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Manual de Sobrevivência a Encontros Familiares por Lily Porto

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Palavras: 7994
Acessos: 498   |  Postado em: 29/02/2024

Notas iniciais:

 

Possui xingamentos, falas LGBTQIAPNfóbicas, violência física e verbal, importunação sexual.

Capitulo Único

Apesar de adorar o mar, hoje não é um bom dia para estar por cá. Sábado de sol e estou sentada em uma cadeira de frente para o mar de Arembepe, região metropolitana de Salvador, na Bahia. Muitas pessoas dariam tudo para estar no meu lugar agora, eu sei. Eu mesmo em outros momentos daria, mas hoje sinceramente não queria estar aqui.

  Preferia estar jogada na minha cama, suando bicas e com o ventilador ligado, praticamente, em cima da minha cara.  Mas a quem diga que família é sagrada e que se faz necessário passar algum tempo de qualidade ao lado dela. Tudo isso é lindo na teoria, mas na prática é uma bosta, principalmente se tratando da minha família.

 

— Olha que gostosa aquela ali. — Cutucou o braço do Pablo.

— Qual, mano?! Aquela de biquíni florido?

— Não! Parece até que é viado, porr*. Aquela lá ó — apontou com o queixo para a esquerda — com o biquíni enfiado no cú. — Deu um peteleco na cabeça do homem à minha frente. — A mina de biquíni florido é uma baranga. E olha, baranga por baranga eu fico com a minha mesmo, — gargalhou — não é Márcia?

 

A mulher bem a frente de nós levantou o dedo do meio para ele e soltou uma lá ela - que equivale a palavra desgraça - dizendo para ele a deixar em paz.

 

— Nossa, que papo ótimo esse de vocês. Paulo, vê se cresce e então respeita a tua esposa, pelo menos.

 — Lá vem a palestrinha encher o saco. Fica na tua, Paola. Ou vai dizer que tu não curtiu a paisagem também?! — a mulher que eles secavam passava ao nosso lado. — Ô lá em casa, hein?! — coçou a região íntima — Gostosa pra caralh*! — Comeu a mulher com os olhos encarando-a por cima dos óculos escuros e lambendo os lábios.

 

A mulher se incomodou com a abordagem tosca, reduzindo-a a um pedaço de carne ou objeto para satisfação alheia e com razão. Fechou a cara e, depois de tomar certa distância da nossa mesa, soltou um "vá tomar no cú".

 

— Que nojo de você, Paulo. Aff.

— Qual foi, sapatão? Vai dizer que não gostou da piranha. — Ainda olhava pra trás na direção em que a moça andava.

— Não ferra! Já te falei pra não me chamar assim. Falta de respeito da porr*.

— E tu é o que? Uma mulher que fode com outra é chamada de que se não sapatão? — Revirei os olhos indignada respondendo irritada. 

— Falei que essa ideia ia ser uma bosta. Melhor eu pegar meu caminho. — Tentei levantar, sendo detida por Eduardo.

— Onde pensa que vai, maninha? — Pôs uma latinha de cerveja na minha frente. 

— Não, muito obrigada. Vou embora daqui a pouco. Não tenho estômago pra essa merd*.

— Ah, mana, qual foi? É aniversário de mainha. Ela só pediu para que passássemos o fim de semana com ela. Coisa pouca.

— Cansei, na moral.

— Larga a mão de ser estraga prazer. Fica aí. Mainha só faz aniversário uma vez no ano e você ainda fica fazendo cena pra permanecer no evento.

— Paulo, não ferra. Dá uma segurada. 

— Qual foi, viado? A sapatão da família faz a cena e eu levo a fama. Se fuder, viu?

— Pablo, não adianta. Esquece! Esse idiota não vai crescer nunca.

 

O bate boca entre nós começou outra vez, falei que achava essa ideia péssima. Tentar nos manter perto por menor que seja o tempo só dá nisso. 

 

— Já chega, trio do “pê”. — Meu irmão mais velho disse sério chamando nossa atenção nos fazendo calar quase que instantaneamente. — Pablo, relaxa, o final de semana tá só começando. Paulo, na moral, para de destratar a nossa irmã. E Paola, nada de ir embora. Eu não quero ver mainha chorando pelos cantos porque vocês três não sabem se comportar onde chegam.

 — Vai te lascar, Eduardo. Quem você pensa que é? Essa sapatão que começou a encher o saco. — Saiu resmungando, batendo o pé feito criança birrenta quando toma bronca.

 — Relaxa, Paola, não liga. Cê sabe que ele é assim. Vai embora não, mainha não merece essa desfeita. — Beijou meu rosto, se afastando em seguida.

— Vem cá, — me puxou para um abraço — não se deixa abater por isso. Hoje é dia de festa. — beijou minha testa acariciando meus cabelos.

— Diz isso porque não viu o tanto de merd* que já tive que ouvir e presenciar seu irmãozinho fazendo.

— Cunhada, mantenha uma distância segura e tenta curtir o final de semana.

— Ah, Bel! Quem dera fosse tão simples assim.

— Cê sabe que é, afinal, é só essa noite.

— Por mim, voltava pra casa agora, eu não preciso mais passar por isso. Foram anos de psicoterapia para superar certos traumas familiares. Sou uma mulher adulta, não tenho mais porque me calar diante dos desaforos do idiota do Paulo.

— Certíssima. Sabe que tem o meu apoio, acho realmente absurda a forma que o Paulo fala de qualquer mulher. 

— Amor, — abraçou a esposa — não põe mais lenha na fogueira. A briga entre os dois é bem antiga e complexa. Deixa pra lá. Mas concordo com a falta de traquejo que o Paulo tem com qualquer mulher que seja.

— Eu preciso de algo gelado, essa conversa me fez lembrar de coisas bem ruins. 

 

O que eu realmente precisava era ir embora dali correndo. Mainha me garantiu que o Paulo estava diferente, que a mudança de estado tinha feito muito bem pra ele. Não vi nada de diferente, pelo contrário, parece o mesmo imbecil de sempre que adorava me diminuir na frente de qualquer pessoa só por conta da minha sexualidade.

 

— Muito obrigada, — levei o canudo aos lábios sorvendo aquele líquido gelado que deu uma leve dorzinha na glabela devido a temperatura baixíssima da água de coco — está deliciosa.

 

Fiquei por ali conversando com o atendente, torcendo para aquele dia acabar o mais rápido possível. Eu só preciso da minha cama, nada mais do que isso. Esses eram os meus pensamentos até ser interrompida por uma voz grave, meio rasgada, com um sotaque lindo do interior. Falou a menina da capital para não dizer o contrário. Sorri intimamente desse pensamento bobo.

 

— Oi, ei... — sacudiu a mão na minha frente na tentativa de chamar a minha atenção. A olhei sem entender o que estava acontecendo. — Não quis te assustar, — sorriu — tem alguém nessa cadeira?

— Ah, não. Pode pegar, fica à vontade.

 

Devo ter passado uns quarenta minutos sentada na frente daquele balcão pensando em ir embora dali de uma vez. Não precisava passar por tanto desconforto a essa altura da vida.

 

— Não vá me dizer que está pensando em ir embora. Vou logo avisando que sua mãe vai detestar essa ideia.

— Confesso que estava justamente aqui pensando se não seria bom ir o mais cedo possível. Evitar a fadiga faz bem à saúde.

— Filha, não imaginei que fosse tão sofrido pra você estar conosco.

 

Olhei para o meu pai e pensei em mentir. Ele não deveria escutar de uma filha que é uma das piores coisas da vida estar reunida em família, mas já estava sem saco para tudo aquilo e só respondi reativa.

 

— Pois saiba que para mim é sempre desgastante e desagradável fazer o papel da filha obediente e que ainda espera um príncipe encantado vir num cavalo branco me resgatar dessa minha vida promíscua para formar uma família tradicionalmente aceita e dar continuidade ao sonho de vocês em terem muitos netos.

— Nunca te vi falar desse jeito. O que está acontecendo?

— O que tá acontecendo é que não queria estar aqui, fui obrigada. Eu já sou a filha que deu errado mesmo. Não ir ao aniversário da mãe seria quase um atentado à vida dela, não é?

— Paola, não estou entendendo essa sua revolta.

— Nem precisa. O senhor não tem culpa da minha sexualidade não ser aceita dentro da sua casa. E ainda assim vocês se acham no direito de me obrigar a estar em família, como se fosse a coisa mais simples do mundo.

— Sarcasmo a essa hora?

— Antes fosse, mas estou sendo apenas sincera.

— Filha, sabe bem que por mim você poderia levar quem quisesse aos eventos de família e principalmente a nossa casa. Mas a questão é a sua mãe. Ela não entende, fora que tem aquela vizinha lá, que volta e meia quebra pau com a mulher. É muito feio de se vê, ela não deseja isso pra você.

— Chuva de preconceito, seu Pedro. Acha mesmo que só casais homossexuais brigam. O senhor e mainha nunca brigaram nesses mais de quarenta anos casados? Está certo, alecrim. Mas o que parece ter esquecido é que no seu aniversário no ano passado uma das suas noras puxou a faca para o seu filho no meio do churrasco.

— Mas veja bem, Paola...

— O que? Que eles são um casal heterossexual e que por isso quando ele bebe se acha no direito de ficar procurando frete com outras mulheres.

— Mas o Paulinho é homem. A carne é fraca, sabe como é.

— Não sei e nem quero. Mas com uma atitude como a sua agora em proteger o seu filho e achar normal a falta de respeito dele com as mulheres que lá estavam e com a esposa dele, não me surpreende ele ser um crianção até hoje, mesmo com quarenta anos e três filhos.

— Essa conversa não é para um dia como hoje. Hoje é dia de comemorar e nada mais.

— É por essa e outras que ele é como é. Tem sempre alguém passando pano pras merd*s que faz, quando não é você é mainha.

— Tá quase impossível conversar contigo hoje. Bom, vim avisar que estamos querendo ir ao Emissário. Lá deve tá mais calmo que aqui, sem falar que o ambiente acaba sendo mais controlado que por aqui também. Você pode ir no carro do Paulinho...

— Você não escutou nada do que eu disse, né. Do tanto que vocês já beberam deviam ir pra casa dormir, não pegar a estrada expondo as pessoas e vocês ao risco.

— Faz parte e ninguém tá tão bêbado assim que não saiba o que está fazendo. Além do mais, sabemos que a absorção de álcool nos homens é mais lenta que nas mulheres.

— Lá vem a enciclopédia ambulante. Quanta bobagem em um dia só, hein, painho? 

— Licença, atrapalho? — Fiz sinal com a cabeça que não — Maninha, se incomoda em ir dirigindo o carro do Paulo, já que você não bebeu e mainha vai dirigindo o deles. Ou ele, a esposa e o Pablo podem ir contigo, não pediria se não fosse importante, cê sabe.

— Outro politicamente correto. Quem criou vocês? — Gargalhou da besteira que falou e se engasgou. — Esse engasgo quase me mata de tanto tossir.

— Talvez já esteja na hora de parar de beber, não acha? — Perguntei ácida.

 

Painho balançou a cabeça irritado ainda tossindo e saiu andando a passos largos, nos deixando sozinhos ali no balcão.

 

— Edu, por favor, não me pede isso. Eu tô a um triz de ir embora, você sabe disso. Se eu passar dez minutos no mesmo carro que o imbecil do Paulo, atiro ele no meio da rodovia.

— Calma, eu não pediria se achasse que ele ainda conseguia fazer um "o" na areia, mas ele já passou do ponto e não gosto daquele caminho da entrada até a chegada ao Emissário, aquela estrada de terra nunca me inspirou confiança. Me faz esse favor. Além do mais, se não for com ele vai acabar indo desconfortável com os meus sogros no fundo do meu carro ou com os amigos dos nossos pais.

 — Poxa, Edu, vê direitinho quem não bebeu e se por um acaso não tiver mais ninguém além de mainha e da sua esposa, eu dirijo, mas não o mesmo carro que ele estiver. Eu não tô de carro e não ligo em ir de moto pra lá.

 — Tudo bem, maninha. Desculpa te pedir isso, agora que falou acho que meu sogro também não bebeu, deixa eu me informar direito, cê tá certa, é realmente pedir demais. O Paulo já falou tanta merd* desde que você sentou aqui que até pra mim que evito absorver as falas dele já tá ficando indigesto.

 — Agradeço a compreensão. Resolve lá o seu b.o e me diz, que assim já saio daqui pra ir pegar a moto.

 — Você pode esperar todo mundo, sabia?

 

Balancei a cabeça positivamente, fazendo um sinal com a mão pra que ele adiantasse o lado enquanto pagava a conta da meia dúzia de cocos que já tinha consumido ali. Com toda essa falação nem vi a moça da voz bonita sair dali.

Meu irmão foi muito rápido na nova divisão dos carros, o que não era lá tão difícil assim, uma vez que todos já se conheciam de outras festinhas dadas por nossos pais. Um primo nosso chegou com a esposa logo que estávamos saindo, o que implicou na ida do meu irmão comigo. 

Apesar de ainda ter uma vaga em um dos carros, o Edu alegou que se sentiria mais tranquilo se fosse na minha garupa. Se não o conhecesse tão bem até acreditaria nesse kaô, mas como conheço a peça a trinta e nove anos, sei que o medo dele é que ao invés de fazer o retorno e ir para o Emissário acompanhando todos passasse direto e só parasse em Mata de São João na porta da minha casa. 

Agora estamos aqui apreciando o vento no rosto e a sensação de liberdade que só a moto dá, enquanto insisto em me manter nesse espaço totalmente tóxico que são as festas da minha família. 

Ainda há quem diga que no ambiente familiar não existe toxicidade, com certeza quem diz isso não sabe como é a convivência da minha família. Eu poderia não ter vindo, eu sei. Mas, apesar de tudo eu amo os meus pais, admiro a história de vida de cada um deles e a história de amor que os une até hoje, mas o Paulo destoa de tudo isso, eu não o odeio, já passei muito tempo padecendo desse mal inclusive, mas me livrei disso com a ajuda da terapia, foi assim também que entendi que muitas vezes a toxicidade começa dentro de casa.

  Longe de mim reclamar de ser a única filha depois de três homens. Era o sonho dos meus pais o meu nascimento e quando descobriram que a quarta gestação era de uma menina a alegria deles foi contagiante, segundo eles contam.

Tudo foi maravilhoso em família até os meus quinze anos, quando o babaca do Paulo decidiu namorar a mesma menina que eu para provar aos nossos pais que eu estava cometendo um grande pecado. 

Na época, a moça em questão, a Leila, aceitou o pedido sem saber de nada, estávamos meio brigadas, ela já era maior de idade e sempre rolou uma conversa na escola de que ela se envolvesse com garotas, mas nem assim deixava de arrancar suspiros dos garotos pelos corredores. Depois que ela me contou que eles estavam juntos eu dei uma surtada, jurei amor eterno, ofereci o mundo, ao menos o qual eu tinha acesso na época ganhando mesada dos meus pais e tendo todas as minhas contas pagas por eles, e ainda assim não obtive muito sucesso.

Isso até o dia em que rolou um filme na casa de uma amiga nossa, que apoiava a nossa relação na época e inclusive dava a maior força para que voltássemos. E nesse dia rolou beijo, amasso, quarto, muito love, mão naquilo, aquilo na mão como diz alguma música, e, bom, aconteceu a minha primeira vez, ela foi maravilhosa, de um carinho e cuidado sem igual, mas, eu me derreti inteira e fiquei ainda mais apaixonada a ponto de aceitar que ela continuasse namorando o Paulo e eu ao mesmo tempo. 

Não sei como, ou melhor, imagino que tenha sido num dia em que ela me viu abraçada a uma amiga na quadra do colégio, e a Leila era mega ciumenta não era de fazer cena pra chamar a atenção dos outros ao redor, mas sabia como ninguém agir com frieza e desdém quando estava com o ciúme dela atacado. Daí ele percebeu quando tentei pegar em sua mão no corredor dos nossos quartos e provavelmente dali em diante começou a ficar mais atento aos nossos passos. 

Até que em um domingo pela manhã que todos foram à missa e eu aleguei uma dor de barriga, pouco convincente diga-se de passagem, como se lesse meus pensamentos naquele fatídico dia ele conseguiu fazer meus pais voltarem pra casa mais cedo e claro, desgraça pouca é bobagem, os três nos flagraram na cama em pleno ato de amor. De lá para cá a minha vida se tornou um caos. Minha mãe desmaiou, meu pai foi omisso como sempre e a minha relação com o Paulo virou um verdadeiro inferno. Daquele momento em diante ele perdeu todo o amor de irmãos que tínhamos e transformou em desdém com várias pitadas de ódio.

  Muitos anos se passaram e até hoje ele guarda mágoa daquela época. Não o culpo, fui uma cafajeste também, mas tudo aquilo me gerou traumas e muitos gatilhos, não tive uma vida mental e psicológica fácil, amorosa então menos ainda. Desisti de tentar ter uma relação duradoura e me enfiei nos estudos. Valeu a pena, graças a isso consegui sair da casa dos meus pais assim que fiz dezoito anos, emendei o ensino médio na graduação, a graduação no mestrado e o mestrado no doutorado. Graças ao auxílio moradia que o governo disponibilizava na época do ensino médio integral e a mesada que meu pai ainda fazia questão de me dar e ainda assim pagar meu pensionato, consegui guardar uma grana pra bater no peito e dizer que estava indo embora assim que saiu o resultado do vestibular e lá fui eu com a cara e a coragem cursar minha licenciatura em matemática na UFBA. 

Sabia que a grana não duraria muito e por isso tratei de arrumar um emprego de meio período, saía da faculdade correndo pro trabalho, mas no final deu tudo certo. Dois anos depois meus pais mudaram para a capital também, queriam que fosse morar com eles, mas já não tinha mais clima pra isso e continuei no meu canto até terminar o doutorado. Assim que fiz a defesa da tese e recebi a aprovação, para minha sorte, abriu um concurso federal para professor no interior, Catu é o nome da cidade, fiz sem pretensão nenhuma, quando o resultado saiu nem acreditei que tinha sido aprovada. Mudei para a cidade onde nasci e voltei a morar lá desde então.

  Lá vamos nós de novo, o Paulo já começou a falar besteira novamente, isso se parou em algum momento. Tentei ficar afastada novamente, mas dessa vez minha mãe me puxou para perto dela.

 

— Veio comemorar comigo e tá a quilômetros de distância. Senta aqui e bebe um suco comigo pelo menos. — Sorriu abraçando meus ombros.

 — É só cansaço, mainha. Esse calor que tá fazendo hoje tá fora do comum. 

 — Vou fingir que acredito que é só isso mesmo. — Apontou com a cabeça na direção do Paulo.

 

Fingi demência e segui o baile, não tinha porquê deixar tão nítido pra aniversariante o quão caro estava me custando estar ali.


— Achei que você fosse trazer alguém contigo dessa vez. — A olhei sem entender, que papo era aquele. — Não me olhe com essa cara, a vida é muito curta pra se passar tanto tempo sozinha.

 — Não estou entendendo onde quer chegar. Que história é essa?

 — Minha filha, você não acha que já está na hora de apresentar sua namorada a nós? Toda festa de família que você aparece é sempre sozinha, fica se escondendo pelos cantos e malmente se diverte conosco. Não ache que vamos colocar a moça pra correr, pode nos apresentá-la, estamos longe de ser perfeitos, mas somos a sua família.

 — Para se apresentar alguém é necessário que se tenha alguém, mainha. E nesse caso eu não tenho ninguém.

— Não é possível que uma mulher tão linda, — acariciou meu rosto — inteligente e bem resolvida como você esteja sozinha.




Tinha muito tempo que ela não me fazia um carinho como aquele, e nem falava adjetivos bons sobre mim, quanto mais falar abertamente assim sobre a minha sexualidade. Esse papo sobre namorada então era muito novo de se ouvir vindo dela.



— Mainha, tá tudo bem?

— Claro que sim. Por que não estaria? Por mais caótico que seja, estou reunida com todos os meus filhos no dia do meu aniversário, meus netos poderiam estar aqui também, seria ainda melhor, mas, não se pode ter tudo na vida sempre. — Me olhou desconfiada sorvendo seu suco de cupuaçu — Acredito que não tenha sido com relação a isso que tenha perguntado, e sim com relação a pergunta que te fiz, correto?

— Sim. Fiquei um tanto quanto surpresa, confesso.

— Então, filha. Já deveria ter falado contigo sobre isso antes, ou melhor, há anos atrás. Não foi um processo fácil de lidar e muito menos entender que a minha princesinha não fosse casar com um príncipe encantado, — Me encarou com um misto de vergonha e carinho no olhar. — e sim com uma outra princesa. Eu não estava pronta naquele momento, e também não o estou agora, mesmo porque estou no processo de entendimento. — Respirou fundo dando uma pausa curta bebendo outro gole do seu suco. — Comecei a fazer psicoterapia há alguns meses e passei a visitar um grupo de Mães de LGBTQIAPN+, onde estou aprendendo a aceitar que você não é diferente por ter uma orientação sexual diferente das nossas, eu é que não soube enquanto mãe te acolher na hora que mais precisou de mim, para que pudéssemos aprender e evoluir juntas nesse assunto que ainda hoje em dia é tão complexo, ao menos para mim.


A essa altura meus olhos já estavam molhados, jamais imaginei ouvir algo tão bonito assim dito por minha mãe, por mais difícil que fosse para ela estava tentando mudar a essa altura da vida para me acolher. Minha reação foi apenas abraçá-la e chorar em seu colo.


— Peço que me perdoe, filha. Fui muito dura, desrespeitosa e incompreensiva contigo desde aquele infeliz domingo. Você não tem que mudar para ser aceita por mim. Sinto tanto a sua falta. Éramos amigas até aquilo acontecer, depois malmente fomos mãe e filha. Perdi tanta coisa da sua vida e nunca tive a coragem de te dizer o quanto me orgulho de você. 

— Ah, mãe… — minha voz estava embargada por conta das lágrimas, escutar tudo aquilo tinha mexido demais comigo.


Ficamos ali abraçadas com ela fazendo carinho em meus cabelos até o Edu vir até nós e se juntar ao abraço. Não demorou muito para que eu ouvisse pequenos soluços vindos do meu irmão. Ele estava chorando também. 


— Agora já chega! — respirei fundo. — Amo vocês, muito obrigada por tudo isso. Hoje é o dia mais feliz da minha vida. — Sorri os apertando ainda mais em meus braços.


Depois de nos recompormos eles me contaram o quanto o Edu a ajudou em todo o processo para que ela começasse a aceitar a minha orientação, a ajudou a procurar uma psicóloga. Que ela buscou sozinha o grupo de apoio, que a acompanhou na primeira reunião. 

Ouvir tudo aquilo me deixou tão feliz. Nossa! Eu estava radiante depois de escutar toda aquela narrativa, nem o Paulo que já estava outra vez falando de mulher como se fosse um pedaço qualquer de carne jogado, ia tirar a minha alegria. Eita! Agora deu merd*.


— Solta ele, por favor. 


Se não fosse trágica com certeza seria cômica toda aquela situação, o idiota do Paulo, pelo o que pude acompanhar de longe, tentou passar a mão na bunda da mulher enquanto ela saía da água. Para a sorte dele, ela virou de uma vez imobilizando seu braço atrás das costas. Era uma gritaria só, algumas das pessoas que estavam conosco ao ver a situação se afastaram, eu queria fazer o mesmo, confesso, mas ao ver o desespero de mainha ao meu lado decidi intervir.


— Moça, desculpa…


Paulo suplicava e gritava de dor. A bebida parecia até já ter ido embora, a voz dele não embolava mais. Por mim, o deixaria naquela situação e assistiria de longe o desenrolar, mas os meus pais já estavam desesperados.


— Licença, tudo bem, eu…

— Tia, para com isso! Está chamando a atenção de todo mundo. — Me dirigiu um olhar envergonhado — Professora, você aqui? Nossa, tô falando. Tia, solta o cara.

— Você viu o que esse safado acabou de fazer, pois bem, vou entregá-lo aos policiais ali na frente para que aprenda a tratar uma mulher, — deu duas sacudidas boas no Paulo enquanto apertava ainda mais seu braço — sua sorte é que estou de folga ou então eu mesmo te prendia, safado.


Os policiais que estavam mais à frente percebendo a aglomeração que se formava ali chegaram perguntando o que tinha acontecido, por muito pouco o Paulo não foi parar na delegacia, o meu aluno que chegou no meio da confusão chamando a moça de tia conseguiu convencê-la a não entregar o idiota aos policiais, que pelo o que entendi eram colegas dela também e deram apenas uma enquadrada no Paulo que ficou pianinho. 

Mais uma confusão para a conta em um evento de família, claro que não podia faltar o quebra pau de Márcia e Paulo depois do ocorrido, saíram em direção a ponte, pelo menos isso, foram bater boca longe de nós.

Já que estava ali fui comer pastel. Ao chegar na barraca, encontrei a mulher que imobilizou o meu irmão, que se tratava da mesma pessoa que falou comigo na barraca na praia. Tentei puxar assunto com ela só para ouvir aquele sotaque gostoso outra vez.


— Olá, desculpa, licença. Não quero interromper vocês.

— Não interrompe, professora. — Sorriu amarelo — Mãe, pai, tia, essa é a minha professora Paola.

— A famosa, olha só, viemos conhecê-la longe, não é! 


Todos se apresentaram e batemos um papo rápido. Me contaram que estavam ali a passeio em comemoração a promoção de Aidê, irmã de Saulo e cunhada de Evelyn, pais de Lucas, meu aluno. Me convidaram para tomar um refrigerante com eles e não pude recusar, uma vez que minha ida até a mesa deles foi para ter uma rápida conversa com a Aidê, a moça do sotaque gostoso.


— Bom, queria pedir desculpa por aquela cena lamentável que o Paulo protagonizou.

— Se tem alguém que não deve me pedir desculpa, esse alguém é você, que desde cedo tentou evitar que isso acontecesse.

— Como assim?

— Vi que na praia chamou a atenção dele quando passei ao lado de vocês e se afastou de onde ele estava. Sem falar que foi educada ao liberar a cadeira quando pedi, mesmo tendo atrapalhado a sua viagem para longe, lá na barraca.


Só agora me dei conta que ela era a mesma mulher que tinha passado por nós mais cedo, e pra minha sorte ela lembrou de mim na barraca também.


— Não prestei atenção no seu rosto quando passou na praia. Só achei absurda aquela abordagem nojenta. Desculpa por aquilo também, apesar de você ter lavado a minha alma com aquela imobilização. — Sorri sendo acompanhada por ela.

— Sabe que queria ter feito aquilo na primeira gracinha dele, mas ao ouvir a sua fala deixei passar, — gargalhou — quer dizer, mais ou menos. Bom, a sorte do Pablo é isso?

— Não, Pablo é o outro, o cara que você quase socou foi o Paulo.

— Sim, este cara, a sorte dele foi você, quando encostou tentando chamar minha atenção, resolvi que não o entregaria aos policiais, mas não ia desistir tão fácil. Ele precisava saber que era uma situação séria e que podia levá-lo a uma delegacia.

— Se soubesse disso, teria ficado mais um tempo apreciando aquela belíssima visão.

— Posso te fazer uma pergunta, claro, se não quiser não precisa responder. — Fiz sinal positivo com a cabeça — Qual o parentesco de vocês?

— Ah! É isso. — Sorri internamente, afinal, não estava com coragem suficiente para contar o baita problema de convivência que tinha com o Paulo, em meio a uma conversa tão agradável. — Somos apenas irmãos.

— Entendi. Foi uma satisfação te conhecer, mas preciso ir, tô virada e morrendo de sono. Acho que agora vou conseguir arrastar aquele pessoal pra casa.

— Licença, meninas! Filha, juro que não vou te atrapalhar, vim só convidar a moça para ir em casa a noite, não sei se ela te falou que hoje é o meu aniversário e que a noite faremos uma comemoraçãozinha em casa. Pelo sim e pelo não, vim dizer que você e as pessoas que estão contigo são meus convidados e não aceito não como resposta. — Sorriu.

— Muito obrigada pelo convite, senhora, mas é bem provável que não dê para comparecermos, aquele pessoal não para e já devem ter feito plano para  a noite, mas desde já parabéns — abraçou minha mãe.

— Bom, quem sabe não dê certo, o rapazinho da mesa anotou o endereço. 

— Quem sabe… — Me cumprimentou com dois beijinhos no rosto e um abraço, fazendo o mesmo com mainha em seguida. 


Aidê foi embora nos deixando ali agradecidas por não terminarmos o dia na delegacia, como ela, eu estava exausta, não era sono no meu caso, apenas cansaço mental mesmo. No final das contas tudo deu certo e agora eu estou voltando para a casa dos meus pais agarrada a cintura do meu irmão, louca pra tirar essa mistura de areia e protetor solar do meu corpo.

A noite, assim como o dia chegou quente, acordei pensativa em meio a tudo o que tinha acontecido, estava revisitando a conversa com mainha quando ela apareceu abrindo a porta do quarto.


— Como você tá? Conseguiu descansar?

— Mais ou menos, o calor continua maltratando por aqui. Precisa de ajuda com alguma coisa?

— Não, descansa mais um pouco. Seu pai está terminando de assar o pernil e seus irmãos estão a duras penas montando a churrasqueira.

— Os três estão lá?

— O Paulo está dormindo.

— Vou lá ajudá-los então, o Edu e o Pablo sabem colocar cerveja pra gelar, mas mexer com churrasqueira não é muito a praia deles.


Já estava saindo do quarto quando ela me chamou.


— Filha, — a olhei apreensiva por conta do seu tom de voz — eu te amo, muito obrigada por ter vindo, imagino o quão desgastante seja para você esses encontros familiares.


Corri para os seus braços e me deixei ser acarinhada. Fiquei em seu colo por um tempo. Levantei dando um beijo estalado em sua bochecha e corri para a área lateral da casa onde ficava a churrasqueira. 

Meus irmãos estavam apanhando feio da grelha, me diverti muito com aquela cena bizarra, um dizia que era de um jeito o outro dizia que não e eles simplesmente não conseguiam fazer a grelha deslizar no suporte da churrasqueira, depois de uns dez minutos rindo muito com aquela cena resolvi ajudá-los.

Além dos convidados que passaram o dia conosco, meus pais tinham mais alguns convidados que residiam em Arembepe, não demorou muito para que estes começassem a chegar, e os que já estavam na casa fossem aparecendo também por ali.

Estávamos terminando de tirar uma água empoçada em uma das laterais da área da churrasqueira quando o Edu teve a brilhante ideia de começar a nos molhar. Dessa forma iniciamos uma guerra de água num espaço mais pra frente de casa, evitando assim molhar os convidados dos nossos pais. 

Estava quase ganhando dos meus irmãos com apenas a minha camiseta seca, quando fui atingida por uma jatada de água no meio da cara ao me distrair escutando aquele belíssimo sotaque cumprimentando meus pais.


— Se soubesse que teria concurso da camiseta molhada tinha vindo a caráter. 


Aquele olhar me fez perder ligeiramente o ar e me sentir nua. Tentei me manter séria, afinal, um dos meus alunos estava ali também, ela tinha ido acompanhada dos pais do meu aluno e dele também, não era de todo ruim.


— Esquecemos de acrescentar esse detalhe ao convite, sejam bem vindos. — Mesmo estando ensopada agora ela tratou de me cumprimentar com dois beijinhos no rosto.


Mainha logo chegou perto de nós para acomodá-los. 


— Será que seria pedir demais para que vocês fossem tomar banho? Acho que já deu de brincadeirinhas da infância por hoje, não é! 


Falava enrolando a mangueira e fazendo sinal para que saíssemos dali o mais rápido possível, afinal, a jatada de água que tomei acabou espirrando no meio de algumas mesas que para a nossa sorte ainda não estavam ocupadas pelos convidados dela.

De volta ao quarto, fiquei pensando o motivo de ter me sentido daquela forma na frente da Aidê, apesar de achá-la linda, conversamos muito pouco para que sentisse qualquer coisa que fosse na sua presença.

Hora de dar a última conferida no espelho, camisa aloha shirt, shorts e all star branco, dreads presos em um coque alto, afinal, o calor continua castigando. Base, batom vermelho e lápis de olho, tudo certo. Ah, o perfume, esqueci do meu querido Portinari. Agora sim, uma mulher negra de banho tomado e cheirosa depois de um dia como o de hoje não quer guerra com ninguém. Pensei cedo demais…


— Agora não, Paulo. 

— Como não, sou seu irmão mais velho, sua obrigação é me escutar. 

— Me poupe, licença. — O empurrei para o lado e passei.


Já no espaço reservado para o evento encontrei Aidê conversando animadamente com Pablo, ver aquilo teve o poder de me deixar emburrada. Sentei em um canto qualquer e fiquei vendo nada no meu instagram.


— Pode desfazer isso bico aí, ele tá tentando, mas pelo pouco que sei, o interesse dela não é nele!

— Quê? — Olhei na direção de quem falava.

— Não se faça de desentendida, sabe do que estou falando. — Sorriu de canto.

— Dona Lourdes, não faço ideia do que esteja dizendo. — Tentei mudar de assunto, não tinha porque gerar provas contra mim, uma vez que nem eu mesmo estava entendendo muito bem o motivo de ficar assim por alguém que acabei de conhecer. — Está gostando da sua comemoração?

— Não tente fugir, não agora, — sorriu puxando uma cadeira que tinha ao meu lado — nunca entendi muito bem os tais olhares que seu irmão dizia que você dirigia para a sua ex cunhada, mas acredito que acabei de ver um muito parecido quando chegou a procurando — apontou com o queixo na direção de Aidê — e a encontrou conversando com o Pablo.

— De onde desenterrou isso, mainha. Nossa. Quando a minha relação com a Leila foi exposta terminamos ali, e nunca mais nos falamos, poucos dias depois ela descobriu a gravidez, não demorou muito para casar e graças aos céus meses depois fui embora para Catu, e voltava muito pouco para a casa de vocês.

— Então era por causa dela que quase não nos visitava?

— Posso me juntar a vocês? — Painho chegou perguntando e consenti com a cabeça.

— Que bom que está aqui, nossa filha está prestes a me dizer por que se afastou de nós desde a adolescência.

— Imagino que vocês já fazem ideia do motivo. Pois bem, não via mais sentido em fingir algo ser algo que não era só para agradá-los. E eu amei a Leila, foi com ela a minha primeira vez, foi a primeira mulher que eu jurei amar, estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe dela doía muito, sem falar que não queria atrapalhar a vida que ela escolheu seguir. Depois da saída dela daquele quarto me deixando sozinha e indo atrás do Paulo não precisou me dizer mais nada, entendi naquele momento a decisão dela. A mim coube apenas ouvir os sermões de vocês e recolher os caquinhos do meu coração. Seria demais ter ido ao casamento, apesar de amar os meus sobrinhos, seria doloroso demais fazer parte de tudo aquilo, sem falar que depois de dois anos sem me ver o Paulo ainda me tratava tão mal, apesar disso durar até hoje, como ele não me trataria se me visse em seu casamento com ela.

— Não imaginei que tivesse sofrido tanto, meu amor. — Minha mãe me puxou para os seus braços acariciando as laterais raspadas da minha cabeça.

— Já passou, gente, doeu lá atrás, e até hoje sinto que uma atitude impensada de anos atrás se reflita na minha relação com o Paulo, mas, tudo na vida são escolhas, e a que eu fiz lá atrás culminou em tudo o que acontece entre nós hoje.

— Filha…

— Não, Pedro. Isso não é necessário. 


Mainha interrompeu meu pai sem cerimônia. Ele queria saber de alguma coisa que ela já sabia do que se tratava, mas a minha curiosidade falou mais alto.


— Deixa ele perguntar o que quiser, mainha. Pergunte!

— Depois que eles se divorciaram, vocês duas não tiveram mais nada?

— Vi a Leila naquele domingo fatídico, no outro dia ao chegar na escola descobri que ela havia mudado de turno, depois disso a vi novamente cinco anos depois já na sua segunda gestação, estava chegando na rua do condomínio de vocês e eles estavam saindo, esperei que entrassem no carro para me aproximar da portaria, e depois disso a encontrei no ano retrasado na comemoração de bodas de esmeraldas de vocês. Soube da separação deles pelo Pedrinho por telefone, quando ele começou a contar, coloquei outro assunto no meio e engatamos outra conversa. Não era para ser, e não tinha porque insistir mais nisso, aprendi a lição lá atrás.

— Satisfeito curioso?

— Eu sabia, — me puxou para um abraço — tinha certeza que todo aquele discurso do Paulo era apenas dor de cotovelo.

— Que discurso?


Eu e mainha perguntamos ao mesmo tempo. Painho resumiu para nós todos os questionamentos que o babaca do meu irmão teve quando a Leila pediu o divórcio, ao invés de entender que o tempo deles tinha dado, mesmo porque não foi uma e muito menos duas vezes que nossos pais o chamaram atenção por a estar traindo, mainha alegou em algum momento que se ouvisse qualquer outra história daquela novamente que ela mesmo contaria para Leila.

Não faço ideia do que deu na época essa conversa, porém aparentemente ela cansou e depois dos filhos já estarem mais crescidinhos ela decidiu divorciar-se e ir embora do Brasil, mora no Canadá há uns cinco anos já.


— O Paulo realmente não cresce, culpa a todos pelas desgraças que ele mesmo causa na vida.

— O enchemos de vontades demais, amor. A Paola sempre esteve certa, nós é que preferimos fingir não enxergar.

— Olha, hoje é dia de comemoração, essa conversa já deu o que tinha que dar. Olha lá, o Edu chamando pra vocês dançarem a música preferida de vocês dois. Vão lá.


Cada um me deu um beijo no rosto e seguiram para onde o Edu os chamava. Fiquei sentada ali os admirando, ainda é estranho para mim ter mainha falando sobre a minha sexualidade.


— Você não bebe?

— Que susto. — Levei a mão ao coração.

— Nossa, estou tão feia assim? — apontou para uma das cadeiras ao meu lado. Consenti que sentasse — O que faz aqui tão isolada? Ah, e você não respondeu minha outra pergunta sobre não beber.

— Estava admirando meus pais dançarem. Eu bebo, mas minha nutricionista e personal estão pegando no pé esses meses, logo, estou deixando a bebida alcoólica para a hora do brinde.

— Entendi, disciplinada, isso é bom! A meta deve ser o abdômen tanquinho, a rapaziada não resiste. —  Finalizou a frase com um certo sarcasmo. — Você está ótima, te vi de biquíni mais cedo, e olha moça, vi casamentos quase sendo desfeitos enquanto você passava viu.

— Boba, — foi impossível não sorrir — muito obrigada pelo quase elogio, mas deixo o abdômen tanquinho para a senhora, meu processo é só para manter a saúde sem grandes sustos mesmo. E quanto aos rapazes, esses não me interessam.

— Oxente, ouvi falar que tem um professor lá no instituto que só falta carregar você no colo, está enganando o moço?

— Mas… — olhei na direção do Lucas que jogava bola com o Pablo, o Edu e o pai dele — não deve acreditar em tudo o que os alunos falam, eles aumentam demais. Somos só amigos, não rolaria nada entre nós nunca, — gargalhei lembrando do meu amigo falando que desde que passamos a andar juntos nenhum homem tinha chegado perto dele mais, jurando sermos um casal — vai por mim.

— Preferia ir com você… — sussurrou, mas para o azar dela escutei.

— Para onde quer ir comigo?

— Se te dissesse talvez tivesse que te prender. 


Falou com aquela voz rouca beirando a sensualidade, fechei os olhos para que eles não me denunciassem. Mas não resisti.


— Começou agora termina, vai que eu goste de ser presa por você.

— Não me subestime…


O flerte estava ótimo, mas o babaca do Paulo tinha que estragar. Chegou tentando puxar a Aidê para dançar com ele, ela não quis, ele insistiu, a Márcia viu e o tumulto começou, no final das contas no puxa puxa entre o casal eles acabaram empurrando a Aidê que já estava em pé se desvencilhando dele quando a Márcia o empurrou, fazendo com a mulher caísse sobre a mesa de madeira com a mão aberta sobre uma taça que por conta do empurra empurra deles já tinha quebrado. Resultado, a mulher está no meu quarto agora enquanto faço um curativo em sua mão.


— Tem certeza que não quer ir ao hospital?

— Absoluta! Não ficou vidro dentro, além do mais, apesar de ter sangrado muito o corte foi superficial. Falando em sangrar, — me puxou pelo bolso do shorts — pingou um pouquinho de sangue bem aqui — apontou para um ponto em meu rosto bem próximo aos meus lábios.

— Onde? 


Tentei virar para o espelho a minha frente e fui detida por ela que colou ainda mais seu corpo ao meu, me puxando para um beijo tímido inicialmente, até pedir passagem com sua língua, explorando o nosso beijo por completo. Segurei sua nuca suavemente a puxando ainda mais para mim, mordiscando seus lábios explorando por completo aquela sensação inebriante. Suas mãos percorriam calmamente as minhas costas, sem pressa ou agitação, ela parecia calcular cada gesto, levou uma das mãos ao meu quadril me encostando na lateral do guarda-roupas. 

Gemi entre seus lábios e percebi o meio sorriso que se formou em seus lábios. Apertei sua nuca intensificando o bailar das nossas línguas. Sua mão invadiu vergonhosamente minha camisa aberta. Ela tentou se manter por ali quieta, mas eu queria um pouquinho mais, desci minha mão da sua nuca deslizando as unhas pelas laterais do seu corpo, a ouvi gem*r baixinho e sorri internamente, ao chegar com as duas mãos em sua bunda apertei levemente sem pudor algum. Continuamos naquele beijo até o ar nos faltar e eu a puxar para um abraço beijando seu pescoço. 


— Diria que seus alunos estão bem enganados quanto a sua sexualidade. — Falou sorrindo entre meus braços.

— Sério que de tudo o que poderia falar, resolveu lembrar deles?

— É que precisei sondar um deles antes de me sentir livre para te beijar.

— Não me diga que você sabatinou seu sobrinho sobre mim.

— Claro! Não é todo dia que encontro uma mulher linda, gentil e atenciosa como você na beira do mar. E quando ele te reconheceu mostrando aos pais, eu só iniciei uma conversa mais direcionada a sua forma de lecionar, digamos assim. Meu irmão entendeu onde eu queria chegar e tratou de conseguir manter o papo sem levantar suspeitas.

— Achei que estivesse mais interessada no Pablo. Te vi conversando por um bom tempo com ele.

— Digamos que a mulher do…  como é mesmo? Ah! Sim, clube do “pê”, tenha chamado mais a minha atenção e claro, faz mais o meu tipo, nada contra os homens, tenho até amigos e um irmão que são. Mas digamos que a heterossexualidade não é como dizem a minha praia.


Ficamos por ali mais um pouco, outros beijos aconteceram, com mais mãos, desejos e vontades até decidirmos sair do quarto antes que dessem nossa falta, se é que já não tinham dado. 

Ao voltarmos para a área da festa mainha me sorriu balançando a cabeça de forma positiva, o Edu me abraçou tirando rapidamente meus pés do chão e me tirou pra dançar, curioso que só ele quis saber o motivo da minha demora, narrei rapidamente e logo mainha decidiu bater o parabéns, uma vez que o Paulo já estava dando sinais de que logo começaria um novo show.

Não demorou muito para que o Pablo e o Edu o saissem arrastando porta a dentro e o jogassem embaixo do chuveiro, o infeliz tentou fazer uma cena comigo falando que o antigo casamento havia terminado por minha causa, como todos que ali estavam, tirando a família da Aidê, já conheciam os shows dele ninguém deu importância ao ocorrido fazendo com que a comemoração continuasse seguindo tranquilamente.

Já passava das quatro da manhã quando os pais do Lucas e ele se despediram alegando cansaço, meus pais o convidaram para almoçar conosco no dia seguinte, e eu convidei Aidê para ver o nascer do sol na beira do mar.


— Quem diria que no meu único final de semana de folga do mês eu passaria por algo desse tipo. — Falava de olhos fechados deitada entre minhas pernas.

— Isso é bom ou ruim? Agora fiquei em dúvida.


Levantou se virando para mim beijando meus lábios.


— Olha, está sendo bom, mas confesso que queria tentar um pouco mais, assim, se não for incomodo, claro, passar de mais tarde e tal, quem sabe sairmos para almoçar, ver um filme, jantar, você conhecer a minha casa, não necessariamente nessa ordem, mas, vai que você aceita.

— Deixe-me pensar… hum. É, pode ser, às quartas não estou com ninguém, logo, podemos oficializar esse dia para você. — Ela me olhou incrédula balançando a cabeça negativamente — Que difícil você, sorte a minha que não tenho ninguém e estou disponível e assim como você querendo fazer passeios dos quais falou, e claro acrescentar mais alguns.


Aos poucos, o horizonte começou a clarear, tingindo o céu de um azul profundo que gradualmente se transformava em tons de rosa e laranja. O mar refletia as cores do céu, criando um cenário de tirar o fôlego.


Observamos em silêncio, admiradas com a beleza da natureza. Sentimos a brisa do mar em nossos rostos e o calor do sol nascendo em nossas peles. O som das ondas quebrando na praia era a única música que preenchia o ar. Com a promessa de ambas quererem se conhecer além daquele final de semana elas levantaram, caminhando lado a lado com o sentimento de coração aquecido.



Fim!

Fim do capítulo

Notas finais:

Um pensamento invadiu a minha mente no final de semana e precisava tirá-lo do foco, dessa forma nasceu esta narrativa.

 

Um ótimo dia para você.

 

Bjs no coração.

 

 

 

 

Lily Porto


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Comentários para 1 - Capitulo Único :
Lea
Lea

Em: 01/03/2024

É sempre gostoso viajar nos seus textos, Lily!

Esse com certeza também foi direto no coração,e com gostinho de: CONTINUA, NÃO ACABE ASSIM!

Como é difícil conviver com familiares assim,com pessoas com essas atitudes e falta de respeito. Paola viveu e vive como,tantas e tantas pessoas que só querem viverem suas vidas em PAZ.

O bom de tudo isso é que,a mãe dela está aprendendo e procurou ajuda para não perder a filha de vez.

ÓTIMA SEXTA-FEIRA,LILY!

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Nay Rosario
Nay Rosario

Em: 01/03/2024

Ah! Quantos Paulos e Leilas não conhecemos ao longo da vida?! 

Ótima narrativa, mana.

É sempre agradável ler seus escritos e tem uma palavra nele que eu amei. 

Psicoterapia. 

???

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