Nunca Te Amarei -- Capítulo 27

Luciana acordou com a luz do sol entrando timidamente pela janela. Sonolenta, disse a si mesma que deveria ter fechado as cortinas na noite anterior, mas ao olhar o relógio sentou-se imediatamente na cama: Oito horas? Olhou mais uma vez para o relógio. Sim, eram oito horas da manhã. Saindo da cama, correu para o banheiro.

-- Droga! A Kristen vai me lembrar desse atraso até a eternidade -- resmungou, irritada consigo mesma. 

Mesmo tomando banho e vestindo-se em tempo recorde não chegaria no horário. Prendeu o cabelo num rabo-de-cavalo, ainda sem acreditar que dormira tanto. 

O apartamento estava silencioso quando Luciana abriu a porta do quarto e pôs os pés no corredor. Parou por um momento, respirando o ar perfumado, notou de onde vinha aquele cheiro ao ver, no canto da sala, um grande jarro com rosas laranjas e amarelas. 

-- Que estranho!

Quando se aproximou da porta da cozinha, Matilde surgiu como um fantasma.

-- Meu Deus, mãe. Que susto!

-- Essas flores chegaram a pouco. São para você -- ela disse, antes que Luciana pudesse abrir a boca.

-- Para mim?

-- Sim, tem um cartão -- disse Matilde, retornando à cozinha. 

Luciana sentiu o estômago se contrair. Quem teria lhe mandado flores? Ela pegou o cartão e leu: Encontrei nestas rosas a maneira mais significativa de dizer-lhe: Bom dia.

-- Posso adivinhar? -- perguntou Laura da porta da sala. 

Luciana, balançando a cabeça antes de estender-lhe o cartão.

-- Fala.

-- Foi a Kristen.

Luciana gargalhou.

-- A Kristen? Mandando flores? Nem pensar. Ela jamais mandaria flores para alguém.

-- Então, quem você acha que foi?

-- Só pode ser o safado do seu João. 

-- Será que o tiozão teria coragem? 

-- Com certeza. Ele já fez coisas bem piores.

Laura balançou a cabeça concordando.

-- Verdade. 

Luciana olhou para o relógio e franziu as sobrancelhas.

-- Maldição! -- exclamou -- A Kristen vai me pendurar no lustre.

-- Eu também perdi a hora, está pronta?

-- Estou -- Luciana pegou a bolsa e se dirigiu para a porta -- Vamos.

Luciana estranhou que Kristen não estivesse esperando por ela na porta da sala, afinal, já passava das nove horas quando chegou na empresa.

Jaqueline estava regando as plantinhas e virou-se para olhar, quando ouviu os seus passos. Luciana levantou a mão para cumprimentá-la e percebeu que ela estava preocupada.

-- Bom dia. Algum problema? -- perguntou.

-- Bom dia. Tirando o fato de que a senhorita Kristen já perguntou por você umas dez vezes, de resto está tudo bem.

-- Sério que ela fez isso? -- perguntou nervosa -- Estou ferrada. 

Foi para sua mesa, desejando internamente que Kristen não aparecesse tão cedo. Distraidamente começou a se ajeitar para o trabalho.

-- Foi divertido ontem? -- perguntou Jaqueline -- Pelo jeito ficaram no apartamento do Jefferson até de madrugada.

-- Nem tanto. Cheguei cedo em casa -- disse, olhando para a tela do computador -- Bom, tenho que trabalhar agora. 

Jaqueline fez um sinal afirmativo com a cabeça e retornou ao que estava fazendo. No silêncio que se seguiu ela ouviu barulho na sala da presidência. Seus olhos foram imediatamente para a porta da sala. 

O toque do telefone a assustou.

-- Bom dia -- disse Luciana, gentilmente.

-- Ah, chegou! -- disse a voz de Kristen, cortante -- Será que pode me dedicar alguns minutos? -- e desligou violentamente. 

Julgando que Kristen devia estar muito mal-humorada. Luciana achou melhor ser simpática. Em silêncio, mas em grande expectativa, enfrentou o olhar cínico dela com um sorriso.

-- Bom dia, senhorita Kristen! -- o sorriso dela era forçado, os olhos brilhantes demais -- Desculpa pelo atraso, perdi a hora -- foi sincera. 

-- Deixa isso pra lá -- ela disse, surpreendentemente. 

-- Sério? -- Luciana perguntou, alçando as sobrancelhas.

-- Gostou das flores? -- perguntou ela, cerrando os olhos. 

Luciana a encarou surpresa. Os raios de sol que entravam pela janela banhavam Kristen, e seu jeans preto e sua blusa branca faziam dela uma bela e ardilosa deusa. O coração de Luciana deu um salto, e Kristen sorriu, dizendo:

-- Minha mãe me ensinou que, para mulheres de personalidade forte, a escolha certa são rosas cor laranja ou amarela.  

-- Então, foi você que enviou as flores! -- ela disse, após um momento calada, recuperando-se da surpresa. Aquela não era Kristen Donati. Ou era? -- Nunca imaginaria que fosse você.

-- Não gostou? -- ela fez menção de se levantar, mas tornou a sentar.

-- Amei, são lindas. Rosas são minhas flores favoritas, é que... estou surpresa.

O coração de Kristen retumbou triunfante em seu peito.

-- Você pensa que me conhece, Luciana. Sim sou romântica e acredito nas pequenas delicadezas. Como enviar flores e recitar versos, por exemplo.

Luciana cruzou os braços e sorriu como se não acreditasse.

-- Recitar versos? 

-- Sim, super normal.  

-- Não acredito, me mostra.

Kristen deu uma tossidinha para limpar a garganta:

Procurei uma rosa, encontrei um buquê.

Procurei uma namorada, encontrei você.

-- Que lindo! -- disse Luciana, lutando para conter o riso -- Pena que eu não quero ser a sua namorada.

-- Como você é... -- Kristen respirou fundo, tentando dominar sua raiva e sua crescente frustração. Não queria pôr seu plano a perder -- Como você é difícil -- ela fez uma pausa e olhou para o teto antes de acrescentar: -- Não vou insistir, já conhece as minhas intenções, portanto, vou lhe dar algum tempo para pensar.

Luciana a encarou com uma expressão de que não estava levando fé no que ela falava. Kristen não resistiu e acabou sorrindo.

-- Então, já pensou?

Luciana balançou a cabeça lentamente.

-- Como você é engraçadinha!

-- Sou mesmo -- ela respondeu, ainda sorrindo -- Não trouxe o Dudu?

-- Não. É a última semana de férias dele, achei melhor deixá-lo em casa com a mamãe.

Kristen ficou pensativa, por alguns instantes. Por fim, num tom cauteloso, indagou:

-- Posso pegar ele um dia dessa semana? Estou pensando em levá-lo para surfar na praia do Arpoador.

Foi a vez de Luciana ficar pensativa. Era uma aproximação que não tinha como evitar.

-- Claro, tudo bem. Ele vai adorar.

-- Pode ser amanhã? Eu pego ele em seu apartamento mais ou menos às nove...

-- Não! -- sua voz saiu nervosa. Não via problemas na aproximação de Kristen com Dudu, mas de Kristen com Matilde, o perigo era iminente. A mãe não tinha papas na língua quando se tratava de falar da vida de Luciana -- Prefiro que você pegue ele aqui na empresa. 

Kristen achou estranho, mas não perguntou o motivo.

-- Se você prefere assim, por mim tudo bem -- ela se levantou e olhou séria para a secretária -- Minha mãe me chamou para conversar. Ainda não tenho certeza qual é o teor da conversa, mas imagino que seja sobre o refeitório.

Luciana arregalou os olhos, vindo de Donatella boa coisa não seria.

-- O que tem o refeitório?

Kristen baixou os olhos e pegou alguns papéis de dentro da gaveta.

-- Donatella quer fechar o refeitório, ela entende que o custo é muito alto e que o vale alimentação é mais vantajoso.

Luciana respirou fundo.

-- O refeitório é o lugar onde a gente se encontra pra conversar, descontrair... Você vai permitir isso?  

Kristen olhou-a em silêncio. Era bem isso que Donatella queria acabar. A socialização entre os funcionários a irritava profundamente. 

-- Estou indo -- ela disse, com um meio sorriso. Em seguida, saiu da sala.

Profundamente concentrada no trabalho, Luciana ouviu um leve ruído às suas costas. Virou-se assustada e sorriu quando viu que Jefferson estava parado na porta.

-- O que é que você quer? Não trabalha mais? -- perguntou fingindo seriedade.

-- Esqueceu que o meu chefe não é mais o João bundão?

-- Ah, verdade!

-- Eu só vim lhe dizer que não vou poder almoçar com você hoje.

-- Tudo bem, eu vou sozinha. Obrigada por me avisar -- ela se remexeu na cadeira como se estivesse nervosa -- Sabia que a dona Donatella quer fechar o refeitório? -- ela gesticulou, agitada.

-- Ah, não! É o meu lugar preferido -- Jefferson disse como uma criança, numa voz que Luciana achou alta demais -- Quem te contou?

-- Foi a Kristen -- disse Luciana, pondo-se de pé -- Nesse momento elas estão conversando sobre isso.

Kristen olhou para a mulher sentada à sua frente.

-- Não concordo.

-- Eu insisto, Kris -- Donatella indicou os papéis -- Não gostaria de examiná-los antes de recusar?

-- Não será necessário examinar os seus papéis. Sem a menor possibilidade disso acontecer. Você deveria estar pensando em reformar e não fechar. 

-- Eu não acredito! -- Donatella riu com ironia -- Desde quando você se preocupa com o bem estar deste povo?

-- Qualquer dono de empresa de fundo de quintal sabe que, para uma boa produção, o administrador tem que se preocupar com o bem estar dos funcionários e trabalhar a motivação no ambiente de trabalho. 

Donatella olhou-a abismada.

-- Você parece o Arthur falando.

-- Sou filha dele, eu acho.

-- Está realmente pensando em reformar o refeitório?

-- Estou -- Kristen depositou a papelada que carregava consigo na mesa e encarou Donatella -- Só para comunicar, estou planejando construir uma creche ao lado do refeitório. Muitas mães não têm onde deixar os filhos enquanto trabalham.

Donatella encostou-se na cadeira e a examinou com preocupação.

-- O que está acontecendo com você?

 

 

Era hora do almoço e Kristen ainda não tinha retornado à sala, o que levou Luciana a pensar que ela tinha saído para almoçar fora da empresa. Depois de uma rápida refeição à base de salada e frango no refeitório da empresa, decidiu dar um passeio rápido pelas redondezas. Atravessou a rua correndo e parou diante da vitrine de uma lojinha de variedades. Ficou olhando para um anjinho de cabelos loiros encaracolados exposto junto de vários outros bonequinhos.

-- Que fofo! -- sorriu satisfeita por encontrar um presente tão lindo e ao mesmo tempo acessível ao seu bolso.

Enquanto caminhava de volta à empresa, pensava se Kristen já teria voltado. Ao entrar, viu que a sala da presidência ainda estava vazia. Suspirou, dominando o desejo de vê-la outra vez. Guardou o presente no armário e sentou-se diante do computador. Jaqueline havia pego a tarde de folga e deixado um punhado de relatórios para ela digitar.

Por volta das dezessete horas, desanimada e com passos pesados, foi até a janela. O dia arrastou-se monótonamente e tudo o que ela conseguiu fazer foi esperar por Kristen.

-- Que bela encrenca você se meteu, Luciana -- ela se recriminou por ser tão boba. 

O relógio lhe disse que era hora de ir embora. Quando estava abrindo o armário para pegar a bolsa, ouviu a voz de Kristen vindo do lado de fora da sala. Pegou a bolsa com o presente e esperou ela abrir a porta. Para sua surpresa Kristen não estava sozinha. Ao lado dela havia uma mulher quase da altura dela, cabelos longos, bem vestida. Linda, Luciana pensou.

-- Ainda por aqui, Luciana? Quer falar comigo? 

Luciana balançou a cabeça.

-- Posso esperar até amanhã -- ela respondeu, constrangida -- Não é nada importante -- jogou o embrulho dentro do armário, pegou a bolsa e saiu da sala, batendo a porta. 

A moça arqueou a sobrancelha e olhou para Kristen.

-- O que deu nela?

Kristen levantou os ombros.

-- Sei lá, Luciana é bipolar, nunca sei quando ela está bem.

-- Vamos ao que interessa -- disse Vanessa, estendendo uma pasta para Kristen. 

-- Bem elaborado, como sempre -- Kristen examinava as folhas com cuidado. 

-- Kristen Donati fazendo um elogio?! Com licença, que eu vou desmaiar.

-- Você me faz sentir-se um monstro -- ela disse, sorrindo -- Entre, sente.

-- Obrigada -- Vanessa sentou-se na poltrona de couro, de frente para a mesa dela -- Confesso que não foi difícil formular esse documento. São tantos os benefícios de ter uma creche na empresa que ninguém questionará a sua decisão. Aumenta a produtividade dos pais, melhora a retenção de talentos, proporciona mais flexibilidade, promove a saúde financeira, aumenta as lideranças femininas, entre muitos outros. Fiz também os cálculos que você me pediu. 

-- Perfeito! -- Kristen jogou os papéis sobre a mesa -- Vou marcar uma reunião para sexta, tenho muita pressa nesse projeto.

Meio hora depois, Kristen passou pelo saguão e chegou à rua. O carro estava no estacionamento, para onde andou lentamente. 

-- Parece cansada.

Kristen virou-se depressa ao ouvir uma voz feminina. Relaxou logo ao ver Luciana, aproximando-se.

-- Sua convidada deve tê-la exigido demais. 

Kristen sorriu.

-- Seria preciso mais que uma reunião com minha assessora para me deixar cansada. E você, minha encantadora secretária, está com ciúmes? -- sorrindo, ela viu o rosto de Luciana corar. Com gestos preguiçosos desligou o alarme e abriu a porta do carro esporte.

-- Você é muito convencida -- Luciana desviou os olhos.

Kristen sorriu suavemente e segurou o queixo dela.

-- Você me deseja, Luciana. 

Ela tremeu com o fogo do olhar de Kristen e tentou em vão libertar o rosto. Não podia gritar sim, sim, como seu coração pedia. Só lhe restava recorrer à raiva. 

-- Sua assessora? Aquela mulher linda e chique?

-- Pode acreditar. Ela trabalha para mim há anos, é extremamente inteligente, mas não é por isso que tem de ser feia.

-- Então ela é perfeita -- comentou, irritada -- Eu detesto mulheres como ela! -- naquele momento, Luciana percebeu o quanto estava sendo ridícula. Controlou-se -- Mulheres como a sua assessora -- continuou, corrigindo-se -- São uma injustiça da natureza com a grande maioria das mulheres que tem só um dos atributos: beleza ou inteligência.

-- Você é demais, Luluzinha -- disse Kristen rindo alto. Seu braço enlaçou Juliana, puxando-a para junto de si -- Onde está o seu carro?

-- Está com a Laura.

-- Então vamos, eu te dou uma carona.

-- Não precisa, vou chamar um Uber -- Luciana começou  andar.

-- Deixa de ser orgulhosa -- ela apontou para o carro -- Estou indo para a mesma direção.

-- Ah, acho que não, obrigada.

-- Tudo bem, então. Só insisto porque fiquei sabendo que um maníaco sexual vem agindo nesta região.

Luciana virou-se.

-- Mentira.

-- Prefere arriscar? -- ela abriu a porta do lado do carona -- Meu oferecimento continua de pé -- falou disfarçando a expectativa. 

Vários segundos se passaram antes que Luciana se decidisse. 

-- Tá bom, eu aceito.

 

Fim do capítulo