Capitulo 20
No topo da montanha, depois de uma subida de quase uma hora, Walkiria desabou na grama rala e buscou o ar com força. Há tempos não se desafiava naquele tipo de atividade, contudo, com a cabeça a fervilhar, sabia que a solução era extenuar o corpo. De cara para o céu de fim de tarde, tentava desenhar o contorno das nuvens com a ponta dos dedos, enquanto seus pensamentos bailavam num vaivém frenético. Os últimos dias tinham sido tão maravilhosos...a todos os níveis. Seu trabalho fluía muito bem, tinha acabado de pagar mais uma parcela da dívida com o banco e pela projeção financeira, estava claro que teriam dinheiro para quitar as duas próximas prestações. Para quem até bem pouco tempo estava com medo de perder a unidade, aquele cenário era bastante auspicioso.
Nahima...como não sorrir? Riu alto e a risada ecoou pela cadeia de montanhas. Passou a brincar com a ponta dos seus dedos enquanto tentava acalmar o coração. Tudo era tão perfeito, não o perfeito irreal e muitas vezes desejado com ânsia doentia. Tudo era perfeito para seus moldes de se relacionar. Nahima atendia exatamente ao que ela esperava de uma pessoa que estivesse ao seu lado, ainda que só descobrira por ela lá estar. Confuso? Talvez, mas ela tinha entendido mais de si, através da relação com a italiana. Não estavam sempre juntas e isso para ela era fundamental. Gostava de seu tempo sozinha, ainda mais que se considerava ranzinza e ninguém era obrigado a aturar suas oscilações de humor. Não existia aquela exigência da presença que muitas vezes a sufocara em outras histórias. Nahima tinha o espírito livre e estava sempre a inventar mais uma aventura, a conhecer gente nova, a desbravar novos mundos...era tão bom vê-la sorrir.
Sorriu e apertou os olhos de tanta emoção ao lembrar-se da capacidade de Nahima arrancar-lhe risadas, mesmo quando a situação não era tão propícia. Ela tinha o dom de amenizar...tinha tantos dons. Tinha o dom de deixá-la saudosa e era uma saudade boa de sentir porque sabia que em algum momento ela apareceria com seu sorriso aberto, suas tiradas inteligentes e os melhores beijos da vida. Ahhhh, esse capítulo...que sintonia. Nahima se encantava com pequenas coisas e isso era tão apaixonante. Lembrar da reação dela ao receber um bolo surpresa no dia do aniversário, era um combustível para nunca reclamar na vida. A alegria tinha sido tão genuína diante daquele ato singelo, que teve que fazer uma força quase titânica para não chorar. Por onde andaria sua fama de seca? Fria? Riu daquele pensamento para imediatamente voltar ao estado de alerta. Sentou-se nas pedras e tentou sem muito sucesso, colocar as ideias em ordem. Não conseguia apenas ficar feliz. Impossível! A voz doce e sonolenta de Nahima pedindo que vivessem apenas o presente não conseguia fazer eco. Nem a terapia tinha ajudado...nada conseguiria acalmá-la. E já se conhecia para saber que sua mente perturbada não a levaria a bons portos. Suspirou...respirou fundo e deixou-se ficar pela montanha...
*****
-Greta, ainda vais demorar? - Walkiria já estava impaciente. Greta interrompera a reunião para atender a uma ligação importante e esquecera da vida.
Da janela de vidro era possível vê-la à conversa, gesticulando e ouvindo com atenção o que o interlocutor dizia. Poderia dizer que ela mudara de semblante. Talvez tivesse ficado um pouco cabisbaixa. Queria terminar logo aquela reunião de planeamento e focar na viagem que faria ao Sal. Apesar do redemoinho em que se encontrava, sentia muita satisfação na deslocação à sua ilha.
-Desculpa Wiki, mas era o Gary e tu sabes como é, nossa comunicação ainda carece de alguma fluidez.
-Vocês precisam aprender crioulo, a falar fluentemente. - Sorriu.
-Eu falo bem melhor do que ele, mas já estou por cá há mais tempo.
-Precisamos fechar o planeamento mensal para eu me dedicar à viagem.
-Mas quem trata da logística sou eu...
-Sim, e muito bem. Mas preciso ler alguns documentos, me atualizar, não gosto de entrar muda e sair calada.
-Tu? Difícil!
Risos.
-Foco, dona Greta.
Algum tempo depois, com o planeamento fechado, Walkiria indagou sobre a aparente inquietação de Greta.
-Nada te passa ao lado, sócia. Que mulher perspicaz...
-Não sei se sou perspicaz ou se tu és muito transparente.
Risos.
-Gary estava com as emoções em ebulição...
-O que aconteceu? Ele não costuma ser muito explicito nos seus sentimentos...
-Não...tens razão, mas há coisas que conseguem derrubar aquela solidez toda. Estão na aldeia a preparar uma festa de despedida para Nahima. Ela é tão querida por lá, aliás, ela é querida em todo o lugar. Até eu que a conheço mais superficialmente, vou ter saudades. Imagino tu, o Gary, o pessoal que convive diariamente com ela.
-Quando será a festa? - Walkiria batia freneticamente a ponta da caneta no tampo da mesa.
-Acho que por esses dias. Segundo Gary, ela vai embora na quinta-feira. Ela não te confirmou a data?
-Não...ontem ainda não tinha certeza e nos vimos muito rapidamente. Ela voltou muito tarde da Praia...
-É, por esses dias ela tem estado ainda mais ocupada...fecho do projeto, delinear os passos com o Gary...acho que ela faz algum trabalho na Praia também, enfim...
-Hum-hum...- Walkiria parecia alheia. O olhar estava fixo num ponto algures fora do escritório. - Greta, antecipa a minha viagem ao Sal em um dia, por favor. Acho que terminamos por hoje. Certo?
-Sim...
Num rompante ela levantou e deixou o escritório. Greta desabou na cadeira, soltando um longo suspiro. Reconhecia aquela atitude, algumas vezes criticada, mas naquele particular, abria-se claramente ao entendimento.
*****
Deitada nas pernas de Nahima, com os olhos fechados e respiração pausada, Walkiria recebia carinhos na cabeça. Queria poder controlar a mente e focar apenas naquele instante, no presente como diria algum coach de meditação mindfulness, mas estava tão distante daquela maravilha. Sua mente acelerada projetava exatamente para a solidão dos dias que se avizinhavam. Poderia não se acostumar tão rápido às coisas, afinal tinham sido apenas 3 meses. Três intensos e felizes meses. Parecia mais...parecia uma vida...vida era tudo o que queria, o que explodia em si quando tinha aquela italiana por perto.
-Estás bem? Estou aqui a falar de comida e a senhora não reage.
Nahima riu alto diante do olhar de reprovação de Walkiria.
-Afinal tem alguém aqui. Vamos jantar com Greta e Gary? Ele é um ás na cozinha, mas é claro que já sabes. - Sorriu.
-Eles nos convidaram?
-Sim, meu bem. O pessoal do hotel também vai, e mais alguns amigos meus daqui. - Piscou.
-Então deve ser uma festa de arromba, porque tu conheces a ilha inteira.
-Exagerada! Mas eu fico feliz, porque em todos os lugares onde trabalhei, sempre tem eventos parecidos quando vou partir para um novo desafio...
Walkiria encarou-a com um olhar enigmático e subindo pelo seu corpo, beijou-a com uma intensidade impar. Era um beijo de saudade, carregado de fome e de uma vontade insensata de eternizar. O encontro de suas bocas era sempre uma explosão de vida e calor, afeto e desejo crescente. Ficaram entregues por um tempo que não se media...
-Ei, senhorita, vamos ficar por aqui? - Perguntou Nahima com voz sonolenta.
-Estou com fome... - Walkiria não movia um músculo do seu corpo. Queria estar ali, grudada à pele de Nahima.
-Eu também...novidade.
Riram.
-Entendo a tua porque a minha está cavalar.
Risos.
-Então, colabore...me ajuda a sair daqui...
-Hum-hum...- Continuava sem mexer uma veia.
-Wiki...eu já vou embora...as pessoas querem se despedir e eu também. Prometo que voltamos logo para cá, ou para a tua casa...para onde quiseres...
-Tu já sabes que eu não vou me despedir de ti, não sabes?
-Como assim?
-Não vou! Eu não me despeço nem da minha mãe...não gosto. Me sinto vulnerável, nunca sei qual será a minha reação. Não gosto! Não vou!
-Ok! - Nahima sorriu, não levando a sério aquele rompante. - Será que agora podemos levantar para repor as energias?
Walkiria finalmente ergueu o corpo e encarou-a com um olhar apaixonado.
-Se me ajudasses, facilitaria...- Puxou-a para mais um encontro de bocas e sentidos.
*****
Nahima entrou no hotel num estado exagerado de euforia, até para os seus padrões sempre exultantes. Queria passar suas últimas 48 horas em terras cabo-verdianas preenchida do melhor sentimento que sua alma tinha experimentado ultimamente. A ansiedade galopante devia-se à ausência de notícias de Walkiria. Já perdera a conta das vezes que ouvira a mensagem de telefone desligado. Ela às vezes tinha essa mania quando precisava ter mais foco no trabalho. Walkiria e suas manias...
Pensou em bater no loft já que não a via pela área comum do hotel, mas desistiu ao se dar conta que ela só poderia estar enfiada no escritório. Mas não estava. A porta estava fechada, mas as janelas de vidro possibilitavam ver o interior, e dela nem sinal. Dirigiu-se à receção com o coração galopante.
-Olá, boa tarde. Pode avisar à Walkiria que estou aqui, por favor? - Estava tão impaciente que tamborilava a ponta dos dedos no balcão.
Estranhou o sobressalto do rapaz, que não teve tempo de concluir o que ia dizer. Greta entrou de repente pela lateral e interrompeu a fala do rapaz que imediatamente retomou os seus afazeres.
-Nahima...boa tarde. Tudo bem?
Alguma coisa no semblante de Greta, chamou a atenção de Nahima. Seria uma tensão no olhar? A testa estava franzida...
-Tudo bem...
-Tomas um chá comigo?
-Hum-hum... claro. - Alguma coisa não estava bem. Fato. A sua perspicácia gritava.
No lounge, a agitação atingiu o limite do suportável.
-Greta, aconteceu alguma coisa? O teu desconforto salta aos olhos. - O dela, também ameaçava explodir em agonia. - Por que a Walkiria tem o telefone desligado? Eu preciso falar com ela, preciso vê-la...agora.
Greta respirou fundo e Nahima sentiu seu corpo estremecer. O que estava a acontecer?
-Eu não gosto desse papel...- Balbuciou Greta.
-Que papel? Onde está a Walkiria? - O tom de voz estava alterado.
-Ela viajou...ela foi para o evento no Sal.
Nahima arqueou o corpo para trás como quem recebe um soco no peito e em seguida começou a rir.
-O Gary já me tinha dito que tu és engraçada e que numa hora ou outra, eu teria a prova.- Sorria.
-Meu Deus, a Walkiria me coloca em cada situação...não é brincadeira...infelizmente não é brincadeira. Ela está no Sal. Foi hoje mais cedo...
-Não! Claro que ela não foi. O combinado era que viajaria daqui a dois dias, após a minha partida...
-Ela não gosta de despedidas...Ah Nahima, a Wiki é intempestiva, mas eu entendo...
-Entendes o quê? Que a tua amiga é uma egoísta? Infantil? É isso que entendes? - O tom beirava o descontrole.
-Cada um tem a sua forma de reagir...
Nahima suspirava e batia a cabeça em negação.
-Wiki tem particularidades que às vezes são difíceis de entender, mas ela é maravilhosa. - Greta tentava amenizar a situação.
-Para, Greta! A Walkiria foi cruel...infantil...eu não acredito que ela fez isso...não acredito...- Com as mãos segurando a cabeça, desmoronou sobre a mesa.
-Ela me disse que te alertou que não gosta de despedidas...
-E eu achei que fosse brincadeira. Ela não tinha o direito de decidir por mim. Foi isso que ela fez. Porr*, foi isso que ela fez. Eu queria tanto passar meus últimos dias com ela. Já entreguei minha casa...queria ficar aqui com ela...talvez tenha sido precipitada...talvez...ela dá cambalhotas na minha vida...não sei...não sei...
-Podes ficar aqui no hotel...lá em casa, se preferires. Eu e o Gary ficaremos felizes se aceitares...- Greta não sabia mais o que dizer. Nunca passara pela sua cabeça ver Nahima naquele estado de derrota. Ela sempre irradiara alegria, boa disposição...
Fez-se um longo silêncio. O nevoeiro invadiu a serra e elas ainda estavam sentadas no mesmo lugar.
-O que vais fazer? - Greta perguntou num fio de voz.
-Se eu pudesse, me fundia a esse nevoeiro... as nuvens com certeza não sofrem...- O desalento era tocante.
*****
Carla observava a amiga enquanto ela discorria sobre mais um assunto dos vários que tinham em pauta e concluía que algumas coisas nem o tempo mudava. Alguns medos de Walkiria persistiam. Fantasiados de outra coisa, mas nada mais eram do que medos que a perseguiam há anos.
-Ah Wiki, estou tão carente de amiga, podias ficar lá em casa. Nem vais precisar dividir a cama comigo, agora tenho dois quartos espaçosos e com mobília bonita.
-Tu, carente? - Walkiria riu alto. - Tu és a pessoa mais independente que conheço...- A figura de Nahima invadiu-lhe a mente. Também muito independente...
-Não te vejo há tanto tempo. Queria reviver nossas sessões de pipoca, série coreana e tu a bocejar e a reclamar.
Risos.
-Só uma amizade muito forte para me convencer a assistir série coreana. Carla, não achas mesmo que eu paguei a pequena fortuna para estar cá nesse evento, e não vou desfrutar de tudo o que tenho direito. Terás tudo de mim, mas fico no hotel 5 estrelas.
Gargalhadas altas.
-Amiga, preciso desse mimo para não enlouquecer...e não reclames, estamos juntas desde a hora que cheguei.
-Ainda não enjoaste?
-Não cheguei nem perto.
-Walkiria, preciso dizer que não concordo com essa tua atitude. Sei que vais argumentar como sempre fazes e muito bem, mas não foste coerente.
Walkiria bufou remexendo a palhinha do gin.
-Foi uma fuga, uma atitude intempestiva...
-As coisas foram acontecendo para que...
-Não senhora, tu forçaste para que a tua fuga soasse como outra coisa qualquer. - Interrompeu-a.
-Pode ser, Carla. Mas o bom é que para curar a minha dor, estou na minha terra e ao lado da minha amiga mais louca e querida.
-E num hotel 5 Estrelas!
Gargalhadas.
-Idiota!
-Wiki...analise bem a tua atitude. Não tens mais 24 anos...
-Como assim?
-Fizeste a mesma coisa com a moça da Croácia...fugiste para não despedir...
-Lembras de cada coisa...eu não gosto de despedidas. Nem da minha mãe eu me despeço...eu gostava da croata, mas isso foi em outra vida e eu tinha 24 anos...
-Imaginas como a tua namorada deve ter reagido?
-Ela não é minha namorada...
-É bem mais do que isso, tu és completamente apaixonada por essa mulher. Para de fingir, Walkiria.
-Não interessa mais...
-Será? Olha que ela é sagitariana...
-Lá vem ela com essa palhaçada de signos. Significa o quê?
-Não era palhaçada?
Risos.
-Ela não diz que sempre volta para cá?
-Ah, e agora vou passar mais 5 anos à espera que a italiana regresse?
-Italiana...que progresso! Vamos lá fazer o teu check in no hotel 5 Estrelas?
Risos.
*****
A sessão no evento de Turismo Mundial estava bastante interessante, mas não o suficiente para que Walkiria pudesse ignorar o brilho na tela do seu telefone. Mesmo com a tela virada para baixo, exatamente para não ser perturbada, a luz vibrante a cada cinco minutos clamava por sua atenção. Como proprietária de um pequeno hotel e de gestão quase familiar, não podia simplesmente desligar-se por completo, mas aquela insistência já estava a irritá-la. Não podiam esperar até o intervalo? Estavam cientes de toda a programação do evento, exatamente para saberem o horário que poderia atender. Provavelmente o mundo estava a acabar na Serra. Era seu pensamento irónico enquanto tentava ignorar aquela luz...
Enervada, virou o telefone já pronta para responder com uma mensagem ríspida. O sangue fugiu-lhe do corpo. Sentiu-se gelar da cabeça aos pés. O corpo foi sacudido na cadeira a tal ponto que provavelmente chamou a atenção da pessoa ao lado. Não conseguiria mais prestar atenção. Não ouvia nada além do bater descompassado do coração. Finalmente saiu da sala. Buscou o ar com desespero. Tremia-se toda. Olhou mais uma vez a mensagem e teve dificuldades em manter o aparelho firme nas mãos. Deslocou-se. Forçou-se a reagir, sair do lugar. O som dos saltos batendo contra o porcelanato competia com o barulho ensurdecedor do coração. Ele poderia sair pela boca. Respirou profundamente ao alcançar o ponto de encontro. Só conseguia pensar em Carla e nas suas loucuras sobre signos...ela é sagitariana.
-Olá! - A expressão dela era indecifrável. Tinha um leve sorriso e os olhos pareciam carregar alguma ânsia. As mãos pousadas sobre a mesa, dava a tudo um ar solene, quase distante.
-Olá...- Walkiria continuava a tremer e de forma descontrolada. - Eu não acreditei...eu não acredito. Não ias embora amanhã partindo da Praia? - Que pergunta idiota, pensou.
-Mudança de planos, como tu mudaste os teus. - O tom agora era claramente de crítica.
-Eu não gosto de despedidas...- Suspirou.
-Senta, Walkiria. Tens cinco minutos?
Sentou sem responder. Não se aguentava mais em pé. O corpo parecia ter entrado em colapso.
-Eu não tenho nada contra despedidas, ainda mais que elas podem ser um apenas até breve...
-Sabemos que não é assim... - Walkiria esfregava uma mão na outra numa tentativa de se acalmar.
- Mesmo que não seja, não te parece cruel o que fizeste? A mim parece-me infantil e egoísta...
-Eu me defendo como posso...
-Tu te defendes de mim? Não faz sentido...
-Nada faz...nada faz...
Olharam-se pela primeira vez. Olhos nos olhos. Sentimentos escancarados. Os conflituosos e os óbvios, todos expostos nos sorrisos, no franzir das testas e nos olhares ansiosos.
-Tu és muito doida! - Sentenciou Walkiria, rindo pela primeira após minutos de extrema tensão.
-O que chamas de loucura, eu defino como saber o que quero. - Nahima também sorria.
-E o que queres?
-Passar mais algumas horas contigo e nada vai me impedir...a menos que não queiras. Já te enjoaste de mim?
A intensidade daquela mulher...
-Estou no meio de um evento. - Desconversou mordendo o canto da boca.
-Eu sei que estás num evento importante e nem quero roubar muito do teu tempo. Eu sei que é importante para ti...
-Onde estás?
-No hotel de sempre, Morabeza. Lembras?
-Sim...
-Não te roubo mais do que meras horas...pode ser divertido. Uma pausa relaxante das horas de trabalho intenso. Eu sei que podes conciliar as duas coisas...
Intensa. Cómica. Irónica. Inteligente. Linda. Que combinação irresistível.
-Preciso regressar ao evento. - Já se levantava. Agradeceu pelas pernas terem voltado a sustentar-lhe o corpo sem sobressaltos. - Termina às 18 horas.
-Tu estás tão linda...ainda bem que sou doida, imagina perder um espetáculo desses. Os teus saltos altos eliminaram qualquer resquício de arrependimento que eu eventualmente pudesse ter.
-Doida varrida! Oh mulher...preciso voltar. - Sorria com os lábios, com os olhos, com o corpo. A alma estava em festa!
-Risoto de lagosta para o jantar? Conheço um restaurante maravilhoso lá perto do meu hotel. Foi-me indicado por uma mulher maravilhosa há 5 anos. Já me informei, e são muitos elogios nas avaliações dos últimos anos...
Walkiria riu alto e encarou-a com o olhar mais feliz possível. Ela toda era felicidade.
-O meu evento...até daqui a pouco...
Saiu andando com firmeza. Agora sim, podia caminhar ereta e ainda mais segura de si. Tudo passou a fazer mais sentido...
O som dos sapatos no piso agora parecia-lhe a melhor melodia. Sorria enquanto uma mão tentava controlar lágrimas que brotavam no canto dos olhos, e a outra segurava o peito arfante.
*****
A ansiedade estava a ponto de fazer explodir a mente de Walkiria, quando finalmente viu a figura da mulher que lhe preenchia por inteira, aparecer pelos corredores daquele restaurante. Suspirou aliviada e abriu seu melhor sorriso. As pernas, por baixo da mesa, batiam freneticamente.
-Desculpa pelo atraso, mas minha mãe quando me liga, meu Deus...
Risos.
-Nem estás tão atrasada...o barulho das ondas ajudou a acalmar a minha ansiedade... - Falou mais do que queria, mas não estava muito interessada em se policiar.
-Deveria ter chegado há meia hora. Eu prefiro sempre esperar a fazer os outros esperarem por mim. Lembras da nossa primeira vez aqui?
Walkiria bateu a cabeça afirmativamente enquanto sorria.
-Eu esperei tranquilamente...e se bem me lembro foi bem mais do que meia hora.
Risos.
-Sem dúvida. Parece que foi em outra vida e ao mesmo tempo tenho a sensação que foi ontem...loucura...
-Como foi o dia no evento?
-Muito bom! Bem melhor do que as minhas expectativas...aliás, essa viagem está a ser inesquecível. Uma perfeita viagem para lembrar para sempre. As surpresas têm sido a melhor parte e eu que teimo em dizer que não gosto de surpresas.
-Uma mulher em desconstrução...
-Desde o dia em que reapareceste à minha frente...com certeza.
-Tem valido a pena?
-Cada alegria, cada lágrima...cada suspiro...cada segundo...
-Por isso que ousei vir atrás de ti. Não me pareceu justo decidires por nós duas, quando sabemos claramente que o que queremos é mais um minuto juntas...
Walkiria assentiu e sentiu mais uma vez que lágrimas teimavam em brotar de seus olhos.
-Vamos comer o risoto divino? Estou com fome!
Nahima riu alto e olhou-a com ternura e um brilho intenso no olhar.
-Tu és a melhor companhia para comer...sempre cheia de apetite...
-É...de falta de apetite não posso me queixar. Meu apetite é voraz para muita coisa...
-Eu sei...e adoro...
Foram interrompidas pelo atendente que serviu mais vinho. Sorriram uma para outra, não disfarçando minimamente o desejo ardente que crescia a cada segundo que passavam juntas.
Algum tempo depois...
-Custa-me admitir isso, mas ainda bem que tu és uma completa insana.
-Meu amor, o mundo é dos loucos, ousados e que sabem o que querem. Confesso-te que tive receio que me mandasses dar uma volta em plutão, mas mesmo assim, arrisquei. A raiva foi um bom combustível...ah sim, tive muita raiva da senhora.
Risos.
-Desculpa...tive muita raiva de mim também, mas pareceu-me o mais sensato a ser feito. Ah, eu não gosto de me despedir das pessoas que são importantes, ainda mais quando não tenho previsão de as rever...
-Gostarias de me rever?
-Nahima, mimos a essa hora?
-Gostarias? - Insistiu.
-Prefiro viver isso aqui...eu gosto do que é palpável, concreto. Desculpa se sou muito...
-Chata! É isso que tu és, uma chata adorável ou eu estou maluca...sei lá...
-Temos tempo para um passeio na praia? A lua está tão linda... - Walkiria mudou de assunto. Não queria discutir, quando poderia aproveitar as poucas horas que lhe restavam da melhor forma.
-Eu tenho todo o tempo do mundo!
Na praia...
-Acho que já te disse isso muitas vezes, mas preciso repetir...tens o dom de me proporcionar as melhores experiências. Devo estar levemente embriagada e com certeza estou muito feliz. As pequenas coisas tornam-se grandiosas contigo...tens noção do impacto que tens na minha existência?
Walkiria respondeu com um beijo que nenhuma delas jamais esqueceria. Outros tantos vieram ao longo do passeio pela praia enluarada.
-O que achas de irmos para o hotel? Estou com saudades de te abraçar nua. - A intensidade de Nahima sempre passível de desconcertar Walkiria.
-Não consigo pensar em nada mais excitante, mas acho que esqueceste um pequeno detalhe...
-Hmmm?
-Estamos em hotéis diferentes e não vão permitir a minha entrada no teu quarto...o que é uma pena...
-Tu ainda não entendeste que não meço esforços para conseguir o que quero? Fiz reserva para duas!
-Doida! Que delicia...que delicia...
Entregaram-se a mais um momento de intensa paixão. Beijos com risos. Entrega sem ressalvas. Um mundo de novas possibilidades, que talvez ainda pudessem ser reveladas.
*****
Sentada na cama, Nahima comtemplava o sono de Walkiria. Já tinha acordado há bastante tempo e sabia que precisava acordá-la para dar vasão aos seus compromissos, sob pena de provocar o caos na cabeça daquela mulher que vivia pelo trabalho. Atrasos? Nem pensar. O dever acima de tudo. Um pouco exagerada? Talvez...sim, um pouco, mas aprendera a respeitar e a admirar sua forma de ser e tudo faria para que ela se sentisse bem. Aproximou-se um pouco mais. Respirou profundamente. Não estava preparada para abdicar de acordar assim. Nos últimos tempos tinha sido sua melhor rotina. Perfeito! Voltou a deitar-se, pousou delicadamente a cabeça sobre as costas nuas de Walkiria e iniciou um vaivém com a ponta dos dedos na pele quente e morena. Queria acordá-la sem sobressaltos. Queria apreciar a beleza única que era vê-la acordar. A sinfonia dos gemidos, a voz rouca e languida...talvez o único momento em que ela se entregava sem culpa à preguiça. Marcante. Inesquecível. Sexy. Apaixonante.
-Bom dia! Já amanheceu?
Risos.
-Meu bem, não queria acordar-te abruptamente, mas acho que estás atrasada...
-Será? - Walkiria riu de forma misteriosa, permanecendo languidamente na cama.
-Já passa das 10 horas...o evento não começa às 9?
-Hum-hum...
-Então?
-Eu também tenho os meus segredos...hoje é dia de B2B e as sessões que me interessam começam às 15 horas.
-Isso significa que vamos passar horas nessa cama? Ai...
-Significa que vamos ficar juntas até esse horário, mas não necessariamente na cama. Não é a senhora que adora o mar? Aventuras e afins?
-Sim, essa também sou eu...- Nahima sorria enquanto pensava que passaria todas as horas que lhe restavam naquela ilha, exatamente ali. Gostava de aventura sim, mas naquele momento...
-Estou com fome...muita...
Gargalhadas.
-Pela primeira vez na vida, não vou implicar com o teu apetite...estou faminta.
Risos.
-Gastamos muita energia a noite passada...- Virou-se ficando de frente para Nahima. Não demorou a iniciarem mais uma sessão que matava uma fome e reacendia outra.
*****
As horas seguintes foram passadas na praia mais famosa da ilha do Sal e que ficava em frente ao hotel que Nahima escolhera. Nadaram, praticaram desportos náuticos, riram muito, cada vez mais enlevadas.
-Às vezes é tão bom relaxar, não pensar em nada...
-Eu preciso de momentos assim para ter ânimo para os outros.
- A senhora é equilibrada, já eu...
Risos.
-Se praticares...não é difícil...
-Não é mesmo, ou talvez eu esteja a delirar por estar num sonho...isso não te parece um sonho?
-Nós duas aqui? Completamente relaxadas e encantadas e aproveitando o melhor que a vida tem a oferecer...o melhor sonho...vamos mergulhar? - O tom de voz entregava uma emoção diferente. A intensidade do olhar gritava o que os lábios não diziam.
Um pouco mais tarde, comiam uma refeição leve no bar de praia do hotel, quando Walkiria recebeu uma mensagem que obrigou a uma mudança de planos.
-O universo não quer conspirar a meu favor. Eu não disse isso, não acredito nessas coisas... peguei essa frase emprestada de alguma amiga mística...
Gargalhadas.
Nahima colou seu corpo ao dela, abraçou-a e repousou a cabeça num dos seus ombros. Respirou fundo várias vezes enquanto estreitava o contato. Walkiria cheirou-lhe o cabelo, a pele e depositou beijinhos por todo o lado.
-O bom de adiantarem um pouco a sessão de B2B é que vai terminar mais cedo e teremos mais tempo juntas. Pelo menos em teoria...
-Se os outros empresários forem como alguém que eu conheço...
Risos.
-O teu voo é que a horas mesmo?
-Shhh...vamos voltar para o hotel? A senhora já está atrasada e eu com vontade de ficar mais à vontade...
-Tu vais ficar na varanda enquanto eu tomo banho e me visto. Nahima, agora que me lembrei que estou com a roupa de ontem e que está amassada. Vou precisar passar no quarto do meu hotel para vestir algo mais apresentável para o evento.
-Eu me lembrei de trazer-te um bikini...o resto é tão supérfluo...
Risos.
-Maluca!
*****
A sessão de negócios corria muito bem e Walkiria, apesar do entusiasmo nato por aquela vertente de sua vida, contava as horas para aproveitar o outro lado. E sim, esse também era sem dúvida um lado bom e que precisava ser bem alimentado. O tal do equilíbrio que muitas vezes lhe escapava...
Nahima estava certa quanto à duração da sessão. Os empresários presentes no encontro mostravam-se ávidos para fechar a próxima parceria, ou para provar que seu produto era irresistível e nisso, as horas iam passando. Apesar de focada no momento, sempre espreitava o telefone. Ficaria mais algum tempo no evento e depois iria aproveitar as horas que lhe sobravam. A luz do telefone piscou e ela imediatamente abriu a mensagem. O sorriso esvaneceu depois das primeiras linhas...
"Meu bem, obrigada pelas horas no paraíso. Ousei em vir para cá e foi a melhor decisão dos últimos tempos. Tudo foi tão perfeito e no final me dei conta que tinhas razão...não consigo me despedir de ti. Impossível! Não falamos sobre o tempo que eu ficaria cá. Fi-lo sem pensar, mas ainda bem que assim foi. Já estou no avião e com a mudança de planos, consegui um voo direto para Londres. Até breve...espero."
Walkiria saiu da sala na velocidade de uma rajada de vento. Com mãos trémulas, apertou o botão que ligava diretamente para Nahima. Desligado. Controlou-se para não arremessar o aparelho longe. Freneticamente procurou por companhias com voos para Londres saindo naquele horário. Encontrou uma e para seu desespero o voo tinha acabado de partir. Olhou de um lado para o outro com quem busca por sentido. Desnorteada, arrastou-se até ao quarto. Depois de alguns minutos de inequívoca solidão, ligou para Carla:
-Venha para cá, por favor. Agora!
Fim do capítulo
Com amor,
Nadine Helgenberger
Comentar este capítulo:
Mille
Em: 13/06/2023
Oi autora
Ah momentos lindos e que acabou com a vingança da Nahima a Wiki. Mais creio que a despedida seria difícil para as duas, os sentimentos que criaram iria duelar.
Bjus e até o próximo capítulo
Nadine Helgenberger
Em: 20/06/2023
Autora da história
Muito obrigada.
Bjs
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brunafinzicontini
Em: 07/06/2023
Meu Deus! Walkiria me deixou louca, de novo, fugindo da forma como fugiu! Fiquei muito aborrecida e com pena de Nahima. Depois da reação maravilhosa de Nahima, respirei novamente, sossegada. Nahima é, realmente, uma pessoa especial. Qualquer uma partiria, furiosa, talvez para sempre. Mas... não. Ela foi atrás de Walkíria - felizmente! Sabia que poderiam desfrutar de mais alguns momentos maravilhosos, como de fato aconteceu. E, no final... surpresa! Fez Walkíria sentir o gosto amargo de seu próprio comportamento esgoísta. Bem... Wiki merecia isso, mas também fiquei com pena dela! E que reação! Será que ela voaria mesmo atrás da inglesa? Tomara que esse seja o conselho de Carla...
Beijos, querida autora! E boa semana.
Bruna
PS: Você não viu ainda, mas também comentei no capítulo anterior, tá?
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
A Walkiria é complexa rsrsrs às vezes eu tenho vontade de dar uns gritos na cara dela e olha que sou eu que dou vida a esse ser...rsrsrs. adoro!!!!
Eu nem sei se a Nahima quis pagar na mesma moeda, pelo que conheço dela, a razão foi outra...descobriremos mais à frente.
Nãoooo, ela não voaria atrás de ninguém. Ela deve ter ido ao aeroporto à espera de um milagre, que Nahima tivesse perdido o avião, qualquer coisa nesse nível. Mais do que isso, seria pedir muito à nossa Wiki convicta rsrsrs
Muito obrigada. Bjs
PS: respondi o teu comentário ao capítulo 19.
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Esqueci de avisar: não vou atualizar NBDP esse fim de semana. Estou muito atarefada e não sobrou tempo para escrever. Devo postar o capítulo 21 na teça feira. Bj
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Marta Andrade dos Santos
Em: 06/06/2023
Oxente! Nahima deu pra trás.
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Rsrsrsrs, será?
Muito obrigada.
Bjs
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Esqueci de avisar: não vou atualizar NBDP esse fim de semana. Estou muito atarefada e não sobrou tempo para escrever. Devo postar o capítulo 21 na teça feira. Bj
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Raf31a
Em: 06/06/2023
Provando do seu próprio veneno....
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Bem isso...
Muito obrigada.
Bjs
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Esqueci de avisar: não vou atualizar NBDP esse fim de semana. Estou muito atarefada e não sobrou tempo para escrever. Devo postar o capítulo 21 na teça feira. Bj
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mtereza
Em: 06/06/2023
Que capítulo intenso esse e o final então impactante, complicada a história das duas a Wiki dificilmente abrirá mão do seu hotel seu sonho e a Nahima com tanto coisa para fazer pelo mundo, trabalho, família sonhos também nem tão cedo deve voltar.Mas apesar das dificuldades espero que elas encontrem um ponto de convergência nas suas vidas que lhes permitam ficarem juntas.
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Pois é, elas têm um problema em mãos para resolver. Vamos lá ver o que acontece rsrsrs. Walkiria é bem convicta de suas escolhas, e ao que parece, Nahima também. E agora?
Muito obrigada. Bjs
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Esqueci de avisar: não vou atualizar NBDP esse fim de semana. Estou muito atarefada e não sobrou tempo para escrever. Devo postar o capítulo 21 na teça feira. Bj
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NovaAqui
Em: 05/06/2023
Espero que ela volte logo
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Muito obrigada. bj
Nadine Helgenberger
Em: 11/06/2023
Autora da história
Esqueci de avisar: não vou atualizar NBDP esse fim de semana. Estou muito atarefada e não sobrou tempo para escrever. Devo postar o capítulo 21 na teça feira. Bj
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Nadine Helgenberger Em: 24/06/2023 Autora da história
Sim...
Obrigada. Bjs