Capitulo 1 - O inicio...
Samira ajeitava a blusa de gola godê, ao mesmo tempo que tentava acariciar os três gatinhos que se digladiavam buscando a atenção da dona. - Ai meu Deus, onde foi mesmo que coloquei o sobretudo? Vocês podiam falar para ajudar a mamãe. Pelos deuses, porque não descobri o TDAH na infância?. Ajudem a mamãe, s'il vous plaît!!. Suspirou alto, e com as mãos na cintura circulou o olhar rapidamente pela sala, até que o avistou no sofá de dois lugares, Thor amassando tranquilamente seu pãozinho imaginário, deixando o sobretudo cheio de pelos.
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- Meu filho eu pedi para ajudar a mamãe, desse jeito você me atrapalha. Bolas, vou ter que passar o rolinho para tirar todo esse presente que deixou, ai ai Thor. Tudo bem, calma Samira, você está dentro do horário...aliás, o que ia fazer mesmo? Ah, preparar o meu lanche, pela deusa, como sinto falta da Lúcia nessas horas, ela me ajudava em tudo, inclusive nas encrencas amorosas, mas, tá certo, meus pais precisavam mais dela do que eu.
Após a fala, Samira ligou o som, preparando um croissant com paté de ervas finas, se servindo em seguida do suco de uvas verdes que encontrou na geladeira.
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La bohème, la bohème
Ça voulait dire
On est heureux
La bohème, la bohème
Nous ne mangions qu'un jour sur deux
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Com uma banana na mão esquerda, Samira cantava La Bohème de Charles Aznavour entre uma mordida e outra, depois olhou para cima, buscando algo em suas lembranças, para em seguida sorrir ao ver a gatinha tigrada que se enroscava em sua perna - Coraline, você acha essa música brega? Tua ex mãe achava que eu só gostava de breguice e velharia, olha que absurdo. Fora que vivia criticando a mania que tenho por tudo o que se refere a França, escreve aí bebê, um dia vamos morar em Paris - A gata se esfregava em sua perna miando baixinho como se entendesse, e ainda por cima, como se confirmasse tudo o que a dona havia falado. Já estava tocando "She" com o mesmo cantor quando Samira se deu conta do atraso - Ai meu Deus, me dou uma hora de tolerância para conseguir me atrasar? Como eu consigo essa proeza não sei.
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Samira chegou à faculdade animada, adorava a primeira aula, era lá que captava a temperatura da turma, descobrindo o método que usaria e as abordagens, nunca errava em suas escolhas. Entrou correndo na sala dos professores, esfregando as mãos para espantar o frio, morava em São Paulo há anos, mas, nunca se acostumaria com o inverno, ainda mais com aquela chuva ingrata que fazia a temperatura cair. Sentou um pouco para juntar o material, sorrindo para Zélia, coordenadora do curso.
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- Zelinha, será que naquela garrafa mágica tem café?
- Tadinha, esse povo do Nordeste muda pra cá e vem só para passar frio...
- Ah, para que você é do Recife... - Zélia sorriu, trazendo em seguida um café, servindo com um pouco de leite batido com creme de leite com baunilha e canela.
- Bebe aí, essa mistura vai te esquentar.
- Obrigada minha linda amiga, você nunca esquece de mim...
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Após beber o "Magic Coffee", Samira pegou o tablet onde faria a chamada e se encaminhou para sala, que estava lotada de alunos novos, puxou o ar e entrou confiante, com o seu melhor sorriso.
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- Boa noite turma, sou a Professora Samira Aguiar, é a primeira vez que dou aula na turma da enfermagem, espero que tudo caminhe nos conformes.
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Em seguida virou para lousa e escreveu com um pincel que mudava de cor apertando os botões:
Antropologia das Emoções
Professora Samira Aguiar
(prof.samiraaguiar@gmail.com)
- Bom, se tiverem alguma dúvida, podem mandar um e-mail, esse está linkado com o meu celular.
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Após a fala, sorriu relaxada, no trabalho o TDAH não conseguia entrar, falava tranquilamente sobre Antropologia quando a avistou, ela estava na terceira cadeira da primeira fila, era uma morena linda, e teve a certeza que já havia cruzado com ela por ai, sorriu novamente, dessa vez por encantamento, estava hipnotizada por seus olhos negros, pela pele morena, a boca vermelha e o sorrido de desmontar qualquer um, deu uma gaguejada ao constatar a atração visível que a aluna exercia em si, e mesmo tentando disfarçar, a moça de grandes olhos cor de nanquim percebeu, e passou a lhe olhar profundamente, como se buscasse os segredos lá no fundo da sua alma. Retribuiu o sorriso, balbuciando um oi inaudível que só Samira reparou, a professora balançou a cabeça para voltar a si.
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- Gente, desculpa, esqueci de fazer a chamada... - Dito isso, sentou, puxando o tablet para si, cruzando as pernas, atenta ao último nome feminino da chamada, o que realmente lhe interessava, tratando de dizer por completo, "Maria Rosa de Albuquerque Gullo Bastos"
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- Presente - Respondeu a morena sorrindo, levantando a mão direita com as unhas pintadas de vermelho.
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Quando as explicações começaram, Samira gostou de ver que Maria Rosa era uma das alunas mais participativas, questionando, comentando, se fazendo presente na aula.
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- Sabe, eu li apenas um clássico da Antropologia das emoções, foi "A expressão obrigatória dos sentimentos", de Marcel Mauss, não tenho certeza, mas, imagino que essa obra pode ser tomada como a primeira teoria a respeito das emoções, em que o autor se apropria do modelo teórico durkheimiano de "fato social", como forma de analisar os ritos funerários australianos.
- Exatamente Maria Rosa - Meu Deus, além de linda, a peste ainda é inteligente, estou perdida - o livro expressa a tensão entre espontaneidade e obrigação de demonstrar os sentimentos, é isso que atravessa sua obra, remetendo ao clássico estudo sobre a dádiva.
- Interessante...
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Sentiu um certo alivio quando bateu intervalo, precisava disfarçar o torpor que a morena lhe causou. Mas, como o subconsciente nos prega peças, ao invés de se encaminhar para a sala dos professores, Samira buscou uma das cantinas, sentando em uma das mesas para tomar um capuccino com pão de queijo. Estava alheia quando ouviu uma voz melodiosa, quase rouca em seu ouvido.
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- Se incomoda se eu sentar contigo professora?
- Claro que não, mas, pode me chamar de Samira, só Samira mesmo...
- Então "só Samira" - Falou fazendo as aspas no ar - gostei muito da sua aula - A professora sorriu e chamou o atendente, que se dirigiu a Maria Rosa - Boa noite, o mesmo de sempre? Maria Rosa pensou por uns instantes, sorrindo para dizer: - Hoje vou mudar um pouco, quero um capuccino, um pão de queijo, e para não fugir tanto dos dias comuns, um Crème brûlée.
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- Essa é sem sombra de dúvida, a minha sobremesa preferida, no entanto, me permito comer apenas uma vez por mês, estou repetindo porque acho que a sua companhia merece.
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Samira sentiu o rosto corar, ao mesmo tempo que pensou "será que ela está me dando cabimento?". Mas, respondeu quase de forma imediata, dividindo uma particularidade sua.
- Eu também adoro Crème brûlée, aliás, adoro tudo que se refere a França, no meu quarto de estudos eu guardo souvenir das minhas viagens, mas, confesso que a maior parte remete a Paris.
- Nossa, se você gosta tanto assim, vou trazer uma surpresinha na próxima aula. Aliás, você pode me dar seu número? assim te mostro quando chegar em casa, vai que não gosta?
- Que é isso, claro que vou gostar - A resposta foi essa, mas, o pensamento foi bem diferente: Minha linda, estou topando tudo o que quiser me dar, tudo vai ser super aceito e de bom grado Hahahahah.
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Anotado o número, voltaram para a sala de aula, e a matéria continuou.
- Então gente, acho importante dizer, que as emoções e a personalidade, embora pareçam representações aparentemente pessoais, existem por uma relação direta com a cultura a qual os indivíduos pertencem. Podemos exemplificar com "O crisântemo e a espada" de Ruth Benedict, sobre a honra japonesa, assim como o estudo primoroso de Margareth Mead e sua conhecida comparação entre os temperamentos socialmente definidos como desejáveis para homens e mulheres, em "Sexo e temperamento"; ou ainda podemos mencionar as concepções de self segundo Clifford Geertz, em seu estudo comparativo entre as concepções balinesa, javanesa e marroquina de pessoa, como forma de discutir a natureza do entendimento antropológico...
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No final da aula Samira se despediu da turma, e não viu quando Maria Rosa sumiu entre tantos, meio desapontada se encaminhou ao estacionamento, procurando a sua SUV entre tantas outras.
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- Todo dia é isso, porque não comprei um carro vermelho com bolinhas pretas? no meio de tantos carros pretos como vou achar o meu?
- Se seu carro fosse vermelho com bolinhas pretas seria uma joaninha gigante. Porque não aperta seu alarme, linda?
- Oi Maria Rosa, que surpresa!. Menina, esqueci de apertar, eita, e como colocou seu carro no estacionamento dos professores?, você não imagina como a coordenação é chata com isso.
- Não se preocupe, sou professora da Enfermagem, estou fazendo minha especialização após o mestrado, sei que é meio nonsense, mas, não estou com cabeça de encarar um Doutorado, não ainda.
- Entendi...me desculpe, eu...não sabia.
- Claro que não sabe, eu não falei...Hahahahah...desencana Sá, relaxa menina. Bom, tenho que ir, deixei duas filhas em casa, entre elas uma adolescente com uma filha de dois anos, e elas me esperam antes de dormir.
- Você é casada?
- Separada...
- Ah tá...
- Aliviada, espantada, ambos?
- Digamos que ambos...até amanhã?
- Sim, até.
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Maria Rosa deu um beijo rápido no rosto de Samira, que deu um tchau rápido, apertando o alarme do carro para enfim encontra-lo, dando partida sem olhar para trás.
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- Céus produção, eu tinha prometido não me envolver com uma mulher com filhos de novo. Mas, ela vale a pena... - Pensou um pouco e deu a volta, emparelhando o carro com o de Maria Rosa, buzinando para dizer:
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- Boa noite linda, bom descanso...
- Pra ti também.
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Em casa, banho tomado, Samira já estava tomando seu chá quando sentiu o vibra do celular.
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- Oi Sá, salva o meu número, sou eu Maria Rosa.
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Samira olhou a foto da morena no WhatsApp, ficou admirada, era uma foto de perfil, séria, mas, linda. Conversaram ainda sobre assuntos diversos, e quando encerraram alguns temas possíveis, Samira sentiu que era a hora certa de dar por encerrado a ligação.
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- Já salvei teu número, vamos dormir, até amanhã, boa noite e bons sonhos, um beijo.
- Vou mostrar o teu presente, um minuto...
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Maria Rosa enviou a foto, era um ursinho francês vestido de chef no seu colo, mas, o que mais chamou atenção de Samira era a camisola de flanela, que havia subido mostrando as pernas bem torneadas e morenas.
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- E ai, gostou?
- Nossa, muuuuuito!
- Estou falando do ursinho - Respondeu deixando claramente na voz que estava sorrindo.
- Estava falando dele mesmo.
- Ah tá...
- Mas, a dona dele também é muito linda.
- Obrigada, o Pierre agora é seu.
- Obrigada Maria Rosa, eu amei.
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Samira já tinha desistido de desligar quando ouviu duas vozes chamando Maria Rosa.
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- Mãe, vem fazer o chocolate quente...
- Só um minuto que a mamãe está falando com uma amiga, vou já.
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De longe, Samira ainda ouviu que as duas estavam indo para cozinha esperar o lanche, achou tão bonitinho que resolveu se despedir ali para não atrapalhar o momento "chocolate quente". Estava bem absorta quando o telefone tocou outra vez, dessa vez era a mãe.
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- Oi minha filha, está ocupada?
- Não mamãe, estava falando ainda a pouco com uma amiga, pode falar.
- Amiga? Sei....então, encontrei uma boneca sua, acho que antiga, é de corda, e deve estar com defeito, pois ela gira sozinha, se não me engano foi daquela viagem que fiz com o seu pai para Europa, lembra que pediu uma boneca de cada país?
- Lembro sim, mas, eu não acredito que ela voltou!
- Como voltou? Encontrei dentro de uma caixa, você deve ter guardado lá e não lembra.
- É deve ser...
- Posso dar para sua sobrinha?
- Não mamãe...
- Oxe, você nunca foi de ter apego a nada.
- Mas essa boneca tem um valor pra mim, digamos...
- Vou mandar pelo correio. Iti malia, minha filha quer a bonequinha dela.
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Samira riu, coçando a cabeça ao mesmo tempo.
- Como essa boneca voltou? Eu com doze anos fiz uma oração para o meu anjo da guarda, queria que essa boneca sinistra sumisse, como de fato aconteceu. Bolas, vou ter que ligar para Aline e contar o ocorrido. Ai gente, era só o que faltava ter que lidar com uma boneca assombrada nessa altura do campeonato.
Quando o celular tocou, Samira deu um pulo da cama, e relaxou quando viu que era Maria Rosa, conversaram mais um pouco, até que adormeceu para sonhar com os olhos negros como a noite...
Fim do capítulo
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Rosa Maria
Em: 14/06/2022
Sabrina...
Que encanto é delicia de história, com riqueza de detalhes e já começou com um clima gostoso de querer, gostar, atrair, desejar sem mencionar toda sensualidade e desejo, exatamente como adoramos. É a capa, maravilhosa enfim um verdadeiro crème brûllè de tão gostosinho...(cà entre nós, tive que recorrer ao Google tudo bem? Kkkk)
Beijos
Rosa...não a "Maria Rosa"...kkkk
Resposta do autor:
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kkkkkk eu amo essa sobremesa, é suave, mas, ao mesmo tempo uma delícia, dai Samira ter chamado a sua Maria Rosa assim...
beijos linda
HelOliveira
Em: 12/06/2022
Samira já me conquistou, ela é uma graça...aí vc coloca uma boneca e assombrada....mulher tu que me matar né...
Já quero mais..
Bjos
Resposta do autor:
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Samira é uma romântica incorrigível...
Mulher se não tiver uma brincadeira de susto não sou eu rsrsrs
bjssss
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Nirvana Aquino
Em: 11/06/2022
Sabrina,
Parabéns pelo conto, cheguei hoje e dei de cara com essa história linda, adorei, quero ler O Farol, que pelo resumo também deve ser maravilhosa.
abraços
Resposta do autor:
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Oi Nirvana,
Obrigada, fico feliz que tenha gostado das meninas, e valeu por querer ler o Farol, é uma história interessante, mas, bem diferente, espero que goste.
beijos
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florakferraro
Em: 11/06/2022
Cruzessss que essa Maria Rosa é demais, que capa linda amiga. e o lírio, o que representa?.
Amei essa história, elas são fofas, e a Samira toda atrapalhada kkk
beijossss
Resposta do autor:
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Obrigada Flora, eu procurei uma foto que me inspirasse ser a Maria Rosa, e fiz a capa, quando a flor da foto, vai saber no próximo capítulo. E Samira é toda atrapalhada, mesmo rsrsrs.
bjs
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Gabriella Herculano
Em: 11/06/2022
Pergunta: A Maria Rosa também é bruxa? kkkk
Resposta do autor:
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Será?, só sei que ela é prima da Anna, será? rsrsrs
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Gabriella Herculano
Em: 11/06/2022
Massaaaaaaaaaaa, e não é que a Maria Rosa e Samira arranjaram um conto para chamar de seu.
Adorei as duas, entender o começo é muuuuito bom, achei a história linda, cheia de encanto e beleza, essas duas váo arrasar os corações.
bj bj
Resposta do autor:
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Valeeeeu amiga, vocês estão esperando é vê-las debaixo do edredom, não é verdade?, oh povo safado kkk
bjbj
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StellaGB
Em: 11/06/2022
Parabénssss Sá,
Adorei o conto da Maria Rosa, é bom conhece-las mais a fundo, e amei o clima de sedução, a propósito, tem um pouco de mistério no ar ou estou viajando?.
E muito bom entender um pouquinho de Antropologia.
beijos minha querida.
Resposta do autor:
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Obrigadaaaaaaaa Tetele, e simmmm...tem um mistério no ar, vamos esperar pra ver o que é.
Eu sei que gosta de Antropologia,
bjs
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Lara Lefevre
Em: 11/06/2022
Bom dia Sabrina,
Nem acreditei quando li que tinha um conto novo seu, e ainda mais sobre a Maria Rosa e Samira, o que dizer?, adorei, esse clima de romance e sedução no ar, ainda mais com explicações antropológicas, ai que gostei mesmo. Parabéns pelo conto.
xêro
Resposta do autor:
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Clima de sedução total rsrsrs.
Fico feliz que tenha gostado da histórias das minhas novas meninas,
bjs
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