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Meu Passado Com Você por Bibiset

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Palavras: 7663
Acessos: 1249   |  Postado em: 02/05/2023

Notas iniciais:

* Contém descrição de pessoas com ferimentos de queimadura, o que pode ser sensível para alguns leitores. 

Capitulo 17 - Ninguém Mais, Ninguém Menos

- Mimada você, ein Lis?!


Isabella ralhou com a pequena filha, tentando esconder o riso. A garota fingia “beicinho” para avó, com uma carinha de cachorro abandonado.


- Vem, Denguinho. A vovó comprou umas bolachinhas pra você…

- Mãe! A pediatra proibiu, doces só quando tiver festinha… - Isabella

- Eu vou poder comer todos os brigadeiros da minha festa, né mamãe? - A menina havia acabado de fazer aniversário, mas já planejava o que comer do próximo.

- Isso se tiver festa, lembra? Nós combinamos, Lis… Festinha só se você se comportar… Comer direito. - Nem mesmo Isabella acreditava naquela ameaça, mas ela precisava ao menos tentar fazer a filha comer melhor.

Lis comia doces demais, além de recusar comidas mais saudáveis e depois de uma crise alérgica o médico pediu que Isabella diminuísse consideravelmente o açúcar ruim nos alimentos da filha, não era uma dieta, mas uma melhor educação alimentar.

- Uma bolachinha só, Bella. - A mãe da mulher insistia tirando a paciência de uma Isabella cansada.

- Eu quero, vovó… Por favor! - A menina pediu agarrando a cintura da avó, quase ignorando a presença da mãe.

- Não, mãe!

- Poxa, eu nunca tive essas frescuras de alergia. As crianças de hoje em dia não são como antes. Você era igualzinha e eu deixava… Tá viva e nunca morreu por isso.

- Haha, não morri, mas sofro pra melhorar minha alimentação… E as crianças de hoje não são como você foi… Assim como você também foi diferente da vovó e ela da bisa, etc.

- Ainda bem que não nasci nessa época, Deus que me livre, ter pais porcarias como os jovens de hoje!

Isabella olhou a mãe com rosto espantado, aquela grosseria toda só por causa de não poder dar doces à uma criança?! Isabella cerrou os olhos desconfiada, tinha algo errado.

- O quê foi ein, Dona Silvia? - Ela se aproximou da mãe. - Lis, vou picar uma maça, tá bom? Vai assistir um desenho enquanto isso.

Ligou no canal infantil e abaixou um pouco o volume antes de entregar o controle para filha, avisando:

- Sem mudar de canal, ouviu? Eu tô de olho em você lá da cozinha.

- Tá, mas maça não, mamãe… - O drama retornava.

- Metadinha só, tá docinha!

- Eu quero ligar pro papai.

- Depois… eu ligo e você fala com ele e com a tia Vê, tá bom?

A pequena de cabelos mais negros que a noite comemorou pulando no sofá, finalmente contente e em poucos segundos foi hipnotizada pela sereia cheia de glitters do desenho que passava na tela, dando espaço para Isabella voltar em direção à mãe.

- Desembucha! - Isabella quase ordenou depois de puxá-la em um canto da cozinha. Estava uma tarde ensolarada, bem comum na cidade, Isabella havia terminado o turno mais cedo para buscar Lis na escola, já que Fernando não pudera buscar naquele dia, por conta do trabalho. Ela já havia imaginado um banho demorado de todas as formas possíveis, dar a janta e colocar Lis para dormir, mergulhar na cama macia e aconchegante. Ligar para Camila e ouvir as novidades com a recente paquera da ex, mas também consciente de que poderia haver chances de Cami passar por Ribeirão naquela semana e quem sabe… Se “distraírem” um pouquinho. E ela estava precisando, Ulisses a lembrava disso praticamente todos os dias, insistindo que ela instalasse um aplicativo de encontros no celular, o que ela achava exagero demais, não estava tão desesperada assim. O que Ulisses não sabia era que ela já havia instalado e desinstalado o aplicativo um sem número de vezes, mas cada vez que conhecia alguém era uma novela marcar qualquer encontro, mesmo que fosse só para uma trans* rápida sem compromisso. A verdade era que depois do nascimento de Lis ela simplesmente estava “encalhada”, não fosse por Camila, ela provavelmente teria algo mais íntimo com alguém apenas a cada eclipse lunar. Ok, era exagero, mas não deixava de ser preocupante.

- Entrei na menopausa. - O foco dela imediatamente se voltou para a mãe, levantou as sobrancelhas surpresa com a informação.

A mais velha parecia desolada. Uma tristeza abatia seu semblante de uma forma que fez Isabella puxar a mãe para os braços sem pensar duas vezes. Abraçou-a forte, por que sabia desde sempre que a mãe temia esse dia. Lembrou-se de quando a mãe esteve com ela em seu primeiro sangramento. De como a ajudou, orientou. Silvia era uma mulher linda e cheia de vida, chegar nessa etapa da vida era aceitar que a juventude não voltaria, que a vida era finita, que estar vivo era envelhecer e o tique taque da vida às vezes soava um pouco mais alto para não nos deixar esquecer. Ela e Fábio tentaram engravidar alguns anos atrás, sem sucesso, mas isso não fora tão dolorido quanto parecia estar sendo esse momento para a mais velha.

- Ah mãe, não fica assim… - Isabella cheirou seus cabelos apertando-a com carinho.

- Vovó… mamãe? - Lis chamou estranhando as duas abraçadas, o que era raro. Lis tinha um imã para mudanças de humor em adultos, dificilmente conseguia disfarçar para filha quando não estava bem.

- Lis, toma… Liga pro papai e avisa que eu vou te levar na escola amanhã, por favor?! - Pronto, missão dada e a garota estava totalmente focada em cumprir o que a mãe pedia, pegou o aparelho discando com uma agilidade que Isabella sempre se surpreendia.

Virou-se novamente para mãe, eram melhores amigas quando Isabella era criança, mas lidar com a sexualidade na adolescência da filha trouxera certo distanciamento entre as duas, Lis fora quem as reaproximara um pouco, mas ainda assim mantinham certa reticência em carinhos ou contatos físicos, Silvia fingia solenemente que a vida sexual e amorosa da filha simplesmente não existia, a não ser que fosse com Fernando. Isso irritava profundamente Isabella, mas ela evitava confrontos com a mãe por esse assunto e isso se tornara uma pendência quase absoluta na vida da fisioterapeuta.

- Eu sei que iria acontecer, mais cedo ou mais tarde, mas mesmo assim… - Silvia fungou desolada.

- Faz parte da vida mãe, é algo absolutamente normal que não te torna mais ou menos mulher.

- Eu tenho medo, sabe filha?! - Ela saiu dos braços de Isabella, voltando a guardar a louça do jantar. - O Fábio diz que não se importa, mas eu não sou mais “aquela” mulher…

- Oi? - Isabella quase gargalhou perplexa, a mãe era um baita “mulherão”, como podia não enxergar isso? - Você tem noção do quanto fico feliz por ter puxado à senhora?

- Ai para vai, não é assim… - Ela sorriu modesta, pois para ela a filha seria uma das mulheres mais lindas na sua opinião.

- É sim! Você é LINDA! Eu me olho no espelho e torço todos os dias para ficar pelo menos com metade da beleza e disposição que você tem na sua idade.

- Na “minha” idade! Tá vendo? Eu sou uma velha… - Ela guardou a xícara com um cuidado quase sagrado.

- Você não é velha, vovó! Você é idosa. - Lis voltou correndo, descalça para variar, e entrando na conversa que não havia sido chamada.

- Lis! O que eu já te falei sobre ouvir conversas de adultos? - A mulher se agachou na frente da filha tentando ensiná-la.

- Vovó é idosa e você é o docinho da vovó! - E como num passe de mágica a tristeza da mais velha se evaporava quando estava com a neta. Lis se agarrou na cintura da avó, toda contente por se livrar da bronca da mãe.

- Vovó, tem bolacha? - Os olhinhos brilhavam famintos.

E Isabella revirou os olhos.

Quase meia noite quando chegaram em casa, com Lis pendurada em um dos ombros da fisioterapeuta. Isabella abriu a porta do apartamento com cuidado para não despertar a menina que ao contrário de quando era apenas um bebê, agora possuía energia invejável e com certeza não pegaria no sono tão cedo caso acordasse. Fechou a porta com o pé e antes que acendesse a luz da sala percebeu a silhueta na penumbra sentada no sofá. Seu coração deu um pulo antes do cérebro reconhecer e sorrir para a visita.

- Oi… - Camila sussurrou se levantando e indo até elas.

Pegou Lis do seu colo, com cuidado e jeito calculado, aprendido durante os primeiros anos de vida da criança. Em poucos minutos levou-a até o quarto que ficava logo ao lado do antigo quarto do casal e voltou pé ante pé, puxando a mulher para um abraço cheio de saudades.

- Eu achei que você voltaria só semana que vem. - Isabella sussurrou devolvendo os beijos que ela lhe dava no pescoço.

- Eu também, mas tive uma mudança na agenda de última hora. - Camila apertou sua cintura em um convite mudo.

- Eu tô suja, me deixa só tomar um banho…

- Não precisa.

A cabeleireira entrou em sua calcinha antes que pudesse prever, mas Isabella foi mais ágil.

- Espera… - Freou as mãos afoitas da outra, beijando-lhe com carinho em seguida. - Eu preciso de um banho. Mesmo.

As duas então foram para o banheiro e não houve tempo para conversas, os corpos se tocaram de forma tranquila e rápida, cientes de que se conheciam e se reconheciam e naquele momento o que precisavam não cabia em palavras. Dormiram assim que se deitaram e o dia amanheceu normalmente com Lis pulando sobre elas e enchendo Camila de beijos e abraços de saudades.

***

Micaela ajeitou os óculos e ampliou a lente da câmera que valia um pouco menos do que seu carro. Capturou dezenas de fotos, antes de mudar o ângulo e pedir à modelo que levantasse um pouco o ombro esquerdo e descesse o queixo, apenas para corrigir as sombras. A areia artificial se espalhou pelo cenário, seu assistente estagiário usava um pequeno secador para dar efeito ao movimento dos grãos.

- Isso! Perfeito!

Mais uma sequência de cliques e um sorriso maroto brotou dos lábios cor de pêssego da mulher que posava quase nua para ela. Era um ensaio fotográfico para uma artista plástica da elite Ribeirão pretana, trabalho que a morena aceitava “a dedo”, pois não era o foco principal do estúdio e muitas vezes só aceitava por ser indicação direta de Lorena. Micaela exigia cada vez mais da mulher, mesmo após uma noite agitada de muito sex* com ela, a maquiadora contratada pelo estúdio não escondeu sua surpresa ao avistar alguns hematomas pelo corpo da modelo. Micaela quase nunca se envolvia com clientes. Quase.

- Paula, por favor… - A morena pediu rindo baixo ao notar como a mulher de mais de cinquenta anos mordia os lábios e a olhava de forma lasciva.

- Chefe, preciso ir ao banheiro. –
- Seu assistente interrompeu timidamente, quase vermelho de tanto segurar a vontade de esvaziar a bexiga.

- Pelo amor da deusa, garoto! Vá de uma vez! - Ela quase gritou incrédula por ele estar “segurando” novamente. Ele tinha um medo infundado pela chefe, Micaela achava graça, mas preocupava-se em situações como essa, não era nada carrasca, não entendia o motivo de tanto receio com ela.

- Ah, enfim a sós…

- Não! - Micaela ainda tentou impedir que ela saísse do local que haviam meticulosamente montado, mas Paula era uma mulher milionária por herança e esposa de um dos empresários mais podres de rico da cidade, ninguém dizia “não” àquela mulher. E o marido? Pagava orgulhoso pelos “books” sensuais que Paula fazia todo ano, depois exibia excitado para os amigos mais íntimos. Micaela quase participara uma vez, desses “swings” abastados, contudo conseguira convencer Paula de que sua preferência sexual se limitava à momentos mais simples, segundo os participantes dessa prática.

- Saudades dessa sua boca mandona! - A mulher agarrou os curtos fios negros de Micaela forçando um beijo selvagem que prometia mais uma noite agitada, mas Micaela tinha outros planos. Mordeu o lábio inferior da outra arrancando-lhe um gemido de prazer com nuances de dor. - Ahhh, maldita deliciosa!

- Você quer ou não quer suas fotos antes do Natal?

A fotógrafa soltou-a sem esperar resposta e andou até seus equipamentos, pegou outra câmera, desta vez uma de menor tamanho, abriu-a verificando alguns ajustes e clicou enquanto Paula a devorava com os olhos. A morena sussurrou algumas obscenidades que fizeram a mulher abrir a boca salivando por ela, seus olhos castanhos claros ardiam como duas chamas prestes a incendiar o local, na ânsia de aliviar o desespero dos sentidos ela acariciava o próprio corpo, os mamilos roçando o fino tecido da blusa transparente que usava, suas unhas acariciavam ao redor deles, deixando-os ainda mais tesos.

- Vem… - A morena chamou judiando da pobre câmera e da sedenta mulher, capturando centenas de segundos daquela cena da forma mais real e insana possível, do jeito que Micaela desejava. Paula tremeu antes de avançar até ela como um predador em direção à sua presa. Antes do impacto entre elas, porém…

- Chefe, tem uma moça na recepção que quer falar com você.

- AAAAAHHH, moleque! - Paula quase rosnou saindo em direção ao vestiário. Micaela apenas riu, deixando orientações ao assistente antes de seguir em direção à recepção do estúdio para atender a visitante inesperada.

***

Diana admirava a decoração moderna do local, a sofisticação dos móveis e fotografias espalhadas por todas as paredes. As pessoas nas fotos porém contrastavam com a perfeição do lugar. Eram fotos de locais abandonados, favelas, outras de pessoas idosas em dezenas de poses e lugares. Diferente dos outros dois estúdios que ela visitou antes da indicação desse, não haviam fotos padrões, elevando beleza exterior ou poses enfadonhas, eram fotos de artistas de rua, cães e gatos sem raça, muros grafitados, crianças humildes em momentos cotidianos, pessoas comuns, paisagens peculiares… Não havia uma só foto de modelos ou eventos. Era confuso e ao mesmo tempo arrebatador, então ela pressionou a pasta que trazia em suas mãos, um tanto ansiosa. Afinal de contas era uma fotógrafa muito bem recomendada pela alta classe da cidade, contudo ali não havia uma só foto de alguma socialite ou político, mas também não poderia dizer que era um estúdio de qualquer esquina… Possuía uma sofisticação e elegância que iam além dos padrões mais altos ao qual ela já vira.

- Olá!

A voz rouca e austera saudou Diana e ela se virou conhecendo pela primeira vez aquela ao qual uma amiga tanto havia falado e indicado com uma confiança inabalável. Micaela possuía um estilo tão peculiar quanto suas fotos e estúdio, seus fios negros e curtos estavam meticulosamente desarrumados em um penteado que só podia ter saído de um excelente salão de beleza, apesar de parecer despojado, era evidente que havia um artista por trás do penteado. Os óculos também eram em estilo moderno, combinavam demais com o formato do seu rosto. Os braços com algumas tatuagens que se destacavam na pele, sua pose era imponente o que constrastava com sua aparência quase frágil e suas vestimentas nada femininas. Singular ela diria, se perguntassem.

- Olá, bom dia! Digo… boa tarde, já passa do meio dia. - Diana interrompeu os pensamentos, cumprimentando a bela fotógrafa à sua frente.

- Nossa! É verdade, a manhã voou… - Micaela estava realmente surpresa com a constatação do horário e por segundos franziu o cenho se desconcentrando da visita, logo voltou o foco para ela e ofereceu. - Aceita uma bebida? Um aperitivo?

- Agradeço, mas não. Peço desculpas por vir sem marcar horário, então não gostaria de tomar muito do seu tempo. Uma amiga que indicou seu trabalho… - Diana foi objetiva, precisava saber logo se de fato Micaela estaria disposta a aceitar o trabalho que ofereceria.

- Claro, sem problemas. Entre, por favor… Na minha sala conversaremos melhor.

A morena indicou o caminho levando Diana até um local mais ao fundo do espaço, uma porta de madeira pesada foi aberta e ela perdeu o fôlego diante a beleza do local. A decoração era excepcional, provavelmente quem decorara conhecia Micaela minuciosamente, ela estava em cada detalhe. Até o perfume do lugar trazia o efeito que a morena causava. Mais dezenas de fotografias se espalhavam pelo local de forma simples e ao mesmo tempo organizada, por incrível que pareça Diana já conseguia distinguir quais eram de autoria da mulher à sua frente e quais eram provavelmente adquirida de outros fotógrafos famosos ou não.

A loira sentou-se em uma poltrona macia de frente à uma mesa de centro, não havia mesa de escritório formal, era tão íntimo quanto estar em uma sala de estar de uma residência. Micaela acomodou-se na outra poltrona de frente para Diana, os pés descalços, até então não percebidos pela visitante, se aconchegaram entre as almofadas. Parecia mais um encontro de amigas, não de negócios e por incrível que pareça isso deixou Diana mais a vontade, a tensão se dissipando aos poucos, fazendo com que ela depositasse a pasta sobre a mesinha, abrindo a primeira página sem mais delongas, a fotografia amadora e simples, de uma de suas crianças, destacando tudo o que não caberia em palavras. Ela não precisou dizer mais nada, a morena entendeu tudo.

- Sua filha? - Os olhos negros brilharam, captando muito mais do que apenas o exterior mostrava daquela imagem. A foto, em zoom, tinha o rosto de uma criança sem os olhos, sem cabelos… uma das orelhas parcialmente arrancadas, a pele já cicatrizada, esticada e avermelhada, característica de uma queimadura que provavelmente tirara muito mais do que a pele daquele ser ainda tão jovem. A menina ainda assim sorria, os dentes de leite, os lábios também cicatrizados e finos, a mão sem dedos pousava na bochecha, numa pose “forçada” que possivelmente fora induzida por alguém que não trabalhava com fotografias, felizmente o sorriso era genuíno e mostrava que pelo menos quem fotografara era querido pela modelo.

- Ela é uma de nossas crianças… - Diana folheou mais páginas onde haviam fotos de um lugar com equipamentos médicos, antes de continuar a explicação. - Temos uma clínica de fisioterapia especializada em pacientes queimados… Meus pais são os médicos que fundaram a Ortosoul, eu sou a ortopedista da clínica, mas atuo basicamente somente na parte administrativa. Nossos pacientes em sua grande maioria são crianças… Mas atendemos todas as idades.

A morena se recostou inspirando o ar profundamente, sem tirar os olhos das folhas dispostas sobre a mesa.

- Certo, e você… - Micaela perguntou buscando respostas em sua expressão.

- E eu gostaria que você fosse a fotógrafa deles.

Micaela poderia não saber, mas a expectativa e ansiedade de Diana beiravam um limite que somente quem convive com pacientes dessa natureza entenderia, ela cuidava de suas crianças de forma única.

- Ok, e… Eles gostariam de ser fotografados?

Pela primeira vez Diana sorriu de verdade, um sorriso que Micaela retribuiu em seguida, ambas entendendo que dali poderia existir uma boa amizade. A confiança imediata foi recíproca.

- Responderei dizendo que modéstia a parte, nossa equipe médica é maravilhosa! Nós temos uma assistente social e um psicólogo que trabalham muito essa parte com as crianças, além das duas fisioterapeutas anjos que fazem o trabalho prático com elas, é contagiante ver a evolução do tratamento e muitas vezes elas mesmas registram os momentos das crianças com seus próprios celulares ou câmeras, como foi o caso dessa foto. - Diana apontou para a primeira foto. - A ideia de fotografá-las surgiu por sinal, a pedido de alguns dos pequenos, que se sentem tão a vontade com a equipe que pedem fotos em toda sessão. Com os adultos, que são na verdade os que possuem maior dificuldade em aceitação, nós temos uma outra equipe também dedicada, porém com eles trabalhamos em projetos mais voltados ao mercado profissional e ao social, então de início a proposta seria somente fotografias das crianças mesmo, mas futuramente penso que isso poderia se tornar uma inspiração para os adultos, entende?! - Ela exalava esperança.

Micaela sorriu novamente sem perceber, era inspirador ver a forma como Diana amava seus pacientes, assim como sua equipe.

- Nós começaríamos com fotos simples, como essa por exemplo, temos mais algumas… - A ortopedista continuou folheando novamente a pasta e mostrando algumas outras fotos dos pacientes que aparentemente estavam bastante confortáveis nas fotos. Essa era uma exigência de Micaela para fotografar pessoas, jamais fotografava quem não estava à vontade em ter sua imagem capturada. Muitas mães a criticavam exatamente por isso, queriam fotos de suas crias montadas e maquiadas, com poses ensaiadas, mas ela sempre conduzia para que fosse algo espontâneo, em um momento lúdico e descontraído, sem pompas e geralmente em locais escolhidos pela própria criança, o que fazia com que seu trabalho fosse exclusivo em certos aspectos e escolhido por clientes que valorizavam esse olhar artístico.

- Certo, vocês já pensaram em alguma proposta? Book, calendário…

- Sim, calendário era nossa ideia inicial, mas aceitamos sugestões, seu trabalho foi muito bem recomendado!

A empolgação de Diana era visível, ela se entusiasmava cada vez mais, inspirando totalmente Micaela que já fazia planos de sessões, equipamentos, cenários… Mal viram a hora passar e foi somente quando o assistente da morena avisou que Paula havia ido embora e dito retornar em outro dia, que Micaela percebeu o quanto tempo estava ali envolta com o novo projeto. Felizmente Paula tinha usado quase toda sua manhã, sem contar a noite anterior, então haveria de entender seu breve sumiço. Combinou então outra reunião com Diana, para próxima semana, desta vez na clínica, para falarem sobre valores e contrato, além de conhecer o espaço, a equipe e alguns pacientes. Micaela continuou sorrindo por um bom tempo após a saída de Diana, não entendia a razão, mas algo lhe dizia que aquele trabalho mudaria sua vida de uma forma extraordinária.

***

Isabella abriu o microondas pegando o prato de comida da filha. Havia esquentado o restante do almoço e Lis torceu o nariz ao ver o purê de abóbora junto do frango. Nisso, a pequena era a cópia de Isabella, a mãe suspirou esgotada com aquela seletividade alimentar, nada saudável por sinal.

- O laranja não mamãe, por favor! - A voz de Lis soou pedinte, os olhos negros brilhantes e suplicantes.

- Nem pensar! Nós combinamos…

- Mas mamãe…

- Lis!

- Mamãiiii… É laranja! - Ela fazia uma carinha fofa de nojo que fez a mãe contrair o rosto para não rir.

Isabella largou o prato em frente a garota, que encolhida no sofá da pequena sala, juntava as mãozinhas fazendo a cena mais dramática que seus longos cinco anos eram capazes.

- Eu vomito mamãe, você sabe… - Fez um beicinho lindo que quase a convenceu.

- Filha, se você apenas experimentasse sem fazer careta… É da mesma cor do salgadinho que o vovô compra. Um cúmulo você deixar de provar só por causa da cor!

As pequenas sobrancelhas negras se juntaram, formando uma expressão de dúvida.

- “Clumo”? O que é “clu..mlu”??

- Cú… mu… lo! E não mude de assunto, amanhã a gente estuda essa palavra. - Isabella puxou a mesa de centro da sala e se sentou de frente à ela, cruzando os braços em seguida. - Vai, uma garfadinha só, a mamãe temperou bem delícia.

- Écaatiiii!!!

A menina fez cara de náuseas ao cheirar o purê de abóbora, e depois com o dedinho pegou uma micro quantidade, antes de colocar na ponta da língua e quase realmente golfar de enjoo.

- Lis! - Isabella reclamou de rosto bravo e os ombros caíram desanimados. Ela sabia que não devia pressionar, sabia o quanto poderia ser traumatizante, contudo era desesperador ver a filha não se alimentar, correndo risco de ter uma péssima imunidade e complicações no crescimento. Mas era evidente que a menina não fazia de propósito, ela realmente tinha nojo de certos alimentos ao ponto de vomitar apenas com o cheiro, já levara em diversos pediatras e em sua maioria a resposta era a mesma: é normal nessa idade.

Verificou a hora e constatou que mais um dia ela não dormiria cedo. Pegou o prato da mão de Lis, sem nada dizer e rumou para cozinha. Despejou todo o purê de abóbora em seu próprio prato, já frio e ainda intacto, antes de voltar para sala e entregar o restante do frango para filha que assistia calada e receosa os movimentos da mãe.

- Desculpa mam…

- Sem sobremesa por uma semana. - Cortou sem piedade.

Depois deu as costas ignorando o berreiro que se formou. Pegou o prato da pia e jantou em pé mesmo, o pensamento longe fazia o cronograma do dia seguinte, os olhos cansados piscando lentamente e sedentos por uma boa noite de sono. Terminou e lavou os pratos em tempo recorde, minutos depois Lisbela já se entretinha com a televisão em uma carranca magoada e fofa que a mãe já conhecia de praxe e de outro rosto do passado… não se abalaria tão fácil. Lis tinha todas as qualidades que eram raras em uma criança da sua idade, era prestativa e muito atenciosa, fazia o dever de casa com foco e atenção invejáveis, não brigava com outras crianças e tinha empatia com o próximo, Isabella se orgulhava quando ela entendia que “tal” brinquedo não poderia ter, por que a mamãe não tinha como comprar. Porém possuía uma seletividade alimentar preocupante. Além de ser a rainha do drama, quando lhe convinha. Vovós, vovôs e titios caíam na sua lábia e o pai estava ainda aprendendo a dizer “não” para guloseimas e afins, sendo assim Isabella se tornava a vilã da família, a “monstra” que obrigava a pobre criança indefesa a se alimentar de abóboras, brócolis e espinafres, coisas que ela mesma só fora experimentar depois de adulta, graças a preocupação com a filha.

Deitou-se com um gemido escapando dos lábios, o conforto da cama sendo absorvido por cada poro de pele. Já de olhos fechados e agarrada ao travesseiro macio na esperança de recuperar as energias para o dia seguinte, não notou a pequena sombra ao pé da cama que sem pedir licença foi escalando até deitar-se atrás de Isabella. A pequena passou uma perna pela cintura da mãe e agarrou uma mecha de cabelos claros que logo colocou próximo ao nariz. Isabella sem forças sorriu e aceitou o carinho da filha, sabendo que seria julgada por qualquer supernanny, por deixar a pequena dormir com ela, ainda mais depois de um jantar falho daqueles.

Acordou com uma voz grossa e conhecida que vinha do corredor dos quartos e se levantou em um pulo percebendo que havia perdido a hora. De novo.

- Bom dia, rainha! Sua mãe está atrasada, não é?!

- Paaaaaiiii!!! Olha o que eu achei! - A menina pulou nos braços do pai segurando o pinguim de pelúcia surrado.

- Ah, que bom filha que você não perdeu… Ele tá meio nojentinho, né? - Fernando apertou a pelúcia com medo que um fungo saísse do bico do boneco, mas apenas um som fraco de “queeh” foi ouvido. - É, ele disse que morreu, mas passa bem... - Fernando sorriu fazendo um carinho na pelúcia encardida.

Lis gargalhou abraçada ao pai, mesmo não entendendo muito bem a piada e depois pulou para o chão correndo em direção ao quarto.

- Você chegou cedo. - Isabella apareceu de relance correndo de um cômodo ao outro e Fernando pôde visualizar o caos entre escova de dentes, sapatos, jaleco e meias. Ela passou por ele e cumprimentou-o com um pequeno e rápido afago no braço, antes de correr pra cozinha na intenção de ajeitar a lancheira da filha. - Não esquece de falar com a Suzie sobre “aquele” assunto , tá?!

- Isa, eu falei com ela na sexta-feira, ela me garantiu que a própria Lis que colocou sem querer o estojo na mochila da outra menina…

- Eu sei, eu sei… - Ela ofegou voltando ao quarto para pegar alguma coisa, depois voltava para cozinha e continuou. - Mas só por desencargo de consciência, por que eu tenho quase certeza que vi uma das crianças usando a canetinha de dinossauro na saída da escola e se roubaram da Lis, eu juro que…

- Isabella! - Fernando puxou suavemente seu braço quando ela ia em direção da sala, ela estacou atenta. - Desacelera… Respira…

A mulher endireitou as costas respirando repetidas vezes, mentalmente ela ouvia a voz doce da sua antiga terapeuta; cheire a florzinha e assopre a velinha. Se acalmou brevemente e sorriu agradecida, mas cincos segundos depois e ela voltava ao “normal” quase gritando a plenos pulmões por aquela criança que levava um século para colocar um sapato horroroso que NÃO era o de ir para escola.

- Onde a senhorita pensa que vai com essa pantufa, Liiiiiiiisss?!?!

O pandemônio de convencimento para vestir o uniforme durou poucos minutos, mas o suficiente para atrasar Fernando, Lis e Isabella.

Chegou na clínica quase esbaforida, os lábios semiabertos e a tez úmida, o nariz e as bochechas estavam rosados, denunciando todo o esforço que ela fazia quase que diariamente, por sorte o trânsito ajudara e ela estava no horário, bateria o ponto na hora exat…

- Bom dia! - A voz de Diana gritou de dentro de sua sala, quando ouviu Isabella passando pelo corredor da entrada. - Preciso falar com você um instantinho…

- Bom dia, já venho! - Isabella respondeu sem olhar para os lados, e apressou-se em registrar sua entrada. E aquele provavelmente foi o último segundo ao qual a correria do dia a dia, com Lis, pacientes da clínica, rotinas da casa, a alimentação precária da filha, a menopausa da mãe, a vida sexual quase inativa, a amiguinha cleptomaníaca de Lis, absolutamente tudo pareceu mais insignificante de se lidar, do que o que estava por vir. E ela fazia questão que ficasse registrado em cartório que em hipótese alguma, nem de longe, esperaria encontrar, quem encontrou ao abrir a porta de Diana.

… Silêncio sepulcral.

- Err… Oi? Isabella? - A voz de Diana soou como um grilo solitário depois do silêncio estranho e desconfortável que se seguiu quando sua visitante e sua funcionária se encaravam. A posição das mulheres eram exatamente as seguintes; Isabella com meio corpo para dentro e o restante do lado de fora da porta, desejando em vão voltar no tempo e faltado naquele dia, sem justificativas mesmo. Diana confortavelmente sentada em sua cadeira favorita, presente dos pais após sua conclusão com honras em seu doutorado. Por fim Micaela sentada de frente para sua nova cliente, o corpo agora meio de lado, encarando a porta e a pessoa que a abrira. A caneta hesitante, nas mãos da médica, enquanto seus olhos iam de encontro a Isabella, ou melhor, “a estátua”, e depois voltavam para a fotógrafa que mantinha a mesma pose gárgula, tão imóvel quanto a outra. Obviamente, apenas pelo semblante entre as duas, ficava mais do que evidente que ambas se conheciam. E não era apenas de vista.

- Vocês se conhecem? - Diana cortou novamente o silêncio que já se tornava mais do que constrangedor e pigarreou tentando chamar a atenção de sua funcionária favorita. Isabella era uma profissional incrível, era a menina dos olhos da clínica, jamais precisou ser chamada a atenção por nenhum trabalho, por isso naquele momento Diana preocupou-se com ela e com a forma que ela encarava a visita.

- Sim, de certa forma nos conhecemos... - Micaela pareceu se recuperar do choque inicial mais depressa do que a outra, antes que Diana pudesse tirar conclusões precipitadas, e totalmente fundadas. A morena então levantou-se estendendo a mão para a enteada de seu pai. - É um prazer revê-la, Isabella. - A voz da morena soou baixa, porém potente, os olhos negros presos ao azul oceânico.

Isabella tentou e ela poderia jurar por todos os santos e não santos, a força que fazia para não estapear aquela mão estendida na sua frente, mas assim que seus dedos se tocaram ela sentiu os músculos do braço rígidos o suficiente para ser a causa do que ouviu em seguida.

- Au… - A morena sussurrou e sorriu genuinamente, retirando com cuidado a mão que havia acabado de ser esmagada, evitando qualquer suposições por sua nova cliente que assistia a interação das duas com atenção e curiosidade. - Somos velhas conhecidas… Isso é bom, vai facilitar muito o trabalho e se você preferir eu posso…

A morena facilmente ganhou a atenção de Diana novamente, fazendo com que não reparasse muito na “estátua” (Isabella) se retirar da sala sem dizer uma única palavra sequer. Micaela continuou a explicação sobre seus serviços, materiais e prazos, não permitindo ao cérebro digerir aquele encontro inesperado. Falou por mais de quarenta minutos, minuciosamente, explicando detalhes relevantes e irrelevantes, para só assim perceber, ao respirar em uma pausa, sua mão ainda fechada… a mesma mão que cumprimentara Isabella. Inconscientemente temeu por essa reação, mas isso não passou de um rápido pensamento. Ela não era mais uma adolescente, os anos a moldaram de forma concisa. Sutilmente abriu os dedos e relaxou, sorriu para sua cliente transmitindo toda confiança e cuidado que estava disposta a ter com esse projeto. Isso era o objetivo e ela jamais perdia o foco quando se tratava de trabalho, ainda mais um como aquele.

Depois do atendimento do primeiro paciente, Isabella repetiu mentalmente para seu reflexo no espelho do banheiro, o quanto havia sido normal sua reação ao encontrar Micaela ali na clínica, afinal não é todo dia que o passado bate em nossa porta, ainda mais “aquele” passado. Obviamente que havia sido uma época turbulenta… Desagradável. Noites mal dormidas, choro e depressão, mas era passado. Olhou para seu reflexo novamente, os olhos azuis a encararam de volta. Molhou as mãos para depois umedecer o pescoço e a nuca, para enfim se concentrar em retocar a maquiagem leve que usava no dia a dia. Esfregou um lábio no outro, piscou algumas vezes, a mente rapidamente trazendo zilhões de informações inúteis ao mesmo tempo, lembranças, memórias. Vasculhou a bolsa em busca de um analgésico, sabia que a enxaqueca não tardaria em chegar, o dia já começara intenso e seu próximo paciente já devia estar esperando.

Deu de cara com uma Diana investigativa assim que abriu a porta do banheiro. Sorriu para a chefe e amiga, antes de apaziguá-la.

- Foi só uma noite mal dormida, Di. Peço desculpas…

- Eu sei que não está bem, mas sei que não vai desembuchar antes do almoço, então… - Apenas apontou em direção à sala de fisioterapia dos adultos, onde seu primeiro paciente da manhã mexia no celular distraidamente, e Isabella fechou os olhos baixando levemente os ombros, quase sentindo a desistência tomar conta do seu corpo, ela havia se esquecido que Marcelo, um paciente difícil, havia trocado de horário com a Dona Lola, a senhorinha que era praticamente dona de todas as primeiras sessões. - Ele é complicado, mas você é incrível e lida melhor do que ninguém com ele. Ah, e depois eu preciso te contar sobre o projeto que vamos fazer, sua “velha conhecida” quem vai nos ajudar e acho que você vai amar tanto quanto eu! - E ela saiu espirituosa, deixando uma Isabella pensativa para trás.

- Bom dia, Marcelo… Vamos começar? - Quem a via agora podia jurar que era outra pessoa, a máscara profissional lhe era tão fácil de vestir que apenas sorriu para a carranca do homem à sua frente, sem se abalar.

- Está atrasada! - O empresário guardou o celular em um armário, sem tirar os olhos dela. O cinismo escorrendo como veneno por sua boca de pele ressequida por queimadura, mas já bastante cicatrizada.

- Sim, dois minutos e peço desculpas pela demora. Hoje vamos fazer exercícios de fortalecimento, tudo bem?

Ignorou o olhar atrás de si, concentrando-se apenas nos aparelhos a sua frente. Pegou a ficha de Marcelo e anotou os exercícios que fariam, se distraiu por um momento e ele já estava ao seu lado, com ar desconfiado.

- O que tanto anota aí?

- Seu diário! - Ela sorriu e entregou-lhe a ficha, vestindo o par de luvas em seguida. Apontou o aparelho e esperou que ele se sentasse. Felizmente naquele horário ele era o único paciente e não dividia a sala com mais ninguém, o que a ajudava no atendimento, mas sabia que o dia seria longo. O que não era de todo ruim, pois a ajudaria a impedir pensamentos voltados ao encontro inusitado da manhã.


***

- COMASSIM VOCÊ ENCONTROU MICAELA NA CLÍNICA???

O grito de Ulisses vibrou por todo andar do prédio em que Isabella morava. Até Lis apontou a cabeça, pausando a bagunça que fazia todos os dias no banho de banheira, muito atenta ao alvoroço que o amigo da mãe fazia na sala. Isabella massageou as têmporas enquanto se levantava para encostar a porta do banheiro e preservar a filha das turbulências inúteis que adultos faziam sem pensar.

- Filha, rapidinho hoje, tá?! - Avisou antes de fechar a porta e conferir se havia toalha seca para ela.

Sentou-se no braço do sofá, os pés encolhidos sob a almofada. Encarou o amigo por alguns segundos, ciente de que estava em choque tanto quanto ele, pois aquela informação ainda não havia sido digerida. Ela ainda acreditava que acordaria no dia seguinte rindo daquele sonho besta e sem sentido.

- Amiga! Amiga…

Ele balbuciava cruzando e descruzando os braços. Incrédulo.

- Volta aqui mulher! - Ele gritou quando ela saiu calada em direção à cozinha, não era de beber, mas aquele resto de vinho que sobrara do aniversário passado talvez fosse útil naquele momento.

- Passa um café?! - Ela parou e pediu meio do nada, muito incerta se precisava de um calmante ou um estimulante.

- Café, cachaça, água de côco… Que diferença faz? Belíssima! Olha pra mim! - Ele pegou o rosto dela entre as mãos. O nariz quase grudado ao dela, os olhos prescrutando o que ela não dizia, a pouca informação que jogara como uma bomba no colo do amigo. Assim do nada, sem aviso ou consideração. - Que diabo mulher, misericórdia! QUEM estava na clínica hoje?

- Ela… Micaela, estava na clínica hoje. - Ouviu sua voz ao longe, como se ouvisse um narrador de uma história que você já conhece, mas não aguenta mais ouvir. Lis entrou na cozinha, descalça e com seu roupão lilás da Pequena Sereia. - Lis, vai por um chinelo. - A mãe pediu no automático.

- Eu tô com fome! - Respondeu já abrindo a geladeira.

- Fome de Danone? Você vai jantar, Lis! - A mãe retirou a guloseima da mão da filha e recolocou na porta da geladeira.

Ulisses engoliu a frase com conteúdos de baixo calão e se sentou na banqueta da cozinha. Calado. Incrédulo. Já imaginava o que amiga estava passando, mas achou-a um tanto… calma demais? Talvez ela não houvesse entendido a gravidade daquela informação, estava em choque, ou talvez Isabella teve apenas uma ilusão de ótica, achou ter visto, mas era alguém parecido. Afinal, o que Micaela estaria fazendo em uma clínica para Queimados? Em Ribeirão Preto? Lembrou-se de que uns anos atrás essa era uma possibilidade, que houveram boatos que ela voltaria, mas com o tempo acreditava não passar disso; fofoca. Pegou o celular e discou um número, sem pestanejar, enquanto assistia a amiga querida e amada negociar o jantar com a cópia em miniatura daquela que talvez estivesse assombrando a vida de Isabella novamente. Franziu o cenho, fazendo um bico irritado quando o número não atendeu. Aquela “bofinho” atrevida que ousasse se intrometer na vida da melhor amiga de novo, seria capaz de contratar um detetive particular para seguir os passos e saber as intenções por trás daquela volta repentina e na concepção dele, sem motivos.

- Ahhh, mas ela não sabe com quem tá se metendo, meu bem… Ela nem imagina.

Isabella estranhou o sussurro vindo do amigo e olhou-o de canto. Ele discava freneticamente quase destruindo a tela do celular. Enfim alguém pareceu responder ao seu chamado do outro lado e ele se levantou de supetão deixando ela e uma Lis teimosa que quase se deitava na prateleira da geladeira em busca de um doce… Que ela não iria ter, que ficasse bem claro.

Em menos de vinte minutos depois Verônica e Fernando entravam no apartamento como se dispostos a salvá-los de um incêndio.

- Tem certeza que era ela?

- Quando foi isso?

- Era ela mesmo?

- Você viu de longe ou te contaram?

Isabella fuzilou Ulisses com o olhar entendendo que ele JÁ espalhara a notícia e o amigo simplesmente fingiu lixar uma unha, mas audaciosamente ainda respondeu.

- Ela que venha com essa “fanfic” de aparecer do nada por aqui, quebro a cara dela. Amapoa abusada!

- Isa? - Fernando estava meio pálido e mal abraçou a filha que depois correu em mostrar uma bolha no dedão do pé para Verônica, que por sua vez tentava a todo custo prestar atenção na criança e em Isabella ao mesmo tempo.

- Calma… - Ela pediu e segurou a mão do melhor amigo, respirou fundo e sem que ninguém esperasse começou a rir. Gargalhou num misto de incredulidade e cansaço. Tanto que até mesmo Ulisses, Fernando, Verônica e… Lis, a acompanharam na risada, os três adultos quase acreditando que tudo não passara de um delírio qualquer em uma semana cansativa. Ela limpou uma pequena lágrima e pigarreou antes de completar, para surpresa do grupo. - Que loucura… Eu nem sei por que todo esse estardalhaço gente… Ela é uma pessoa como outra qualquer, não foi nada demais.

O riso morreu na garganta de Fernando.

- Espera, então você não confundiu… Era ela mesmo?

- Não! Ou melhor, sim! Sim, ela foi na clínica, Fer. Eu vi ela! Era ela… mesmo! Não iria confundir a mão que apertei. - Na verdade esmagou, mas esse detalhe era irrelevante.

- Mas… Ela se machucou?! - Seu rosto seria cômico se não fosse trágico, ele se preocupava imediatamente dos motivos da prima ter procurado uma clínica para queimados. - Por que ela foi na clínica? E bem na que você trabalha?

- Não é isso! Quer dizer… Ela não se machucou, calma!

- Ela te procurou? - Verônica mordia os lábios, ansiosa.

- Não! Claro que não. Gente, ela também não sabia que eu estaria lá. Bom, pelo menos eu acho que não.

O cérebro imediatamente a levou de volta a sala da chefe horas atrás. A imagem de uma mulher totalmente diferente da adolescente ao qual entregara seu coração de forma tão apaixonada e sem controle. Totalmente normal, é o que diria sua terapeuta, mas ainda assim ela achava que havia sido uma jovem imprudente demais, inocente demais. Micaela transmitia a mesma segurança de sempre, a mesma prepotência sutil. Suas roupas não eram mais de uma rebeldezinha recém saída das fraldas, ela possuía uma presença que era seu próprio cartão de visita. Jamais alguém esqueceria um encontro com ela, com certeza deveria ter uma horda de mulheres tão ingênuas quanto ela fora um dia, atrás daquele pedaço de mal caminho, literalmente, com aquele corte de cabelo atrevido, típico de quem está inserido num mercado de trabalho moderno, fora do alcance dos meros mortais assalariados que precisam manter a pose padrão dentro do que uma sociedade patriarcal e capitalista exigia. Tatuagens pelos braços, até o óculos era atrevido, se assim poderia descrever. Andrógina, sim, era o que ela era…, aliás o que sempre foi. Sua roupa era tão intrigante quanto sua aparência, seus olhos negros de sempre. O toque irritante e quente da sua mão.

- Vocês conversaram?

Verônica quebrou, felizmente, a linha de pensamento ao qual vagava.

- Não, só nos cumprimentamos… Ela vai prestar um serviço de fotografia para a clínica. - Enfim explicou causando certo alívio e ao mesmo tempo dezenas de indagações ao trio que aguardava ansioso pela continuidade da explicação, Lis já se entretinha em devorar o Danone que surrupiara, sem ninguém perceber, da geladeira. - Diana está em busca de um bom fotógrafo há meses… Ela havia recebido a indicação de uma fotógrafa que há tempos vem fazendo sucesso em Ribeirão Preto… E esse alguém é Micaela.

- Então ela está aqui “há tempos”? - A expressão de decepção no rosto do pai de Lis era visível. Ele ainda amava a prima de uma forma única, ao contrário de Isabella que seguira a vida, Fernando ainda era marcado pelo desfecho de ser considerado um traidor, até os dias atuais. Talvez para sempre.

Isabella andou até a sacada, mas antes pegou a filha no colo com dificuldade , ela estava pesada e não era mais seu “pãozinho”, era a segunda mais alta da turma (genes de Fernando) e as dezenas de roupas que perdia quase mensalmente mostravam seu evidente crescimento, mesmo se alimentando tão mal, na visão de Isabella. Abraçou-a e cheirou seus cabelos enquanto se sentava na cadeira de descanso com Lis ainda no colo, a garota com a boca suja do laticínio rosado, um tanto confusa quanto a carência repentina da mãe. A mulher alisou os fios negros, numa calma absurda, para a plateia que assistia a tudo com a respiração quase suspensa.

- Ela não chegou “ontem”, se é isso o que querem saber… E ela não foi até lá por minha causa, óbvio né gente?! - Ela riu sem mostrar os dentes e olhou de relance para o grupo. - Foi a trabalho. Ela tem um estúdio famoso aqui há quase quatro anos. - Explanou lembrando-se das poucas informações que conseguiu na hora do almoço com Diana.

- Ela quem mamãe? - A criança pegou em seu rosto, puxando-a em sua direção.

- Ninguém, filha.

E assim, como quando receberam a notícia da sua possível volta, todos calaram-se, respeitando a mulher, mãe e fisioterapeuta que ali estava. Não houveram mais perguntas, assunto encerrado novamente. Isabella parecia quase imune, ao fato constatado, que Micaela estava de volta.

Fim do capítulo

Notas finais:

Uma leiturinha pós feriado para animar a semana, nos vemos em aguns dias! Beijos o/


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Comentários para 17 - Capitulo 17 - Ninguém Mais, Ninguém Menos:
mtereza
mtereza

Em: 11/05/2023

Agora torcer para perdão e recimeços rsrsr , finalmente da história dessa duas 


Bibiset

Bibiset Em: 12/05/2023 Autora da história
Nunca é tarde para recomeçar s2


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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 02/05/2023

Eita e agora Isa...


Bibiset

Bibiset Em: 05/05/2023 Autora da história
s2 obrigada pela leitura e pelo comentário Marta!


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