Uma e quinze da madrugada.

Faz quase meia hora que voltei. Era pra estar lá ainda, curtindo. Bebendo feliz e acompanhada. Rindo. Livre. Leve.

Mas estou aqui acabando com meu próprio estoque de vodca, uísque e até um Corote azul que encontrei pela metade na geladeira.

Não sei se queria você aqui comigo, ou se preferia nem ter te visto hoje.

Tive minha dose de sua presença, e foi tão pouco. Tão ridiculamente pouco! Por que você fez isso?

“Fica. Tá cedo. Olha o que eu tenho aqui pra nós!”

Exibi toda sorridente minha garrafa de Johnny Walker ainda lacrada. Tirei minha calça, abri minha camisa, te deixei ver minha calcinha especial. A que eu sempre usei com você quando queria te seduzir.

Você sorriu, pegou a garrafa de minha mão, encheu um copinho com uma dose assustadoramente pequena – um dedo e meio, sem gelo. Virou tudo de uma vez.

“Hoje não posso, gata. Estou muito cansada” – seu beijo com sabor de álcool amadeirado faz meu coração cair no chão.

“Porr*, para de mentir! Por que você faz isso?”

“Descansa aqui, ué!” – meu sorriso tentava ser sedutor, escondendo todo meu desespero diante de sua inevitável partida.

“Outro dia. Nossa, você fica muito gostosa com essa calcinha...”

“Fica! Pelo amor de Deus, fica!”

Sua mão me passa pela barriga e pela cintura. Já não consigo fazer jogo de cena: fecho os olhos e suspiro, excitada pra valer. Sua mão vai para minha bunda, seu corpo quente, vestido, se cola ao meu.

“Ai...”

Sinto seus lábios quentes no meu queixo, desenhando minha mandíbula. Você respira profundamente em meu pescoço.

“Sim! Coloquei seu perfume preferido aí! Fica pra senti-lo, por favor!”

“Você me deixa louca...”

Sua boca agora vem com força, dentes, língua, escancarando a minha boca para depositar toda a sua love bomb. Você me empurra devagarinho da cozinha para o quarto.

“Que saudades que eu tava de você, Natasha!”, eu queria gritar, feliz por ter vencido essa queda de braço contra sua volubilidade. Suas mãos agarram meus seios nus, sua língua passeia por eles.

“Olha só, que beleza!” – você contempla minha calcinha como quem olha para uma obra de arte. Deixo você arrancá-la.

“Senti sua falta!” – deixei escapar, enquanto você beijava suavemente meu baixo ventre, antes de finalmente chegar aonde quero.

“Também senti a sua...”

“Então não vá mais embora, por favor!” , quero suplicar, em meio ao prazer.

Seus dedos se remexem dentro de mim, com a mesma destreza malvada com que mexem com meu coração. Não resisto por muito tempo.

Mas cantei vitória muito cedo.

Tão logo você conseguiu o que queria, sorriu para mim, e seu sorriso é afável e preocupantemente distante.

Seu celular vibra no bolso de sua blusa de moletom. É óbvio que você não vai olhá-lo na minha frente.

“Agora tenho que ir mesmo, gata. Hoje não dá pra ficar. Prometo que, da próxima, vou passar o dia todo com você, pra compensar, tá?”

“Natasha...”

“Ketellen, não vamos brigar, por favor. Sempre que a gente se despede, tem uma mágoa. Vamos ficar de boa, só desta vez, tá?”

É claro que você colocaria, implicitamente, a culpa em mim. E é claro que, na vibração do seu celular, está a outra pessoa por trás da sua saída pela tangente às pressas.

Mas não digo nada disso. Meu silêncio triste é sumariamente ignorado por você, que pega sua mochila, suas chaves da moto em cima da mesa, e parte.

Há poucos minutos, com esta camisa de seda perolada, sem nada por baixo, me sentia a mulher mais feliz do mundo, linda, uma deusa adorada por você. Agora, me sinto uma palhaça nua, exposta ao ridículo por uma plateia invisível enorme, que ri de mim e da minha desgraça.

“Por quê?”

Te achei no Tinder, no Tinder por você me encantei. Agora, por causa do Tinder, todo dia, por dentro, por você, um pouco morrerei.

Eu só estava lá com minhas amigas, de novo. Uma presa inocente. Eu já estava quase me esquecendo de você, depois de tantas rodadas de chope. Eu estava indo dançar. Tinha recuperado um caquinho de minha autoestima.

E você tinha que estragar tudo!

É a quarta, quinta, sexta vez que você me manda uma DM ao me descobrir em qualquer lugar, distraída de sua lembrança, e vai atrás de mim me assombrar.

Se não quis mais nosso namoro, por que ainda quer meu vício em você?

O mais ridículo é que, agora, enquanto encho a cara sozinha na sala, escutando minha playlist de dor de corno – e você deve estar, neste exato minuto, fingindo que coloca outra em um pedestal, quando, na verdade, é você que está se colocando nele e fazendo outra trouxa te venerar – se sobressai de uma música uma frase que não poderia ser mais verdadeira: no fundo, eu sou tua vaidade...

Eu teria preferido a dor de te ver aos beijos e amassos com outra bem na minha frente, do que essa mentira, da qual não tenho coragem de desacreditar, de que ainda sou alguém muito especial para você, segundo suas próprias palavras...

Me pego rezando para que você apareça namorando alguém! É loucura isso, mas é a verdade! Me desiluda! Me dê um tapa de realidade bem forte na cara! Desgoste de mim pra valer! Me jogue nas águas geladas de algum lago no norte da Escandinávia! Encontre uma joia de valor maior para exibir por aí como sua nova conquista, e me deixe partir!

Não se aproveite mais de minha fraqueza!...

Se canse de mim, por favor! Porque eu não tenho mais forças pra me cansar de você!...

Fim do capítulo