Capitulo 5 - Ciladas do coração
Logo ao adentrar o barzinho, uma observação me ocorreu: para cada desapontado no amor que surgia, uma melodia do Reginaldo Rossi ecoava no ambiente. A banda iniciou um bloco musical dedicado ao ícone dos corações partidos, ao cantor dos cornos e defensor das mulheres.
“Garçom, aqui, nessa mesa de bar.
Você já cansou de escutar, centenas de casos de amor.
Garçom, no bar todo mundo é igual,
meu caso é mais um, é banal.
Mas preste atenção, por favor.”
Ser corno ou não ser? Dizem por aí que todos são, e o azar é de quem descobre. Há um ano, Cecília entrou no nosso quarto me acordando como se a casa estivesse pegando fogo. Ela confessou estar apaixonada pela minha irmã e que não tinha intenção de reprimir esse sentimento. Apenas precisava que eu soubesse, pois não queria ser desonesta com ninguém. Exatamente um ano e seis meses se passaram desde então. Ela lançou essa notícia em minhas mãos como uma granada sem pino e partiu. Não me desesperei, sequer senti raiva. A notícia não era realmente uma novidade.
Posso confessar algo? Por muitas vezes, achei Amanda a pessoa mais desatenta do mundo ao me apresentar Cecília e ainda tentar fazer o papel de cupido. A cumplicidade, a troca de olhares, o sentimento evidente entre elas era inegável. No entanto, fui conquistado pelo encanto daquela loira e seu jeito impulsivo. A amizade delas era tão sólida que acreditei não haver problemas em me casar com alguém que, a qualquer momento, poderia admitir sua verdadeira sexualidade.
Após o casamento, pensei que fosse apenas paranoia minha imaginar que Cecília poderia ser semelhante à minha irmã. Mesmo assim, acabei encontrando maneiras de nos afastar de Amanda. Isso me faz um manipulador e cretino? Juro que essa nunca foi minha intenção.
Confesso! A verdade é que me apaixonei por Cecília, e essa paixão se transformou em amor. A ideia de perdê-la me assustava profundamente. Conforme os dias passavam, percebi o impacto que exercia sobre o comportamento dela. O peso da culpa se tornou insuportável, e, como resultado, acabei me afastando. Enquanto meu casamento desmoronava, Cecília e Amanda se reaproximavam cada vez mais, até cogitavam abrir o próprio escritório. Sentia a necessidade urgente de reconquistar minha esposa.
Após seu retorno de um simpósio, convidei-a para uma viagem. Juntos, exploramos as belezas e a tranquilidade que apenas uma pousada na serra mineira poderia oferecer. Tudo parecia sair conforme meu planejado, e os olhos de Cecília brilhavam com cada detalhe e surpresa. Parecíamos mais unidos, de repente, ainda havia tempo para salvar nosso relacionamento.
À noite, jantamos próximos à lareira, sorrimos e compartilhamos histórias. Com algumas taças de vinho artesanal, exploramos os arredores da pousada, admirando a natureza noturna. Ao retornarmos ao quarto, a paixão entre nós se intensificou. No entanto, a realidade se revelou cruel. Durante nosso momento íntimo, Cecília murmurou o nome de Amanda mais de uma vez, sem perceber. Seu sorriso perdido e os gemidos revelavam que sua mente estava em outro lugar. Deveria ter parado, questionado, ou até mesmo confrontado minha irmã. Contudo, imerso em dúvidas e temores, permaneci inerte. Ao amanhecer, enquanto Cecília dormia tranquilamente, eu continuava sentado, observando-a e refletindo sobre o que poderia fazer para não a perder.
Confesso que já sabia. Sabia que a havia perdido. E não posso culpar Cecília, nem mesmo Amanda. O único culpado sou eu. Culpado por não ter tido a coragem delas, por não ter sido o irmão que minha irmã acreditava que eu fosse. Culpo-me por saber que se amavam e só precisavam de um empurrãozinho, mas fui egoísta, querendo aquela felicidade só para mim. Quando me questionavam sobre minha inação, por que não tomei uma atitude, por que não impedi que Cecília pernoitasse na casa de Amanda após um beijo apaixonado, ou porque não senti raiva, eu não sabia o que dizer. Até hoje pela manhã. O que aconteceu hoje pela manhã? Recebi a visita de Cecília, trazendo consigo os papéis do nosso divórcio.
“Saiba que o meu grande amor hoje vai se casar.
Mandou uma carta para me avisar,
deixou em pedaços o meu coração.
E para matar a tristeza, só mesa de bar.
Quero tomar todas, vou me embriagar.
Se eu pegar no sono, me deite no chão.”
Confesso... Amo Cecília como jamais amarei outra mulher, e meu coração está em frangalhos. Por que não tomei uma atitude? Por que não as impedi? Por que não lutei? Porque, embora ainda me sinta triste e as lembranças maravilhosas de como era estar casado com ela invadam minha mente, reconheço que Cecília jamais se sentiu completa, realizada ou sequer feliz ao meu lado. Ela tentou, e acredito nela quando disse que nunca teve a intenção de me magoar.
Sei que poderia ter tornado a vida delas um inferno, e mesmo que não tivesse Cecília de volta, poderia ter usado a culpa que sentiam para separá-las. Mas a verdade é que as amo demais e seria incapaz de causar mais transtornos. Amo-as e o que mais desejo nesta vida é que sejam verdadeiramente felizes. Quem sabe um dia possamos estar novamente sentados em um barzinho, conversando trivialidades, deixando o sentimento de culpa no passado e confraternizando como família, ou melhor, como bons amigos. Que nossas histórias, entrelaçadas por momentos de alegria e desafios superados, se transformem em lições que nos impulsionem para frente.
A vida é imprevisível, e talvez, no desdobrar do tempo, o destino nos reserve surpresas que nem podemos imaginar. Que Amanda e Cecília continuem caminhando juntas, que seu casamento seja harmonioso e próspero, e construam um amor pleno e uma história que as faça sorrir. No capítulo final desta jornada, escolho desejar a elas toda a felicidade do mundo, enquanto embarco na minha própria jornada de autodescoberta e aceitação. Que o amor, a amizade e a paz guiem nossos caminhos, e que o futuro nos reserve encontros cheios de serenidade e compreensão.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:

kasvattaja Forty-Nine
Em: 15/01/2024
Olá, tudo bem?
Boa história!
Quem disse que precisamos de 300 mil palavras para escrever-se uma boa história? Parabéns! Adoro contos curtos e diretos. Esperamos mais!
É isso!
Post Scriptum:
'Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. [...] Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá...'
Antoine De Saint-Exupéry,
Escritor
Resposta do autor:
Oi! Fico feliz que tenha curtido a história! Concordo contigo, às vezes menos é mais, e um bom conto pode dizer muito em poucas palavras. Adorei a citação do Saint-Exupéry, realmente, o amor genuíno é um sentimento que enriquece sem causar sofrimento. Muito obrigada pelo apoio, e pode deixar que mais histórias estão a caminho! Beijão e até a próxima.
[Faça o login para poder comentar]

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]