CAPITULO 14
NYXS
Segundo Heloise, nossa médica particular, o desmaio de Calíope foi apenas uma fraqueza devido à perda excessiva de água no momento em que virou uma . A bola de fogo, a energia gasta na brincadeira de gato e rato não surge do nada, assim como toda magia. Se for usada em excesso, tiramos da reserva, e nosso corpo humano não aguenta. Minha tia sempre fica atenta às mudanças que ocorrem em nosso corpo quando usamos magia.
Heloise foi abençoada pelo anjo Rafael Arcanjo no momento de seu nascimento. Seu padrinho junto a Uriel lhe deram sabedoria, faltava apenas um ciclo para ela ser considerada pós-graduada em magia. Nesse momento, estava examinando Calíope ainda no chão e conversando com Nara.
― É apenas um reflexo do organismo que foi disparado. A pressão arterial dela caiu, o fogo drenou a reserva de água estocada e o coração bombeou rápido, levando ao desmaio. Precisamos saber se ela também controla o gelo, para ensiná-la a bombear água e controlar seus níveis. ― Heloise guardava seu material hospitalar em uma mini-maleta. Quando os instrumentos eram guardados nela, a magia se transformava em um tablet comum. Foi um presente de quando passou pelo primeiro cio. O único pedido que o anjo Rafael fez foi que ela fizesse bom uso dele e nunca permitisse que caísse em mãos erradas. Por isso, ela sempre a trazia consigo, ninguém a tocava, nem a sua própria mãe.
― Nyxs, me empresta sua garrafinha com água? ― Nara pediu, já esticando a mão. Do local onde eu estava, joguei a garrafa, e ela a pegou no ar, já abrindo e obrigando sua irmã a beber. Pouco tempo depois, Calíope voltou a si, ainda meio fraca, e a primeira coisa que fez foi procurar a causadora de seu mal-estar. Iara, que estava próxima, entendeu seu olhar, e dessa vez não fez brincadeiras, demonstrava apenas preocupação.
― Como está se sentindo? Pode andar como humana ou acha melhor ir como loba? ― Nara fazia uma pergunta atrás da outra.
― Continuo tonta. Melhor ir como loba. ― Quando estou transformada, os sintomas sentidos pela forma humana desaparecem. Em muitas situações, essa habilidade era capaz de salvar uma vida.
E Calíope se transformou numa loba vermelha incrível. Nunca a tinha visto transformada, só a via como humana. Mas como uma loba era linda, um pouco mais baixa do que a maioria das guerreiras, mas sua variedade de cores, variando do vermelho sangue ao amarelo-ouro, lembrava uma tocha ardendo levada pela ventania dentro da mata incendiando tudo.
Inaê bateu no meu ombro e gesticulou com a cabeça na direção de sua gêmea, que tinha se transformado na loba cinza e estava deitada em cima das patas dianteiras olhando para a loba de fogo. Sua respiração ofegante indicava que tudo dentro dela estava quente e precisava de ar fresco para se acalmar.
― O que está acontecendo? Eu nunca vi minha tia assim. ―Sussurrei pela nossa ligação.
― Eu também não, ela parece hipnotizada. Acho que foi presenteada com a runa do gelo quando foi gerada, por isso sente atração pelo fogo da mesma forma que eu sinto pela água.
― Já imaginou o tamanho da confusão cada vez que ela ver a Calíope transformada? Estava pensando... Lembra que no dia em que vocês foram declaradas uma dupla? Nahemah falou que tinha mais duas guerreiras que iam entrar e que haveria, em determinadas ocasiões, troca de duplas?
Não conclui o raciocínio. Vendo Iara daquele jeito, as coisas começaram a clarear. No momento em que ela falou, ninguém deu importância, estávamos mais focados nas lutas e no anúncio das duplas. Ela falou que as regras tinham mudado. Eu estava achando que a dupla da Iara era a Calíope e a dupla da Inaê era a Heloise, mas por enquanto era melhor guardar as teorias só para mim.
Nara e Calíope partiram como lobas, sua ausência sempre deixava um vazio no meu peito. Enquanto Nara, estava muito preocupada com a irmã, a nossa preocupação se chamava Iara , que voltou à forma humana tão logo as lobas sumiram das nossas vistas e não falou nada do que tinha acontecido, no entanto seu olhar estava vidrado para os lados por onde as lobas seguiram. Voltamos a treinar sob os gritos de Miriam nos chamando para a realidade, esquecendo os acontecimentos bizarros do dia por algumas horas.
Quando cheguei em casa, minha mãe Lilith foi logo me dando sermão por sair de casa na madrugada. Depois de tantos anos, ela já devia estar acostumada. Meu corpo simplesmente desapareceu do meu quarto e aparecia na casa de Nara, independente de ter alguém lá ou não. Quando criança, eu sempre aparecia do lado de fora da casa. Ermelinda percebeu e passou a me esperar, ela me pegava no colo e deixava que dormisse junto a Nalum. Com o tempo, passei a aparecer no chão do quarto.
― De nada adianta eu impedir que você viva dia e noite na casa da Nara, se de noite seu corpo foge para lá. Eu não entendo, ninguém sai do corpo dormindo. ― Reclamou, exasperada.
― A Awa quando sai vai para outros mundos, eu pelo menos vou só para casa da Nana. O que eu não entendo é essa implicância toda. ― No fundo, eu sabia que ela tinha medo que a alfa me desse uns amassos.
― Não é implicância, é cuidado. A Nara é uma loba laçada, mas não está morta, e, segundo as fofocas, quando sai da reserva, não dispensa nada. Eu não quero minha filha sendo falada por aí.
Tive que ficar ouvindo o sermão. Eu não respondia não por ser medrosa, mas para acabar logo. Se eu retrucar, ela falaria a noite toda. Minha mãe vence qualquer um no cansaço. Depois que me deixou só, tomei um banho para relaxar o corpo, já que a mente era impossível, e fui ler.
O livro fazia parte de uma coletânea de doze livros que havia ganhado, contando a história do mundo dos feéricos, o mesmo que sem querer Calíope abriu um buraco na muralha. O primeiro volume contava como a muralha foi erguida, do tratado entre humanos e feéricos e da sua função de separar os dois povos. Nesse sentido, era muito parecido com a cerca mágica de Salém, que separava a reserva do resto do mundo.
Estava tão imersa na história que só ouvi Nana me chamar quando já estava quase se esgoelando. Minha mãe Ameth perdera meu marca página outra vez, então não tive escolha a não ser marcar a página com um elástico de cabelo.
― Mãe, vem aqui fora! ― Nalum grito.
― Filha, por que a Nalum não entra? O que vocês têm tanto para conversar que sua mãe não pode ouvir? ― Minha mãe Lilith surgiu na porta do meu quarto. Eu era a única que não dividia, minhas tias e meus irmãos compartilhavam outros dois quartos. Havia bastante gente na casa, morávamos todos com a minha avó e sua parceira Sandy. Eu gostava da aglomeração, mas quando eu tiver uma parceira quero ter minha própria casa.
― Não sei, mãe, deve ser coisa dela. ― Ela segurava um vestido preto e dois cordões. ― A senhora vai estender roupa a essa hora? Está quase anoitecendo. ― Eu sabia que não era, mas queria desviar a atenção da presença da Nana lá fora.
― Não. Por quê? ― Ela me olhava meio desconfiada, daquele jeito que as mães sempre fazer.
― Por nada. É que vi esses cordões aí na mão da senhora.
― Que cordão, menina? Isso aqui é meu vestido para a festa. Quero abalar as estruturas e ser a mais gostosa. — Ela balançou o vestido na minha frente, mostrando a peça.
― Será com certeza. Essas tirinhas vão ficar um arraso. A festa é na boate da senhora e da Gilles? ― Elas montaram uma boate quando se encontraram na metrópole. Coincidentemente, ambas estavam fugindo. Minha mãe ainda se apresenta no palco uma vez por semana.
― Sim, será um show beneficente para arrecadar dinheiro, alimentos e remédios para o lar das crianças humanas órfãs. ― Ela respondeu pensativa, e eu sabia o que a incomodava.
― Não vá se a senhora acha que minha mãe vai ficar chateada. Ou então, se for, vá sabendo que está machucando a pessoa que a senhora mais ama. ― Ela ergueu as sobrancelhas.
― Quem é você, moça, e onde está a minha filha?
Dei um sorriso largo, esquecendo dos meus problemas amorosos por alguns segundos.
― Aqui mesmo. ― Desmanchei o sorriso ao entrar em um assunto mais sério. ― A senhora é que não vê que já sou adulta e quer me tratar como se eu tivesse a idade do Jammil, pelo amor da deusa eu já tenho 21 anos, a muito tempo pela nossa tradição eu já sou adulta.
― Quando for mãe, vai entender. Quando você era criança, vivia dormindo dias às vezes semanas sem um motivo e ninguém sabia explicar, a não ser a aldrava que ficava do seu lado segurando a mão,em outros momentos chorava tanto que partia meu coração, sentindo dores das quais eu não sabia como ajudar. Eu tinha medo que algo acontecesse, sempre tive e ainda tenho. Isso que você não entende, é cuidado de mãe.
― Eu sei, mas a senhora não pode me colocar numa redoma. Tem que confiar em mim, deixar eu me arriscar na vida. ― Pedi. ― Mãe, eu sou a única loba com mais de vinte anos que as mães tratam como uma débil mental. As mães, não a senhora, porque a mamãe Ameth confia em mim. ― Não disfarcei o tom triste na voz. Estava sufocada.
― Quem disse que não confio? Em você, eu confio. Não confio é nos outros, principalmente quando vejo como olha para a Nara. E não quero que sofra, apaixonada por alguém que vive suspirando por uma loba que ficou no futuro.
― Mãe, eu...
― Mãe Nyx, é para hoje! — Nalum gritou lá fora, felizmente interrompendo o que eu ia dizer. Quase contei para minha mãe o meu segredo.
― Além disso, tem essa garota te chamando de mãe, enchendo sua cabeça de bobagens. E é por isso que mantenho você longe delas. Já passou da hora. A qualquer momento, a mãe dessa aí aparece e aí, como é que você fica? Já pensou?
Eu sei que ela estava pensando no meu bem, mas não foi nada bom ouvir aquilo. Só em pensar em um dia Nana deixar de me amar dava vontade de desaparecer do mundo e nunca mais voltar. Dessa vez, minha mãe enfiou o ferro quente numa ferida exposta. Acho que ela viu a dor nos meus olhos, pois se aproximou e passou a mão nos meus cabelos.
― Eu sei que agora você pode me achar uma megera, mas um dia vai me agradecer pelo que estou fazendo.
― Eu sei, mas a senhora não pode impedir que eu sofra. A dor vai fazer parte do que eu sou, e eu não posso arrancar o que sinto de dentro de mim. E nem vou fugir, eu não sou covarde, mamãe. — Minha mãe suspirou e sabia que, sem querer, eu a tinha machucado chamando-a de covarde. Quando ela e minha mãe Ameth trans*ram pela primeira vez, ela fugiu, me levando dentro da barriga sem saber. Só queria fugir do sentimento, com medo de sofrer, e com isso quase me matou.
― Vá lá ver o que sua amiga quer dizer de tão importante que não pode ser dito aqui dentro.
Passei pela minha mãe Ameth no caminho, que me olhou e foi direto para o meu quarto. Desacelerei, ouvindo o que ela dizia.
― Por que a Nyxs está com aquela tristeza no olhar, o que vocês conversaram?
― Você sabia que sua filha está, ou melhor, sempre esteve apaixonada pela alfa? Nós sabemos que isso não vai dar em nada, Nara é apaixonada pela mãe da filha dela.
― Ela te falou isso? — A voz da minha mãe é a de quem já conhecia a companheira e, por isso fazia de tudo para evitar discutir, ao contrário da minha outra mãe.
― Não precisa, amor, está escrito na cara dela. E ainda tem essa menina chamando-a de mãe para cá, mãe para lá, só para confundir a cabeça da minha filha. Quando elas eram pequenas, era até bonitinho, mas agora está ficando ridículo.
― Amor, não implique com as meninas. Eu confio na nossa filha de olhos fechados, e tenho certeza que Nara nunca faltaria com o respeito com ela. Isso que você está fazendo é superproteção. E outra, se elas duas quiserem ter alguma coisa, ninguém pode impedir.
― Eu impeço, sou a mãe dela e acabou o assunto. — Minha vontade de voltar e entrar na discussão era grande, mas saí mesmo assim.
Minha mãe começava uma briga por qualquer coisa que não estava do gosto dela e, quando percebia que não tinha mais argumento, encerrava o assunto. Era sempre complicado discutir com ela e defender o que a gente acreditava ser o certo.
Fim do capítulo
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