Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque os contive, me acho de amor inocente – Clarice Lispector

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O céu estava escuro, quando Maria Rosa pegou a estrada para a Praia do Naufrágio, segurava o volante com a mão esquerda, enquanto a direita repousava no colo da namorada.

- Não sei como conseguiu decifrar o enigma.

- Os analistas quebraram a cabeça no Centro de Inteligência, mas, não fizeram o mais simples, separar letras e números em dois grupos. As vezes a resposta está no simples.

- Eram as coordenadas geográficas de Curitiba.

- Sim, buscando os eventos do dia, descobri que os números eram de um ingresso do show de Ayana. Estou confusa com esses crimes, tudo está interligado.

- Será que o assassino quer ser descoberto?

- Essas pistas deixadas é uma espécie de desafio para nós.

- Tipo aqueles maníacos dos filmes que ficam fazendo joguinhos com a polícia?

- Sim.

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Maria Rosa trancava as treliças do bangalô, quando viu uma moto estacionar cantando pneu. A mulher desceu, tirando o capacete, só assim pode ver a cascata vermelha, descendo até o meio das costas,  a ruiva encostou no carro ao lado, espalmando as mãos no capô, em seguida, tirou do bolso uma liga, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo, abraçando um caderno grosso que tirou do moletom como se fosse portadora do objeto mais precioso do mundo.      

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- Amor – Samira chegou abraçando Maria Rosa, beijando o pescoço, mordendo delicadamente.

- Psiu, observa essa cena.

- Não acha que temos problemas demais?

- Na minha formatura jurei que cumpriria minhas funções com probidade e denodo, isso se aplica àquelas situações em que ninguém está olhando.

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         Tocaram de roupa, colocando a Glock escondida. Combinaram as estratégias de abordagem, julgando vulnerabilidades, precisavam detectar ameaças. Se aproximaram por trás, a moça não se assustou com a chegada, abrindo o sorriso com covinhas no rosto delicado.

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- Boa tarde, tudo bem? – Maria Rosa se apresentou com a mão encostada na arma escondida.

- Devo parecer maluca, não aconteceu nada, aliás, aconteceu tudo, meu primeiro livro vai ser publicado e não consigo me conter. Deixem que me apresente, sou Amora Castro, jornalista.

- Sou Maria Rosa e essa é Samira, vi sua moto chegar de forma estranha.

- Entendo, não se preocupe.

- Posso ver o seu livro?

- Claro – Amora entregou sorrindo. Maria Rosa pegou o caderno de capa grossa, lendo o título baixinho “Game Over”, depois encostou no carro para folhear, em quinze minutos estava entregue a história, alheia a tudo que passava em sua volta.

- Gostou?

- É incrível, vai fazer sucesso.

- Obrigada, meu bangalô é ali, aceitam um café?

- Sim.

– Pode ler com calma, fico feliz que esteja empolgada. Samira, você pode me fazer companhia enquanto preparo o café? – Falou piscando os faiscantes olhos verdes.

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       Maria Rosa sentou no sofá, continuando a leitura. A história narrava a vida de Natasha, uma escritora da década de 80, que se considerava uma observadora da alma humana, queria esmiuçar as emoções, os desejos, as fraquezas, os amores e os devaneios de todos que estavam em sua volta.

         Cada parágrafo era amarrado ao próximo, fazendo com que as páginas voassem nas mãos de Maria Rosa, encantada com a personagem que fazia da sua vida uma inspiração para a escrita.

     Natasha usava as pessoas para criar, mencionando ali as estratégias que os pretendentes, homens e mulheres, usavam para conquista-la, da mesma forma que esmiuçava suas recusas e aceites, até de forma crua, nem sentimentalismos. Não repetia nunca quem levava para cama, usando como analogia, o pensamento de Heráclito de Éfeso:

         Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio…pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem!

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         - Diga que precisa da sua Natasha... – Frase tantas vezes repetida por seus amantes, se tornava um mantra em sua boca, sedutor e ao mesmo tempo hipnotizante. E eram muitos os que queriam repetir a dose, ela lhes oferecia o corpo, que na verdade era um copo de veneno a lhes engolir a alma e o desejo, queriam...precisavam...sempre mais.

- Samira, não é? são colegas de trabalho você e Maria Rosa?

- Colegas e namoradas.

- Isso é ainda mais interessante – Sorriu deixando a covinha aparecer.

- Hã?

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Amora tirou um cacho que caia da testa para a boca de Samira, aproximando dos lábios convidativos.

- Quando coloquei meus olhos em vocês, imaginei como seria delicioso ficar com as duas.

- É o que? Ai dentro, viu? – Samira levantou, indo até a sala, enquanto soltava todos os palavrões que conhecia.

- Amor, essa rapariga quer nos comer, arre égua... – Maria Rosa riu, mas, mordeu boca, Samira ficaria irritada se continuasse.

- Nós não gostamos desse tipo de relação Amora.

- Tudo bem, apenas gostaria de experimentar.

- Vai é experimentar minha mão na sua beiça.

- Tudo bem, me desculpe, deixe sua namorada ler o livro, vamos tomar o café.

- Quero saber mais não, Maria Rosa, vamos embora – A autora pegou o livro das mãos da policial, rindo da raiva de Samira, e do legitimo cearês.

- Olhe, tu não ri não sua piriguete, e pare de frescar com a minha cara – Em seguida arrastou a namorada pela mão, batendo a porta com toda força, reclamando pelo caminho.

- Mas, vou te dizer, e tu estava lá, bem abancada no sofá lendo o livro da vadia.

- Samira, você quem foi assediada na cozinha, eu quem deveria estar irritada.

- Não fale que estou é fumando numa quenga de raiva, está me faltando fôlego, devia ter quebrado aquela peste todinha, aquela vaca dos cabelos de fogo. Ela merecia é uma peia, uma surra bem dada com pau de virar tripa. Ah, se pego aquela rapariga de jeito.

Fim do capítulo