Capitulo único
O milagre de Eva
Parte 1
Num dia como tantos outros…
Catherine dirigia de volta para casa e sua mente parecia um caleidoscópio. Os pensamentos misturavam-se sem ordem, nem lógica. Uma pulverização de instantes, momentos, sobrepunham-se sem que ela tivesse qualquer controle. A vida passava como um filme daqueles em que são necessárias muitas repetições até que algo faça sentido. Há mais de um ano que nada fazia sentido…talvez houvesse um pouco de exagero. Talvez…
Respirou fundo e apertou o volante até doer-lhe a palma da mão. Decidiu mudar de rumo. Voltar para casa não seria de forma alguma uma opção coerente.
— Desculpa Scoutie, mas preciso de ar…
Scoutie também já não era o mesmo e não era apenas pelo peso da idade. Ele se arrastava, estava mais resmungão e expectante…
Viviam todos em compasso de espera. Uma espera com tantas nuances contraditórias. Pelo retrovisor, já bastante afastado, ainda tinha vislumbres do aeroporto. Tantas partidas, chegadas também. Um ano inteiro de vai vem e o elo solto algures.
Saiu da autoestrada e entrou numa via menos movimentada. Não queria correr. Correr para onde? Já tivera tanta pressa. Pressa de viver, de amar, realizar, voltar…ah, as voltas…
Parou num acostamento e saiu do carro. Queria andar um pouco pelo bairro desconhecido. Parada à frente de um café sem decidir se entrava ou não, pensava no exagero. Sim, de certa forma poderia parecer um exagero. Tudo fluía, ou quase. O trabalho não poderia estar melhor, escolhas mais do que acertadas. Amizades…suspirou como sempre fazia e sorriu. Tinha os melhores amigos, o alicerce perfeito para qualquer ser humano. Seu pai, tanto companheirismo nos últimos anos. Elo indestrutível. Tinha tanto…
Lágrimas soltas, precisava delas. Precisava inundar-se nelas para afogar o vazio que se agigantava no seu íntimo. Um vazio que há muito se mostrava mesmo em momentos de realização. Vazio permanente.
Depois de algum tempo sem que tivesse a real noção do avançar das horas, voltou para o carro e seguiu seu rumo.
O telefone. Provavelmente já tocava há bastante tempo…
— Oi, meu bem.
— Cathe, estou a ligar há tanto tempo.
— Estou a dirigir e parei um pouco e…
— Está tudo bem?
Ah, essas amigas que nos leem a alma até pelo tom de voz…
— Sim. Fui levar a Skya ao aeroporto e parei na volta para comprar umas coisas e perdi a noção do tempo…
— Hmmm, a Skya foi para mais uma turnê?
— Hum-hum…
“Uma turnê mais longa do que seria razoável.” – Concluiu Catherine, mas sem exteriorizar seus pensamentos.
— Ciara vai cozinhar hoje. Já sabes o evento que é e claro que serás benvinda. Ela vai se aventurar na culinária árabe.
— Tenho muito trabalho à minha espera…
— Ah não, essa desculpa já sabes que não cola porque sempre falo antes com a Karen.
As duas riram. Ainda bem que algumas coisas não mudavam.
— Ok! Fui fisgada pela culinária árabe.
Susan riu do outro lado e mais uma vez Catherine pensou que talvez exagerasse no seu desconforto. Podia encontrar alento nos amigos e nem sempre fora assim.
***
Mais uma madrugada de tormentas sem trégua…
Catherine acordou sobressaltada com um movimento já bastante familiar nas suas pernas. Scoutie parecia querer dizer alguma coisa, ou talvez fazer questionamentos. Ela já conhecia aquele olhar…
— Ainda bem que não falas. – Disse erguendo o gato nos braços. Scoutie aninhou-se e pareceu ficar mais calmo. Com o andar dos anos ele fora perdendo um bocado da autossuficiência.
— Eu sei que aqui não é lugar para dormir e muito menos no chão, mas acho que sucumbi ao cansaço…
Parou de falar no momento em que foi encarada pelo seu companheiro de anos. Era apenas um gato, mas a conhecia como ninguém.
Scoutie já a encontrara naquela situação outras tantas vezes. Há pelo menos um ano que muitas vezes adormecia no chão frio daquele compartimento especial de sua casa. O lugar de ensaios e estudos de Skya. O lugar sagrado dela e que já fora palco de tantos momentos felizes. Passava horas infinitas ouvindo os trabalhos dela, tocando nos instrumentos, revivendo momentos. Agora tudo parecia tão nublado, distante…
Skya passava horas ali, era sempre bom ouvir os acordes, e melhor ainda era recebê-la depois de sua dedicação à arte. Nada poderia ser mais afrodisíaco. Nada.
— Nosso maior sonho de repente nos arremessou para um buraco escuro, Scoutie. Não sei como reverter essa situação, mas eu não abro mão da Skya. Enquanto ela me amar e eu sei que ela me ama, eu não vou desistir.
O olhar de Scoutie serviu para amenizar o turbilhão que lhe sacudia a alma. Ele acreditava.
Abraçada ao seu fiel amigo, deixou-se embalar pelos acordes de Where did you go (Haevn) enquanto quadros abstratos eram pintados na sua mente.
Parte 2
Sinos, luzes, magia, amor. O Natal é mesmo para todos?
— Eu não acredito que finalmente chegamos ao último dia de trabalho desse ano. Que ano, meu Deus, que ano.
Catherine esboçou um leve sorriso diante da alegria da sócia.
— Para os nossos negócios foi bastante satisfatório…
— Ah, Cathe, não seja tão prudente. Nosso ano aqui no escritório foi imbatível.
— Sempre podemos melhorar…
— Claro, senhora racionalidade exagerada, mas permita-me celebrar.
As duas riram. Eram tão diferentes e se complementavam numa relação que, entre outras coisas, incluía uma amizade inabalável. A parceria profissional era cada vez mais frutífera e outros elos iam se revelando com o passar do tempo.
— Agora só voltamos a essa azáfama boa no próximo ano. Vamos almoçar? Bom, já passa das 15 horas…duas obstinadas por trabalho juntas, meu Deus…
Riram mais uma vez.
— Vamos?
— Não estou com fome.
— Catherine…
— Uiii, Catherine, sinto arrepios quando me chamas com essa seriedade no tom de voz.
— Idiota!
Riram.
— Catherine é sério, tu tens pulado muitas refeições, ou pensas que eu não percebo?
— Claro que percebes, ou não serias Karen. Mas estás cansada de saber como eu fico quando temos prazos e…
— Eu sei, por isso que preciso alertar essa mente teimosa, que o corpo padece de falta de energia e que essa, vem da comida que eventualmente possamos ingerir.
— Debochada!
Karen riu da careta da amiga, mas estava realmente preocupada. Há algum tempo que Catherine, ou pulava as refeições, ou comia como um passarinho. Sem contar na palidez que ela disfarçava com maquiagem.
— E essa palidez?
— Karen, estamos entrando num inverno rigoroso e tu ainda queres que eu esteja com o bronze do Caribe?
— E eu é que sou debochada, sei…
Riram e Karen resolveu mudar de assunto.
— Não vens mesmo comigo?
— Não posso. Tenho um compromisso que está marcado há bastante tempo…
— E ainda tem mistério. Nosso enredo está muito bom.
— Eu já disse hoje que amo demais minha comadre e sócia?
— E eu já disse hoje que não conheço ninguém que sai pela tangente melhor do que minha comadre e sócia?
Dessa vez as gargalhadas espontâneas puderam ser ouvidas pelos cómodos vizinhos.
— Preciso de apoio nas compras de Natal, ninguém melhor do que tu…
Catherine mordeu o lábio inferior e fez um tique com os olhos que Karen já conhecia o que imediatamente provocou uma sensação de arrependimento. Tarde demais.
— Esquece, eu sei que precisas fechar os últimos contratos antes que finalmente possas respirar os ares das merecidas férias.
— Sim…peça à tua outra comadre. Ela está livre porque já me chamou para sair…
— E assim como desviaste aqui…
— Não desviei! Sabes como sou com o trabalho e para relaxar preciso ter tudo controlado.
— Essa mania do controle. Algumas coisas não mudam…
Riram.
— Vá lá. Tens dois filhos e muitos sobrinhos para encher de presentes.
Karen deu a volta na secretária e beijou a cabeça da amiga. Estava arrependida de ter entrado naquele tema, mas como evitar?
— A ceia de Natal será lá em casa. A tua afilhada não abre mão da tua presença. – Disse ainda abraçada à amiga.
— Karen, ainda faltam alguns dias para o Natal…
— Sim, mas antes que inventes alguma desculpa…
— Não sejas ingrata. Eu sempre vou…
Catherine estremeceu nos braços da amiga que estreitou ainda mais o abraço. O Natal há algum tempo que tinha ganhado outros contornos na sua vida. Mas precisava superar. Todos precisavam superar para seguir em frente.
Karen podia ousar um pouco e confrontar a amiga, mas conhecia Catherine sobejamente para saber que aquela não era a melhor estratégia.
— Skya segue em turné?
— Sim…já sabes como é nessa época…
— Sim, claro! Mais um motivo para te cercares dos amigos.
— Vá embora daqui ou estarei a trabalhar nesses contratos na noite de Natal.
Karen riu alto e beijou a cabeça da amiga mais uma vez antes de deixar a sala.
Sozinha, Catherine levou uma mão ao peito e com a outra acariciou a própria cabeça. Estava nervosa, bastante agitada no seu íntimo, mas, graças aos muitos desafios profissionais que lhe tinham exigido sangue frio e controle emocional, disfarçara muito bem diante de Karen que tinha como uma das características mais marcantes, ler-lhe a alma.
Depois de lavar o rosto que insistia em arder, olhou mais uma vez para a agenda que tinha no telefone. Queria confirmar a data que já tinha sido decorada há dois meses. Para reconfirmar, vasculhou a agenda em papel. Tinha meia hora para saber se ainda lhe restava o direito de sonhar, ou, se permanecia no imenso buraco negro.
***
— Ah, finalmente conseguimos sentar e relaxar. Será que exageramos?
Karen riu olhando para as inúmeras sacolas que carregavam.
— Talvez um pouco, mas a minha família é grande e meus filhos são muito mimados pelas madrinhas.
— Não conseguiste arrastar a Cathe para uma tarde de compras? Bom, se a conheço bem, esse não é exatamente o tipo de diversão que a tiraria do trabalho.
— E olha que paramos hoje para alguns dias de férias, mas essa minha sócia é obstinada por trabalho.
— Karen, estou preocupada…
— Não estás sozinha, isso eu posso garantir.
— E o que podemos fazer?
— Acho que o que está ao nosso alcance, tem sido feito. Eu já não sei mais como tirar a Catherine desse marasmo. Ela é muito reservada…
— E olha que tu conseguiste muitos milagres ao longo da vossa convivência.
— Mas vocês são mais íntimas, conhecem-se há mais tempo…ela não desabafa? Preocupa-me o desconforto latente.
— Comigo ela falou sobre a perda nos primeiros dias, ainda estava desnorteada e sem saber como lidar com Skya e com a situação em si. Depois do Natal passado, parece que o assunto morreu, assim como parte da alegria da nossa amiga.
— A vida delas desabou. O improvável aconteceu e num piscar de olhos. Relações perfeitas não existem, mas a delas beirava alguma coisa bem próxima, e de repente…
— Eu não sei se a Cathe terá condições de lidar com uma separação. Ela ama tanto a Skya…tanta luta para chegar onde estavam…
— Separação? A Skya vai pedir o divórcio? Como é que sabes disso se elas não falam sobre a vida atual?
— Não sei de nada em concreto, mas quem passa mais de 4 meses longe da mulher? Nesses últimos meses, ela não visitou a Catherine em nenhum momento. Tenho certeza que mal se falam…
— Ah, Susan…
Karen desabou na cadeira deixando cair algumas sacolas de presentes.
— Elas estavam tão felizes, mais felizes. Eu não consigo imaginar a dor…
— Eu consigo! Asseguro-te que peço a Deus que jamais chegue perto de uma dor assim…
— Eu e a Ciara decidimos juntas que não queremos ter filhos. Eu nunca quis, mas se ela quisesse, estava disposta a reavaliar essa questão. Elas queriam tanto…nunca imaginei a Catherine tão entusiasmada com um bebé.
— Efeito da Esperanza na vida dela…
— Sim, e depois o Lorenzo e todo esse universo infantil e encantador que ela passou a conviver.
— E também o fato de encontrar a parceira ideal, a Skya parece uma criança quando está com os meus filhos.
— Catherine perdeu o controlo da situação…
— E conhecemos bem a nossa amiga controladora. Ela gosta de estar sempre um passo à frente, de ter a solução para tudo.
— Sim… mas, eu não acho que seja o fim. Elas podem tentar outras vezes, a Skya pode tentar…
— Falas pela tua experiencia, pela tua forma de ver a vida, mas elas são pessoas bem diferentes. Descobrir que tem pouquíssimas chances de engravidar, não foi algo que Catherine assimilou muito bem, e os anos vão passando e…
— Mas a Skya é mais jovem e apesar de ter perdido um bebé de quase 7 meses de gestação, ela ainda pode ter muitos outros. Não pode?
— Acho que fisicamente ela pode ter todos os filhos que quiser, mas parece que o trauma foi devastador. Elas não se conectam mais, como podem pensar em filhos?
— Ahhhhh, me dá uma certa agonia não poder fazer nada…
— Acompanho-te na frustração, mas ela tem as melhores amigas do mundo e vamos ajudá-la a superar e a seguir em frente, com ou sem a Skya.
— Que ela faça a melhor escolha e nós estaremos aqui como sempre para apoiar. Mas…
— O quê?
— Pareces muito certa de que o casamento delas já não tem pernas para andar. Sabes de alguma coisa que eu não sei?
— Não comentei antes porque queria que fosse apenas uma alucinação da minha cabeça…
— O quê, Susan?
— Sabes que a Ciara acompanha de perto a vida profissional da Skya…
— Sim…
— Ela disse a Cathe que está em turnê pela Europa.
— Sim, meses na Europa.
— Lembras como era antes de perderem o bebé?
— O quê?
— Ela inventava formas de passar dois dias que fossem ao lado da Catherine. Já houve uma ocasião que ela passou apenas uma noite e no dia seguinte estava num avião para a Europa. Agora ela está há mais de 4 meses longe e nunca apareceu por aqui…
— Mas pode ser o trabalho…
— Não é! E tem outro detalhe que torna tudo ainda mais obscuro.
Karen afundou-se um pouco mais na cadeira e encarou a amiga.
— Eu não gosto nem de imaginar…
— Certezas eu não tenho, mas o que sei é que ela disse à Catherine que estaria em turnê esse período e não está. Há dois meses que ela não faz concertos e a Cathe crente do contrário.
— Isso não parece nada com a Skya…mentiras? Não…
— O pior é ficarmos a especular sem poder abordar a Catherine…ah sei lá. Eu só não quero que a minha amiga sofra…
— As duas são nossas amigas…
— São, mas eu vejo o sofrimento da Catherine, eu conheço-a há muito mais tempo e sei do caráter ilibado que ela tem…
— Susan, não julgues o que desconheces. A Catherine não diz nada…
— Ah, e achas que me sinto confortável nesse papel? A Ciara tem certeza que não se trata de traição. Eu não sei de mais nada e sinceramente só quero a minha Cathe feliz de volta à vida.
— Eu também! E não vamos brigar às vésperas do Natal.
As duas riram e entrelaçaram as mãos sobre a mesa.
— A Catherine, além de ser um presente em minha vida, ainda distribuiu outros tantos. Graças a ela, eu tenho a melhor comadre e uma amiga que não concebo mais minha vida sem a sua presença.
— Ahhhh, para…
Riram e Karen limpou uma lágrima que teimava em cair.
— Vamos ter fé? É Natal…
— E tu és a melhor pessoa que eu conheço. Viva a magia do Natal.
— Viva o amor! Elas se amam muito.
Susan sorriu, concordando com a cabeça.
Parte 3
O melhor presente é a presença. Milagre ou magia?
Skya aguardava a chegada de Maria ao café há algum tempo. Ela já estava atrasada. Olhou para as horas no telefone e sorriu resignada. Maria estava bastante atrasada, mas tudo seguia como sempre fora nos últimos meses. Ela inventava muita coisa para fazer ao mesmo tempo e quase sempre estava atrapalhada entre um compromisso e outro. Tirando essa ligeira desorganização de agenda, ela tinha sido um bálsamo nos últimos meses. Sua leveza perante a vida fora o contraponto perfeito para amenizar seus conflitos. Mais do que isso, esse contato aumentou sua capacidade de reavaliar muita coisa.
Olhou mais uma vez para os lados e nada da figura impactante aparecer. Suspirou e bebeu mais um pouco do chocolate quente, que de tão quente quase lhe queimou a boca. O frio de Berlim exigia bebidas quentes.
Se Maria não aparecesse, talvez não a visse mais…
— Ela vem! – Sorriu enquanto deslizava o dedo pela tela do telefone à procura do número do pai.
Quase meia hora depois…
— Desculpa, Lucy in the sky, mas tive que negociar um trabalho para depois das festas e demorou mais do que eu tinha planeado.
Skya riu enquanto abraçava Maria. Ela tinha essa mania de chamá-la assim, Lucy in the sky e adorava.
— Estranho seria se chegasses a horas…
— Nem todo mundo vive dentro de um relógio Suíço como a senhora.
Skya riu alto. Gostava muito da leveza daquela mulher.
— Não estava certo que ias ficar mais uma temporada na Filarmónica de Berlim?
— Então…
— Hmmm, lá vem novidade à la Maria.
Maria riu muito deixando o ambiente ainda mais descontraído.
— Já não faz sentido permanecer em Berlim…
— Não?
— Não! Primeiro porque tu vais embora.
— Até parece que tu és apegada às pessoas.
Risos.
— Às pessoas não, mas a ti, sim. Conseguiste me conquistar e até hoje não entendi como isso foi possível em tão pouco tempo.
— E o segundo motivo? – Skya mudou o rumo da conversa, também sentiria muito a falta dela, mas não queria se debruçar em emoções muito profundas, não naquele momento.
— Vou para Espanha!
— Não entendi. O segundo motivo é que vais para a Espanha? Quando? Não tinhas planos de ir para a Noruega?
— Noruega, Vladys…acabou.
Skya chacoalhou a cabeça como que a tentar concatenar as ideias.
— Já estou acostumada, tanto que vivo apenas o momento quando ele se apresenta e pronto.
— Maria, consegues ser um pouco mais clara? Que reviravolta é essa? Parece doido até para os teus parâmetros.
— Meu amor, eu não carrego mais ilusões. Minha carreira é completamente incompatível com ter estabilidade nas relações. Vladys não aguentou.
— Mas ele parecia tão ciente da particularidade da tua profissão…
— E estava, até começar a idealizar uma vida mais pacata. Minha vida é tudo menos pacata. Eu não consigo ficar muito tempo no mesmo lugar se o trabalho exige que eu seja nômade.
Aquela conversa transportou Skya para o período em que vivia praticamente com o violino às costas e viajando de cidade em cidade. Um sorriso formou-se no canto de sua boca. As melhores lembranças…
— Tenho 23 anos, estou no período de construção do meu nome. Não vou me apegar a romances…
— Mas tu não vives sem romance.
Riram.
— Desde que não me prendam…
— E Espanha?
— Conheci um bailarino Sérvio que está em temporada em Madrid, ele me convidou e aceitei. Lindíssimo e leve…romance de Natal.
Skya ria muito e ao mesmo tempo muitas coisas lhe passavam pela mente.
— Como é que me aturas? Uma mulher de 30 anos e com uma vivência incrível, ainda tem assunto com uma menina como eu.
— 32. – Risos. – E se bem lembras não tive muita escolha…
Gargalhadas felizes.
— Revivo muita coisa quando compartilhas as tuas experiências e isso me faz bem...
— Não sei como não te cansas com tanta intensidade.
— Já tive 23 anos…
— Ah, duvido que tenhamos qualquer semelhança. Tu és muito centrada…
— Já fui muito imatura e até hoje há momentos em que simplesmente não sei o que fazer e me sinto uma idiota. Quando prestamos atenção em nós, e convivemos com outras pessoas, percebemos as nossas falhas, oportunidades de melhoria…
— A única coisa que sei, é que melhorei muito nesses 4 meses em que convivemos quase diariamente. Uma pena não ter cruzado o teu caminho logo que chegaste a Berlim.
— Não ias gostar daquela Skya. Nem eu me suportava mais…
Maria percebeu a tristeza no olhar de Skya e imediatamente mudou o rumo da conversa.
— Não vamos celebrar?
— O quê?
— Ah, não nos faltam motivos. A quadra festiva, a vida, a nossa amizade, encontros, a arte que nos une…
— Ufa, posso respirar?
Riram muito enquanto brindavam com chocolate quente.
— Ah, e o motivo mais marcante, a excelência da minha amiga na academia.
Skya levou a mão à face tentando aplacar o rubor.
— A senhora pode até ser discreta, mas eu não sou e há muita gente como eu. Não se fala em outra coisa…
— Que exagero!
— O mundo só tem a ganhar.
— Que assim seja!
— Qual é o passo seguinte? Berlim acolheu-nos tão bem, mas, apesar de não falares muito de ti, eu sei que em algum lugar há mais vida para Lucy in the sky…
— Não falo de mim? Sabes tanto…
— Sei que és uma das melhores violinistas que conheço, perfeccionista, alegre, muito misteriosa, criteriosa, amiga…e que escondes uma tristeza no olhar…mas acho que já foste mais triste, mas quem sou eu para entender de gente se mal entendo essa minha cabeça doida.
Emocionada, Skya sorriu tentando controlar as lágrimas.
— Vou seguir…
— Desde que não esqueças de mim…
— Jamais!
— Brindemos ao Natal, antes que eu esqueça minha célebre frieza e derrame um mar de lágrimas. Ahhh, para Lucy.
Ambas limparam lágrimas que dançavam pelas suas faces.
— Feliz Natal! E que possamos nos encontrar mais vezes nessa vida.
Tentando controlar o turbilhão que lhe invadia, Skya ergueu a caneca de chocolate e sorriu.
Ainda não conseguia brindar ao Natal em voz alta.
Havia resquícios de dor e o vazio …
***
— Eu já não aguento comer mais nada. As confraternizações nessa casa são sempre sinônimo de exageros e eu não me contenho. – Susan revirou os olhos.
— Já sabes como é, quem cresceu com pouco, ou às vezes nada, tem que compensar. – Concluiu Karen.
— E o pior é que tudo é tão delicioso. Ainda bem que tens a tradição de começar a celebração durante o dia, porque comer isso tudo à noite seria um convite à indigestão.
— Exagerada! E sabes bem que a nossa festa entra noite adentro…
— Mas nessa altura já estarei no chá.
Riram da piada de Susan. Ambas olharam para onde Catherine estava envolvida em brincadeiras com as crianças presentes. Esperanza não saía do colo dela que também era disputado por outras crianças. Ela interagira muito pouco com os adultos, mas pelo menos parecia estar feliz com as crianças.
— Ela disse-te alguma coisa sobre a Skya?
— Nada, mas eu nem toquei no assunto. Notaste que ela quase não comeu? A Cathe não é nenhuma desesperada por comida como eu, mas ela adora as comidas da tua terra e sempre aproveita…
— Estou preocupada…parece que ela vai entrar naqueles períodos de inércia.
— Karen, eu já sei o que vais dizer, mas o meu limite vai até a virada do ano.
— O que queres dizer com isso?
— Assim que passar esse período de festas eu vou conversar seriamente com a Cathe. Entendo que o assunto é delas, é sensível, mas eu como amiga, não posso ficar parada vendo a minha amiga definhar dia após dia.
— Cada um reage de uma forma…
— Já passou mais de um ano. A Catherine precisa reagir, elas precisam de um rumo…
— Calma, Sue. Tu conheces a Cathe melhor do que eu e sabes que ela…
— Eu sei e é isso que tem me segurado para não questionar com mais veemência. A Catherine é mestre em sair pela tangente e em camuflar as emoções.
— Ela parece bem agora.
— Sim, porque ela adora crianças e talvez estar no meio delas seja um escape perfeito…
— Será? Ela perdeu um filho…
— Lembras quando ela descobriu que a possibilidade de engravidar era ínfima, nem por isso desenvolveu traumas.
— E ela queria tanto engravidar. Quando me lembro da minha chefe Catherine de anos atrás…
— Parece outra pessoa. Ela é outra pessoa e asseguro-te, vira o ano e eu vou exercer o meu papel de amiga. Catherine não chegou até aqui para morrer na praia.
— Nem vou pedir que sejas cautelosa porque eu te conheço bem. Mas tenha calma, às vezes na ânsia de ajudar, acabamos por atrapalhar…
— Tu me conheces, eu jamais vou ultrapassar os limites razoáveis. Mas, hás de convir que alguma coisa precisa ser feita. Nós duas já fizemos muito pela Cathe e ela por nós.
— Há de ser sempre assim.
— Sempre!
Abraçaram-se e sorriram em direção à Catherine que devolveu o carinho com o olhar.
***
Catherine rolou na cama, abraçou o travesseiro e abriu os olhos bem devagar. Gem*u baixinho várias vezes como sempre fazia e com um dos braços tentou alcançar o telefone. As horas já tinham avançado bastante naquele dia de Natal, mas ela não tinha pressa. Passaria o dia entre a cama e a cozinha e pelo meio ouviria música. Sim, música para nortear as ideias. Mais uma vez a vida a empurrava para decisões extremas. Não seria uma decisão fácil, mas a isso já estava acostumada. A vida teimava em achar que ela conseguia lidar com toda a sorte de intempéries e com isso, vivia sob teste. O momento era de cartas na mesa, por mais doloroso que o desfecho pudesse ser. Não tinha mais condições de manter a vida em suspenso.
— Ah mulher, a tua vida daria um romance cheio de reviravoltas. É uma pena que eu não tenha o menor talento para escrever. – Sorriu e obviamente que o pensamento correu para Skya. Ela sim escrevia e muito bem.
Skya…
O tempo de fuga já se esgotara, pelo menos para ela.
No duro processo que tinha sido o seu amadurecimento, aprendera que negar os fatos, camuflar sentimentos e adiar decisões, só aumentam o sofrimento. A vida exigia movimento e tinha o seu próprio enredo, que acontecia, com ou sem o seu consentimento.
Vida…
Sorriu e ao mesmo tempo permitiu que lágrimas quentes corressem livres pela face.
Já esperara tempo suficiente. Pensou nas melhores amigas que com certeza queriam sacudir-lhe os ombros e trazê-la de volta à vida. Como elas eram leais e sensatas…
Pensou em Skya. Não tirava Skya da cabeça. Pensou na dor dela e na sua própria dor de não saber o que fazer para amenizar-lhe o sofrimento. Mas como? Estivera perdida, quebrada em mil pedaços. Perderam-se pelos caminhos sinuosos da dor. Vozes caladas, corações repletos de ressentimentos, mágoas e o amor em suspenso.
— E eu a amo tanto…- Era a única certeza irrefutável, mas sabia que não podia segurar uma relação amando sozinha. Tinha receio que Skya nunca mais se permitisse ser a mulher vibrante, apaixonante…a sua Skya.
Algum tempo depois, tomou um banho quente e relaxante, vestiu um conjunto de moleton e saiu do quarto. Precisava tomar um remédio, mas antes tinha que comer alguma coisa sólida.
Antes de se dirigir à cozinha, premiu o botão que abria os estores das janelas da sala. Era inverno, mas um sol tímido ganhava força entre as nuvens escuras. Sorriu ao ver o canário branco do outro lado da janela. Gostava da neve. Aos poucos, percebia-se voltando a abrir-se para a vida.
— Eu gosto da neve…eu gosto do Natal… — Disse baixinho.
Na cozinha, depois de comer um pouco de cereal e frutas, tomou o seu remédio. Conferiu a cartela e só faltavam dois comprimidos. Sorriu. Voltava a ter esperança e força para brigar por tudo que lhe fazia feliz. Talvez precisasse de paciência…um pouco mais de paciência…
— Scoutie. – De repente, notou a ausência do gato. Ele não estava no seu quarto como era habitual e nem eram ouvidos os seus passos pela casa.
Ainda que os olhos não vissem por estar de costas para a porta, seu coração gritou anunciando uma terceira presença. Com um súbito e leve tremor nas mãos, pousou o copo de água sobre a pia e girou o corpo. Uma tontura obrigou-a a encostar-se na pia. Instintivamente esfregou os olhos. Estava acordada, claro que sim.
— Ele estava comigo no estúdio. Olá…
A voz de Skya pareceu-lhe distante. Ah, era o tom…não tinha aspereza nem impessoalidade. Era ela sim, com um semblante de cansaço, mas era ela.
— Olá…
A ilha da cozinha separava uma da outra. Catherine sentia as pernas pesadas, Skya também.
Scoutie pulou dos braços de Skya e embrenhou-se pelo apartamento. Catherine tomou a iniciativa de sentar-se na mesa da cozinha e foi seguida por Skya.
— A que horas chegaste?
— Quase de manhã…fiquei no estúdio porque não conseguia dormir e Scoutie foi minha companhia…
— Hmmm…pareces cansada…
— E estou, mas é bom estar aqui.
Catherine não conseguia entender muita coisa. Há muito tempo que as conversas entre elas eram um festival de frases sem conexão. Apesar da confusão, era tão bom olhar para ela…
— Queres descansar?
— Preciso de um banho quente. – Suspirou profundamente.
Num movimento lento, Catherine levantou e ajudou Skya a fazer o mesmo. De mãos dadas, dirigiram-se ao quarto.
— Podes entrar no banho, já pego uma toalha… - Parecia em transe.
— E meu roupão vermelho, por favor.
De costas, Catherine não disfarçou um sorriso de felicidade. O roupão vermelho era uma história bem engraçada e romântica das várias que partilhavam.
Depois de assegurar que ela tinha tudo o que precisava, foi para a sala. Elétrica, andou de um lado para o outro. O coração pulava, as mãos tremiam, e o ar às vezes parecia que ia faltar.
— O que significa essa volta repentina? Calma Catherine, calma. Em algum momento ela vai dizer alguma coisa que faça sentido.
Colocou uma música que a acalmava e sentou no sofá. De olhos fechados, esperou.
Algum tempo depois, seus sentidos foram invadidos pelo cheiro inconfundível de Skya e abriu os olhos. Por mais inusitado que pudesse parecer, voltou a apaixonar-se. Que risco, mas era inevitável.
Tocava a música Lights (Duqa) e ambas pareceram perder-se nos próprios pensamentos. Por alguns minutos nada foi dito.
— Não queres dormir um pouco? – Catherine precisava quebrar aquele silêncio angustiante.
Ainda sem emitir qualquer som, Skya aproximou-se ainda mais dela no sofá. Catherine teve que fazer força para respirar. Não sabia mais como agir, não depois da escuridão…
Skya inclinou a cabeça e pousou-a sobre o ombro de Catherine. Tudo tão certo…
A trilha sonora de relaxamento seguia e agora ouvia-se Signals (Infinite Brothers). Catherine não sabia se respirava ou acalmava o coração. Uma infinidade de recordações invadia a sua mente. Tinha receio de abrir a boca e quebrar o encanto.
— Eu menti… — Skya sussurrou.
Catherine inquietou-se no sofá, mas conseguiu manter a posição. Nada poderia ser pior do que ficar sem Skya.
— Não estive em turnê… pelo menos não durante os quase 5 meses em que fiquei ausente. – Desabafou.
Catherine conseguiu refrear o impulso de dizer que já sabia. Queria ouvir a versão dos fatos que ela tinha para contar.
— Precisei reformular minha vida e não conseguia estando aqui do teu lado…
Catherine engoliu em seco. Não sabia se estava preparada para aquela conversa, mas já não tinha como fugir. A vida precisava seguir, tinha que seguir…
Fez-se um longo silêncio. Catherine esfregava os dedos como forma de aplacar o nervosismo que aumentava a cada respiração de Skya. Ela parecia ganhar coragem…
A mente de Catherine deu um giro galopante quando sentiu o braço de Skya sobre a sua barriga. Tinha ternura, ou estaria em delírio? Estava confusa, a ausência de carinhos físicos tinha sido longa demais…
— Há mais ou menos uma semana… talvez um pouco mais…
— Hmmm…- Catherine tinha certeza que estava fora de orbita.
— Eu fui tão egoísta, não que eu quisesse ter sido, mas não conseguia fazer diferente…
Catherine já não pensava com lucidez…
— Eu não conseguia entender como tinhas disponibilidade emocional para mim, como a tua dor que era tão avassaladora quanto a minha, não te roubava todas as forças…
Catherine teve vontade de dizer tanta coisa, mas as palavras não ganharam vida. Abraçou-a, apenas. Skya aninhou-se naquele abraço e respirou fundo. Por instantes, tudo estava no lugar.
— Precisei ficar longe para entender a minha dor. Não sei se faz sentido, mas precisei me sentir livre para expurgar a dor. Não que me aprisionasses, mas a particularidade da nossa situação não me permitia ultrapassar meus traumas. Me sentia inferior… não sei se é a palavra certa, mas me sentia um estorvo. Tu já tinhas passado por uma experiência frustrante e parecias tão forte…
— Eu nunca engravidei, não gerei uma vida por quase sete meses e de repente…
— Nosso Martin… nosso filho tão desejado…
Catherine quase saltou do sofá. Nunca Skya tinha conseguido mencionar o nome do filho que teriam depois da perda abrupta.
— Nunca sofri tanto na minha vida. Num dia estávamos no céu e no outro… a vida pode ser tão cruel…
Catherine não conseguia ter tanta raiva da vida, sabia que coisas boas aconteciam. Pela cabeça passava um filme… seu pai, o reencontro com o ser que lhe dera a vida, o amor pela Skya quando já não acreditava que pudesse se doar tanto, Karen, Esperanza, sua nova versão… tantos presentes que a vida lhe trouxera e sempre cabia mais um…
— Preparávamos o melhor dezembro de nossas vidas… a pior dor que carrego é que não houve um aviso. Tudo estava muito bem, eu estava bem, uma grávida saudável. Como o coração do meu filho parou de bater? Como?
— Meu amor, calma. Já ultrapassamos essa parte, sabemos que ele teria problemas e que talvez não…
— Mas eu queria vê-lo em meus braços. Queria ver aumentada a nossa felicidade, queria ver-te apaixonada pelo nosso bebê…queria…ahhhhh…
Desabou num choro sem qualquer controle. Poderia parecer paradoxal, mas aquela explosão de emoções deixava Catherine feliz. Chorou junto. Era disso que precisavam. Extravasar toda a dor. Juntas.
A escuridão já tinha invadido todo o apartamento e elas permaneciam abraçadas e em silêncio.
— Eu não quero mais passar longos períodos em turnê.
Catherine nem ousava abrir a boca. Não tinha a menor ideia do que passava na cabeça de Skya e tinha medo de perder algum detalhe.
— Sobre a mentira… não foi bem uma mentira. Eu fiz alguns concertos, mas a maior parte do tempo foi dedicado a outro projeto. Primeiro precisei me realinhar, resgatar a Skya que ficou soterrada com a perda do Martin. Depois, mais centrada, eu soube que nada faria sentido se estivesse longe de ti. Eu quero estar mais presente, preciso resgatar nossa conexão. Agora eu consigo, agora é possível.
Catherine ouvia aquelas palavras e ia sendo invadida por uma sensação de brisa na alma, alento, sua alma banhada de cores vivas. Soltou o ar com força e só assim percebeu que não respirava há algum tempo.
— E se por acaso tiveres alguma dúvida se vale a pena ficar comigo, eu asseguro-te que não vou desistir. E já sabes como eu sou quando quero alguma coisa.
— Abusada! A tua sorte é que estou fora de mim…- Conseguiu brincar com a situação.
— Ah é?
Catherine adorava aquela provocação. Skya estava ali e não era apenas uma sombra dela. Tocou a face dela, primeiro quase como se tivesse medo de que pudesse esvanecer. Não, era real. Beijou-a com intensidade. Há tanto tempo que não respirava…
A entrega foi sôfrega e perfeita. Precisavam resgatar tanta coisa. Buscavam-se entre lágrimas e sorrisos. E foi assim por muito tempo…
— Ei, para…para…
— Hmmm…eu estou quieta…
Riram alto.
— Para Skya, preciso entender algumas coisas…
— Hum-hum…eu explico tudo…
— Com essa mão dentro da minha blusa fica difícil…
— Para quem?
Mais uma gargalhada.
— Ok, Catherine mandona. O que queres saber?
— Sobre o tempo que ficaste fora…
— Estava a estudar para ser professora de música. Na realidade foi uma espécie de complemento que me deixa apta a ensinar. Vou ensinar violino.
— Não vais mais tocar? Não podes fazer isso…
— Vou, claro. Eu não sei viver sem a minha arte. Vou trabalhar mais em orquestras locais, tenho alguns convites para coisas interessantes e vou me dedicar ao ensino. Muito trabalho, mas sem essa vida nômade…
— Se achas que é melhor para ti…- Catherine sorriu.
— Eu tenho a sorte de ter ao meu lado uma mulher que me apoia incondicionalmente, eu quero estar à altura.
— Não entendi…
— Quero ter mais tempo para dedicar à nossa relação. Esse tempo longe da nossa vida, foi fundamental para eu entender o que realmente vale a pena. Eu estou com tantas saudades.
Skya deixou-se cair sobre o corpo de Catherine e beijou-a apaixonadamente. Os beijos iam ganhando cada vez mais intensidade e de repente Catherine notou que não tinha mais a calça de moleton. De forma quase abrupta interrompeu o beijo e sentou-se. Com a respiração completamente alterada, Skya encarou-a aflita.
— Desculpa…eu não pensei…eu…
— Skya…- os lábios de Catherine tremiam violentamente.
— Desculpa. Por favor, eu não tinha o direito de voltar e…
— Para! Podes e deves fazer isso e muito mais. Eu te amo, Skya…meu Deus como eu te amo…
Beijou-lhe a boca rapidamente e voltou a fixar o chão.
— Então…não sentes mais desejo por mim?
— Skya, tu sabes que isso não tem cabimento…
— Então porque não estás doida para fazer amor comigo? Eu estou!
Catherine levantou e foi para perto da janela. No segundo seguinte Skya estava ao seu lado e a abraçava com amor exalando por cada célula do seu corpo.
— Precisas de tempo, entendo. Eu posso ficar alguns dias vindo aqui esporadicamente enquanto decides se me queres ou não…
— Para de dizer asneiras. Eu quero que fiques aqui, nunca quis tanto. Preciso de ti, preciso…
— Eu estou aqui, meu amor. Não precisamos fazer amor. Depois resolvemos essa parte…
— Skya, sabes que eu quero fazer amor contigo. - Segurou a face dela nas suas mãos. - Sabes, não sabes?
— Eu sei!
— A questão é que eu não sabia que vinhas…preciso de água…
Mesmo confusa, Skya correu para a cozinha e trouxe um copo de água para ela. Depois do primeiro gole, Catherine encarou-a.
— Eu tenho tanto medo do que pode acontecer…
Era notório o seu desespero. Skya abraçou-a com força.
— Eu não tenho como fazer preâmbulos…
Skya, que exalava ansiedade, segurou-lhe as mãos trémulas entre as suas.
Catherine, respirou fundo e com lágrimas nos olhos, disparou:
— Eu estou grávida!
Skya cambaleou para trás, tropeçou no sofá. Caiu sentada.
Fez-se um longo e ensurdecedor silêncio.
Skya vagou pelo apartamento, trocou algumas palavras com Scoutie que alheio ao vendaval que sacudia a vida das donas, seguia pleno no seu parapeito.
Voltou para a sala e encontrou Catherine encolhida num canto. Teve um medo tão absurdo de perdê-la que correu na velocidade de um raio para perto dela.
Catherine despejou tudo de uma vez. Precisava voltar a respirar para não prejudicar o seu filho.
— Eu nunca pensei que fosse querer tanto um filho. Quando descobri que algo no meu corpo não colaborava com meu sonho, levei um baque, mas o sonho vivia através do meu amor. Veio o nosso Martin, nosso filho tão sonhado. Nunca fomos tão felizes… planos, sonhos, nós três… até que o sonho acabou antes mesmo de começar, antes de vermos a carinha do nosso bebé. Fomos para longe uma da outra, para bem longe. Vivíamos na mesma casa, mas um continente nos separava. Foste embora, eu fiquei tão desesperada. Tinha a certeza que todos os nossos sonhos tinham ido embora contigo…
Desabou num choro convulsivo assim que teve seu corpo amparado pelos braços de Skya.
— Talvez tenha agido de forma equivocada, mas eu queria, eu quero muito ter um filho contigo. Pensei tanta coisa… quando o segundo médico que consultei me deu uma pequena esperança de reverter o meu quadro, não pensei duas vezes. Queria ter partilhado contigo, mas tinha medo de ser apenas mais um capítulo frustrante. Segui em frente. Na primeira tentativa eu fiquei grávida. Grávida do nosso filho, parecia um sonho e ao mesmo tempo rondava o medo da perda. Eu tenho vivido num redemoinho, por um lado muito feliz pela segunda oportunidade, e por outro, a iminência de um novo pesadelo…
— Não vai ter pesadelo. Vamos focar na oportunidade. – Sorriu ainda que fosse de nervoso. - A Susan tem dado suporte…
— Não! Eu não contei a ninguém. Primeiro, porque a primeira pessoa que tinha que saber eras tu e segundo para não ter que lidar com expectativas.
— Eu não acredito…
— Se queres saber, nem eu. Tanta coisa na minha cabeça…
— Gravida…gravida?
— Sim! E desculpa se não ficas feliz, eu pensei…
— Eu não fico feliz? Catherine, tens a noção do que acabaste de me dizer?
— Eu só queria…
— Estás grávida de quanto tempo?
— Daqui a dois dias completo 3 meses. Eu ainda não sei se posso fazer sex*, na realidade nem perguntei. Estava sozinha e…
— Eu estou aqui! Não estás sozinha! Posso tocar a tua barriga?
Catherine sorriu aliviada. Em transe, sentiu a mão trémula de Skya sobre a sua barriga que ainda não se notava. Pelo menos era o que achava.
Skya ria e chorava ao mesmo tempo sem acreditar no que os olhos viam. Tinha sim uma leve protuberância que ela notava por conhecer tão bem o corpo de Cathe. O filho delas crescia ali. Chorou abraçada à barriga de sua mulher.
Parte 4
O milagre de Eva.
Catherine tentava fazer dormir uma bebé de 6 meses que não parecia muito inclinada a compactuar com o desejo da mãe.
— Eva minha filha, são 3 horas da manhã. Como pode, meu amor?
A menina sorriu com sua boca ainda desdentada e Catherine inundou-se de amor. Ela queria brincar e seguiram no fluxo. Mãe e filha entregues ao deleite na penumbra do quarto madrugada adentro.
Eva era precoce e já sentava com firmeza e ensaiava engatinhar. Vendo a desenvoltura de sua filha, Catherine não cansava de agradecer o milagre. Aquela menina queria mesmo nascer e ela tinha sido escolhida. Mesmo com alguns sustos durante os nove meses que a carregou no ventre, ela crescia de forma surpreendente.
Eva queria brincar e ria alto. Catherine mal cabia em si. Era tão bom ser mãe e mãe de Eva.
— Filha, não podemos acordar a mãe Skya. Ela tem um concerto amanhã, e precisa estar descansada. É o concerto de Natal da mãe Skya, o mais importante do ano.
Cada vez que a pequena ouvia o nome de Skya ela ria mais alto ainda.
— Essa menina…
Olhava embevecida para a sua pequena quando sentiu braços quentes ao redor do corpo.
— Estão em festa e não me convidam? – A voz de Skya estava rouca. Voz de quem acabara de acordar.
— Meu amor, vá dormir. Precisas estar descansada amanhã. Essa menina resolveu fazer serão.
Skya estendeu as mãos e a menina abriu os seus bracinhos. Ergueu-a nos braços e encheu-a de beijos.
— Preciso de vocês, é disso que preciso. Vamos para o nosso quarto?
— Já sabes o que penso sobre isso…
— Eu sei meu amor, mas eu só vou dormir se estiverem lá comigo.
— Ok! Só porque tens o concerto importante e conheço a tua teimosia e o apego dessa menina por ti.
— Olha o ciúme.
Riram.
— Vamos para a cama que é disso que precisas.
Na cama.
— Ela finalmente dormiu.
— Sim. E tu já deverias estar no quinto sono.
— Já sei, o concerto amanhã. – Riu e aninhou-se em Catherine.
— Todos os nossos amigos já confirmaram presença e sei que é muito importante para ti. Estudaste muito para uma grande performance.
— Obrigada. – Disse baixinho olhando fixamente nos olhos de Catherine.
— Porquê?
— Por ser a mulher perfeita para mim e por nunca ter desistido de nós.
— Eu não desisto do que gosto.
— E ainda bem que gostas de mim. Estou com saudades de fazer amor contigo a noite inteira.
— Meu amor, não se pode ter tudo. Se bem me lembro, ontem alguém me pegou na cozinha numa das sextas da Eva.
— Peguei e me pegaram de forma surpreendente…
— Estava com saudades e consegues ficar cada dia mais deliciosa… quem resiste?
— Espero que tu nunca resistas.
— Te amo, minha spalla preferida.
— Feliz Natal, amor. Feliz nosso recomeço. Felizes são todos os dias ao lado da minha família linda.
— Feliz Natal, meu amor. Nosso primeiro Natal com Eva.
— O milagre da nossa vida.
Beijaram-se selando aquele momento de união. Um reencontro que só o amor poderia proporcionar.
FIM
Fim do capítulo
Para ler ou reler o romance The Gift: projetolettera.com.br/198
Comentar este capítulo:
mtereza
Em: 28/12/2022
Como estava com saudades dessas duas, obrigada Nadine por esse presente maravilhoso e um ano novo repleto de paz, saúde e felicidades e realizações
Resposta do autor:
Quando aceitei o desafio de escrever o conto baseado no romance The Gift, eu me dei conta que também estava com saudades delas rsrsrs.
Feliz Ano Novo!
Bj
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Silvia Dela Rosa
Em: 26/12/2022
Nadine como sempre arrasou!
Você podia postar novamente No encanto da Ilha!!! Acho que é um dos seus melhores romances.
Um 2023 sensacional pra você!
Resposta do autor:
Muito obrigada! Que bom que gostaste.
Feliz Ano Novo!
Bj
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Dessinha
Em: 26/12/2022
Que lindas! Não poderia ser diferente também, né? A Caterine sempre pensando a frente. E lindas como sempre foram. O coração gela no começo mas depois tranquiliza com o milagre da Eva.
Beijos!
Resposta do autor:
Muito obrigada por comentar.
Feliz Ano Novo!
Bj
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UmaBiFanfiqueira
Em: 26/12/2022
Nadine, às vezes acho que vc é algum tipo de feiticeira pra ter tanto poder só com palavras. Meu coração fica aprisionado e sem livre arbitrio sempre que leios suas histórias, obrigada por mais essa viagem.
Aliás, o que aconteceu com Inside Out? Nunca a disponibilizou para venda e fiquei orfã, era uma das minhas favoritas, foi a primeira que li e tenho um carinho especial por ela. Por favor, a devolva pra gente rsrsrsr
Resposta do autor:
Eu gosto delas, e acho que elas de mim...as palavras rsrsrs
Muito obrigada por comentar e gostar do que eu escrevo.
Tirei varias histórias do Lettera porque estavam em outras frentes, mas em 2023 vou criar vergonha na cara e fazer alguma coisa com meus livros rsrsrs. Aviso quando isso acontecer.
Feliz Ano Novo!
Bj
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HelOliveira
Em: 25/12/2022
Feliz e abençoado Natal
Resposta do autor:
Feliz Ano Novo!!!
Bj
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Dandara091
Em: 25/12/2022
Alô autora!
Natal bonito é natal com milagre!
#nadineehrainha
#negritude
#feliz2023
Resposta do autor:
Não é? rsrsrs
Obrigada por comentar.
Feliz Ano Novo!
Bj
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Marta Andrade dos Santos
Em: 25/12/2022
Eita bom Natal meninas.
Resposta do autor:
Feliz Ano Novo!
Bjs
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Lea
Em: 25/12/2022
Foi inevitável não derramar algumas lágrimas.
Nada foi muito fácil para esse casal,e essa provação da vida foi bem dolorosa.
Elas tiveram o milagre mais lindo da vida, Eva.
*
Como sempre, você encanta!
*
Feliz Natal, Nadine!
Resposta do autor:
Que bom que te emocionou.
Obrigada por comentar.
Feliz Ano Novo!
Bjs
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