Devido às complicações pelas quais estava passando no trabalho e o problema com seus pais, Cali havia tido pouco tempo para tentar lidar com sua paixão por Paloma. Descobrir-se apaixonada por uma mulher era sem dúvida uma coisa inédita em sua vida. Afora o conflito interno que isso causava nela havia uma coisa que a preocupava mais: saber se Paloma sentiria algo por ela também.

No início, Cali observou que poderia haver algum interesse por parte de Paloma, mas na última semana depois de Diogo ter ido embora, Cali notou Paloma cada vez mais distante, não demonstrava mais sentir por ela o carinho de antigamente. Talvez o melhor a fazer fosse dá um tempo para compreender com clareza seus sentimentos. Tudo aquilo parecia ser uma loucura desde o início mesmo. Então, Cali tomou uma decisão difícil, mais difícil até do que reconhecer sua paixão por Paloma: precisava encontrar uma forma de neutralizar seus sentimentos pela vizinha.

No sábado, Cali mal viu Paloma. O que comprovou sua teoria que a garota mais velha a estava deixando de lado. Aquilo doía bastante. Desde que se conheceram passaram todos os fins de semana juntas, inventando alguma peripécia para fazer. Às vezes reservavam o sábado inteiro para tirar uma com Fábio, aprontando algumas infantilidades para cima do rapaz. Em um desses fins de semana, foram a um parque de diversões, o que fez Fábio comentar que elas pareciam duas molecas que nunca deixaram a infância. Para Cali, Paloma fora a companhia perfeita. Divertiam-se bastante no tempo que passavam juntas. Por isso, não conseguia aceitar que as coisas tivessem mudado tão rápido e sem motivo. Pois algo havia mudado em Paloma, Cali só não sabia o quê.

Como Paloma não confirmara a ida ao cinema. Cali decidiu ir sozinha. O cinema mais próximo ficava só a uma quadra de seu apartamento, poderia ir andando. Para sua surpresa, Fábio quis acompanhá-la. Segundo ele, não havia coisa mais deprimente do que ir ao cinema sozinho em um sábado à noite.

Para Cali, a coisa mais deprimente era não ter Paloma ao seu lado.

Assistiram a uma comédia hilariante. Fábio ria tão alto que as pessoas chegavam a olhar para ele mesmo em meio a tantas risadas de outros expectadores no cinema. Às vezes, Cali não sabia se ria do filme ou do amigo já que Fábio tinha comentários mordazes para cada cena. Imaginou como seria divertido se Paloma estivesse lá com eles para compartilhar aquele momento. Só faltava isso para que as coisas fossem perfeitas.

Quando chegaram ao apartamento, Paloma ainda não havia chegado. Cali despediu-se de Fábio que agradeceu pela noite maravilhosa e a convidou para tomar café juntos no dia seguinte.

Cali voltou para seu apartamento vazio sentindo um aperto no peito. Precisava ter alguém ao seu lado. Alguém que quando a abraçasse, pudesse sentir seus corações batendo em um mesmo ritmo. Alguém que se descontrolasse ao pensar que poderia perdê-la. Será que esse alguém realmente existiria? E se existisse, por que não estava com ela agora?

***

Passava das nove da manhã quando Cali chegou ao apartamento ao lado. Esperava encontrar Fábio e Paloma juntos, no entanto, Fábio estava terminando de preparar o café da manhã sozinho.

- E a Paloma? - Perguntou Cali, esforçando-se para não parecer ansiosa.

- Acho que ainda está dormindo - Informou Fábio, indiferente - É melhor fazermos silêncio para não a acordar. Parece que a noite ontem foi intensa para ela. Fica de muito mau humor se a acordamos. Eu é que não quero enfrentar a fera.

Fábio sentou-se à mesa e convidou Cali para juntar-se a ele.

- Escuta Fábio. Como assim a noite foi intensa para a Paloma? - Perguntou Cali, intrigada.

Para seu espanto, a resposta veio segundos depois na forma de uma jovem de cabelos avermelhados que apareceu de repente na cozinha.

- Bom dia!- Disse ela - Não resisti ao cheirinho do café, deu para sentir do quarto da Paloma.

Cali ficou totalmente sem reação. Quem era aquela garota e o que estava fazendo no quarto de Paloma? E porque diabos estava vestindo uma blusa de sua amiga? A resposta parecia óbvia demais. Cali sentiu-se enjoada e perdeu toda a vontade de comer. Tentou esconder o ressentimento que crescia dentro dela diante do reconhecimento do que estava acontecendo. Mas aquilo não podia está acontecendo, podia?

- Olá, Andréia - Cumprimentou Fábio, sorridente - Esta aqui é a Cali, nossa vizinha e grande amiga.

Os lábios da garota de cabelos vermelhos se abriram em um grande sorriso.

- Muito prazer, Cali. A Paloma já me falou muito de você.

- O prazer é todo meu - Disse Cali, conseguindo esboçar um sorriso, apesar do grande esforço que isso exigia naquele momento. Mas porque Paloma havia falado muito dela para Andréia?

Fábio convidou Andréia para acompanhá-los no café.

Cali tentou comer algo para não levantar suspeitas sobre o seu estado de humor. De repente o café que parecia tão saboroso antes, perdera todo o gosto.

- Andréia e Paloma treinam juntos na academia. Andréia também luta jiu-jítsu - Contou Fábio.

- Então, quer dizer que você também luta, Andréia - Comentou Cali - Isso é bem legal.

- Sim. Eu e Paloma somos companheiras de treino há muito tempo. Já participamos de muitas competições. Você já assistiu alguma competição antes, Cali?

- Na verdade, não.

- Então, na próxima vez está convidada.

Andréia era uma jovem muito simpática. Cali não podia negar. Mas se era companheira de luta de Paloma há tantos anos, porque ela nunca mencionara nada para Cali sobre Andréia. Aliás, Paloma não era de falar muito sobre seu passado, somente após insistir muito Cali conseguia arrancar algo dela.

- Paloma não vai vir para o café? - Perguntou Fábio.

- Não sei, mas acho melhor ela dormir mais um pouco. Sabe, passamos muito tempo acordadas ontem à noite - Falou Andréia com malícia.

Cali quase engasgou com o pão que estava mastigando. Mas ela conseguiu disfarçar o embaraço muito bem e os outros dois não notarem.

- Uau! Vocês garotas são mesmo intensas - Comentou Fábio.

- Vocês nem imagina quanto! - Exclamou Andréia.

Mas Cali não queria imaginar. Aquilo já estava ficando demais para ela. O ciúme a estava consumindo, precisava colocar o que estava sentindo para fora o quanto antes. De um jeito ou de outro.

Momentos depois, Paloma apareceu. Estava completamente vestida e tampouco parecia de bom humor.

- Bom dia a todos! - Disse ela, secamente.

- Querida! - Chamou Andréia, contente - Sente-se aqui e venha tomar café com a gente.

- Não estou com fome - Recusou Paloma - Vamos, Andréia. É melhor você se aprontar logo, levo você em casa.

A alegria se apagou do rosto de Andréia. Que olhou para Paloma, confusa.

-Tudo bem, já acabei - Disse ela por fim - Vou pegar minhas coisas.

Andréia retirou-se da cozinha.

Paloma lançou um olhar esquisito para Cali.

- Como vai, Cali? - Perguntou ela, tímida.

- Estou bem e você?

- Parece que ela acordou de ovo virado, Cali - Falou Fábio, depois se dirigiu a Paloma - Andréia não merece essas suas oscilações de humor. Aliás, ninguém merece.

Paloma lançou um olhar furioso a Fábio.

- Não adianta me olhar assim. Você às vezes é insensível, Paloma.

- Não se meta Fábio. Você não sabe de nada - Falou Paloma, séria.

- Quer saber? Não vou falar com você agora. Mais tarde teremos que ter uma conversinha muito séria.

Cali acompanhava a tudo impassível. Não era somente Fábio quem precisava ter uma conversa séria com Paloma. Cali precisava enfrentá-la e descobrir porque ela andava tão distante ultimamente. Será que Andréia teria alguma coisa a ver com isso?

Paloma levou Andréia em casa. No caminho, ouvia enquanto Andréia desabafava.

- Não entendo você. Passamos uma noite maravilhosa juntas, mas você está insuportável - Dizia ela, magoada - Não vai dizer nada?

- O que quer que eu diga?

- Pelo menos peça desculpas sobre como me tratou. Me humilhou na frente dos seus amigos.

Paloma respirou fundo.

-Tudo bem. Desculpe  Disse ela - Eu sou uma cretina. Você não merece isso.

Andréia notou sinceridade nas palavras de Paloma. A conhecia há muito tempo e sabia que ela era uma pessoa muito íntegra.

- Vou pensar em seu caso - Disse Andréia - Porque não me diz o que está te incomodando, querida? Talvez eu possa ajudá-la?

Paloma pensou por um instante.

- Tá certo. Eu digo. Começa assim: já ouviu falar de TPM...

Andréia não segurou o riso. Paloma havia recuperado o bom humor. Definitivamente a preferia assim.

Fim do capítulo