Capitulo 1
Os porcos se imprensavam para conseguir alcançar a comida que era despejada no chiqueiro. Por cima do barulho alto que os animais emitiam, escutou uma voz masculina a chamar. Terminou de despejar os restos contidos no último balde, antes de fechar a pequena porteira que rangia alto. Não precisou caminhar muito até encontrar Saulo perto do riacho que cortava a fazenda.
- Aí está você, Sininho! Marta está te procurando para ajudar no almoço. Dê aqui estes baldes que eu guardo.
Obedecendo ao homem de meia idade, acenou com a cabeça e seguiu apressadamente em direção à casa que há alguns anos passou a morar. Não podia chamar o lugar de lar, pois já não sentia que tivesse um. Às vezes quando parava para pensar na sua antiga casa, seu lar de verdade, tinha a impressão de que se tratava de outra vida, como se houvesse sido apenas um sonho.
Lavou as mãos no tanque que havia perto da porta dos fundos da cozinha, depois entrou no cômodo e mexeu o pulso da mão direita, fazendo com que o barulho dos pequenos pingentes da pulseira, que sempre carregava consigo, chamasse atenção da senhora que mexia as panelas no grande fogão à lenha.
Marta se virou falando, sem parar o que estava fazendo:
- Sininho, vá atrás dos ovos lá no quintal... Preciso de pelo menos uma dúzia.
A cozinheira não viu o menear de cabeça que recebeu como resposta, pois já havia voltado toda sua atenção para o fogão. Com a tolha de prato pendurada no ombro e o suor brotando na testa, a senhora parecia estar em uma situação de vida ou morte. Era sempre assim quando cozinhava. Não aceitava muita ajuda no fogão, fazia tudo como se fosse a coisa mais importante da sua vida, e talvez fosse, já que sua vida se resumia àquela cozinha.
Sininho caminhou pelo quintal em busca dos ninhos de galinha, o que não foi uma tarefa difícil, já que estava acostumada e conhecia a maioria dos esconderijos dos animais. Em pouco tempo conseguiu coletar ovos suficientes para Marta. Estava voltando à cozinha quando ouviu o barulho dos cascos de cavalos e o vozerio que vinha da estrada principal: Eram os peões que voltavam à fazenda. Apressou o passo querendo alcançar a cozinha antes deles, entregar os ovos e sair sem ser notada. Para sua infelicidade, não conseguiu, pois assim que chegou à porta da cozinha, vários homens surgiram atrás dela. Um tumulto imediatamente se formou, com homens já sentando nas grandes mesas que ficavam no cômodo, famintos depois de uma jornada de trabalho.
A cozinheira agora parecia ainda mais elétrica, se é que isso era possível:
- Sininho, ande, ajude Lena a levar os pratos para as mesas... Depressa, menina!
Atendendo imediatamente a ordem de Marta, pegou uma pilha de pratos e começou a depositá-los nas mesas, um em frente à cada lugar dos bancos, enquanto mais homens iam se sentando. Depois, ela e Lena distribuíram os talheres e os copos. Quando terminaram, Lena encostou o corpo na pia e cruzou os braços. Antes que pudesse sair da cozinha, ouviu a pergunta:
- Não está com fome, Sininho?
Fez um gesto com a mão que indicava "mais ou menos". Lena sorriu antes de dizer:
- Espera mais um pouco, já já a gente consegue almoçar.
Com outro sinal, indicou que comeria depois e saiu em direção ao pequeno cubículo de madeira que chamava de quarto. Sempre evitava ao máximo ficar perto de Lena. A mulher, que entre outras coisas, cumpria a função de ajudante de cozinha, era um pouco mais velha que ela na idade, mas na aparência parecia bem mais madura. Há muito tempo guardava uma atração física que acabara se tornando uma paixão. Não correspondida, é claro. Ao menos ela achava que não, e assim morreria achando, já que nunca teria coragem de tentar sequer uma aproximação. Aliás, como poderia, se não emitiu uma única sílaba desde que chegara àquela fazenda anos atrás? E mesmo se criasse coragem para falar, jamais teria chance. Lena era uma mulher linda, todos os homens que trabalhavam na fazenda babavam por ela. E como se não bastasse tudo isso, Lena estava envolvida com uma pessoa: Marina. A dona da fazenda e patroa de todos que trabalhavam ali. "Patroa", pensou e soltou uma interjeição debochada. Patroa seria uma forma muito carinhosa de chamar. Estava mais para dona, no sentido literal da palavra.
Chegou ao quarto e tirou as botas, antes de deixar o corpo repousar na pequena cama improvisada. Olhando para as telhas velhas que formavam o telhado, o pensamento vagueou incontrolável para a época em que tinha um quarto de verdade na casa em que morava com a família. Se lembrava dos recortes de jornal que colava nas paredes e dos incontáveis livros que possuía. As lembranças começaram a lhe apertar o peito como se fossem uma mão de ferro esmagando-a por dentro e ela imediatamente se levantou, afastando os pensamentos. Colocou de volta as galochas e saiu porta afora à procura do que fazer, pois a mente vazia era uma ameaça à sua sanidade.
*****
Assim que avistou a entrada da fazenda, com a fileira de palmeiras imponentes, Marina suspirou numa mistura de alívio e prazer. Depois de semanas longe de casa, era como avistar um oásis no deserto. Sacudiu as rédeas de seu cavalo para que o animal aumentasse a velocidade e quando alcançou a entrada da casa, Saulo e Diego a esperavam. Desceu do animal, entregando as rédeas à Diego, enquanto cumprimentava os dois. Observou que vários cavalos estavam soltos em um dos pastos ao longe e disse:
- Pelo visto cheguei depois dos homens.
Saulo respondeu andando ao lado de Marina, que já adentrava a sala:
- Por minutos a patroa não chega antes... Os homens acabaram de comer lá na cozinha.
Manteve o passo apressado enquanto perguntava:
- E deu tudo certo?
Saulo se esforçava para acompanhar os passos largos de Marina e continuar a informando:
- Nestor disse que saiu tudo nos conformes, patroa.
- Ótimo! Depois converso com ele. E por aqui? Tudo certo enquanto estive fora?
Teve a resposta no momento exato em que chegaram à cozinha, onde Marta e Lena acabavam de lavar os pratos:
- Tudo no lugar, patroa.
Assim que a viu, Lena sorriu de onde estava, sendo correspondida com uma discreta piscadela. Marta se apressou em voltar ao fogão para esquentar a comida, mas Marina a impediu dizendo que havia comido pela estrada e queria descansar. Antes de sair, olhou significativamente para Lena, que devolveu o olhar, mostrando que tinha compreendido.
*****
Ofegante, Marina rolou o corpo e saiu de cima de Lena, que tinha a respiração igualmente acelerada. Deitada com as costas no colchão, sentia todos os músculos do corpo relaxados, e foi inevitável o pequeno sorriso de satisfação que surgiu nos seus lábios.
Lena disse, enquanto passava a ponta dos dedos pela barriga dela:
- Eu estava morrendo de saudades.
Respondeu sem a olhar diretamente:
- Também senti sua falta, Lena... Principalmente do seu corpo.
Depois, se levantou num rompante dizendo:
- Preciso de um bom banho. Você prepara para mim enquanto acabo de anotar umas coisas?
Sem esperar resposta, colocou um robe e se sentou em frente à escrivaninha, não percebendo o olhar de desapontamento da morena sentada na cama.
Fim do capítulo
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AlphaCancri Em: 01/09/2023 Autora da história
Oi, Lea! Espero que goste da história, ficarei muito feliz em saber o que você achou.