A Justiceira por caribu
O passado na mira
Liz praticamente correu no meio do mato, o coração batendo alto nos ouvidos. Deixou para trás sua parceira, seu caderno de anotações, o lápis recém-apontado, tudo. Não tinha uma direção exata e se sentiu um pouco boba ao pedir ajuda do céu para conseguir encontrar seu tio antes que o apoio chegasse. Tinha certeza de que ele estava fazendo o que passou a vida dizendo que faria. Agora era seu dever tentar impedi-lo. Ou acobertá-lo, se preciso.
De fato poderia ser qualquer pessoa executando aquela vingança, matando os militares usando justamente a ferramenta de tortura preferida deles: um machado. Mas seu instinto policial dizia que o caso a envolvia diretamente; era pessoal. Seu faro jamais falhava!
Liz evitava pensar na ironia daquilo. Tinha decidido ser policial ainda criança porque queria colocar atrás das grades bandidos como Raul Sandoval e seus amigos. Ouvia histórias sobre os três desde pequena, afinal. Mas acabou se distraindo porque havia muita gente ruim que exigia sua atenção, e os militares acabaram se distanciando de seu foco, cada vez mais blindados.
Agora lá estava ela, de novo às voltas com o passado, com suas origens. Sentia o conflito de ter que pensar com razão e emoção, simultaneamente. Era da polícia, mas primeiramente era humana.
De repente, parou. Viu um movimento, algo se mexendo à frente. Apagou o cigarro e se escondeu. Podia ser qualquer pessoa, inclusive quem a colocasse em perigo. Se escorou numa árvore e puxou a pistola do coldre, acima da costela esquerda. Apontou na direção em que pareceu ter visto alguém, mas logo abaixou o revólver. Havia uma pessoa, mas jamais quem imaginou que encontraria. Só então Liz descobriu, de verdade, quem era o assassino.
– Não tenha medo, não vou te machucar – uma voz feminina disse, o timbre servindo de gatilho para lembranças remotas. Acendeu uma lanterna amarela e seu rosto se revelou no escuro; seus olhos, brilhando, reativaram memórias antigas da policial. Carregava um machado na mão, que se destoava do conjunto.
– Pare onde está! – Liz ordenou, a mão vacilando ao voltar a mirar o revólver em direção à mulher. Seu coração batia mais rápido agora – Por favor... – resmunga – Eu mandei parar onde está! Agora – a policial repete, com a voz mais firme.
– Está bem – a mulher diz. Abaixou a lanterna, como se estivesse se rendendo – Mas sabe que preciso finalizar isso. Não posso deixá-lo vivo.
– Achei que você tinha morrido – Liz rebate. Ainda apontava a arma para ela quando avançou três passos em sua direção.
– De algum jeito eu morri.
– Mas eu não – a voz da policial pareceu falhar – Estive viva esse tempo todo.
– E foi bem cuidada que eu sei. Sempre me mantive informada sobre você. O Cabeça fez muito bem ao ir te buscar naquele bar, depois dos tiros. E fez um ótimo trabalho te criando. Você se transformou numa mulher incrível, Liz.
– Saí correndo no meio da madrugada, torcendo para encontrar o meu tio com um machado na mão antes de o reforço chegar... Jamais imaginei que encontraria minha mãe biológica. Pronta para matar meu pai...
– Ele jamais foi um pai, Liz. Jamais seria – Sara rebate, amarga – Sandoval mandou me matar. Mandou matar a Vanessa, acabou com a nossa chance de vivermos juntas, de sermos felizes. Prometi que me vingaria por isso. Por todo o mal que ele causou.
– Eu não posso deixar que você simplesmente vá até lá e o mate, Sara! – Liz finalmente abaixa a arma – Não é certo.
– O Sandoval me obrigou a me casar. Antes disso me molestou. Me violentou de todas as formas. Ele, o Julião e o Alfredo. Muitas vezes os três juntos – Sara diz, a voz impregnada de raiva e rancor – Faziam isso com várias mulheres, mas por algum motivo gostaram de mim. O Sandoval gostou. Fiquei cinco anos praticamente em cárcere privado, presa dentro de casa, vigiada por empregados que eram pagos para me fiscalizar, impedir que eu fugisse.
– Eu entendo a sua justificativa. Entendo, de verdade. Mas ainda assim não posso te deixar fazer isso. Até porque alguma câmera de segurança deve ter te filmado, vão descobrir que foi você quem matou os outros dois... – Liz refletia usando a lógica policial.
– São anos vivendo às escondidas, filha – Sara responde, a voz saindo um pouco mais suave – Não fui flagrada por nenhuma câmera, eu sei me esconder, sei agir de uma maneira que ninguém nem me vê. Tomei todos os cuidados, com isso você não precisa se preocupar.
– Ainda assim não posso te liberar, ou ignorar esse machado na sua mão. É arma de pelo menos dois crimes.
– Será de três, se depender de mim – Sara nem pestanejou para responder – Eu sabia lidar com todo esse pesadelo enquanto era só eu. Mas aí você nasceu, Liz – a mulher avança um passo – E quando você apareceu na história, tudo mudou. Tudo ficou mais pesado e muito mais difícil de aceitar. Ele teria te machucado. Teria feito coisas que me recuso a imaginar.
– Você não pode matá-lo por isso, Sara...
– Nem posso deixá-lo vivo. Preciso fazer justiça, Liz. Por Vanessa, por mim, por você. Por todas as vítimas desses crápulas, que sofrem até hoje os resquícios daquelas torturas e humilhações que, para eles, eram mera diversão. Viveram bem até ontem, no luxo, no conforto, com tudo do bom e do melhor. Rindo da nossa cara. Rindo da nossa justiça.
– Mas... – Liz balbucia.
– Não precisa fazer nada. Só não me impeça. Ou então vá em frente e peça apoio no seu rádio – Sara aponta para o objeto, que fazia ruído, com Felipa a chamando – Se sentir que este é o seu verdadeiro dever, pode mandar me prender.
Sara apaga a lanterna e some na escuridão, sem fazer barulho.
Fim do capítulo
Será que a justiça foi feita?
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Zaha
Em: 23/02/2025
Oiee,
Eita que errei foi feio!! Hahahahahaha
Sara ficou viva, nunca imaginei nessa possibilidade dela ter fugido. Muito bem escrito!!! E levou ao leitor a ficar cheio de dúvidas com vários palpites..
Era a filha de Sara?
Seria um familiar da filha de Sara, mas quem?
Sara, never!
Mais fiquei a pensar que Liz tivesse algum vínculo com o caso....
Liz é uma policial honesta, mas não sei se deixou , Sara assassinar e depois prendeu ou a impediu...ou fez de que n sabia quem era ...ficará no ar!!
Muito bom! Estória que com certeza vou indicar!!!
Um pergunta...esse conto "Feliz Natal", são três contos ? Achei o primeiro, mas dps vi o mesmo título com um (3). E não achei o (2). Não sabia se isso se referia a outro conto com o mesmo título.
Bem, por hoje é só!
Beijos e bom domingo!!
rubia21
Em: 26/08/2022
Que história maravilhosa! Faz um livro, caribu! Nunca te pedi nada (risos)
Resposta do autor:
Hahaha
Pede mil coisas por dia rsrsrsrs
Mas... quero escrever um livro com essa história <3
Preparada para ouvir?rsrs
Grata pelo comentário espontâneo, Rubão!
Beijos!
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Cristiane Schwinden
Em: 26/08/2022
olha espero q tenha se vingado sim, e com requintes de crueldade!
boa surpresa saber que Sara sobreviveu, que pena q não criou a filha...
ótimo ritmo e impactante esse conto, adorei!!
muito obrigada por participar do desafio <3
Resposta do autor:
hahaha Com requintes de crueldade seria mesmo ótimo!!
Uma pena msm que Sara não tenha criado a filha, mas tudo é possível, agora que a filha policial encontrou a mãe justiceira rs
Fico muito feliz que vc tenha lido este conto! Mais contente ainda eu fico por poder participar dos desafios que vc propõe! <3 É uma oportunidade ótima de poder escrever histórias policiais (e reservei a Liz só para isso).
Que o Lettera tenha vida longa e muito sucesso!
Beijos!
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Saraivas1993
Em: 23/08/2022
A volta dos que não foram! Que final hein minha filha?! Mas, mas, mas poderia continuar, ce num acha não? Ajuda quem não tem tanta criatividade poxa!
A essa altura do campeonato vc ainda me surpreende, com essa sagacidade toda! Arrasou em mais um desafio, muito cedo pra correr pro abraço? Bicampeã que fala né rs
Um beijo, Escritorita!
Resposta do autor:
Finalzão, né? Curti tb rs
Que poderia continuar, poderia. Agora, se vai continuar já são outros 500 rsrs
E sem "mas, mas, mas", coisa fofa!rs Não precisa de muita criatividade, vai: ou ela deixou a mãe ir em frente, ou chamou reforço e a impediu. Fim rs
Gosto de ainda te surpreender, especialmente a essa altura do campeonato! <3
Acho que ainda é cedo pra comemorar, sim, mas grata rsrsrsrs
Te agradeço tb por ter vindo ler e comentar! Vc sabe que eu adoro te ver por aqui!
Beijos, leitorita!
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Nay Rosario
Em: 23/08/2022
A senhora não decepciona.
Adorei o final(?) e, como eu havia dito, queria saber quem era a Demolidora porque o motivo era óbvio.
Que mal lhe pergunte: quando sai o próximo mesmo?
Resposta do autor:
História boa sempre deixa um gostinho de "quero mais", né?rs Que bom que gostou, dona Dama!
O próximo sai ano que vem, no Desafio Lettera de 2023 rsrs
Grata pelas leituras, sempre! <3
Beijos!
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Nal13
Em: 23/08/2022
Fiquei surpresa em ser a Sara, meu palpite era que a justiceira seria a Liz errei kkkkkk
Amei a história, realmente um final para usarmos a imaginação.
Bjs
Resposta do autor:
Liz faz justiça à sua maneira, né!
Que bom que errou o palpite rsrs Gosto de surpreender!
Fico contente que tenha gostado da história, eu fiquei muito feliz por escrever e mais ainda por apresentá-la!
Ainda mais com esse final (que eu particularmente tiro o chapéu que nem uso rs).
Grata pelas leituras, querida! E pelos comentários tb!
Beijos!
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cris05
Em: 22/08/2022
Foi. Certeza que foi.
Deixar o final em aberto foi de uma sagacidade assombrosa.
Você é hors concours, caribu!
Beijos!
Resposta do autor:
hahaha
E vc me faz rir sempre! <3
Tb acho que a justiça foi feita. E na minha cabeça, depois disso mãe e filha reestabelecem de alguma forma a relação (mesmo que clandestinamente).
Grata pelas leituras e comentários, querida leitora! E pelas risadas e sorrisos, sempre garantidos!
Receba meu amor!
Beijos!
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Marta Andrade dos Santos
Em: 22/08/2022
Acho que não.
Resposta do autor:
É, tá aberta essa possibilidade tb!
Pode ser que ao final de tudo, Liz chamou a parceira no rádio, aproveitou que o apoio estava chegando e prendeu a própria mãe, que queria matar seu pai depois de ele ter abusado dela no passado.
Final democrático, né? Cada uma que escolha o seu rsrs
Grata pelas leituras e comentários! <3
Beijos!
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jakerj2709
Em: 22/08/2022
Eitha não imaginei que fosse a Sara ... Pra mim era o cabeça ou mesmo a bebe que estava no carrinho cresceu e quis vingar morte da mãe
Parabens !!!
Essa história merwcia mais cap.
Resposta do autor:
Não imaginou que fosse a Sara, mas lá atrás vc cantou a bola de que a Liz era filha do casal assassinado no bar!
Te achei muito sagaz!!
De certa forma, a bebê quis vingar a morte da mãe. Dependendo do fim que vc der, isso será feito, ainda que ela seja policial e não justiceira assassina rs
Um dia, quem sabe, escrevo um livro com as histórias de Liz. Certamente esta seria a primeira, e o conto do ano passado podia bem ser o final...
Vamos ver, para quais caminhos a Inspiração vai nos levar! <3
Grata pelas leituras e comentários, querida!
Beijos!
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NovaAqui
Em: 22/08/2022
Espero que sim
Eu nunca imaginaria que fosse Sara
Que tensão
Que vida infernal
Isso é mais comum que a gente pensa
Muitas pessoas devem estar passando por isso agora
Ser mulher no Brasil é muito difícil
Fiquei em estado de choque
Parece-me tão real que cheguei ficar com os olhos marejados
Beijos, meu bem!
♥
Resposta do autor:
Oh, que fofinha! Se emocionou <3
Que bom que não imaginou que a assassina fosse a Sara! Escrevi de um jeito que desse a entender que era, mas não muito rs Amei a primeira imagem do desafio, já com ela de machado na mão rs
Gostei tb de apresentar a história de Liz. Uma história tensa, com um começo infernal (e comum, sim, a ditadura acabou por esses dias). Gostei mais ainda de ter deixado o fim em aberto. Cada uma que crie seu próprio final rs
Ser mulher por aqui é muito difícil msm! Provavelmente por isso é que nos priorizo nas minhas narrativas. Somos muito mais que super heroínas!
Ótima semana, querida!
Beijos!
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brinamiranda
Em: 22/08/2022
Bom dia Caribu,
permita-me uma história, dessa vez real - uma mãe deixava sempre o filho com a vizinha, um menino de quatro anos, certa vez ela voltou do trabalho mais cedo, e foi na casa da vizinha, o menino estava sendo molestado pelo vizinho, aquela confusão, todos na Delegacia, após uma passada pelo IML, constatado o abuso, o adolescente riu dizendo que não ia acontecer nada porque era "De menor", resultado, a mãe conseguiu pegar uma arma dos policiais, porque nessas horas mãe vira onça e matou o cara ali mesmo.
É isso, pra mim explica e justifica. No caso da história, acho que a justiça foi feita. Final maravilhoso.
beijos
Resposta do autor:
Bom dia, Sabrina!
É, tem casos em que a justiça precisa ser assim, mesmo... infelizmente!
Pra mim tb explica e justifica! Acho que pra Liztb rs
Grata pelas leituras e comentários! <3
Beijos!
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