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A tragicomédia de Morgana por shoegazer

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Palavras: 4915
Acessos: 649   |  Postado em: 17/10/2022

Jarro de vagalumes

 

Só que eu não esperava passar a última semana conciliando entre a minha casa e a casa da Isabela. De manhã eu trabalho em meus roteiros enquanto Isolda passa o tempo livre acumulando mais coisa em nosso apartamento, que está praticamente remobiliado, com exceção da cozinha. Tudo isso acordado entre ela e o dono sem que eu soubesse, mas não me importo. Confesso que minha irmã realmente conseguiu deixar o lugar aconchegante como uma casa deve ser, e não um espaço em que sou assombrada constantemente pelos meus demônios internos.

De tarde, sou assistente da Isabela, onde vez ou outra Isolda vai até lá passar o tempo. Limpo os pincéis, arrumo os potes de tinta, procuro por algum artigo em específico ou referência e recuso as chamadas do seu orientador procurando por ela. Devo ressaltar que as tais fotos foram tiradas da cabeceira. Toda essa nossa convivência é rega a muita música pop, que inclusive já conheço boa parte.

Estou sentada na cama de Isa sentindo o vento da janela aberta por conta do seu trabalho com tinta a óleo, que inebria o ambiente. Meu telefone vibra do lado, e o pego.

“Acabei de sair do treino. Vou comer alguma coisa.

Ainda está na casa de sua amiga?”

— Bah, é o dia todinho vocês nisso?

Ela tem razão. Conversamos com certa frequência, tanto que meus dedos até se tornaram mais rápido por conta do fluxo de mensagens que trocamos. Normalmente nos falamos no período da tarde, que é quando estamos mais desocupadas e no início da noite. Mas, nada demais, não?

“Sim, só vou sair mais tarde.”

— Será que estou sendo inconveniente? – digo ainda com o telefone em mãos, virando só o rosto para a olhar.

— Não é isso – ela diz por entre as pinturas – é que vocês só ficam se falando nisso. Por que não chama ela pra sair hoje?

— Eu? – sinto minhas bochechas corarem – Por que eu faria isso?

— Já passam o dia todo falando por mensagem, o que custa se encontrarem e conversarem cara a cara?

— Ela é ocupada, não quero... – não sei se quero interagir pessoalmente com ela e a fazer se sentir frustrada ao ver como realmente sou desinteressante.

— Hoje é sexta-feira – Isabela volta à sua pintura – faz o convite. Fala que vai sair com tuas amigas hoje e pergunta se ela não quer ir, simples.

Dou com os ombros, olhando para a tela.

— E se ela não quiser?

— Então ela que perde em não querer sair com nós – Isabela faz uma careta e aumenta o som. É uma das suas músicas preferidas que começa a tocar.

“Não quer sair conosco?”

Envio a mensagem e volto a apoiar minha cabeça na cama dela, olhando de relance pra Isabela cantarolando Cool for the Summer, da Demi Lovato. Ela ouve tanto essa música que já até decorei.

— Por que tem tanto medo de falar com as pessoas? – ela me questiona sem tirar a atenção do que está fazendo.

— Porque tenho a impressão de que se eu me aproximar demais de alguém – me viro de lado em sua direção – essa pessoa vai me abandonar.

— Mas não acha que isso te afeta? – ela me olha por cima do quadro – Nunca pensou em procurar ajuda pra isso?

Não sou de rir com desdém ou deboche, mas eu realmente achei isso engraçado, o que logo chama sua atenção.

— Bah, que milagre é esse você rindo?

— Desculpe – digo assim que percebo que soou estranho – mas é que eu já tive ajuda com isso. Daí já tira.

— Barbaridade! – ela dá um riso irônico – Tem como ser pior que isso?

O telefone toca, mas não é mensagem. Na verdade, é um toque que raramente ouço.

— Alô? – digo de prontidão e ouço atentamente cada palavra proferida a mim. Estática. Isabela me olha esperando eu falar alguma coisa, mas continuo calada até ela terminar de falar – Entendi, obrigada, até segunda então.

— Era a menina?

— Meu manuscrito foi aceito – nem acredito no que estou dizendo enquanto coloco o telefone de lado – querem fechar o contrato pra logo.

— Sério?! – Isabela se levanta, colocando as mãos entre a boca – Morgana, isso é ótimo!

Ela vai até mim e me abraça, tirando-me da cama enquanto rodopia comigo em seus braços.

Não consigo sentir nada, assim como quando foi dito a mim que eu tinha tomado alta. Deve ser porque eu não consigo filtrar e identificar exatamente um momento de felicidade. Quer dizer, eu estou feliz com a notícia, mas continuo achando que pode acontecer o pior.

— Nossa, temos que comemorar isso – diz ela afoita.

O telefone vibra. É outra mensagem.

“Pra mim dá depois das dez. Onde vai ser?”

É muita coisa acontecendo de uma vez. Volto a me sentar na cama, respirando devagar, deixando sair o ar pela boca. Não deve parecer nada demais, mas, pra quem tem uma vida especialmente monótona, isso é uma reviravolta e tanto.

*

 Minha irmã está estonteante como sempre. Elegante, refinada com roupas que caem bem e eu, bem...

— Para com isso que você está linda – diz Isolda arrumando a gola da minha camisa nova e jogando meu cabelo pra trás. Isabela, por outro lado, prefere usar seu macacão jeans e camiseta preta junto a seus pares de tênis coloridos e uma touca por conta do frio. Já eu prefiro o de sempre: uma camiseta branca por debaixo da camisa listrada, assim como os jeans escuros e meus novos tênis.

— Eu que me sinto ridícula perto de vocês duas – ela faz uma careta descontente – vamos?

Paramos em um espaço que não é necessariamente um bar, apesar de ter a área que as pessoas bebem. Perguntei diversas vezes para Isolda se isso não seria problema, mas acho que se eu perguntasse mais uma vez, ela atiraria alguma coisa em mim.

Isabela não pede nada alcoólico para ela com receio de isso ser um gatilho pra minha irmã, o que me deixa realmente feliz em ver que ela se atenta aos detalhes. No entanto, Isolda insiste que quer uma cerveja sem álcool no intuito de que não vai fazer mal. Para nossa sorte esse item não tem lá, e ela resmunga consigo mastigando um chiclete no intuito de se distrair.

— Como vai ser lidar com a fama, Morgana? – Isabela pergunta em um bom humor, servindo o refrigerante para nós.

— Espero não ter que fazer isso... – digo entre os dentes, balançando a cabeça.

— Ela vai fazer a linha reclusa, com certeza – Isolda diz levantando as sobrancelhas, rindo – que raramente dá entrevista. Aí que vai chamar a atenção mesmo.

— Não vá ficar se achando quando ficar conhecida – Isabela dá um gole no refrigerante de laranja gelado, e rio envergonhada.

— Sua amiga já está vindo? – minha irmã pergunta distraída, balançando o copo entre os dedos.

— Acho que... – olho para o telefone – daqui a pouco ela chega.

O som ambiente é agradável, apesar do local ser meio escuro. Os móveis são antigos, assim como a arquitetura, e não está muito movimentado, diferente da última vez que saí. Isolda começa a falar um pouco sobre a vida dela como modelo, mas não presto muita atenção já que sei cada passo do que aconteceu, mas Isabela ouve atentamente. Levanto e dou uma volta no espaço, as mãos enfiadas nos bolsos, tentando me enturmar. Apesar das coisas serem mais fáceis com elas ao meu lado, ainda tem aquela parte de mim que só quer fugir. Queria poder acreditar mais em mim mesmo.

“Eu adorei o seu roteiro, Morgana. Me tirou lágrimas verdadeiras. Por favor, compareça no mesmo endereço que antes para te apresentar ao nosso corpo criativo na segunda-feira às 10hrs da manhã. Te aguardarei ansiosa. Um abraço!”

Foram as palavras ditas por Jaqueline em um tom realmente empolgado. Se não estava, ela mente muito bem, o que é uma boa hipótese. Olho para o flamingo e letreiros neons sem muito o que pensar. Até pouco tempo atrás, minha realidade era bem diferente dessa, e isso me faz lembrar da conversa que tive com Isolda sobre fingir ter uma vida diferente do que somos. Quis tanto fugir de mim que agora parece que não sou eu. A Morgana que eu conheço não é a Morgana que minha vizinha e essa editora conheceu, e também não é a que minha irmã conhece. E nem eu conheço. Até quando conseguimos carregar um fardo sem falar nada?

Até a linha tênue entre a sanidade e a loucura se romper e fazer desaguar todo o peso que tem recalcado. É como se eu me culpasse por ficar calada, mas também me culpasse por falar, ou seja, nunca estou exatamente satisfeita com as decisões que tomo. No final das contas, sinto que sou uma farsa.

Só consigo ser verdadeira quando eu escrevo, porque pelo menos naquele mundo que vivencio, consigo ter o falso controle das coisas, das ações, da narrativa. Coloco parte de mim em cada palavra escrita, e talvez por isso as pessoas se emocionem com o que é dito, se identifiquem ou simplesmente só captam as sensações que tento transparecer. É quando não veem o meu rosto e só veem a minha alma exposta à frase aberta em cada personagem ali criado.

No final das contas eu não sou uma mentira. Sou uma realidade criada para ser fácil de digerir, porque no momento em que tiro essa capa e veem cada pedaço do que me formou ali pulsando, acabam virando a cara. O que sou eu se não um trauma que persistiu acreditando que pode ser diferente, mesmo quando se perdeu as esperanças por tantas vezes?

— No que tanto pensa?

A voz grave ressoa do meu lado. Olho de relance e vejo que é a pessoa que converso com afinco por pelo menos nos últimos dias, usando um conjunto esportivo preto e o cabelo preso.

— Na vida...– pressiono os lábios, os mordendo de leve – em mim.

Ela olha para o mesmo ponto luminoso que eu, com o material de treino em mãos.

— E como faz isso sem enlouquecer? – Raquel me olha de soslaio.

— Acho que não tem como – dou um riso contido, e ela faz o mesmo.

— Onde estão suas amigas?

— Sentadas ali – aponto para trás, e ela para ao meu lado enquanto caminha comigo. Paramos na mesa onde estão as duas, que logo param de conversar – É, essa é a Isabela, minha amiga que te falei e minha irmã, Isolda.

— É um prazer final... – Isabela diz se levantando, e logo se repreender – um prazer conhecer você. Raquel, certo?

— Sim – ela a cumprimenta, a logo faz o mesmo com minha irmã, puxando a cadeira e se sentando ao meu lado.

— Veio comemorar com a gente a aprovação da Morgana? – Isolda pergunta enquanto olha para o cardápio – Vai tomar alguma coisa?

— Aprovação? – ela levanta uma das sobrancelhas, ajeitando os óculos – Passou em quê? Faculdade? Não, nada por enquanto, obrigada.

— O roteiro dela foi aprovado pra serialização – Isabela diz empolgada, e Raquel cerra os olhos, com um sorriso contido confuso.

— Não estava sabendo, mas... – ela arqueia as sobrancelhas – Parabéns.

— Por que você não falou nada pra sua colega, Morgana? – dessa vez é minha irmã que me olha confusa.

— Não achei que fosse interessante comentar, sei lá... – quando termino de falar, Raquel dá um riso irônico.

— E por que não seria?

Dou com ombros, e ela tira da mochila um isotônico de cor vermelha, ainda mantenho os olhos cerrados.

— Você tem uma rotina corrida, não queria incomodar com isso.

— Certo... – ela dá um suspiro, dando um gole no produto da garrafa – tudo bem, fico feliz por você. Tem previsão de lançamento?

— Ainda não, foi acertado tudo hoje e...

Olho para a mesa, e as duas me encaram. Isabela com as mãos apoiadas no queixo e Isolda balançando o canudo no copo, nos olhando de soslaio.

— Desculpe.

— Continua, Morgana – Isolda gesticula rápido – a gente quer te ouvir.

Abaixo a cabeça envergonhada, e nego com a cabeça.

— Era só isso.

— Eu li a história e me caiu os butiá do bolso, guria – Isabela continua a falar – ela é tri boa, estou te falando. A mulher rasgou muita seda pra ela.

Raquel concorda com a cabeça lentamente, me olhando de relance.

— Eu imagino que seja.

— Você joga tênis? – Isolda aponta para o material ao lado da cadeira da nossa convidada.

— Sim – ela pressiona os lábios depois de outro gole no energético – um pouquinho.

— Acho legal quem pratica esportes – Isabela sorri consigo – sou sedentária pra caramba.

Ela não vai falar nada além disso?

— Sou suspeita pra falar que recomendo – Raquel dá um sorriso contido – ajuda em muitos aspectos da nossa vida.

Cerro os olhos. Dessa vez eu que fico confusa. Será que ela não quer falar mesmo ou ficou chateada porque não falei sobre aquilo?

— Você faz outros esportes além desse? – Isabela volta a questionar.

— Musculação e caminhada – ela dá com os ombros – mas porque é necessário.

— E como foi pra vocês se conhecerem? – Isolda franze o cenho, com aquele sorriso que bem conheço dela – Pergunto isso porque nunca vi uma pessoa mais caseira do que essa.

— Fui curtir um show e ela estava lá no meio do mosh – ela gesticula fazendo uma roda no ar com o indicador – acho que era a que estava mais curtindo, mas depois ela sumiu e eu pensei que ela tivesse passado mal, então eu fui acudir e acabamos nos falando.

— E o que diabos é isso que você estava? – Isolda levanta uma das sobrancelhas, e Isa ri.

— É uma coisa que sempre rola nos eventos – Isabela complementa, e Raquel concorda.

— Ah, legal – Isolda meneia com a cabeça – deve ser bem divertido mesmo. Vamos pedir o que pra comer?

— Essa pizza aqui é muito boa – Isabela aponta no cardápio - por que não pedimos ela?

O pedido é feito, e não falamos nada além disso. A conversa se volta para Isolda falando de desfile e os lugares que ela viajou. Olho para Raquel de relance, que enquanto presta atenção no que minha irmã diz, olha pro celular e desvia uma chamada até o momento que ela desliga o aparelho e o joga no fundo da bolsa. Comemos, e Isabela fala um pouco da sua vivência acadêmica e em como ela não gosta da maioria dos artistas que convive.

Porém, sinto que Isabela me olha bem além dos meus olhos, assim como os olhares escusos até a mulher séria ao meu lado. Não sei explicar o porquê disso, mas em um dado momento, ela sussurra alguma coisa para minha irmã e se volta pra mim.

— Vamos passar vergonha no karaokê, não querem ir nos prestigiar? – diz ela se levantando junto com Isolda. Raquel concorda com um aceno, e faço o mesmo.

Elas saem nomeio da pequena multidão, e me vejo sozinha com ela. Eu consigo conversar com ela normalmente por mensagem, mas agora sinto que travei totalmente. Coloco a mão contra o peito. Estou mais nervosa do que quando eu tive que apresentar meu trabalho, porque lá pelo menos eu tinha treinado o que poderia falar e como agir, mas e agora? Não consigo prever o que alguém vai achar do que eu falo.

— Desculpe por não ser uma programação tão interessante...

— Não tem problema – ela cruza os braços, olhando pra frente – só de eu sair um pouco está ótimo.

— Por que não falou pra elas que é profissional?

— Porque quero esquecer um pouquinho disso – ela responde me olhando de relance.

Eu nem abro a boca, e quando abro eu só dou tiro no pé, incrível.

— Por que não termina de falar o que estava falando? – ela volta a falar, se virando pra mim.

— Do quê, exatamente?

— Da sua história – Raquel dá com os ombros – eu queria saber o resto.

— Tem certeza? Vai ser só eu falando as coisas e me empolgando, te perturbando com isso e...

Ela morde os lábios devagar, e deixa o ar sair devagar pelo estalar da língua entre os dentes.

— Mas eu quero que você me “perturbe” – ela faz as aspas com as mãos – com isso. Na verdade, está longe de ser um incômodo, mas tudo bem.

Não estou acostumada a atenção de uma pessoa que não seja uma profissional ouvindo o que tenho a dizer, então... É meio estranho, mas não um estranho ruim, é só um estranho de uma coisa que está pouco acostumada, como comer um prato novo e não ter certeza se ele é bom ou ruim.

O local começa a ficar barulhento demais e ela faz uma careta.

— Se importa de irmos pra um lugar menos barulhento?

Absorta, só concordo e vamos para o espaço menos movimentado do ambiente, que é o de fora, onde tem poucas pessoas sentadas conversando, já que a maioria está lá dentro vendo os shows no karaokê. Apesar de pessoalmente ser outra coisa, falar com ela não é tão complicado quanto imaginei. Obrigada mensagens de texto por me ajudarem a interagir com outras pessoas sem me sentir tão mal quanto antes.

— Eu tive essa ideia há uns cinco anos atrás – começo a falar, me apoiando na parede de tijolos expostos – só que nunca ficava exatamente do jeito que imaginava, nunca ficava bom, sempre parecia só um esboço da ideia original...

Ela me olha atenta, parada ao meu lado, as mãos enfiadas nos bolsos do agasalho.

— Então eu comecei a experimentar outros tipos de narrativa até me afeiçoar com roteiros – engulo em seco – ela não ficava boa como romance porquê... Tem coisas que ficam melhores se expressas não só verbalmente.

— E você pode me contar o que é a história ou é algo sigiloso?

— É... uma tragédia – dou com os ombros, suspirando – conta a história de uma mulher que está esquecendo as coisas e contrata duas estudantes pra documentar uma história que aconteceu com ela, então ela conta sobre um fato da juventude dela, só que vemos pelo olhar dela, então tem coisas que começam a ficar confusas e...

Hesito em continuar, mas ela continua me olhando esperando o que tenho a dizer.

— É sobre um romance dela, mas não é só uma paixão dessas já conhecidas, é... Bem mais profundo do que isso, porque mostra todas as nuances da vida dos dois.

— E tem um final triste?

Dou com os ombros, contendo o sorriso.

— Se eu contar o final, perde a graça.

— Então eu terei que assistir quando lançar? – ela finge uma careta descontente, o que me faz rir de uma vez.

— Se não se importar com spoilers, te empresto a versão adaptada.

— Está me dando esse privilégio como redenção por não ter contado da sua contratação? – ela cerra os olhos, e eu me vejo olhando para o outro lado para não a encarar.

— Eu realmente não queria te perturbar com isso...

— Conversamos todos os dias, Morgana – Raquel apoia o braço na parede, assim como a cabeça em sua mão – por que ouvir falar de algo importante pra você seria um incômodo?

— Porque isso é meio novo pra mim – as palavras saem em tom de confissão – de interagir com as pessoas de fora...

Merda, cassete, morde a língua, Morgana.

— De fora do meu círculo de amizade – sorrio envergonhada – ele sempre foi restrito e agora que estou tentando conversar com outras pessoas.

Restrito a pessoas mentalmente instáveis a ponto de serem reclusas da sociedade por um período de tempo, mas essa parte eu omito. Porém, ela não parece engolir a conversa.

— Com todo o respeito, mas isso parece conversa de recém-separada – ela cerra os olhos, e eu rio nervosa.

— Eu? Não – sinto que começo a transpirar – por que parece isso?

— Uma pessoa que diz que voltou a interagir com outras pessoas agora... – ela encolhe os ombros, fazendo um bico com os lábios – e que ficou restrita a um círculo de amizade.

— Não, mas não tem nada a ver isso – por que eu estou me justificando assim?

— Deixa eu ver se tem marca de anel...

Ela segura minha mão esquerda com delicadeza, com poucos resquícios do que fiz da última vez. Suas mãos são firmes e calejadas, tocando com a ponta dos dedos o meu anelar, observando. Isso era necessário? Ainda assim, seu toque não me incomoda. Digo, causa aquela sensação de estranhamento que já falei, mas só me presto a olhar para suas mãos mesmo.

— Agora eu acredito em você – ela solta a minha mão lentamente.

Toques físicos são uma barreira para mim porque me deixam em estado de alerta. Eu sempre recuo, assim como fiz agora porque normalmente quando alguém se aproximava demais de mim, eu sempre acabava amarrada ou sedada, então continuo estranhando se alguém vier me abraçar ou me cumprimentar mais de perto. A não ser que seja minha irmã, e agora com minha vizinha, e só agora.

É inusitado falar em ser sedada? Bom, apesar de não ser o pior lugar do mundo, não tem nem comparação com o lado de fora. Na primeira iminência de uma crise, não lidavam com palavras afetuosas, e sim ações mais incisivas. Teve semanas que sequer lembro que existiram de tão grogue que ficava, mas não era toda vez. Eram só algumas, que se repetiram depois de um tempo...

— Estou aqui com minha parceira Isabela...

— Acho que é hora do show das garotas – ela aponta para o lado de dentro, e seguimos vendo a dupla Isabela e Isolda no palco com um microfone cada.

Paramos uma ao lado da outra, e a música começa. No visor aparece This is Me da Demi Lovato – o que não me surpreende nem um pouco – e a pequena plateia a ovaciona. Só que Isabela canta com tanto afinco que Isolda vira só uma coadjuvante, e Raquel coloca a mão contra a boca, pra evitar o riso.

— Ela está bem? Tá parecendo muito pessoal.

Nego com a cabeça, e possivelmente minha cara de “pensei que tinha dito que tinha superado” a faz rir mais. Raquel solta o cabelo, o balançando de um lado para o outro. Olho de soslaio, e tento me concentrar no show de lamúria cantado por minha amiga e vizinha, balançando a cabeça no ritmo da guitarra e cantando calorosamente.

— Você não quer ser a próxima? – aponto para lá, onde Isolda canta desafinada com uma Isabela empolgada ao extremo.

— Eu? Não mesmo! – ela diz rindo – Eu morreria de vergonha em subir numa coisa dessas, e você?

— Não sirvo pros holofotes – digo em um sorriso contido – não mesmo, prefiro passar despercebida.

Seu relógio de pulso começa a piscar, e ela revira os olhos.

— Acho que está tocando...?

— É meu treinador pra saber porquê não estou em casa – ela aperta um botão e ele se apaga – tem hora que isso cansa.

O relógio volta a piscar, e ela dá meia volta, indo para o lado de fora. Quando volta, sua expressão é visivelmente chateada.

— Não tem problema se for agora, digo... – esfrego meus dedos uns nos outros – se tiver que ir.

Mesmo eu desejando que fique mais um pouco.

— Eu realmente queria ficar, mas... – ela revira os olhos – isso me tira do sério, olha. Já tinha avisado que ia sair.

As estrelas da noite descem do palco, mas Isabela, visivelmente suada, olha para nós duas e se afasta com Isolda para algum canto que meus olhos não conseguem acompanhar.

— Pode se despedir delas por mim? – diz ela pegando uma pequena agenda preta de suas coisas- Me desculpe mesmo...

— Não se preocupe com isso... – coço meu pescoço devagar olhando para os lados – é...

— Eu vou competir domingo – ela rasga o papel e entrega nas minhas mãos um endereço – É um torneio municipal, esquenta pro estadual, nada demais, mas... seria legal se você fosse. Chame elas também se não estiverem ocupadas...

— Eu irei, quer dizer... – gaguejo sem perceber – Iremos sim.

— Então nos vemos domingo – Raquel coloca a bolsa na costa e se despede de mim com um aceno. Aceno de volta e assim ela sai.

Olho para o endereço escrito à mão. Não conheço o perímetro, mas Isabela deve conhecer. A propósito, ela vem sozinha até mim. Olho por trás, e vejo Isolda conversando animada com algumas pessoas desconhecidas.

— E aí? – ela me recepciona com um sorriso e um copo do que parece ser um drinque na mão – Como foi?

— O quê? – cerro as sobrancelhas, dobrando o papel e o guardando.

— Deixei espaço pra vocês se pegarem – a frase sai da sua boca como se falasse algo óbvio. Já eu sinto que me engasgo com as palavras proferidas – Ou não ficaram?

— Eu e...e...e... – Respiro fundo e mordo a língua levemente pra voltar o foco – Ela?

— Qual é, Mog – ela ri dando com as mãos para o ar, dando um gole no conteúdo do copo – vai me dizer que não está a fim dela?! Porque tá muito na cara, até tua irmã percebeu.

— Não é nada disso – balanço a cabeça aturdida – só estamos nos conhecendo.

— Bah! – ela dá uma sonora gargalhada – Tá de sacanagem comigo, para de graça. Ou você tá com vergonha de falar isso pra mim?

— Não....estou...

Fecho os olhos, e respiro fundo.

— Não, não estou.

— Sério mesmo? – ela arqueia as sobrancelhas – Jurei que tu gostava de guria.

O que ela disse?

— O quê?

— Bah, não gosta? – Isabela dá com os ombros – Tua irmã até confirmou isso.

Mas que... Filha da puta.

Ando até onde ela está, e ela me olha de relance.

— Mas já, man...

— Com licença – digo para as três pessoas que conversam com ela – Eu preciso falar contigo.

Isolda pode até mandar em mim, mas ela não tem direito de falar dessas coisas por mim, ainda sabendo de... Do que aconteceu.

Ela me olha com estranheza, mas não fala nada, e vamos para um lugar menos movimentado, no canto do salão.

— Por que falou aquilo pra Isabela?

— Aquilo o quê? – ela cerra as sobrancelhas – Que tu tá a fim da menina?

— Eu não... – cerro os dentes e respiro fundo – Eu não posso me aproximar de ninguém que estou dando em cima? Vai falar que estou tendo alguma coisa com a Isa também?

— De otária que você não quer – ela revira os olhos em tom sarcástico, e respiro fundo para não perder a cabeça.

— O que custa você aceitar que eu não quero ninguém na minha vida?

— Maninha, você só vai curar seu coração partido com outra – ela aponta para o meu peito – cansei de te dizer isso.

— Você não tem direito de falar sobre mim pras...

— Porr*, Morgana – ela dá com as mãos para o ar – sinceramente, até quando vai ficar nisso de mentir pra si mesmo? Já deu, maninha, até tua psicóloga falou que tem que começar a se aceitar.

Aceitação. Sim, essa pequena palavra tão difícil de colocar na prática...

— Por que é tão difícil admitir que você gosta de...

— Não quero mais falar disso.

Dou as costas, mas ela segura meu braço.

— Vai me deixar falando sozinha? – seu tom de voz é ácido – Tá louca de me dar as costas?!

Eu só quero ir embora.

Desvencilho de sua mão que segurava meu braço e caminho a passos rápidos, passando por Isabela que me olha sem entender exatamente o motivo da nossa discussão.

Pra ela deve ser mais fácil de admitir isso, mas pra mim...

Não.

Só tenho vontade de chorar e de me esconder.

Por que querem me obrigar a ter alguém quando não consigo nem lidar comigo mesmo? Por que é difícil engolirem que eu posso não desejar um relacionamento? Se eu fizesse isso... Sentiria que estaria usando alguém, e não quero que aconteça o mesmo que aconteceu comigo.

Até hoje carrego as marcas disso, mesmo não passando de cicatrizes de algo que já aconteceu há um tempo. Paro e coloco a mão contra o meu rosto, procurando respirar. Olho para trás, e ninguém vem atrás de mim, para a minha sorte. Se viesse, eu não saberia o que fazer.

Preciso respirar fundo, e pausando... Não posso me deixar levar por esses pensamentos confusos. Todo dia é uma batalha nova contra a minha cabeça.

E, às vezes, as pessoas não ajudam.

 

Fim do capítulo

Notas finais:

Pra você que está acompanhando essa história: o que está achando? Está gostando? O que espera nos próximos capítulos? Já tem algum personagem preferido? Ou suposições sobre o que está por debaixo dos panos na família da Morgana?

 

Até o próximo capítulo!

J.


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Comentários para 13 - Jarro de vagalumes:
Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 18/10/2022

Estou gostando muito da história.

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