As coisas estavam muito tranquilas por aqu, então... Vamos animar as coisas.
Remetente desconhecido
— Está nervosa, Téo?
— Sim, bastante.
Cíntia e Alfredo se arrumavam no outro cômodo. Cristiano estava comigo na sala, com a cabeça encostada na minha perna que não parava de se mexer.
— Duvido que ele não goste de ti – Cristiano voltou seu olhar a mim.
Dei com os ombros. Tinha minhas dúvidas a respeito disso.
— Vamos, Téo?
Minhas mãos suavam frio, mas ainda assim me levantei e segui com eles. Cristiano resolveu não ir, e acenou despedindo-se de nós na porta da frente.
Entramos na caminhonete deles, um modelo antigo o qual era herança de Alfredo de seu pai a qual tinha bastante apreço. Nós três íamos na parte da frente, com ele dirigindo, sua esposa no meio e eu ao lado da porta.
Recebemos a ligação do homem que trabalhava no local, dizendo que ele já tinha chego de viagem. Alfredo ligou para ele dizendo que ia fazer uma visita a qual ele recebeu com muita animação.
A fazenda onde ele morava era relativamente longe da cidade e de difícil acesso. Só podia chegar lá com carro próprio, segundo o que eles disseram. Ainda era de manhã, e o sol raiava no céu impiedoso no trajeto que seguíamos. Saímos do perímetro da cidade e, após um longo trajeto em linha reta, entramos em um caminho alternativo de terra.
Quanto mais Cíntia falava que estava próximo de chegar na fazenda, mais meu coração palpitava e eu suspirava, deixando o ar escapar da minha boca. Ela, vendo a minha situação, segurava a minha mão na tentativa de me reconfortar.
Então, chegamos em frente ao portão. Um homem estava à espera e, depois de uma breve conversa com Alfredo, entramos na área correspondente a fazenda.
O lugar era grandioso. Nunca tinha visto algo como aquilo em minha vida, já que parecia ter sido retirada de um filme ou novela. O verde saltava aos nossos olhos, sem contar o caminho arborizado que nos cercava, além de animais, como cavalos, que trotavam soltos em imensas áreas.
Meu coração estava saltando do meu peito. Sentia que não podia controlar aquela vontade de sair correndo da situação para não ter que encará-la. Era mais fácil assim, mas, infelizmente, não tinha para onde correr.
O carro parou. Alfredo lançou um sorriso reconfortante e deu um tapinha no topo da minha cabeça. Descemos do carro. Se antes eu estava impressionada com o nosso percurso até ali, ao me deparar com a residência dele, me surpreendi ainda mais.
Encarava a tudo boquiaberta. Não era uma mera casa como esperava de um sítio com animais, um pequeno celeiro e vida pacata. O lugar parecia uma mansão como as das áreas nobres da minha cidade, com o adendo de ser em meio a floresta.
— Você está bem, Téo? – perguntou Cíntia.
Não sabia o que dizer, e ela voltou a segurar minha mão.
— Estarei aqui contigo, não se preocupa.
O caminho para chegar até a casa parecia ser mais longo do que para chegar até ali. Minhas pernas pesavam, se arrastavam sobre a grama, e minha boca amargava, além dos lábios que estavam rachados pelo clima.
Alfredo foi na frente. Disse que ia chamar ele até lá, que iria ser mais fácil. Por conta disso, esperamos em frente à casa.
Não conseguia esconder meu nervosismo, tanto pela forma de respirar ofegante quanto pelas minhas pernas que estavam inquietas. Cíntia, no entanto, me trazia tranquilidade ao segurar minha mão. Se eu fechasse os olhos, podia sentir que minha mãe estava ali comigo, me acalmando com toda a sua tranquilidade.
Cíntia apertou minha mão de leve, e quando voltei o olhar para a direção de onde ela olhava, pude ver o homem que acompanhava Alfredo.
Tadeu, o meu pai.
Ele era alto, mais alto do que Alfredo, tinha uma grande barba e usava boné. Sua camisa de botão desabotoada até a metade e jeans, além da bota suja dava a justa impressão de que ele era um fazendeiro. Seguiu em nossa direção, e quando parou próximo a nós, pude notar os outros detalhes dele.
Tirou o boné que usava e ajeitou o cabelo, e vi que tínhamos a mesma cor de cabelo. Os olhos, mesmo cerrados, tinham a mesma cor que o meu. Olhei para tudo aquilo atônita, sem dizer uma palavra.
— Bom dia – ele estendeu a mão em minha direção – você é a moça que queria falar comigo?
A voz dele era grave e marcante. Não tive nem reação de tocar em sua mão. Só o encarava, e por causa disso, ele recuou a mão, levemente constrangido. Cíntia, com seu sorriso acolhedor, acariciou meu braço.
— É ela mesmo, Tadeu. Se importa de... – ela foi até Alfredo – darmos uma volta por aqui?
— Você é de casa, Cíntia – ele sorria – sabe que pode ficar à vontade.
Sentia um peso horrível no peito enquanto via aquele homem me encarar.
— Por favor, entre – ele gesticulou para mim – vou pegar alguma coisa pra bebermos. Aceita uma água?
Assenti. Era a única coisa que conseguia fazer naquele momento. Ele me encarava curioso e seguiu para dentro da sua casa, acenando para que me sentasse na suntuosa área da casa. Enquanto me sentava, encarei Alfredo e Cíntia caminhando pela área da horta da casa, apontando para alfaces e couves.
Tadeu chegou com a jarra de água, dois copos à mesa, e serviu para nós. Pegou seu copo, cruzou as pernas e me encarou sem nada dizer enquanto bebia.
Minhas mãos continuavam a tremer, só de estender a mão para pegar a água, sentia que não a podia fazer.
— É a nova inquilina deles? – Tadeu continuava a puxar assunto. Estava tranquilo, ou pelo menos aparentava estar muito bem.
— Não exatamente... – minhas palavras saíam como um murmúrio.
— Não? – ele levantou uma das sobrancelhas – Então, está só passeando?
Neguei com a cabeça.
— Eu vim... – cerrei as sobrancelhas – conhece-lo.
Encarei-o, e toda a sua tranquilidade dissipou-se.
— Me conhecer? – apontou para si mesmo.
Concordei novamente com a cabeça.
— Por quê?
Coloquei minhas mãos em meu colo, segurando firme a bermuda que usava. Podia ver os vincos que se formavam nela por conta da força que fazia.
— O senhor é meu pai.
Tadeu ficou sério por alguns segundos, e depois deu uma longa e sonora risada, chamando atenção até mesmo de Cíntia e Alfredo.
— Eu, teu pai? – ele continuava a rir – Que história é essa?
— Minha mãe disse que o senhor...
— Impossível eu ser teu pai, mocinha – ele balançava a cabeça em negativa – não posso ter filhos.
— Mas minha mãe...
— Olha – seu tom de voz mudara. Tinha ido de tranquilidade a raiva – sabe quantas vezes apareceu mulher dizendo que tem filho meu? Muitas! Sabe quantos eram? Nenhuma!
— Me escute, por favor... – meus lábios tremiam.
— Eu não tenho nada o que escutar – ele se levantou colérico – passei semanas fora pra chegar em casa e penso que vou ter paz, trazem problema dentro da minha casa.
Virou em minha direção, com um tom sarcástico que aflorava meus piores sentimentos.
— Se não tem nada melhor pra falar, eu quero que...
— Então o senhor quer dizer que o nome Elisa Gomes não diz nada? – respondi no mesmo tom.
Ele parou no mesmo instante, e arregalou os olhos. Peguei meu telefone, furiosa, e procurei por uma foto antiga que tinha minha e de minha mãe. Assim que viu a foto, empalideceu. Seu semblante no rosto tinha se tornado apenas um risco, e devolveu o telefone do mesmo jeito.
— Elisa?
Ele ficou sem qualquer reação, voltando a se sentar. Colocou as mãos contra a cabeça, suspirando.
Tadeu encarava o chão, confuso. Voltou a olhar para mim.
— A Elisa soube de alguma coisa – ele levantou novamente, sério – e mandou você pra cá, não foi?
— O quê? – disse cerrando os olhos – Não, eu...
— O que ela quer de mim agora?!
Nem conseguia prestar atenção no que ele dizia depois disso. Só conseguia ver suas feições com raiva voltando ao seu rosto, esbravejando contra mim.
Eu não entendia porque as pessoas insistiam em me tratar assim.
Mas, eu não ia deixar isso acontecer. Não mais.
— Eu não admito que fale assim da minha mãe! E outra, eu não quero saber da porcaria do teu dinheiro – respondi no mesmo tom de ódio dele – eu só queria te conhecer!
Ele parou, me encarando sério. Parou por um segundo, deu dois passos à frente e olhou em meus olhos.
— Ou o senhor esqueceu das coisas que falava pra ela? – respondia sem desviar o olhar.
Seus lábios tremeram de raiva, e ele cerrou as sobrancelhas o máximo que pôde. O rosto dele estava sem cor, como se tivesse visto algo que não queria.
— Eu, eu... – a voz dele soava temerosa – Eu quero o teste.
— Eu também – cruzei os braços, encarando-o da mesma forma – faço questão disso.
— Então segunda – ele deu as costas pra mim – a gente resolve isso.
Ele me olhou de relance, por seu ombro.
— E se isso for verdade, temos muito o que conversar.
Gesticulou com sua mão direita e entrou em sua casa, batendo a porta. Não precisava dizer nada para saber que aquela conversa tinha sido encerrada. Entramos de volta no carro sem dizer uma palavra.
Ainda estava tensa e o sentimento de revolta percorria o meu corpo. Aquele homem mal conhecia minha mãe para dizer uma coisa dessa, e ainda tinha a coragem de dizer que queria o extorquir. Seria mais fácil se fosse assim, porque pelo menos eu não teria ido de tão longe só para ver aquele sujeito.
— Nunca o vi tremer na base como ele fez agora – Alfredo comentou enquanto dirigia e eu me mantinha com a cabeça encostada no ombro de Cíntia, que me reconfortava – acho que porque ele teve certeza que você era filha dele.
— Por quê?
— Seu gênio é igual ao dele – ele soltou um riso sonoro – idêntico.
— Ele disse que muitas pessoas vão até ele dizendo isso... – eu murmurava, e ambos riram.
— Isso é conversa dele – Cíntia comentava animosa – ninguém tinha feito isso. Tadeu não sai com ninguém da cidade, tanto que sua ex esposa não era nem daqui.
Dei com os ombros. Aquela conversa tinha me cansado o suficiente para não ter ânimo para responder, porém algo ainda passava em minha mente.
— Eu vou embora.
— O quê? – Cíntia disse praticamente pulando do banco – Por quê?
— Eu vi pra passar uns dias e já estou esse tempo todo... – suspirava alto – Já é abusar da hospitalidade de vocês.
Ambos começaram a rir novamente.
— Se o problema for esse, tu nem deveria se preocupar – Alfredo negava com a cabeça – ou acha mesmo que sua presença está incomodando ou coisa do tipo?
— Não sei...
— Claro que não, querida – Cíntia amenizava os risos – você já é da família agora.
Em meio ao caos do dia, ouvir aquilo tinha me reconfortado. O caminho inteiro foi silencioso com exceção da música que tocava no rádio da caminhonete e por Cíntia acariciar minha cabeça. Lembrei tanto da minha mãe que senti saudades de estar com ela em um momento daquele.
O resto do dia seguiu-se normal. Cristiano ao me olhar, nada perguntou. Acho que meu semblante mostrava que não tinha sido nada bom, e Alfredo avisou a mim que Tadeu tinha entrado em contato com ele para falar sobre o teste, com local e hora marcada para comparecer.
A raiva que sentia me fazia até esquecer de que tinha ido para conhece-lo e estreitar minha relação com ele. Eu só queria que aquele teste desse positivo pra mostrar para ele que eu estava certa e mandar ele se foder novamente antes de ir embora.
Só lembrava do jeito que ele olhava, e ria com sarcasmo. Queria que aquilo nunca tivesse acontecido, mas dizia a mim mesmo que tinha feito o certo e que não era de tão ruim tudo que aconteceu. Se não tivesse ido até lá, não teria conhecido Cristiano e sua família acolhedora e os dias quentes e divertidos com coisas simples que tinha ali.
A noite caía, e o céu estrelado reluzia acima de mim. Como o calor acompanhava o do dia, tinha me sentado no jardim, olhando para os pontinhos brancos que piscavam. Por causa da pouca luminosidade ao redor, dava para ver com mais atenção do que eu via em casa.
Senti um leve cheiro de ervas chegar até mim, que se intensificavam até que uma figura conhecida sentou ao meu lado.
Catarina usava suas vestes de dormir, um caderno de anotações debaixo do braço e seu cigarro feito por ela mesmo entre os dedos. Sentou-se ao meu lado e deu uma longa e demorada tragada.
— Soube que o encontro com seu suposto pai foi uma merd*.
Achava peculiar o fato de que ela sempre falava dos piores assuntos comigo. Enquanto evitavam falar sobre, como Cristiano que sequer comentou, a primeira frase que ela falava era sobre o tal assunto.
— É...
— Você bateu mesmo de frente com ele?
Concordei com um aceno.
— Por quê?
— Porque só me tratam como se tivesse vindo atrás de dinheiro ou coisa assim – dei com os ombros, não deixando de comentar o que ela mesmo fez comigo.
— Não sabia mesmo que o Tadeu é dono de tipo, metade dessa cidade?
Comecei a rir com sarcasmo.
— Claro que não – balançava a cabeça, a encarando de relance – até porque ele dizia outra coisa pra minha mãe.
Catarina arqueou as sobrancelhas, surpresa.
— Como?
— Ele pra minha mãe é uma pessoa qualquer – me voltei a olhar pro céu estrelado acima de nós – que tinha tentado a vida lá pra tentar ajudar a família e acabou voltando por conta dos pais. É isso.
Ela começou a rir como resposta.
— É sério isso? – dei os ombros como resposta – Não acredito! Então Tadeu Monteiro se fazia de coitado pra sua mãe?
Encarei-a de relance, e ela me encarava de volta, tentando conter o riso.
— Por que você acha que ele se calou?
Ela pressionava o cigarro com seus lábios, voltando a encarar a noite.
— Só falta me dizer que sua mãe sustentava ele lá – ela deu um sorriso de canto – aí isso vai ser...
Só a forma como pressionei os lábios e gesticulei com a cabeça já deixava a resposta óbvia. Ela me olhou surpresa, levantando as sobrancelhas.
— Não, Teodora, por favor – ela gesticulava com o cigarro nas mãos para que eu me sentasse, ainda com o rosto risonho – me conta essa história.
— Não tenho muito o que falar – disse me sentando ao seu lado – e outra, parece até que é meio... Idiota.
— Claro que não é! – ela fez uma careta – Realmente quero saber como foi isso.
— Eu não sei de muita coisa pra te falar a verdade – disse franzindo o cenho, lembrando do que minha mãe tinha contado – eles foram trabalhar no mesmo lugar, acabaram sendo apresentados, e... Ela não fala muito disso.
— Ressentimento, talvez?
— Meu pai pra minha mãe não basta de um cara que foi embora da vida dela e nunca mais deu notícia – dei com os ombros mais uma vez – e se ele sumiu... Por que ia se importar com um filho?
— Ela tem um bom ponto – ela voltou a tragar o cigarro – mas não é pior do que o cinismo de Tadeu de inventar toda uma história pra ela esse tempo todo.
— É assim mesmo – suspirei cansada – a gente não pode esperar muito dos outros. Por isso que falei o que falei na hora, foi o suficiente pra ele não falar mais nada sobre dinheiro.
— Você foi foda – disse ela entre um sorriso – em bater de frente com ele por causa da sua mãe. Isso é que ter confiança em alguém.
— Minha família é tudo pra mim – olhava para a frente, pressionando os lábios – eu jamais vou admitir que destratem alguém que eu gosto e ficar calada. Sou muito apegada a ela e minha tia, era muito apegada com minha avó, já ele... Bom, eu o conheci agora, né?
— Entendo... – ela concordava mais uma vez – Bem, então devo salientar que sua mãe fez um ótimo trabalho.
Catarina levantou-se e apagou seu cigarro no cinzeiro ao seu lado, com o cheiro de ervas se dissipando no ar.
— Boa noite, Teodora.
Catarina seguiu para dentro de casa, e fiquei do lado de fora por mais um tempo. Quando fechei a porta do jardim, bati no quarto de Cristiano, que ainda estava acordado e ali ficamos a madrugada inteira jogando e vendo vídeos, rindo baixo para não acordar os outros integrantes da casa.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 21/02/2024
E isso Téo coloca Tadeu no lugar dele.
Rapaz homem tudo igual em Téo mentiu pra tua mãe e ainda deu de brabo.
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