles. - Não é que eu não me importe, não me leve a mal, eu só não entendo o que sinto.
- É normal minha querida. Foram muitas informações para processar. Você deve levar o tempo que precisar e saiba que pode contar comigo.
- Obrigada, Clara.
- Posso te pedir uma coisa. - Ela parecia envergonhada.
- Pode, claro.
- Posso te dar um abraço?
- Sim. - Ela me abraçou e não me senti desconfortável, pelo contrário, tudo pareceu muito certo. E no fim sabia que eu precisava daquele abraço tanto quanto ela.
Yiana Kimi
As crianças não demoraram a dormir. Aproveitei para ir até o quarto de hóspedes e tomar um banho. Precisava colocar minha cabeça no lugar, não estava pensando direito quando aceitei vir ajudar na mudança, poderia ter contratado pessoas para ajudar, assim não teria que encontrar com Lívia. Como fui burra, é claro que ela viria também, e a verdade é que eu também queria vir. Clara e os gêmeos se tornaram muito especiais pra mim, não podia deixar de estar aqui só porque eu e Lívia estávamos brigadas.
Após o banho, troquei de roupa e resolvi ir até a sala. Clara e Lívia estavam organizando algumas coisas.
- Yana, você está aí, as crianças demoraram muito a dormir? - Clara falou ao notar minha presença.
- Foi bem tranquilo. Eles são uns amores. - Olhei de canto de olho para Lívia que parecia entretida com sua arrumação. Ela não estava muito disposta a me encarar. Tudo bem, porque eu também não estava.
- Que bom Yana, você pode me ajudar a encaixotar esses livros? - Clara apontou para uns livros que estavam espalhados na sala.
- Posso sim. - Me aproximei e comecei a ajudar.
A tarde passou lentamente enquanto arrumávamos o máximo de coisas possíveis. Não falei muito, não sabia o que dizer. Era estranho porque há uns dias atrás, nunca existiu clima tenso entre mim e Lívia. Me peguei pensando em pedir desculpas, mas que culpa eu tinha, estava contratando uma secretária e Sam se candidatou. Ela é uma boa funcionária, será que Lívia não podia aceitar isso?
- Você pode me passar a fita? - Lívia falou.
- Claro. - Entreguei a fita para ela fechar uma das caixas.
- Obrigada. - Ela se manteve calada. Eu também não iria falar. Estava farta de resolver tudo, quem sabe não fosse melhor essa distância. - Não sabia que viria ajudar na mudança. - Fiquei surpresa ao ouvir Lívia comentar.
- A Clara me pediu e eu queria vir também. - Falei a verdade. Lívia não disse nada por um tempo. Achei que ela tinha encerrado o assunto com a minha resposta, mas estava enganada.
- Desculpa.
- O que?
- Desculpa por ter surtado por causa da Samantha. - Ela parecia realmente sincera. O que me surpreendeu.
- Tudo bem. - A olhei, enquanto ela embalava alguns porta retratos.
- Você só vai dizer isso?
- Como assim?
- Nada, esquece. - Ela virou e seguiu para o outro lado da sala.
- Espera, o que você quer que eu diga? Você não pode controlar quem eu contrato para a minha empresa. - Falei sem pensar e na mesma hora me arrependi. Lili balançou a cabeça negativamente, e vi quando seus olhos brilharam de raiva. Agradeci por Clara estar em outro cômodo.
- Sabe, achei que você tivesse mais consideração por mim. Já te contei infinitas vezes sobre como Samantha implicava comigo e você sabe o quanto a detesto. E mesmo assim, você finge que não sabe de nada. Mas você tem razão, eu não devo me meter nas suas decisões, nem em nada da sua empresa. - Ela falava com uma mágoa.
- Ela é só funcionária da minha empresa Lívia, não tem nada demais. Ela estava precisando do emprego e trabalha muito bem. Sei que vocês não se dão bem, mas o que vai te afetar ela trabalhar pra mim?
- Tudo, você não percebe que ela se joga pra você ou que sempre arruma uma desculpa para ficar te tocando? - Lívia alterou um pouco a voz.
- Você está com ciúmes? - Essa era a única explicação que faria sentido pra mim.
- Não sei, não sei o que está acontecendo comigo, não sei o que estou sentindo. - Lívia virou o rosto para não me encarar, foi então que eu percebi a angústia nas suas palavras. Ela estava com os olhos marejados. Aquilo cortou meu coração. Odiava ver Lívia triste, principalmente, por minha causa. - Lili... - Não consegui falar mais nada, pois Clara voltou para a sala.
- Meninas, desculpa eu estou interrompendo? - Clara disse.
- Não Clara, está tudo bem. Eu queria saber se posso ajudar na arrumação da cozinha, já aproveito e faço um lanche para nós. - Lívia falou já indo em direção a porta.
- Tudo bem Lívia, fica a vontade. - Ela nem esperou Clara terminar de falar quando saiu.
- Está tudo bem Yana?- Clara me perguntou.
- Está sim. - Não falei muito, estava com vontade de ir atrás de Lívia, perguntar o que estava acontecendo.
Ela tinha ciúmes de mim, mas isso era normal. Lili sempre teve ciúmes, ela não gostava de compartilhar os amigos dela. Mas ela nunca ficou chateada comigo por conta disso, e só nos últimos tempos essa já era a segunda vez.
Lívia Duarte
Quase corri em direção a cozinha, as lágrimas insistindo em cair, minha respiração estava descompassada. Estava com raiva e ao mesmo tempo magoada. Não reconhecia a Kimi, ela nunca foi tão séria e fria comigo. Não estava acostumada a lhe dar com esse seu lado. Sentia falta da sua versão carinhosa e mansa.
Não demorou muito para perceber que não iria conseguir dividir o quarto com Kimi, me sentia totalmente deslocada. Era horrível a sensação de estranheza, em um dia eu estava compartilhando meus mais profundos segredos com ela e agora, mal consigo encará-la.
Ao mesmo tempo sentia falta da nossa cumplicidade, só com ela me sentia segura. Nesses 5 anos, nos tornamos cada dia mais unidas. Ela me ensinou a dirigir e não brigou comigo quando bati o seu carro em uma mureta, pelo contrário, ficou super preocupada perguntado se estava tudo bem. Ela estava comigo quando consegui uma vaga na editora que sempre sonhei trabalhar, para comemorar me levou para jantar e depois me escutou falar por horas sobre o quanto era incrível essa oportunidade. Ela estava lá quando eu desmoronei por causa do meu pai, ela ficou comigo quando ele morreu. Talvez eu estivesse sendo muito egoísta em ficar chateada com ela por conta de Samantha.
- Lívia, podemos conversar? - Me assustei quando Kimi entrou na cozinha.
Balancei a cabeça em afirmação e a segui até o quintal. Sentamos em um banco improvisado que dava de frente para uma pequena Horta, Clara já havia mencionado que gostava de cultivar hortaliças.
Tentei não transparecer o acúmulo de sentimentos misturados que estava sentindo, mas era impossível me manter calma, ainda mais perto da Kimi, que me conhece tão bem.
- Me desculpa por ter sido grossa agora a pouco. Não devia ter falado daquele jeito com você. - Sua voz mostrava arrependimento.
- Sinto falta de quando as coisas eram fáceis entre a gente. - Admito.
- Eu também sinto, não quero mais brigar.
- Nem eu. - Estava farta, tudo que queria era minha melhor amiga de volta. Pela primeira vez, foi estranho pensar nisso. Há dias estava sentindo coisas que nunca senti, e ao mesmo tempo minha cabeça estava uma confusão. Mas de alguma forma, chamar Kimi de amiga, não fazia tanto sentido. E não porque ela não fosse minha amiga, mas sim porque não era a palavra mais adequada para expressar o que eu estava sentindo.
- Levanto a bandeira Branca, vamos apenas esquecer de tudo e aproveitar esse tempo que estamos tendo longe de toda a correria que está a nossa vida. - Kimi, propôs.
- Tudo bem, só por esses dias não quero pensar em nada relacionado as nossas vidas em Santa Catarina e nem nos problemas.
- Fechado. - Kimi estendeu a mão e selamos nosso acordo.
Foi bom sentir seus braços em volta do meu corpo quando ela me abraçou. A sensação era de estar em casa. Me senti segura.
Fim do capítulo
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