Capitulo 58
ÁGATA
Elisa esboçou um sorriso quando nos viu. Gabriela permaneceu ao meu lado, olhando atentamente para Elisa sem esconder a surpresa ao vê-la tão debilitada naquela cama de hospital. No início, Gabi ficou envergonhada e se aproximou de Elisa aos poucos. Havia ficado sem saber o que dizer, foi Elisa que falou:
-- Tudo bem, Gabi?
-- Estou bem, Elisa -- Disse Gabriela como que saída de um transe -- Como você está?
-- Mais ou menos -- Respondeu ela -- Ágata me contou que você está cuidando dela. Obrigada, Gabi.
-- Na verdade, é ela que está cuidando de mim -- Confessou Gabi.
-- Apoiamos uma a outra -- Expliquei.
Elisa sorriu, mas dessa vez pareceu doloroso a ela esse simples gesto.
-- Está sentindo dor? -- Apressei-me em perguntar, apertando sua mão entre as minhas.
-- Não é nada. É só que...
-- Não precisa explicar, meu bem. Por favor, poupe suas forças.
-- Ágata tem razão Elisa, melhor sair do quarto para você descansar -- Disse Gabi.
-- Não! Por favor, eu estou bem. Não quero ficar sozinha.
-- Tá, amor. Eu estou aqui.
Mais tarde, Marta apareceu e apesar dos protestos de Elisa, tivemos que deixá-la para dormir um pouco. Marta nos tranquilizou dizendo que cuidaria bem dela.
Quando saímos do quarto, Gabriela me lançou um olhar preocupado. Esperei ela falar e não demorou até suas palavras se apresentarem a mim em um tom quase sussurrado como se ela temesse dizer em voz alta:
-- Ágata, eu posso está ficando maluca, mas eu senti algo estranho em Elisa...
Caminhava ao lado de Gabi pelos corredores, o barulho de nossos passos se perdia no turbilhão de sons vindo de outras alas do hospital.
-- Eu sei -- Suspirei fundo -- Tinha medo de que isso acontecesse, ela ainda está abalada emocionalmente. É difícil para ela, quem a machucou não foi um desconhecido qualquer, foi a Becca...
-- E ela nem sabe o que Becca fez depois...
-- Gabi, eu não quero mais falar sobre isso agora -- Disse, amarga -- Simplesmente queria esquecer essa merd* toda...
Gabi assentiu e não tocamos mais no assunto.
-- Provavelmente Elisa irá dormir por horas. Tenho milhões de coisas para resolver...
-- Posso ajudar? Não tenho muito o que fazer agora, as aulas terminaram e os treinos ainda não começaram. E, além do mais, prometi a Elisa que cuidaria de você.
-- Você é meu anjo da guarda, sabia?
Esperava que ela dissesse que em vez de anjo estava mais para um demônio, em vez disso Gabi guardou as piadinhas e aceitou o elogio.
Do lado de fora do hospital, ainda havia uma dúzia de repórteres instalada em busca de alguma entrevista ou notícias sobre o caso da garota que tentou matar a amiga e depois se matar. Passamos por eles rapidamente.
-- Para onde?
-- Meu apartamento -- Respondi.
***
A polícia já havia feito as investigações onde Becca fora achada. Ainda havia sangue seco no local. As gotas vermelhas e irregulares formavam uma trilha como as migalhas de pão deixadas por João e Maria para encontrar o caminho de volta para casa. Mas, para aquele caminho de sangue não havia volta assim como as migalhas de pão que haviam sido comidas por pássaros, deixando João e Maria perdidos.
Gabi mal conseguia caminhar por aqueles corredores, as lembranças da cena ainda a incomodavam. Ela tentou ser forte e superar seu medo.
Pedi a Inácio que relatasse o mesmo o que havia dito a polícia. Ele permaneceu o tempo inteiro na recepção, ninguém havia passado por ele. A porta da garagem havia sido aberta por alguém que tinha as chaves. Por isso, o alarme instalado na garagem não havia tocado.
-- Foi assim que Becca entrou -- Falei para Gabriela -- De algum modo ela pegou as chaves de Elisa. É a única explicação...
-- Talvez tenha pego naquele dia que Elisa me encontrou dormindo com você na cama -- especulou Gabriela.
-- E se ela esteve aqui antes e me espionou com Elisa?
-- Vindo de Becca, eu não duvidaria.
-- No dia que seu Antônio morreu eu e Elisa estranhamos ser logo ela a encontrá-lo...
-- Ágata, se formos ao fundo disso, não sabemos que tipo de coisas podemos descobrir sobre Becca, ela andava frequentando lugares barra pesada.
-- Não consigo aceitar que ela possa ter estado aqui, observando o que fazíamos.
-- Ágata, não fica paranoica. Não adianta de nada agora.
Tentei voltar a racionalidade e deixar de lado aquela sensação que temos quando sentimos que nossas ações estão sendo observadas.
-- Falei com meus tios, Gabi -- Anunciei, mudando o rumo de nossa conversa -- Vou sair desse apartamento o quanto antes. Não posso mais ficar aqui. Além do mais ele será demolido em breve.
-- Concordo que está na hora de você deixar esse lugar, ele já perdeu vida há muito tempo e você ainda tem a sua vida inteira pela frente.
-- Pelo bem ou pelo mal, esse lugar está cheio de lembranças.
Será que isso era amadurecer? Seguir em frente, sem olhar para trás. Fazer escolhas que mudarão o resto de nossas vidas?
Com essa sensação de despedida, fiz minhas malas e pedi ajuda a Gabi para levá-las até o carro. Não era muita coisa. De minha família, levei apenas o porta-retratos que tinha em meu quarto. Não mexi nas coisas que pertenceram a meus pais, tio Bóris saberia o que fazer com elas. Mais tarde, eu voltaria para pegar minha motocicleta.
-- Vamos para casa dos seus tios? -- Perguntou Gabi.
-- Agora não. Tem mais um lugar que preciso ir. É muito longe daqui, você pode me levar?
-- É mais uma coisa importante que você precisa fazer?
-- Sim.
-- Então, vamos nessa...
***
A viagem durou cerca de uma hora e meia. O sítio ficava em uma região serrana, à medida que nos aproximávamos do local o ar ia ficando mais frio. Minhas coisas ainda estavam no carro, assim peguei casacos para mim e para Gabriela.
O sítio pertencia aos meus avós que costumavam ficar por longas temporadas. Já fazia um tempo que eu tinha estado lá, mas ainda lembrava do cheio de terra molhada e do frio congelante.
Vovó Agnes me abraçou forte, acariciou meus cabelos, meu rosto e perguntou exaustivamente por minha saúde. Ela estava muito feliz em me ver.
-- Você está cada dia mais parecida com sua mãe -- Dizia ela, sorridente.
-- Não exagera, vovó -- Falei, sem graça -- Vó, essa é Gabriela.
Ela abraçou Gabriela amorosamente e lhe fez algumas perguntas sobre sua família que Gabi respondeu pacientemente.
-- E o vovô? -- Perguntei.
-- Ele está na varanda.
-- Nesse frio?
-- Você sabe como Pablo é. Teimoso que nem uma mula.
Seguimos vó Agnes até os fundos do sítio onde havia uma grande varanda com uma vista incrível.
-- Teimoso como uma mula -- Comentou Gabi, ao meu ouvido -- Já sei a quem você puxou, Ágata.
-- Não enche, Gabi.
Encontramos vovô Pablo sentado em uma grande cadeira de balanço com um coberto grosso, cachecol e abafadores de ouvido. Fora isso, percebi que ele estava ligado a alguns aparelhos.
-- Querido, olha quem está aqui -- Disse vó Agnes, chamando atenção dele.
-- Ágata! -- Disse ele com um sorriso que foi seguido de uma tosse abafada.
-- Olá, vovô -- Falei, tentando esconder minha surpresa ao vê-lo dependente de aparelhos hospitalares.
Fui até ele e beijei seu rosto.
-- Não estou em um dos meus melhores dias, não? -- Disse ele, com ar brincalhão.
-- Querido, essa é uma amiga de Ágata, Gabriela.
Gabriela o cumprimentou. Vô Pablo não repetiu as perguntas que vovó havia feito a ela, mas ficou muito feliz em conhecer uma amiga minha. Esperei enquanto eles trocavam algumas palavras, depois perguntei:
-- Vô, para que esses aparelhos?
-- Eu me pergunto a mesma coisa, querida.
-- Vô, tô falando sério. Você está doente? -- Perguntei, preocupada.
Foi vó Agnes que respondeu:
-- Querida, não queríamos preocupá-la...
Algo não estava certo, eu sabia. Por isso, minha voz tremia quando perguntei:
-- Vó, por favor, o que está acontecendo?
-- O câncer voltou -- Respondeu vó Agnes, derrotada.
Vô Pablo havia se curado de um câncer no intestino há alguns anos. Aquela notícia me abalou. Gabi segurou em minha mão e disse:
-- Calma, Ágata.
-- Quando vocês pensavam em me contar? -- Falei, sem conseguir manter a calma que Gabriela me pedia.
-- Não queremos lhe causar preocupações, querida. Íamos falar com você antes da viagem ao Canadá, da primeira vez seu avô fez o tratamento lá...
-- O quê? Quer dizer que vocês já sabiam disso antes?
-- Fui eu quem pediu para não lhe dizer nada, Ágata -- Disse vô Pablo -- Eu queria você ao nosso lado, é tudo o que temos. Mas, não queria que viesse conosco só porque estou doente.
-- Vovô... -- Falei, emocionada.
-- Foi egoísta não lhe contar -- Continuou ele -- Andei pensando, não acho justo que você venha e me veja morrer.
-- Querido, você não vai morrer -- Interrompeu vó Agnes.
-- Eu sei que vou -- Disse ele, com a voz firme -- Eu sou realista, Agnes. Você sabe disso, me conheceu assim.
Eu havia ido até ali com uma decisão tomada, mas de repente tudo caiu por terra. O que eu faria com Elisa se recuperando e meus avós precisando de mim?
-- Já esperávamos sua chegada, Ágata -- Revelou vó Agnes.
-- Esperavam? Mas como se só tomei a decisão de vir hoje?
-- Bóris veio nos fazer uma visita atendendo a um pedido que eu lhe fiz -- Disse vovô -- O irmão de seu pai é um homem muito prestativo. Eu precisava lhe pedi perdão pelo sofrimento que causei a Henrique Hoffman.
-- Tio Bóris esteve aqui? Mas, ele não me disse nada...
-- Porque eu pedi para não dizer -- Respondeu ele -- Também conversamos sobre seu futuro, Ágata.
-- Sabemos que você tem alguém, querida -- Falou vó Agnes -- E, desta vez, não vamos impedi-la de ser feliz como tentamos fazer com sua mãe. Não precisa vir conosco.
-- Eu prometi a vocês...
-- Esqueça sua promessa. Não se sinta na obrigação de vir conosco, Ágata -- Vô Pablo falou -- Não nos deve nada, nós que devemos a você.
Eu sentia obrigação de ficar com eles, mas por outro lado,
Elisa também precisava de mim. Embora, fosse uma difícil decisão a tomar, eles estavam tentando tornar as coisas mais fáceis para mim. Admirei a atitude deles.
-- Obrigada, vovô. Eu não vou abandonar vocês. Nunca.
-- Eu sei que não, garota. Agora vá, volte para quem precisa de você, eu estou bem. Agnes está aqui, pode ficar tranquila.
Vovó assentiu. Despedi-me de meu avô dando-lhe muitos beijos.
-- Assim fico mal-acostumado -- Falou ele.
Vovó nos acompanhou até o carro. Antes de nos despedirmos, ela segurou minhas mãos e perguntou, em voz baixa:
-- Você precisa de dinheiro?
-- Não, não vó. A mesada que vocês me dão já é mais que suficiente. Não se preocupe.
-- Tudo bem. Tenha cuidado na volta.
Antes de Gabi dar a partida no carro, ela segurou em minha mão.
-- Tudo bem?
-- Não -- Respondi, sincera -- Mas, um dia vai ficar, não é?
-- Com certeza, Ágata.
Fim do capítulo
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