Nunca Te Amarei -- Capítulo 7

Luciana subiu até o setor financeiro e, como imaginava, João Vitor ainda não tinha chegado. 

Tratou de ligar o computador e abrir os emails. Pouco depois, João Vitor entrou. Era bem alto e magro e tinha uma voz melosa, capaz de embrulhar o estômago depois de cinco minutos de conversa.

-- Bom dia -- disse João, olhando para a tela do computador -- Alguma coisa importante para hoje?

-- Hoje o senhor tem uma reunião de Diretoria agendada para às dez horas.

João parou e olhou sério para ela.

-- Hum, essa reunião vai pegar fogo. Cabeças vão rolar -- ele esfregou as mãos demonstrando ansiedade, depois, mudou de assunto -- Como está o Eduardo?

-- O Eduardo? -- repetiu Luciana, sem compreender a súbita pergunta.

-- É, seu filho. Ele está bem? 

Luciana suspirou antes de responder com outra pergunta:

-- Porque está perguntando pelo Eduardo?

-- Calma, fiz uma pergunta inocente. Só queria saber como ele está.

Luciana hesitou antes de responder; mas resolveu ser sincera e direta:

-- Está sendo difícil -- ela confessou. 

-- Ele está doente? -- João pareceu interessado.

-- Não. Felizmente! É que ele vai pegar férias e não tenho com quem deixá-lo. A minha mãe não vai conseguir tomar conta dele o dia inteiro.

-- É muito trabalho para uma mulher da idade de sua mãe.

-- Eu sei.

-- Seu filho está precisando de um pai. 

-- Não -- interrompeu Luciana -- Sou perfeitamente capaz de ganhar a vida e de cuidar do meu filho -- disse Luciana, decidida. 

João ficou olhando para ela.

-- Todo menino precisa da figura de um pai.

-- Não diga besteiras -- ralhou Luciana, esquecendo que estava falando com o chefe. Depois, se recompôs e continuou: 

-- Desculpe, senhor João Vitor. Mas eu tenho outra opinião a esse respeito.

-- Você está privando o seu filho de ser feliz. Vai acabar criando uma bichona, grudado a você. 

-- Como pode me dizer uma coisa dessa?

-- Mas é verdade. O menino que cresce no meio de mulheres, fica afeminado. Estou disposto a assumir essa responsabilidade, pelo seu bem e pelo bem do garoto. Pense bem nisso -- João deu meia-volta e entrou na sala. 

Zangada, Luciana meteu a cara no trabalho e ficou feliz quando chegou a hora do café e se encontrou com Jaqueline.

-- Eu não acredito que ele teve a coragem de dizer isso.

-- Pois teve. Eu fiquei furiosa, tive vontade de dar um murro na cara dele.

-- E seria bem merecido -- Jaqueline tomou um gole do café e depois que colocou a xícara sobre o pires, olhou séria para a amiga -- Se isto ajudar, pode trazer o Dudu com você quando vier trabalhar e deixar comigo. Traga coisas que o mantenha entretido e não teremos problema.

-- Oh, Jaque! -- exclamou, encantada com a ajuda da amiga -- Nem sei como lhe agradecer! 

-- Não precisa agradecer -- ela sorriu -- Para que serve os amigos?

Luciana estava emocionada.

-- E o senhor Antenor, será que ele não vai se incomodar?

-- Deixa o senhor Antenor comigo, afinal, ele é o tio do Dudu.

-- Verdade -- Luciana levantou -- E essa reunião, você sabe do que se trata? O João disse que cabeças vão rolar.

Jaqueline levantou-se vagarosamente, seu olhar preocupado chamou a atenção de Luciana.

-- Estou com muito medo. Tenho a impressão que até o fim do dia muita coisa ruim poderá acontecer.

Quando estava pronta, Kristen olhou-se no espelho.

-- Estou parecendo uma deputada federal.

-- Deixa de besteira, você está linda. Parece a Cara Delevingne.

-- Cara de bundão, isso sim.

Rick se afastou dela e foi sentar na cama.

-- Queria tanto estar lá para ver você chegar na empresa, toda poderosa, caminhando pelo tapete vermelho, entrar na sala de reunião e sentar na cadeira da presidência.

Kristen revirou os olhos.

-- Eu vou participar de uma reunião e não receber o Grammy -- ela pensou durante um momento -- Deve ser top das galáxias trans*r naquela mesa gigante, né?

-- Com certeza é melhor que a mesa da cozinha da minha mãe.

-- Você já transou na mesa da sua mãe?

-- Já, lembra do Timóteo? Estávamos sozinhos em casa...

Kristen fez um gesto para ele parar.

-- Por favor, poupe-me dos detalhes sórdidos.

Rick aproximou-se dela e ela automaticamente deu um passo para o lado. 

-- O que foi?

-- Kristinha do céu, você está com um ch*pão no pescoço. A Donatella Malévola Donati, vai te matar, guria.

Kristen olhou-se no espelho, a marca nem era tão visível.

-- A mãe nem vai notar.

A porta do escritório do senhor Antenor estava entreaberta e uma luz fraca brilhava através da brecha, Luciana empurrou a porta com cuidado e colocou a cabeça para dentro.

Ele estava atrás de sua mesa, apoiado para trás em sua cadeira, um copo de água em uma mão, enquanto segurava o celular com a outra. 

Depois de um momento, Antenor pôs o copo sobre a mesa e se inclinou para frente. Parou em meio ao movimento, e sua cabeça se levantou, o olhar assustado sobre Luciana. 

-- Meu Deus, mulher? O que faz aí feito um fantasma? -- Antenor inclinou para frente, sua expressão carregada -- Entre, entre.

Luciana deu alguns passos.

-- Desculpa entrar assim é que, a Jaqueline...

-- Eu sei, eu sei -- ele apontou para a cadeira à frente -- A Jaqueline está preparando a sala de reuniões.

-- Entendo -- ela sorriu e ajeitou-se melhor na cadeira -- Reunião importante?

-- Talvez a mais importante da minha vida -- ele disse, com um meio sorriso.

-- Eu posso saber o que está acontecendo? Nunca vi o senhor tão abatido.

Antenor abaixou o olhar e cruzou as mãos, compondo uma imagem típica de desolação.

-- Donatella convocou essa reunião com certeza para puxar o meu tapete.

Luciana ficou chocada ao ouvir o que Antenor falou.

-- Será, senhor Antenor? -- perguntou com a expressão desesperada.

-- Donatella sempre me odiou. Ela vai usar a Kristen para me prejudicar.

-- Não é justo! O senhor deve fazer algo contra isso.

-- Não, não é justo, mas o que posso fazer? Eu só tenho 20% das ações -- Antenor olhou para ela e suspirou -- Sinto muito por não poder mais te proteger, confesso que estou preocupado com vocês.

Luciana segurou-lhe a mão com carinhosa.

-- Não se preocupe comigo, senhor Antenor. Eu saberei me cuidar. 

Luciana ficou onde estava, olhando ele cabisbaixo. O senhor Antenor não merece o que estavam fazendo com ele, o homem deu a vida pela empresa e em troca recebe a ingratidão. Arthur deve ter se revirado no túmulo.

 Donatella olhou incrédula para a filha. 

-- Você é a futura presidenta da Construtora Donati, uma das maiores empresas do ramo da América Latina -- ela serviu-se de café, depois tomou um gole olhando-a por sobre a xícara -- Vai participar da primeira reunião de diretoria com um ch*pão no pescoço. Que situação constrangedora!

-- Não se preocupe, dona Donatella, vou colocar um cachecol -- disse Kristen, curvando-se na frente dela para pegar a jarra de suco -- Ninguém vai perceber o meu ch*pão -- ela passou a mão pelo pescoço e riu.

Donatella piscou os olhos nervosamente, mas a expressão do rosto permaneceu a mesma.

-- Tá, tá, vamos falar sobre a reunião -- falou ela, limpando os lábios com o guardanapo -- O João Vitor vai auxiliar você em tudo o que for preciso. 

-- Porque o papai nunca comentou nada a respeito desse cara? Ele é confiável mesmo? -- perguntou desconfiada.

-- João Vitor trabalha há anos na empresa, é um funcionário extremamente competente e...

-- Muito amigo da sua mãe -- completou Rick.

Donatella estreitou os lábios e olhou para o rapaz com desprezo.

-- Quem é você para dar pitaco em nossa conversa? Ponha-se no seu devido lugar!

Rick abaixou a cabeça e saiu em silêncio, Kristen virou-se para ela indignada.

-- A senhora não pode tratar o Rick dessa forma.

Donatella sacudiu os ombros.

-- Você fala coisas bem piores para ele.

-- Eu e o Rick nos entendemos, ele sabe quando eu estou brincando e quando estou falando sério. Enfim, não quero você "dando pitaco" aqui em casa. 

Donatella fixou-a atentamente, com os olhos apertados, depois balançou os ombros como se julgasse a discussão pura perda de tempo. 

-- Pois para mim ele é apenas um empregado metido -- Donatella segurou a xícara e levou-a aos lábios calmamente -- Ele é lento e desajeitado, diga-se de passagem. 

Kristen sentiu o estômago revirar. Ela empurrou sua cadeira para trás e levantou-se.

Donatella se remexeu na cadeira, sentindo-se, de repente, desconfortável. 

-- Venha terminar o seu café.

-- Acabei de perder a fome -- Kristen lançou um olhar sério para a mãe -- Não estava com tanta pressa? Vamos logo para essa droga de reunião.

Minutos mais tarde, estava em frente à porta automática de vidro com o nome de Construtora Donati. Entrou e viu-se rodeada pela atmosfera e o som silencioso do luxo.

O segurança as cumprimentou, mas elas não pararam enquanto se encaminharam ao elevador. Envolvida em seus pensamentos estressantes, Kristen nem notou os olhares de admiração que recebeu das pessoas que passavam. De qualquer forma, estava acostumada a ignorar a atenção que sua beleza física chamava. Seus cabelos muito loiros, naquela tonalidade rara que era vista mais frequentemente em crianças, provocava comentários, assim como seus olhos verdes camurça brilhantes e sua figura delgada e esbelta.

-- Vamos direto para a sala de reunião -- disse Donatella, entrando no elevador.

-- Que andar? -- perguntou Kristen.

-- Décimo quarto. 

Kristen apertou o botão e encostou-se à parede do elevador, observando a mãe atentamente. Apesar da personalidade fria e habitual de Donatella, ela sorria para a filha e fazia comentários simpáticos e casuais. Por um instante ela imaginou estar acompanhada de uma mãe de verdade, que a amava e se preocupava com ela. No décimo andar as portas se abriram e elas saíram.

Apesar de ser a futura presidente da empresa, sentiu-se estranha ao seguir Donatella até a sala de conferências. Aquele lugar lhe trazia recordações demais, saudades do pai, de seus planos e objetivos futuros, que infelizmente nunca se realizarão. Ela olhou para o tio, e notou que estava sendo observada. Ela corou, desviando o olhar imediatamente, como se estivesse envergonhada. 

Lentamente, a sala ficou repleta e todas as pessoas tomaram seus lugares.

-- Bom dia, senhoras e senhores -- Arnaldo disse, iniciando a reunião -- Essa reunião extraordinária foi solicitada pela senhora Donatella para discutirmos o futuro da Construtora Donati -- afirmou ele, olhando para alguns papéis espalhados a sua frente -- Como todos já sabem, a senhorita Kristen é detentora de 70% das ações da empresa, eu possuo 20% e a senhora Donatella 10%. Portanto, Kristen é quem tem o direito de assumir ou, indicar o sucessor de Arthur. 

Sem mover um músculo do rosto, Donatella assistiu à breve exposição do vice-presidente.

-- Kristen assumirá o que é seu por direito, a presidência -- a voz de Donatella não parecia tão doce e melodiosa quanto minutos antes no elevador -- E com a aposentadoria do senhor Antenor, eu assumirei a vice-presidência.

Os participantes da reunião se entreolharam, comunicando-se sem palavras.

-- O senhor Antenor vai se aposentar? -- perguntou o Diretor Comercial.

Antenor simplesmente ficou sem palavras e voltou-se para Donatella, sem procurar disfarçar a própria surpresa: 

-- Aposentadoria?

Luciana encontrou-se com Letícia no corredor, ela estava toda sorridente e seus olhos brilhavam como nunca.

-- Bom dia, moça. Qual o motivo de tanta felicidade? -- perguntou, sorrindo -- Você é uma das raras pessoas que conheço que se sente feliz em plena segunda-feira.

Leticia apertou a pasta que carregava contra o peito.

-- O amor deixa a gente assim, bobamente feliz.

Surpresa, Luciana não pôde evitar franzir as sobrancelhas 

-- Cadê a garota que fez um pacto de nunca se apaixonar, que leva a vida de forma descomplicada: muitas mulheres, zero envolvimento.

Letícia deu um sorriso largo e mordeu o lábio.

-- Pois é, amiga, as coisas mudam. Eu dizia isso antes de conhecer a Kris.

Luciana franziu o cenho ao ouvir o nome.

-- Não imaginava que esse nome fosse tão comum.

-- Porque está dizendo isso?

Luciana balançou a cabeça.

-- Nada não, deixa pra lá.

Leticia tocou de leve o ombro da amiga.

-- Bem, me deixa ir, tenho que entregar esses documentos para o doutor Amâncio apresentar na reunião.

-- Vai, vai. No almoço você me conta todos os detalhes.

Leticia deu uma risadinha safada. 

-- Não sei se vou ter coragem -- ela disse e saiu, sorrindo. 

Antenor se virou e viu um rosto lindo rodeado de cabelos loiros cacheados, olhando-o de forma carinhosa.

-- O que foi? -- perguntou ele, num murmúrio curioso. 

-- Desculpe, o senhor não merece passar por isso. O meu pai sempre respeitou o seu trabalho, sua competência e lealdade.

Antenor sorriu, compreensivo.

-- Não se sinta mal pela sua mãe, eu a conheço como a palma da minha mão. Donatella sempre foi assim e ela nunca mudará -- ele ajeitou pacientemente alguns papéis que estavam espalhados sobre a mesa -- O que é isso no seu pescoço?

-- Fui agredida por uma desequilibrada.

-- Hum, parece um ch*pão. 

-- Pior que não, tio. O fato é que o povo quando bebe só pensa em arrumar briga. Eu bebo, e só penso em trans*r, por isso apanho.

Antenor balançou a cabeça e se virou para o outro lado, assim que Donatella sentou-se novamente à mesa.

-- Onde estão os papéis para assinarmos?

-- A minha secretária já está trazendo -- respondeu, doutor Amâncio.

Minutos depois, Kristen observou com curiosidade quando a secretária do senhor Amâncio entrou na sala o mais discretamente que pôde. Kristen parou de falar e seu rosto assumiu uma expressão desesperada quando a reconheceu. Rapidamente, jogou os papéis do tio no chão e abaixou-se para juntar.

-- O que você está fazendo embaixo dessa mesa? -- perguntou Donatella, sem entender -- Sai já daí.

 

 

Fim do capítulo