Laura

Desde que fiquei sabendo por Tom, meu assessor que a Gordon Cia estava disposta a comprar a NetCell Enterprise e mandaria a melhor consultora do momento para arrematar o leilão, fiquei animada com a possibilidade de conhecer quem é a tão famosa Alice Stromper que tem se arriscado tanto nos negócios.

Há tempos que procuro uma consultoria de qualidade pois não tem um ser vivente nessa terra que não adentre as portas da minha empresa e não me subestime por ser mulher. Que ranço tenho disso.

É sempre a mesma conversa:

“- Mas a senhorita tem certeza?

- Veja bem, não é bem assim?!

- Permita-me te explicar uma coisa…”

Ah!! Isso me dá nervos!! Acredito que já tenho idade e carreira suficiente para poder tomar minhas próprias decisões. Preciso de uma consultoria apenas para me indicar os melhores negócios a serem fechados e assim poupo o meu tempo de pesquisa.

Tom me disse que essa consultora que está contratada pela Gordon, tem um passado impecável e apresenta um futuro promissor. São pessoas assim que preciso agregar para minha equipe, mas não quero já ir contratando. Gosto de estudar o meio de campo antes e analisar as pessoas, da forma como meu pai me ensinou. Lembro dele me falando:

- Laurinha, não acredite em tudo que ouve, mas também não desacredite de tudo que vê. Ninguém dá o que não tem.

Que saudade eu sinto do meu paizinho querido!! Devo a minha vida a ele e a minha mãe que tanto me amaram. Estejam onde estiverem, ainda sinto seu amor.

Não existe um dia sequer que eu não sinta a falta deles e fique pensando em como seria se estivessem vivos. Meu maior desejo é que contemplassem a mulher que me tornei e como tenho seguido uma carreira de sucesso, apesar da solidão que me faz companhia diariamente quando não estou focada no trabalho. Acredito que minha mãe me falaria – Então não atingiu o sucesso ainda, mocinha!! Sucesso é ter a quem amar e ser amado!! - quem dera.

Ter sucesso é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que você tem facilidade para muitas coisas, acaba tendo muita dificuldade para outras, como por exemplo, encontrar alguém que te ame por quem você é e não pelo que você tem.

Fico observando a Didi. Desde que nasci cuida de mim como filha, mas não deixa sua filha biológica de lado nem um momento. Tem uma família linda, com seus filhos carinhosos e um marido encantador. Não faço ideia de onde possa estar o meu grande amor, ou melhor, minha “Amora”, já que dispenso absolutamente a ideia de ter um homem fungando meu pescoço.. Urg! Chega me dar urticárias!! - sorri com meus próprios pensamentos.

Na terça-feira, antes de sair para o leilão a fim de observar a conduta da consultora Stromps, Tom me ligou logo que amanheceu o dia. Eu estava na minha rotina diária de treinos com o Gil meu personal quando ouço Tom do outro lado do telefone:

- Senhorita Veiga, uma amiga muito próxima que trabalha como secretária do Sr Joseph Gordon, me passou a informação de que ele pretende comprar a NetCell a fim de poder te conhecer.

- O que diz Tom? Qual a lógica disso?? Que pessoa em sã consciência mistura negócios com vida pessoal? - o indaguei indignada

Gil me olhava espantado com o que eu disse e sorria discretamente, colocando a mão na boca.

- Então senhorita, só estou te passando a informação que recebi. Ela me disse que o tempo todo ele só fala nisso, e que contratou a srta Stromps para esse fim.

- Que horror! Que falta faz ter pessoas competentes no mercado de trabalho. Eu já estava ansiosa para ir ao leilão, agora não vejo a hora que chegue o momento de arremate dessa empresa que já me deu tanta dor de cabeça, mas estou disposta a pagar o que for para que esse moleque que se acha empresário não chegue perto de mim – falei tudo tão rápido e com pouco fôlego devido os abdominais que fazia enquanto falava.

- Tom, por favor me passe o teto orçamentário para essa aquisição.

- Sim, senhorita. Irei analisar o fundo de investimentos e te envio por mensagem o valor.

- Obrigada Tom. E peça para que o Sr Pedro me pegue hoje.

- Como desejar. Até já

Desliguei o telefone e não sabia dizer o que me irritava mais. Se era a informação de um moleque querendo me impressionar com a compra de uma das empresas que eu era acionista, o que me assustava um pouco, pois se ele já sabia até dessa informação, é porque estava bisbilhotando minha vida, ou se era por quem estar interessado em mim não ser nem de longe alguém que eu poderia também me interessar.

Comentei isso com Gil que daquele jeito único que só ele tem, me falou sorrindo:

- Laurinha quer atrair abelhinhas, mas só tá atraindo zangão – gargalhamos disso e ele logo me lembrou que eu ainda não tinha concluído meu treino.

Terminei minha sessão tortura e fui me arrumar. A hora já estava avançada, não daria tempo de arrumar meu cabelo do jeito que eu desejava. Escolhi então o turbante que minha mãe me deu quando completei 10 anos, o último aniversário comemorado junto dela, uma bata da mesma cor e a legging de couro que já era quase minha segunda pele. Entrei para o chuveiro e quando estava acabando meu banho, a Didi entrou em meu quarto informando que o Sr Pedro já estava me esperando.

Me apressei em ficar pronta. A hora já estava avançada. Pedi a Didi para me ajudar, ela então escolheu um par de brincos simples e pegou o primeiro scarpin que viu pela frente e enfiou no meu pé. Me deu um beijo na testa e me disse com todo carinho:

- Axé minha menina! 

Saí esbaforida.

- Bom dia Sr Pedro!!

- Bom dia Srta Laura!! - e me lançou um gentil sorriso

Abriu a porta para eu me adentrar no carro e quando entrei, minha bolsa caiu, derrubando tudo que estava dentro. Foi celular de um lado, maquiagem de outro , documentos.. tudo espalhado pelo hall de entrada da minha casa.

- Me perdoa Srta Laura, por favor! Me perdoa – pediu Pedro.

- Deixa disso Sr Pedro. Até parece que não me conhece?? Esqueceu que eu nasci com duas mãos esquerdas e que só não me derrubo porque não consigo me empurrar??? - ri de mim mesma e ele também sorriu, me ajudando a pegar as coisas do chão apressado pois estávamos atrasados.

Partimos rumo a casa de leilões e o trânsito estava simplesmente insuportável! Uma mulher sem noção resolveu parar o trânsito em pleno semáforo aberto para ajudar uma senhora atravessar a rua – eu ainda consigo me impressionar com a capacidade do ser humano em fazer coisas na hora que não deve. O que custa esperar o semáforo fechar?? - Meu pensamento estava muito acelerado.

Acompanhava o trânsito ao mesmo tempo em que me maquiava e esperava a mensagem do Tom para me avisar de quanto eu poderia me atrever a gastar para comprar a NetCell.

Aquele trânsito estava me dando nos nervos. Andávamos quinhentos metros e parávamos. Olhando pela janela vi uma moça passar livremente entre os carros parados com uma moto maravilhosa, cor bordô que combinava com o capacete quebra-queixo na mesma cor, jaqueta de couro e óculos de sol tipo aviador. Achei tão libertadora aquela visão que até comentei com o sr Paulo:

- Da próxima, o sr por favor me busque dessa maneira!

Ele me respondeu com uma gargalhada:

- Sim, senhorita! Será um prazer!! Chegaremos rapidinho.

Ao chegar na casa de leilões, já havia começado o arremate da NetCell. Eu nem sabia qual tinham sido os lances iniciais, mas só de saber que aquele moleque do Joseph estava querendo comprar só para me impressionar, meu estômago embrulhou.

Mal entrei e já levantei minha placa e anunciei meu lance:

- QUINHENTOS E VINTE MIL! - já lancei logo um valor alto pra chamar atenção de quem quer que fosse a tal da Alice que, se tinha a missão de arrematar a empresa, me procuraria para tentar me intimidar.

Fiquei atenta aos olhares mas sem deixar demonstrar meu interesse em encontrar quem era a consultora de Gordon, Percebi então, entre centenas de homens, um rosto feminino de pele alva e cabelos curtos castanho claro, olhos verdes e cara de "nerd" – sorri ao pensar isso – que me olhou fixamente. Naquele momento soube que ela era a famosa e concorrida Alice Stromps.

Me surpreendi quando ela olhando ainda para mim, aumentou a contraproposta de lance:

- Quinhentos e cinquenta mil – disse aquela linda moça levantando sua plaquinha.

Nesse momento meu celular vibrou e recebi a mensagem:

( Tom: 650 para NetCell)

O leiloador já estava quase começando a contagem de finalização. Fechei meus olhos e suspirei fundo ao falar, desejando com todas as minhas forças para que fosse o lance final daquele arremate. Dessa vez seria questão de honra arrematar de vez a NetCell todinha para mim e aniquilar de uma só vez a possibilidade de ter joguinhos de infância na minha vida:

- Seiscentos e cinquenta mil!!

- UAU !! Isso é bastante !! Seiscentos e quinhentos mil para a senhorita ali! Alguém dá mais ??? - falou o leiloador.

O respondi em pensamento:

- Bastante é a paciência que eu tenho que ter para enfrentar essas coisas e me proteger de moleques que querem se passar de homens – revirei os olhos ao pensar isso.

Leilão da NetCell arrematado por mim! Vibrei em silêncio e agradeci a Deus e aos santos por ter conseguido. Percebi que a moça que estava dando lances anteriormente, voltou novamente os olhos para mim. Olhei pra ela então com olhar de - “Venci!” - arqueando a sobrancelha e a cumprimentei apenas com um leve meneio de cabeça.

Estava aliviada.

Em comemoração, me deu vontade esperar para saber quais outras empresas eu poderia arrematar e depois estudaria um plano para a vida financeira da minha possível aquisição. Foi então que vi aquela moça se levantando, fazendo maior estardalhaço, derrubou tudo que estava em seu caminho. Até me assustei.

No mesmo momento pensei que ela viria falar comigo, pois já sabia que o Joseph Gordon é insistente e não ficaria satisfeito por eu ter estragado seus planos.

Desisti de continuar participando do leilão. Peguei meu celular e mandei mensagem ao Sr Pedro:

- Estou saindo. Me espere na entrada, por favor!

Eu não estava nem um pouco disposta a ter que conversar sobre o que tinha acabado de acontecer. Se o Joseph quisesse me impressionar, teria que fazer muito mais. Saí apressada sem olhar para trás.

O senhor Pedro estava me esperando e já abriu a porta para eu entrar rapidamente:

- Tudo certo srta??

- Tudo mil maravilhas Sr Pedro. Obrigada. - sorri para ele

Ao sair vi aquela moto de quando eu estava vindo e falei novamente ao sr Pedro:

- Veja, sr Pedro! A mesma moto. Está nos perseguindo – e sorri.

- Deve ser um sinal hein srta Laura. Vamos pensar nesse assunto - e sorriu em resposta olhando pelo retrovisor.

- Vamos para o escritório??

- Sim, por favor!! - e saímos em direção ao complexo empresarial Veigas.

Fim do capítulo