Prólogo
Prólogo
Yasmin
“Será que eu sou um ET?” Essa frase me perseguiu desde o começo da minha vida. Sempre que as meninas do colégio desatavam a falar de garotos, eu começava a pensar que tinha vindo ao mundo com uma peça a menos, com algum defeito de fabricação, qualquer coisa assim.
Por fazer aniversário no final do ano meus pais me colocaram na escola mais tarde, isso fez com que eu fosse sempre mais velha que os meninos da minha turma. Cheguei a pensar que o problema estava nisso.
Eu era deslocada. Alguma coisa naquela regra de esperar pelo Príncipe Encantado não fazia sentido pra mim. Eu achava que se o meu destino fosse viver uma grande história de amor, teria de batalhar por isso, correr atrás, conquistar alguém usando todas as armas possíveis.
Não que eu perdesse tempo pensando nisso, mas quando refletia, sentia que apenas aguardar não era coisa pra mim.
Desde cedo, trocava as bonecas pela bola de futebol dos meus irmãos e todos diziam que eles eram péssimas influências para mim. Culpa deles eu fazer escândalos em casa quando mamãe teimava em me colocar num vestido. Papai sempre vinha em meu socorro. Levava-me para pescar! E era a única pessoa que podia me chamar de “princesinha” sem levar um murro na cara.
No verão em que completei quatorze anos, o que na infância era apenas uma esquisitice, passou a ser um problema. Metade das minhas amigas já tinha namorado e eu sequer beijara na boca. Achava ridículo ter de me enfiar num sapato apertado e pintar a minha cara para que alguém finalmente prestasse atenção em mim.
Eu não gostava de ninguém na verdade, então de maneira prática, não fazia falta. Mas eu sentia um estranho incômodo, como se estivesse no fim de uma fila, na última posição de alguma coisa. Como se todo mundo já tivesse entendido as leis da atração, exceto eu.
Pelo menos quase ninguém sabia daquilo. Meu pai vivia sendo demitido e com isso levava a família de um canto para o outro, às vezes não ficávamos nem um ano na mesma cidade.
Aprendi, por conta disso, a fazer amigos rapidamente.
Com Paula foi assim... Ela me ofereceu seu lanche no primeiro dia na escola nova e eu virei sua melhor amiga logo depois. Paula me contava todos os seus segredos e me adotou como uma espécie de irmã, já que ela era filha única. Descobrimos que morávamos no mesmo bairro, então vivíamos uma na casa da outra.
Eu achava incrível o jeito como ela ria das minhas histórias que nenhuma outra pessoa queria ouvir. Eu achava lindo o riso dela, o modo como os olhos brilhavam, a boca se curvava naturalmente, a pele parecia... Parecia... Perfeita.
Decididamente eu me sentia melhor ao lado dela do que em qualquer outro lugar ou situação. Quanto mais ficava perto, mais eu queria ficar; quanto mais conversávamos, mais eu queria continuar falando e ouvindo, simplesmente olhando para ela, como se nada mais existisse.
Então veio mais uma demissão.
Quando meu pai chegava em casa derrotado, cansado, mais uma vez perdendo as esperanças, eu era o seu refúgio. Assim como para mim ele era o único que parecia não se importar com nada e sentir orgulho justamente porque eu não era comum.
Mesmo tão nova, eu sabia que o maior medo dele era ser motivo de vergonha para mim e para os meus irmãos. E nós nunca deixamos que isso acontecesse.
Seguir em frente com o meu pai significava partir mais uma vez.
Quando contei isso pra Paula, ela ficou muito chateada, como se eu a tivesse traído. Ficamos uma semana sem nos falar e só nos víamos de longe, na escola. Ali eu aprendi finalmente o que era sentir falta de alguém de um jeito que não dava para controlar.
Aprendi que se pode sentir dor sem que haja qualquer coisa fisicamente errada conosco. E depois de aprender, também, a chorar, descobri que sempre é possível tomar uma atitude.
Paula foi obrigada a me receber quando sua mãe, Dona Magali, convidou-me para entrar, sem saber que estávamos brigadas. Uma força desconhecida tinha me feito não fugir, como se pudesse adivinhar que Paula era diferente de todas as amigas de infância que eu já tinha deixado para trás.
Em certo ponto da conversa, nenhuma de nós duas sabia mais porque estava resistindo. Só sabíamos que alguma coisa estava doendo, e doendo muito!
Com a garganta presa, a ouvi dizer que sentiria a minha falta pra sempre. Somente os meus pais usavam a expressão “pra sempre” comigo. Fiz um carinho no rosto de Paula antes de abraçá-la, com o peito apertado, o coração aos pulos, as pernas bambas.
O mundo parecia estar se partindo ao meio.
Eu não sabia quando a veria de novo e tinha medo que isso nunca fosse acontecer. Então, por não conseguir decidir qual frase usar na despedida, olhei-a nos olhos e a beijei.
Na boca.
Sentir seus lábios contra os meus foi como tocar o infinito. À medida que ela correspondia ao meu beijo, toda dor, angústia e medo que eu vinha experimentando se dissiparam, dando lugar a novos sentimentos, muito mais doces, que me preencheram com vida.
Compreendi que eles estiveram ali o tempo todo, escondidos entre meus receios e pudores. Escondidos na perigosa noção que eu alimentara de que me faltava algo. Um único detalhe me devolveu à condição humana em poucos instantes. E ainda de olhos fechados eu me senti livre finalmente... Do peso de ter acreditado desde muito cedo que não havia uma razão para eu fazer parte do universo.
Fim do capítulo
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Flavia Rocha
Em: 25/06/2022
Entrando aqui só pra comentar que adorei o finalzinho da sinopse kkkkkkk ... ri muito.
A História entrou pra minha lista de leitura, desejo ter logo um tempinho bom e calmo pra eu poder ler e curtir a história.
Resposta do autor:
Flavia!!!!
Que delícia esse recado, hahahahahahah
Então, eu fui escrever a sinopse só na hora de postar, sabe? Não tinha planejado isso, aí saiu desse jeito meio arteiro.
Tomara que você goste de Paula e Yasmin. Depois me diz o que achou ;)
Beijos
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