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Fora do tempo por shoegazer

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Palavras: 4495
Acessos: 865   |  Postado em: 17/07/2022

4. Crisálida

— Vamos aproveitar, pessoal! – Ana Clara dizia batendo as mãos. Um casal se aproximou e a mulher a olhava maravilhada enquanto Ana Clara estava resplandecente, mesmo dormindo em um lugar abandonado, comendo a provisão que tinham feito e economizando o almoço. Júlia, seu apoio de fundo, continuou atenta fazendo as finanças.

Não só as finanças, mas também havia passado em uma loja sortida de artigos e furtado algumas coisas. Tinham muitas delas, sabia que não faria falta e elas estavam precisando. Claro que, enquanto colocava os itens na mochila furtivamente, pensou o quão desgostosa sua mãe se sentiria ao ver isso, mas desejou que ela entendesse que isso era necessário, e só assim o peso do seu coração começou a dissipar.

Com o passar dos dias, foi se conformando de que, por algum motivo estava mesmo em oitenta e pouco. Desde que estavam ali não se viu ninguém mexendo em telefones móveis, haviam orelhões e pessoas mexendo neles na rua, não havia sequer uma lan house ou menção à Internet, não viam televisões de tela plana em lugar nenhum, e até mesmo os carros e sons do local eram antigos, do estilo que Júlia via na taberna do amigo de seu pai quando era criança. O contexto todo era uma nostalgia viva e vívida bem demais para ser só encenação.

E, pelo que parecia agora sua vida era aquela juntamente a Ana Clara e que restava a elas se adaptarem ao contexto, tomando os devidos cuidados. Não fazia sentido estarem em algum transe ou delírio coletivo que durasse todo esse tempo. Ela era uma pessoa que se adaptava conforme a necessidade por mais inesperada que ela fosse, mas se questionava se com Ana Clara seria do mesmo jeito.

Com o movimento mais ameno, sentou-se ao lado de Júlia e tirou da mochila o telefone, começando a mexer nele com o que restava de bateria.

— Se alguém te ver mexendo nisso não vai achar estranho? – Júlia apontou para seu telefone.

— Nada, acho que nem vão se importar – Ana Clara não deu importância. Cruzou as pernas e continuou mexendo até mostrar uma foto para Júlia – Olha, essa aqui é a garota que eu ia conhecer.

Júlia segurou o telefone para ver a foto da garota com mais atenção.

— Moça bonita, é o que pra você? – devolveu o telefone a ela.

— Nós webnamoramos um tempo, quer dizer...

— Vocês o quê? – Júlia falou confusa, e ela se sentiu levemente envergonhada em ter que explicar o contexto daquilo.

— Namorávamos à distância, mas aí deu errado, mas continuamos próximas, foi isso – ela prontamente se explicou, e Júlia levantou as sobrancelhas, num gesto mostrando que só agora tinha entendido o contexto – a gente se dá bem e eu ia pra casa dela antes de tudo isso.

— E aí vocês iam começar a namorar mesmo?

— Não, quer dizer, eu não sei – ela deu com os ombros levemente nervosa, e Júlia olhou com as sobrancelhas franzidas a ela – sei lá, ela é legal comigo, se rolasse não ia ser ruim, entende?

— Com todo respeito, isso não ia dar certo – ela diz em seu tom firme – Onde já se viu, Ana Clara, largar sua vida pra viver com uma pessoa que nem conhece?

Ana Clara cerrou os olhos, querendo dizer que ela não tem vida onde vive e Júlia cruzou os braços em um gesto que dissesse que ela é muito ingênua para esse mundo cruel, exatamente como uma irmã mais velha dando um sermão na irmã mais nova.

— Você não é nada sentimental, Júlia – Ana Clara fez um biquinho com os lábios, voltando a mexer com o aparelho enquanto Júlia deu os ombros e voltou a mexer nos papéis, brevemente distraída.

— Com licença – disse a voz de uma garota próxima de Ana Clara – o que é isso que você está mexendo?

— Eu? No telefone, você quer saber a...

Quando levantou o olhar, soube que tinha dado com a língua nos dentes no momento que viu o olhar levemente arregalado de Júlia para ela, assim como a garota que a encarava mais curiosa ainda.

— Marca.

Se Júlia pudesse pegar Ana Clara pelo pescoço e a jogar a duas quadras dali ela o fazia, questionando-se como se distraía por um instante e acontecia esse tipo de coisa.

A garota que as encaravam, com a sobrancelha cerrada, usava o cabelo cor de mel com um corte mullet, óculos fundos de garrafa e uma combinação de bermuda de cintura alta, cinto e camiseta listrada por dentro da bermuda. Olhou com atenção para o objeto de Ana Clara mais uma vez, que continuava petrificada sem saber o que fazer.

Olhou de relance para Júlia que dizia com os olhos que deveriam sair dali o mais rápido possível.

— Telefone? – ela ajeitou os óculos – Mas telefone assim não...

Foi tal momento de distração suficiente para que Júlia tomasse Ana Clara pelo braço e saíssem em retirada, deixando o que ainda restava ali para trás. Ainda assim, a garota continuou seguindo-as entre a pequena multidão ao redor delas.

— Ei, esperem, por favor!

Júlia apertou o passo puxando Ana Clara consigo, que desengonçada corria ao seu lado enquanto ainda ouvia a voz de fundo dela as acompanhando para a rua menos movimentada.

— Eu já vi vocês por aí – sua voz se aproximava conforme Ana Clara parava, já sem ar, ofegante pela corrida inesperada – vocês...

Ana Clara já tinha convívio com Júlia o suficiente para prever que seu próximo ato seria as proteger a todo custo, então segurou sua mão, e encarou em seus olhos como sinal de que poderia confiar nela, que iria resolver aquilo.

E se voltou de frente para a garota, que continuava as encarando, com as bochechas brevemente rosadas pelo calor da corrida, ajeitando os óculos que caíam do seu rosto.

— Já vi vocês indo pra casa do seu Ademar – ela arfava apontando para algum ponto do horizonte – mais de uma vez, e...

— O que você quer com a gente? – Júlia disse em seu tom ríspido e marcante, encarando-a com as sobrancelhas cerradas e olhar injetado.

— Eu só quero ajudar – ela se aproximava, com a mão no peito a passos lentos – eu nunca vi vocês por aqui, e minha mãe me disse que viu vocês pegando as coisas na...

— A gente não fez nada! – Júlia bradou séria, e Ana Clara segurou sua mão enquanto a garota brevemente recuava.

— Eu sei que não, mas meus pais pediram para que procurasse vocês porque viram a situação em que estão vivendo – ela dizia complacente – não querem conhecer nossa casa, por favor?

— Por que deveria confiar em ti? – Júlia continuava impassível, mas Ana Clara não tinha o coração endurecido como o dela, e a olhou de relance, como se dissesse que, mediante a situação em que estavam, ter ajuda não era algo a se recusar.

— Se me acompanhar, vou te dar a certeza que pode confiar – ela deu mais um passo pra frente – podemos?

Júlia andava sempre com um pé para trás, isso quando não os dois. Analisou a situação. Teria que confiar na intuição e nas suas habilidades com qualquer objeto cortante caso aquilo fosse uma emboscada. Já Ana Clara só desejou tomar banho e se deitar em uma cama.

— Podemos, não é, Ju? – ela disse de entreolho, enquanto Júlia, reticente, concordou com um aceno e Ana Clara segurou firme seu antebraço.

A garota, por outro lado, suspirou aliviada, e gesticulou para que a seguissem.

— Qual é o nome de vocês? – perguntou a garota caminhando na frente, olhando de soslaio para elas.

— Júlia – ela disse com a cara taciturna, fechada.

— Ana Clara – já ela dizia com um ar mais alegre e jovial.

— Muito prazer – ela estendeu a mão para elas – eu sou a Coralina, mas por favor, só me chamem de Cora.

E assim se cumprimentaram, seguindo o trajeto mostrado por elas.

Incrivelmente, a casa não se mostrou uma armadilha para elas. O local era simples, com muro baixo pintado de cal, portão do mesmo tamanho com a tinta verde já descascada, e, assim que se depararam com a sala após limpar os sapatos, viram os móveis antigos de madeira nobre, como um sofá de dois lugares e uma poltrona que ornavam com um armário repleto de bibelôs e uma televisão apoiada em um apoio de correr, com a imagem levemente granulada adquirida por uma antena torta.

Júlia encarou a tudo com detalhes procurando por qualquer armadilha enquanto Ana Clara se encostava na parede, percebendo que aquilo não era um sonho ou impressão delas.

— Por favor, podem ficar à vontade – Coralina gesticulou para elas enquanto entrava na cozinha, gritando pela mãe.

Após esta ter respondido, Coralina as chamou para a cozinha, que Júlia, desconfiada de braços cruzados e encarando o que podia usar como arma caso não alcançasse o canivete a tempo, ficava por trás de uma Ana Clara bem mais desimpedida.

Uma senhora de cabelos claros e olhar centrado debulhava feijão em uma bacia. A cozinha era parte revestida com azulejos, uns deles de animais campestres, e o piso, como o resto da casa, era o que a mãe de Júlia chamava de vermelhão. Próximo a entrada do corredor ficava o fogão, e na parede uma geladeira, todos esses gastos itens em tons beges. As frutas e verduras se espalhavam pelo entorno da grande mesa de madeira no centro da pequena cozinha, e de sua porta de saída dava de encontro a um vasto quintal com algumas plantações, e logo a cena causou um aperto de saudades em Júlia enquanto Ana Clara achava tudo antiquado demais.

Mas, assim que a mulher pendeu o olhar, deu um sorriso amigável às visitas, porém, seus olhos se fixaram quase de imediato em Júlia.

Ela se levantou e estendeu a mão para Ana Clara, que a cumprimentou com seus trejeitos de notável gentileza, enquanto Júlia se manteve séria por trás. Nisso, a mãe de Coralina levou a mão até o rosto dela, chamando sua atenção para recuar, mas sem o conseguir fazer.

— Você não precisa ter medo da gente – ela dizia em uma voz melódica e pontuada – viu?

O rosto de Júlia enrubesceu de vergonha. Parecia que aquela pequena senhora sabia de todos os pecados cometidos por ela ali, e não precisava falar, estava em seus olhos, e quando isso é colocado à mostra, é pior do que quando você só tem noção deles.

— Minhas filhas, se sentem, por favor – ela puxou a cadeira para que cada uma se sentasse, menos Coralina que puxou a dela. Quando todas se sentaram, a senhora, de gestos simples respirou fundo, mordeu os lábios devagar, enxugou o suor do rosto com o avental e começou a falar.

— Vocês fugiram de casa, meninas?

— Não – a voz delas fora uníssona. Ana Clara não considerou sua saída exatamente uma fuga, e Júlia só tinha saído de casa para resolver algumas coisas. Não estava em seus planos simplesmente desaparecer.

— Então o que faz duas moças bonitas como vocês estarem vagando na rua roubando pra comer? – ela segurou a mão de Ana Clara – Aconteceu alguma coisa com vocês? Alguém fez alguma coisa?

— Não – Ana Clara disse de primeira, mas não sabia o que responder depois disso – é... complicado.

— Onde está os pais de vocês?

Boa pergunta, pensou Júlia, mas tinha que pensar em alguma coisa para falar melhor do que “então, acho que meus pais nem se conhecem, se eu chegar e falar para meu pai que voltei, é capaz dele chamar a polícia pra me jogar dentro de um sanatório.”

— Então, dona... – Ana Clara começou a falar.

— Maria das Graças.

— Dona Maria, eu e a Júlia somos meias-irmãs, ela é minha irmãzona mais velha – e segurou o braço de Júlia com firmeza – e gostamos de viajar pelo país assim, se virando. Só que aconteceu esse contratempo de sermos roubadas, e, estamos nos virando assim.

E apoiou a cabeça no ombro de Júlia, que concordou a tudo o que ela disse.

— Eles ficaram falando que era imprudência nossa, então...melhor não os incomodar.

Maria das Graças achou aquilo estranho demais, pensando em como pais deixariam filhos a Deus dará e sem nenhum suporte, e elas se submeterem a isso, mas não interferiria na criação de terceiros. Vai que, com eles, aceitassem que as filhas ficassem no meio do mundo sem paradeiro.

O que era triste. Duas boas moças dormindo no relento, pegando comida, fazendo sabe-se lá o que para se virar naquele lugar.

— E ainda bem que estou com a Júlia – Ana Clara pressionou seu antebraço, suspirando – eu não sei o que faria sem ela, de verdade, ela cuida muito bem de nós.

A primeira vez que a mãe de Coralina as viu, estava fazendo compras. Viu Ana Clara de costa enquanto Júlia agia rapidamente ao pegar comida. Em um primeiro momento, desejou chamar a segurança do local, mas assim que notou que elas só pegavam comida, seu ímpeto foi de as seguir para saber o que fariam.

E se deparou com elas comendo, com a mais alta cuidando da menor enquanto resmungavam sobre alguma coisa. Depois, foi Coralina que as viu, e avisou no jantar que tinha visto duas jovens indo dormir na construção abandonada. Não vadiar ou fazer sabe-se lá o quê, mas dormir.

Foi quando seu coração se encheu de anseio. Sabia que tinha que as ajudar, e pediu para que a filha fosse até elas para fazer a proposta.

— Escutem... – a senhora se levantou, enxugando o rosto mais uma vez – Não acho justo duas garotas tão jovens ficarem zanzando por aí. Não querem ficar aqui?

Júlia desconfiava de tudo e todos, e aquilo era bom demais pra ser verdade, mesmo parecendo um alento em meio aquele mar de dificuldades. Já Ana Clara só desejava que ela aceitasse pra assim poder dormir dignamente pela primeira vez em dias.

— Se puder fazer alguma coisa para ajudar – Júlia argumentou – como forma de pagamento.

— Serviço é o que não vai faltar – ela disse sorrindo – tem um monte de coisa pra fazer porque a Coralina só vive enfurnada dentro do quarto, lendo – apontou para ela, que cruzou os braços, visivelmente chateada por seu nome ter entrado na conversa.

Elas se entreolharam e nisso, entraram em um consenso. Júlia deu a palavra para Ana Clara, que se mostrava escusa na discussão, que só concordou.

— O que pudermos fazer pra ajudar, com certeza estaremos à disposição.

— Ótimo, então – ela dizia satisfeita – Cora, mostre o resto da casa pras meninas? Vou já começar a preparar comida aqui.

E quando Júlia se levantou, estendeu a mão para dona Maria, que cumprimentou amigavelmente. Aquilo era o gesto que aprendera com seus pais firmando que sua palavra dada era cumprida.

Coralina, animada, levou as garotas pelo pequeno tour da casa, que consistia em dois quartos, um dela e outro dos pais, um banheiro para todos, a cozinha que já tinham conhecido assim como a sala, tudo em tons brancos pintados por cima do cimento, simples, mas acolhedor.

— Eu vou ajeitar depois pra vocês dormirem – disse ela abrindo a porta do seu quarto – mas fiquem à vontade. Querem tomar banho?

Elas concordaram juntas, e Coralina logo foi saindo. O quarto, com uma janela que dava para o lado de fora, era pintado em tom pastel e tinha uma cama de solteiro no canto para a parede, e do lado oposto uma escrivaninha repleta de livros e anotações, com muitas delas coladas na parede em um quadro improvisado. Próximo da porta, um guarda-roupa de solteiro de madeira, e Ana Clara reparou que próximo da cama tinha algumas colagens, como um pôster de Tom Cruise em Top Gun junto a imagens de galáxias poucos nítidas.

Quando Coralina chegou com a toalha, foi perceptível que Ana Clara queria ser a primeira, e Júlia, como uma boa irmã de mentira mais velha e protetora, cedeu.

E enquanto Ana Clara tinha seu momento de glória junto ao chuveiro, Júlia se sentou na cama de Coralina, pensativa. Não conseguia tirar da cabeça o que iria fazer, se deveria ser sincera e soar como uma louca, procurar ter credibilidade ou continuar com essa desculpa para que soassem o mais possível em meio a tudo aquilo.

Porém, Coralina era sagaz. Já tinha percebido que havia algo de diferente com aquelas garotas, e não era só o jeito acuado de Júlia. Era a aparência delas. Os cortes de cabelo, as roupas que usavam ela nunca tinha visto nem nas revistas de moda importada no salão em que ia cortar o cabelo, mas o que mais a incomodava eram os acessórios, porque eles davam o ar ainda mais inusitado.

O relógio que Júlia usava era diferente de todos que já vira, as pulseiras, mas principalmente o objeto que Ana Clara tinha na mão, arrastando o dedo deles. Em um primeiro momento, pensou que fosse uma calculadora a toque, o que já achava algo absurdo, mas ela o chamou por telefone, e até onde sabia, eles eram móveis, ali, fixados na sala. E o dela brilhava. Uma tela de vidro que brilhava, não tinha nem teclas.

E para piorar, não eram estrangeiras. Elas mesmo disseram que vivem vagueando por aí, sem dinheiro algum. Pensava nisso enquanto pegava o colchonete no baú e reparava de relance Júlia, sentada, compenetrada em seus pensamentos.

Assim que a viu, se levantou para ajudá-la sem dizer nada. Pediu licença e saiu, esperando a vez de tomar banho. Quando Ana Clara saiu, já vestida e se sentindo uma pessoa melhor, Coralina sugeriu que lavasse a roupa se assim desejasse, e ela, que esperava jogar todas em uma máquina de lavar e esperar, se impressionou ao ver que teria que lavar tudo à mão.

Deixou de lado, esperando Júlia sair para explicar como funcionava aquilo, afinal nunca precisou fazer isso, e se sentou na sala, com Coralina vindo logo em seguida. Elas se entreolharam por um instante, e ela ligou a televisão. Percebeu que Ana Clara olhava para aquilo com um misto de estranheza e novidade, mas tentou não ficar julgando as impressões das visitas, imaginando o que elas não devem ter passado durante todo esse percurso.

Até que a campainha tocou, chamando atenção de ambas.

— Só um instante – Coralina foi até o lado de fora e abriu o portão – eu pensei que você nem viesse mais...

Ana Clara olhava distraída para a televisão para algum programa de variedades duvidoso, a pose atirada no sofá, e só reparou no barulho dos calçados se esfregando no carpete de entrada.

— Estamos com visita.

Até que Ana Clara virou a cabeça em direção a porta, e a viu.

E aquele momento deve ter durado de três a cinco segundos, mas ela soube que também a via.

Seus olhos pararam sobre os dela, negros e inebriantes, e os dela pousaram nos seus, claros e convidativos.

— Laura, essa é a Ana Clara – ela apontou para a amiga – aquela moça que te falei.

Laura a encarou silenciosa por aqueles segundos, mas ambas desviaram o olhar. Ana Clara voltou o olhar superficialmente para a televisão enquanto Laura se voltou para a amiga.

— A que viu naquele dia? – ela dizia em um tímido sussurro, e Cora logo concordou antes de se assustar com Júlia passando rapidamente para dentro do quarto.

— É... elas mesmo.

Ana Clara olhava para o programa, mas de relance olhava para a visita. Ela, que usava shorts jeans de cintura alta e um cropped, além do cabelo preso, também a olhava de canto de olho, até que um barulho de objetos caindo incidiu de dentro do quarto de Coralina junto de um resmungo de Júlia ao fundo.

— Já volto – disse ela indo até o quarto, deixando as outras garotas sozinhas.

Ana Clara suspirou, afundando ainda mais no sofá verde com a estampa já gasta, enquanto Laura se apoiou na parede, olhando ao redor. Voltou a olhar para Ana Clara, que dessa vez acenou para ela.

— Oi – disse ela, mas Laura não respondeu ao cumprimento, só assentindo com a cabeça – você não quer se sentar?

Ela negou novamente com a cabeça, e Ana Clara, franzindo o cenho, deu com os ombros e voltou ao que fazia. Não demorou para que Coralina e Júlia saíssem do quarto, e quando Júlia viu que tinha mais visitas, ficou atrás da dona de Cora, taciturna, séria.

— Júlia, essa é Laura, uma amiga...

Ela assentiu com a cabeça e, com os olhos baixos, foi até a cozinha, perguntando se precisava de ajuda.

— Ela é assim mesmo – Ana Clara ponderou enquanto olhava para uma Cora sem reação.

O barulho de animação pela ajuda de Júlia vinha da cozinha, já que ela tinha se proposto a carregar alguns sacos que estavam parados há dias ali, enquanto as demais na sala nada diziam.

— É... você quer alguma coisa, Ana? – disse Cora, solícita.

— Eu posso me deitar um pouco? – apontou para o quarto, e logo ela assentiu que não tinha problemas, e assim ela saiu.

Apesar de estar cansada, a verdade era que queria colocar seu telefone para carregar longe dos olhos curiosos, tentando se atrelar de que, de alguma forma, ele teria área e ela conseguiria se comunicar com alguém.

Já na sala, as amigas se entreolharam e saíram de lá. Apoiada no portão, Laura olhava para Coralina, sabendo o que ela já diria.

— Como vocês tem coragem de deixar essas duas meninas que nem sabem quem são na casa de vocês? – Laura disse entre os dentes, mas Coralina revirou os olhos, parcialmente ofendida.

— Que grilo é esse com elas, Laura? – Cora cruzou os braços.

— Mas não percebe que elas são... – ela procurava um termo menos ofensivo para o que queria dizer, mas sem sucesso – estranhas? E estranhas de um jeito...estranho? E foi você mesma que disse que elas estavam vivendo na rua, aí coloca elas dentro de casa...

— Vai encucar com elas porque elas viviam na rua?

— Não, é porque elas... – Laura gesticulava – não parecem ser daqui, ou vai falar que não se tocou disso?

— E não, elas vivem passeando por aí, que nem hippie... – ela deu com os ombros – é o estilo de vida delas, pô.

— E como hippie se veste bem que nem aquela garota da sala?

— Olha, Laura, elas são boas pessoas, não importa a situação em que viviam, e a gente escolheu ajuda-las, tá bom?

Então Emanuel chegou. Homem de barriga protuberante em uma camisa riscada e bigode português junto ao cabelo ralo com os primeiros fios de cabelo branco, olhou para as garotas no portão e as cumprimentou.

— O que as duas estão discutindo aí?

— Só tentando colocar juízo na cabeça da sua filha, seu Manoel, mas deixa pra lá – e deu as costas sem se despedir. Coralina bufou consigo, abrindo o portão pra trás.

— O que foi agora, Coralina?

— É daquilo que conversamos naquele dia... – eles disseram entrando em casa, e já se deparando com Júlia, séria, na pose rente, pegando uma caixa no canto da sala, se assustando com os dois, dando alguns passos para trás.

— E você é a...? – disse ele, estendendo a mão.

— Júlia, senhor – ela o cumprimentou, carregando a caixa em um dos ombros e voltando para a cozinha. Emanuel olhou de relance para a filha, e concordou satisfeito.

— Que bom que temos uma Júlia em casa, então.

Na hora do jantar, Júlia acordou Ana Clara para comer, e a mesma guardou o telefone já carregado. O cheiro do jantar entranhava nos narizes ainda famintos, sobretudo no de Ana Clara que ainda não havia comido nada. Não demorou para que a grande panela de sopa acompanhada de pão fosse servida a eles. Júlia continuava a devorar a comida assim como Ana Clara e os demais.

As visitas prontificaram-se de lavar a louça após a janta, e depois Ana Clara, em uma pose manhosa de sono, voltou para dentro do quarto enquanto Júlia sentava no sofá, olhando para algum ponto fixo, e sem olhar para nada ao mesmo tempo.

— Obrigada pela ajuda, Júlia – Maria das Graças disse ao tocar seu ombro, mas ela recuou antes de concordar.

— Não tem de quê, senhora.

— Já vou indo me deitar, até amanhã.

Ela é muito desconfiada, pensou Coralina sentada na poltrona, como se realmente tivesse escondendo alguma coisa ou estivesse com medo. Ela também teria medo se estivesse em uma casa estranha com pessoas que não conhece, ainda mais quando se está com uma irmã mais nova que é incumbida para proteger.

Júlia ficava com os braços apoiados entre as pernas, com a cabeça longe dali, até que Coralina sentou ao seu lado.

— Você está bem?

Ela concordou com um aceno, mas Cora não se deu por satisfeita.

— Olha, não sei se vai servir de alguma coisa, mas...não precisa ter medo da gente, tá bom?

— Desculpe – ela olhou de relance para Cora – tenho meus motivos para ser assim.

— E quais seriam eles?

— Longa história – ela disse ríspida, voltando a se apoiar no encosto do sofá.

— Olha... – Cora dizia passando a mão lentamente por sua roupa – se vamos dividir uma casa, não acha justo nos conhecermos?

É, era justo, pensou Júlia, mas como alguém acreditaria que elas estão há mais de trinta anos para trás?

E, como um estalo, teve a resposta, mas teria que esperar.

— Você tem razão.

— Então, vocês são de onde?

— De bem longe daqui – não estava mentindo.

— E como foi para vocês pararem logo aqui?

— É... – Ana Clara poderia ser boa com desculpas, mas ela não – eu posso ir dormir? Foi um dia daqueles hoje.

Coralina se sentiu confusa, de um jeito não bom. Pela sua cara, percebeu que estava escondendo alguma coisa, e começou a temer o pior, que era recepcionar duas maníacas em sua casa.

— Eu...te explico melhor amanhã, pode ser?

— Tá, tudo bem.

O pai de Júlia dizia que só se conhece a índole de alguém quando se dorme com a pessoa, e era isso a ser colocado em prova, principalmente quando se deitou com Ana Clara e deixou seu canivete de prontidão. Como sempre, um passo para trás.

Já Coralina ficou na sala, pensando nas mil e uma possibilidades das visitantes de tão longe dali, até ser derrotada pelo sono.

Fim do capítulo


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Comentários para 7 - 4. Crisálida:
Lea
Lea

Em: 23/08/2022

Algo me faz pensar que,esses novos personagens tem conexão direta com elas!

Responder

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bicaf
bicaf

Em: 18/07/2022

Olá. Estou muito curiosa com essa história. Ao começar a lê-la nunca pensei que levasse esse rumo. Não estava nada à espera e tive uma agradável surpresa. Ansiosa pelos próximos capítulos.

Beijo.

Responder

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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 17/07/2022

Quero saber como Júlia e Ana Clara vai sair dessa.


Resposta do autor:

É o que vamos vendo no discorrer da história kkkk mas desde já garanto que vai ser puxado elas saírem dessa (e se saírem)

Responder

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