* Conteúdo Sensível
Mais flores
Laura
Saí daquele salão o mais rápido que pude. Eu estava a ponto de explodir com minha enxaqueca que só piorou com o acontecimento nada agradável. Carregava aquele bouquet enorme com rosas vermelhas. Meu desejo genuíno era ter enfiado cada pétala dentro da boca de Joseph e feito-o engolir. Porém, a educação e os bons costumes falaram mais alto – suspirava em busca do ar puro para oxigenar meu cérebro.
Encontrei o senhor Pedro no estacionamento, conversando com outros motoristas. Ele se assustou com minha repentina aparição.
- Tudo bem, senhorita Laura? – prontamente me atendeu
- Por favor, vamos embora daqui! – o respondi sem muita gentileza
- Como quiser, senhorita – expressou-se assustado, abrindo a porta do carro.
Sentei-me ao lado daquelas flores cujo cheiro me causavam náuseas. Como é possível alguém em sã consciência propagar um show tão cafona? Estava certa de que Joseph Gordon estava com falta de seu juízo.
- Vamos para sua casa ou para o escritório, senhorita? – perguntou-me educadamente o sr Pedro
- Escritório, por favor.
Eu estava furiosa. De tudo isso que aconteceu, a única coisa boa foi ter visto a Alice com um sorriso encantador nos lábios. Sentia um misto de euforia, com fúria e ilusão.
Permaneci calada durante todo o percurso.
Cheguei ao Complexo Veigas crente de que tentaria ficar sozinha e me acalmar. Saí do carro deixando aquelas flores no banco traseiro.
- Senhorita Laura! - chamou-me apressadamente o sr Pedro – Suas flores!! – apontava para o bouquet
- Jogue fora! Por favor! – rispidamente o respondi
Fechei a porta do carro. Virei-me para entrar em meu prédio quando sou surpreendida com a paisagem mais horrorosa que poderia contemplar naquele momento.
Todo o hall de entrada, incluindo o balcão da recepção, os sofás, o corredor. Tudo, estava repleto de rosas vermelhas. Os funcionários me sorriam com toda elegância e gentileza.
Tom veio em minha direção trazendo igualmente um belo sorriso que foi se desfazendo ao me olhar nos olhos e perceber o quão descontente eu estava.
- Bom dia, senhorita Laura – me falou apreensivo – Posso te ajudar em alguma coisa?
- Bom dia, Tom – o respondi secamente – Pode sim. Peça a quem quer que seja, que retire imediatamente esse carnaval da minha empresa – falava isso com os dentes cerrados enquanto caminhava a passos firmes em direção ao elevador.
- Sim, senhorita. Considere feito – respondeu prontamente segurando a porta do elevador para que eu entrasse.
- E até segunda ordem, cancele todos os meus compromissos. Obrigada! – sorri amargamente enquanto as portas do elevador se fechavam.
A medida que o elevador subia, inspirava e expirava na tentativa de acalmar meu coração que batia em descompasso. Ouvi o tintilar do sino que informara o andar desejado. Abriram-se as portas e para minha surpresa, todo o andar do meu escritório estava igualmente repleto de rosas vermelhas, misturadas entre Mirela e Dona Chica que me sorriam com brilho nos olhos.
Eu não sabia como retribuir aqueles sorrisos que traziam consigo esperança de eu ter encontrado um grande - muito grande a contar pela quantidade de flores - e lindíssimo amor. Elas estavam ainda mais iludidas do que a minha pessoa ao pensar em Alice.
- Bom dia, meninas. Vou para minha sala e só saio de lá quando estiver novamente no meu eixo – sorri sem vontade e acenei com o indicador que iria para a sala
- B- Bom dia, senhorita. Tudo bem! – respondeu a Mirela já sabendo que alguma coisa estava errada.
- Bom dia, senhorita – respondeu dona Chica me olhando assustada.
Fechei a porta sobre minhas costas e ali mesmo, fui escorregando para o chão com os olhos fechados. Eu só poderia estar em um pesadelo, daqueles bem descabidos. Desejava acordar, mas percebi que não era possível. Que dia é esse? – pensava atônita – Melhor nem falar o que mais pode piorar, pois certamente irá piorar.
Tirei meus sapatos. Abri o blazer. Tirei a lace. Estava desmontada feito uma boneca em partes. Não conseguia pensar em nada a não ser a vergonha que passei na frente de muitos investidores e parceiros de trabalho. Por que? O que eu fiz para esse homem? Recorria minha memória na tentativa de encontrar alguma disputa empresarial, mas só tinha a de terça-feira e que nem foi tão absurda. Nada justificara isso que acontecia.
Me levantei do chão, deixando as minhas coisas espalhadas ainda no mesmo local. Fui até o frigobar, servi-me de uma dose de uísque puro e virei todo em um gole só. Aquele líquido desceu queimando todo o amargor que se instalara em minha garganta. Limpei os lábios com a costa da mão, deixando as marcas de meu batom. Servi-me de uma outra dose, para dessa vez queimar a fúria que sentia e mais outra para a ilusão e mais outra para a solidão.
Em meio a enxaqueca que se misturara à mente girando feito um pião, recordava dos piores e melhores momentos da minha vida. Sentia o carro do meu pai capotando várias e várias vezes. Ouvia meus próprios gritos de desespero ao saber que meus pais morreram. Sentia o frio das noites de insônia no orfanato que se misturavam com o calor do abraço da Didi. Recordava da minha menina dos olhos de amoras verdes ao mesmo tempo que revia a imagem da traição na mesa de reuniões do meu escritório. Tudo passava em minha mente inquieta e cansada como se fosse um filme visto em alta velocidade. Eu pensara em inúmeras coisas e em absolutamente nada, ao mesmo tempo.
Estava sentada no sofá ao lado do frigobar, com as pernas levemente abertas os cotovelos apoiados no joelho, enquanto segurava o copo da bebida nas mãos e apenas piscava lentamente.
As muitas sessões de terapia que frequentei ao longo de toda a minha vida, me proporcionaram um auto conhecimento de como me acalmar e encaixar cada coisa em seu devido lugar. Nessa altura do desespero, já sabia o motivo de toda essa desordem mental.
Além de ter sido ridícula a atitude do Joseph de me enviar, literalmente, um caminhão de rosas vermelhas e ter tentado me desmoralizar em frente a muitas pessoas, as rosas são a família botânica que usaram no velório e adorno dos féteros de meus pais. Ao meu pai, adornaram com rosas brancas e a minha mãe, vermelhas.
E esse infeliz do Gordon, não poderia ter escolhido sequer outra espécie de flores para me presentear, já que queria tanto se aparecer.
Amo flores! Amo receber flores! Minha casa e minhas empresas são todas decoradas com orquídeas e folhagens. Mas rosas, exclusivamente rosas brancas e vermelhas, tenho pavor. O que acredito que seja bem compreensível de onde vem essa repulsa.
No entanto, sabia que o infeliz garoto não era obrigado a saber desse detalhe. Independente disso, nada justificara aquele mundaréu de flores que exalavam um cheiro terrível que me remetia diretamente à infância.
Como ele ficara sabendo do ocorrido no shopping, pouco me importava. Afinal, muitas pessoas presenciaram tal fato e seria até estranho se a notícia não corresse de vento em poupa. As pessoas vivem à espera de alguma atrocidade para propagarem o ódio.
- Senhorita Laura, posso entrar? – ouvi a voz de Tom à porta
- Um momento, Tom.
Levantei, deixei o copo em cima da mesa, abotoei meu blazer e abri a porta. Ele me olhava como quem via um zumbi. Entrou rapidamente e fechou a porta sobre si.
- O que aconteceu, Laura? – perguntou-me assustado
- Ah! Tom! É a vida!! – e sorri sem vontade – A vida, Tom.
- Não é a vida não, Laura. Isso pra mim tem nome e sobrenome.
- Tem sim, Tom. Você me conhece o suficiente pra saber que tem – e ri amargamente.
Sentei-me novamente no sofá, e contei o ocorrido a ele que me olhava com os olhos arregalados.
- Mas que moleque mais esquisito!! – vociferou abismado – Eu bem que estranhei quando chegou um caminhão de rosas aqui e foi descarregando. O pessoal da recepção me chamou para organizar. Eu não entendia o que estava acontecendo. Peço desculpas por não ter te consultado. Acreditei que estava fazendo uma linda surpresa – justificava-se
- Como você ia saber? – dei de ombros – Agora estou me sentindo mal por não ter tratado as pessoas com educação – dizia isso enquanto apoiava minhas mãos no joelho e minha cabeça nas mãos
- Ei – Tom dirigiu-se a mim e me acariciava os cabelos – Não se cobre tanto. Você é sempre maravilhosa com todos. Um dia de falta de atenção, não faz mal a ninguém. Fica tranquila.
- Mas as pessoas não tem culpa dos meus problemas, Tom – meneava a cabeça em negação – Que vontade dar uma sumida!!
- E o que te impede? - ele continuava a me fazer carinhos, agora nas costas – Vá pra casa. Descansa. Deixa que eu cuido de tudo por você – colocou a mão em meu queixo e o elevou me fazendo olhar em seus olhos – Confia em mim! Eu cuido de tudo. Sempre cuidei – e me dirigiu um singelo sorriso
- Mesmo? Temos reuniões a tarde e ainda tenho que organizar a Feira do Empreendedor – o olhei com os olhos cansados.
- Laura, me escuta com atenção – ele segurava em meu rosto e falava pacificamente – Eu cuido de tudo. Prometo – e cruzou os dedos em sinal de promessa – Te garanto que vou organizar a melhor feira que você já viu. Confia na bicha aqui – e me lançou uma piscada com um sincero sorriso
- Você me manda o script de tudo? – perguntei a ele com um sorriso encabulado
- Mando! Mando o script, a lista dos palestrantes que vou convidar, o stand das exposições. Mando tudo. Mas agora quero que você vá descansar e apenas se divertir, está bem? – falava amigavelmente, segurando em minhas mãos.
- Ok, Tom! Confio em você! Meu fiel escudeiro – e deixei uma lágrima correr pelo meu rosto na qual ele gentilmente limpou e me deu um beijo na bochecha
- Vá menina!! Vá viver um pouco! Chega de trabalhar! Vai procurar uma gata pra passar o final de semana com você – falava sorrindo
- Quem dera, Tom. Ninguém me ama. Ninguém me quer – fiz bico
- Ah! Tem quem te queira que eu sei – colocou as mãos na boca escondendo o sorriso e revirando os olhos – Mas não te merece e você não gosta, não é?!
- Cruzes, Tom! – franzi o cenho em desaprovação – Prefiro morrer solteira – e ri sinceramente
- Nesse caso, até eu! Deus me "defenderay" – e riu revirando os olhos
Levantei do sofá, coloquei a lace de volta, calcei os sapatos, ajeitei a expressão.
- Me liga. Me envia tudo o que organizar. Me mantenha informada – falei a ele apontando o dedo indicador -Você sabe que isso tudo aqui é a minha vida.
- Eu sei, senhorita Veigas! – me respondeu seriamente – Tanto sei, que estou com você desde o primeiro minuto até hoje! Não te desapontarei.
- Certo! Acho bom! Sr Tomás de Aquino – sorri e me despedi
Deixei a sala e encarei minhas secretárias. Dona Chica me olhava com os olhinhos arregalados, demonstrando curiosidade máxima. Mirela era mais discreta, mas também me olhava com os olhos arregalados. Pelos corredores, não se via mais nenhuma pétala. Sorri amigavelmente a elas.
- Está tudo bem! Vou ficar bem! Só vou embora descansar. Me perdoem pela falta de educação ao chegar. Prometo voltar segunda-feira sendo uma boa menina – sorri ao falar – E vocês podem ir embora também! Ganharam ingresso antecipado para o final de semana.
- Obrigada!! – responderam gentilmente e sorriram
Solicitei o elevador que prontamente se abriu. Antes que as portas se fechassem, dona Chica colocou as mãos impedindo. Me olhou nos olhos. Me abraçou. Senti como se todos os meus pedacinhos voltassem ao lugar. Um abraço quente. Gostoso. Sensação de abraço-casa. Respirou fundo enquanto me abraçava forte.
- Vai ficar tudo bem, minha querida! – me olhou profundamente e saiu.
Já de fora do elevador e segundos antes das portas se fecharem, ainda me olhando profundamente repetiu com um lindo sorriso:
- Vai ficar tudo bem, menina dos olhos de amora.
As portas se fecharam. O elevador desceu. E eu?! Eu estava estática com o que acabara de ouvir.
Fim do capítulo
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