Pobre Paris
Laura
A fala do sr Pedro me deixou pensativa. O que ele quis dizer com o Joseph me fazer sentir culpa pelo acidente dos meus pais? A viagem longa e sozinha, não favoreceu para que meus ânimos se acalmassem.
Didi me ofereceu os banhos de proteção, e apesar de não ser iniciada na religião, respeito os rituais e acredito em tudo que seja para me fortalecer, então, em respeito ao ritual, não devo beber bebida alcóolica pelos próximos dias, portanto, além de preocupada, triste, ansiosa e nervosa, atravessei o oceano inteiro, totalmente sóbria. Metade das 11 horas de vôo foi acordada, pensando milhões de coisas, e a outra metade, o cansaço me venceu quando entrou a madrugada e dormi. Só acordei com o piloto me avisando que logo iniciaríamos o processo de pouso e então, o coração disparou e despertou junto com os olhos, olhando pela janelinha do avião, a linda e então, cinzenta França.
A última vez que estive aqui, foi quando conheci a Tati, que não fazia ideia, mas também era ligada ao doente e criminoso, Joseph.
Assim que o avião pousou e desci, o sr Tony, um segurança e motorista brasileiro, muito simpático que trabalha disfarçado em uma agência de turismo e sempre que venho pra cá, me atende, estava à minha espera.
- Seja bem vinda, querida Laura. É um imenso prazer poder mais uma vez prestar meus serviços à senhorita.
- Obrigada sr Tony - o cumprimentei gentilmente e entrei no carro.
Enquanto ele carregava as malas e guardava no porta malas da BMW- X5, mandei mensagem para o Brasil, informando que já estava em solo europeu e que iria para o hotel descansar. Entre todos que receberam, quem rapidamente respondeu, foi a Bia.
Bia: Laura,o sr Tony já contatou um pessoal da polícia francesa. Vou te mandar o contato da investigadora Marrie, ela irá até você quando estiver disponível.
Saímos do aeroporto e seguimos em direção ao hotel e a cada quilômetro rodado, dentro da Cidade Luz, meu coração se apagava um pouco pela saudade que me judiava e a incerteza do bem estar da Alice. Nesse pouco tempo em que estamos juntas, várias vezes falamos de viajar o mundo, começando pela cidade romântica. Fizemos planos de colocar cadeado gravado com nossos nomes na "Pont des Arts", furar fila pra ver a Monalisa no Louvre, tomar champagne na Torre Eiffel e tirar fotos bregas no picadeiro, além de comer muitos croissants e coxas duras de pato. E agora, cá estamos. Eu, entrando em contato com a polícia e ela, nas mãos do Joseph, que insiste em cruzar nossos caminhos.
Já no luxuoso hotel, após tomar um banho e comer, tentei dormir, no entanto, o pensamento acelerado e a angústia por não saber como a Alice está, impediu-me de descansar. Mandei mensagem para a investigadora e pedi para que viesse ao meu encontro o quanto antes. O quarto escolhido por Tom para eu me hospedar, é um apartamento inteiro, com sacada voltada à Torre Eiffel e, aos sábados, o movimento na região do monumento é ainda maior do que nos dias comuns. Sentada na varanda, apreciando a paisagem e o clima ameno da capital, meus pensamentos me presentearam com as lembranças dos sorrisos encantadores da Alice. Hoje iríamos saltar de paraquedas e ela estava muito animada por isso. Desejei com todas as minhas forças que isso estivesse acontecendo agora, ao invés de estar aqui, do outro lado do mundo, sentindo sua ausência.
Aproximadamente quarenta minutos após contatar a policial, a recepção ligou no quarto, avisando que a senhorita Marrie chegara. Autorizei sua entrada, lavei o rosto para tirar as lágrimas insistentes que me faziam companhia, passei levemente um pó e ansiosa, aguardei sua presença.
Ao abrir a porta, nem mesmo minha alma rasgada e consumida de tristeza, impediu de contemplar a mulher dotada de beleza árabe, alta, cabelos negros presos em um coque chique, com alguns fios soltos que emolduravam seu rosto coberto por uma pele morena clara, olhos amendoados e cílios longos, expressão séria e olhar penetrante, acompanhada de um perfume doce marcante que invadiu o ambiente antes mesmo da sua entrada. Estendeu a mão em cumprimento e com um sotaque português, se apresentou:
- Marrie Mozhan, satisfação.
- Laura Veigas - sorri com gentileza e encanto - Por favor, entre e fique à vontade.
- Obrigada - sorriu em resposta e adentrou a sala.
Nos sentamos no sofá e após expor toda a situação e ela me ouvir atentamente, me colocou a par das investigações em solo europeu:
- Pois bem, Laura - sentou-se na ponta do sofá e cruzou as pernas - Fazem quatro anos que estão investigando esse caso. Pelo que me inteirei do assunto, desde que uma moça conseguiu fugir do alojamento e pedir ajuda, começaram a investigar..
- Deve ter sido a Bia - a interrompi - Foi a mesma coisa que ela nos contou.
- Provavelmente. Ela foi deportada em segurança e por isso, perderam o único contato que tinham.
- Ela não foi deportada tão em segurança. Quando chegou ao Brasil, acabou sendo levada ao Joseph novamente.
- Provavelmente por ele ter pessoas aliadas a ele na polícia, não é?
- Exatamente!
- Então, por essa razão que aqui, também ainda não conseguiram chegar no responsável. Eu fui chamada para assumir a investigação no mês passado e reuni a minha própria força tarefa. Como o esquema dele, aparentemente envolve vários países, estamos com parceria já feita com a Interpol e Cia, e em breve, teremos relatos dos nossos infiltrados.
- Mas que ótima notícia - suspirei - Fico mais aliviada agora. A Bia, tem muitos arquivos gravados dele e pode nos ajudar sobre o esquema aqui em Paris.
- Sim. Os arquivos dela vão servir para a investigação no Brasil. Sobre aqui, se ela conseguir nos direcionar para o local onde ficam os alojamentos, já é uma bela ajuda.
- Acredito que ela ficará feliz em ajudar.
Marrie ainda continuou a passar informações sobre as próximas ações e após quase 1 hora de conversa, ausentou-se.
O vazio do quarto acompanhado da solidão, começou a me perturbar. A saudade de Alice e a incerteza das ações, me atingiram como tortura no início da noite fria e barulhenta.
Para não entrar em crise de ansiedade e perder o pouco de sanidade que ainda restou, me arrumei , chamei o sr Tony e fui andar por Paris.
Pela janela do automóvel luxuoso e blindado, contemplando os monumentos históricos sendo visitados por centenas de pessoas que meneavam a cabeça constantemente para pessoas vendendo souvenirs, me lembrei de um estudo que realizei meses atrás, sobre desigualdade social e racial e o avanço da pobreza ocasionado pelo refúgio de países emergentes, e, nessa pesquisa, foi abordado sobre a Paris desconhecida, a cidade pobre que cerca o centro milionário conhecido mundialmente. Pedi ao motorista que me levasse para próximo de um dos 700 acampamentos de pessoas em situações de rua que cercam a imponente cidade. Contemplar de perto uma paisagem tão grotesca, me causou repulsa por ter tanto, vendo tantas pessoas com tão pouco. Meu coração já amargurado, completou-se de fel, num sentimento tão ruim que cheguei ter vergonha das minhas atuais condições.
Exausta de passear sem encontrar alegria em nada, retornei ao hotel, certa de que conseguiria descansar, no entanto, ao chegar no quarto, o celular tocou e no visor, apareceu como "Número desconhecido". Imediatamente atendi com o coração disparado:
- Alô? Alice? É você?
Do outro lado da ligação, ouvi a risada mais horripilante que já tive o desprazer de conhecer.
- Alô? Alice? É você? - ele imitou o que falei, com voz fina em tom de deboche - Que patético, Laura Veigas.
- Joseph, onde está a Alice? - perguntei com a respiração ofegante.
- Oi pra você também! - gargalhou mais uma vez - Alice está bem aqui, na minha frente. Quer falar com ela?
- Sim! Quero - ouvi passos e barulho de porta se abrindo. Essa espera por ouvir minha doce e amada Alice, fez meu coração bater como se estivesse no ouvido. Pela ligação ouvi Joseph a chamar e ela gem*r. - Fala aqui com a Laura - Joseph falou longe do telefone.
- Oi, alô? - Alice falou com voz de sono - Laura, amor? É você?
- Oi meu amor! Sim sou eu! Como você está?
- "Tô" bem, só um pouco dolorida mas bem. Ouça, eu não fui no jantar porque estou aqui nesse..
- Já chega! - gritou Joseph e tirou o telefone da sua mão - Agora a conversa é comigo - falou perto do telefone e no fundo ouvia Alice falar, entre sons de tapas e possíveis chutes: - Laura, eu te amo! ... Não diga nada a ele... (gemido)...Estou bem...(gemido) ... Desculpa eu não ( gemido).. aparecer no encontro - sons de passos e porta batendo - Oi Laura.
- Joseph - gritei - O que você está fazendo com a Alice? - andava de um lado para outro desesperada - Eu vou te encontrar - gritei.
- Não estou fazendo nada, ainda - respondeu calmamente - Ela só deu um pequeno trabalho para minha equipe, querendo fugir e se fazendo de difícil, mas a situação já foi controlada.
- Onde você está e o que você quer? - perguntei com os dentes cerrados de raiva.
- Estou bem longe de você - sorriu com sarcasmo - O que eu quero? - gargalhou - Ah! Laurinha, já te falei tantas vezes o que eu quero e você ainda não me ouviu?
- Joseph! Eu não estou brincando! Diga logo o que você quer para deixar a Alice em paz? - gritei, trêmula de raiva.
- A Alice está em paz, querida - falou com ironia - O que eu quero, é independente dela, agora.
- Como independente? Te dou o que quiser, mas quero ela solta.
- Não Laura! - gritou secamente - Quem está ditando as regras sou eu, não você! Onde está minha mãe?
- Se você não sabe onde está a sua mãe, como eu vou saber? - respondi secamente.
- Tudo bem, Laura - suspirou - Tudo bem! Quer que a Alice envie algum recado para a sua mãe?--
- Você não seria louco a esse ponto.
- Esse é o recado? Ok! Recado anotado. Até mais, querida.
Desligou a chamada antes que eu pudesse tentar falar mais alguma coisa e senti meu corpo inteiro tremer. Ouvir a Alice foi muito bom por saber que está viva, mas as condições que está vivendo, não me deixou em paz. Sua voz de sono misturada a gemidos de dor, ecoavam em minha mente e me fazendo sentir-me impotente.
O apartamento luxuoso que estou, parece imenso para o sentimento de vazio que sinto e desejo com todas as minhas forças que fosse eu no lugar dela.
Entre salvá-la e proteger a mãe dele, escolho logicamente estar mais uma vez com meu amor, mas não tive tempo de falar isso a ele.
O desespero me toma e tudo o que encontrei pelo caminho, chutei e joguei ao chão. Vasos de flores em cima das mesas, quadros, copos e taças. Nada foi suficiente para acalentar esse sentimento de impotência de não saber onde estão nem o que fazer.
Voltei ao celular para tentar ver com a Bia, onde fica essa mansão que ela disse com certeza saber onde fica e encontrei uma mensagem:
Marrie: Laura, encontramos um carregamento de meninas no porto de Rotterdã, Holanda. Estou a voar para lá. É o início da ruína de Gordon.
Fim do capítulo
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