Aquele era o grande dia, eu sentia a excitação pulsar na garganta. Era dezembro e aquela era a última festa da escola, minha última chance. Tomei um banho demorado, meu banheiro era muito simples, meus pais eram de classe média, mas eles nunca se importaram de ter uma casa estruturada, tudo sempre era muito temporário, nos mudávamos com o vento, praticamente. Isso estragou minhas amizades. Já nem fazia questão de ter amigos, se no final do ano me mudaria de novo, com ela foi diferente... Ela... eu não sei. 

               Eu estava no banho, com os olhos fechados, aquela memória mexeu comigo. Eu tinha 15 anos, a água a cair no meu rosto, então aquele calor onde só havia frio... abri os olhos assustada. naquele momento não tinha entendido absolutamente nada, mas eu sabia que eu era diferente das outras garotas, eu evitava a presença delas. Me forcei a esquecer aquele sentimento, ela era minha amiga. Nanda, como eu carinhosamente a chamava. Estávamos na 7ª Série, e ela chamava muita atenção. Ela era linda, mas que isso, seus olhos eram únicos, meio amendoados, tinha o rosto oriental mas corpo muito brasileiro, seios fartos... Bati levemente no meu rosto.

- O que é isso, dona Letícia? - falei comigo mesmo e me preparei para sair do box do chuveiro, me enxuguei com a toalha e me preparei pra vestir aquela camiseta ridícula amarela do concurso escolar. sim... eu me visto no banheiro, não gosto que fiquem notando meu corpo, mas pra andar com a Nanda eu tinha que suportar isso, por que eles a olhavam e olhavam pra mim também. Eu não me considerava bonita, tinha 1,71 e cabelos negros bem longos na época, e espinhas, ai que tristeza me lembrar desses detalhes. Lá estava eu com minha roupa que parecia uma sacola amarrada em mim.

                  Corri para a esquina da árvore e sentei no banquinho de concreto, era por volta das 19:00, ninguém naquela rua, estava esperando a Bruni, minha outra amiga que consegui fazer durante o ano. Bruni não era amiga de Nanda, não sei bem porquê, talvez por Bruni ser muito mais velha, ela era incrivelmente sóbria e via em Nanda uma loucura que não gostava.

                   Ela avisou que se atrasaria, estava trabalhando, olho no relógio 19:15, o concurso começaria 19:30, comecei a bater o pé num gesto de ansiedade, eu não poderia perder aquilo por nada. Ao longe vi uma garota vindo, pele morena e cabelos ondulados soltos, era Bruni, ela estava bonita, a camiseta maldita berrante parecia cair como luva nela.

-Só nos panos né? - falei pra ela gritando, ela riu, e me olhou de alto abaixo

-Por que você parece que está indo pra uma aula? - semicerrei os olhos e passei a mão no meu cabelo.

-É só um concurso idiota - ela olhou pra mim e revirou os olhos,

-Você não aprende nunca. E então, será que a a gente vai ganhar o concurso? - olhei pra ela com aquela cara de que iria falar uma coisa muito séria

-Não confio na Amanda. - Ela riu e bateu no meu braço, Amanda era a garota que estava organizando a parte financeira do concurso, acho que Bruni tinha uma queda por ela, mas Amanda era extremamente louca, e realmente não entendi porque a deixaram com o dinheiro, adolescentes burros…

-Não fala mal da minha amiga, senão te deserdo - disse rindo e eu a acompanhei.- logo fomos seguindo a pé para o colégio que era bem pertinho, de longe já dava pra ouvir a música eletrônica bem alta. Aquilo era péssimo, meu coração acelerou, coração bobo, murmurei na minha cabeça. Ela também estaria lá.

                        Logo chegamos e Bruni saiu, nem lembro pra onde, fiquei lá em pé, perto da passarela. Aquele era um concurso de beleza, sim, meu colégio inventou aquela baboseira toda pra arrecadar dinheiro da gente, mas ela estaria lá. e a procurei em todos os cantos, eu esperava encontra-la antes de começar... a coordenadora pegou o microfone e deu uma microfonia enorme,

-ai meus ouvidos - ouvi alguém gritar.

-queridos alunos! - a coordenadora começou - hoje é o nosso dia especial, Sejam bem vindos ao GAROTA COLEGIAL 2005! - gritou, e então a música eletrônica começou a tocar. fiquei meio aérea os outros minutos seguintes esperando que ela chegasse. quando percebi... É impossível esquecer aquelas luzes tão fortes piscando rapidamente, enquanto Nanda passava, eu estava hipnotizada. Eu sabia que eu nunca mais seria a mesma. Era os últimos dias meus, e meu coração apertado sabia muito bem disso. 

                        Ela estava espetacular, não podia acreditar nos meus olhos, tinha que ser aquela noite. Nanda estava desfilando, eu não entendia por quê, minha cabeça ficou girando aquela imagem, o vestido azul brilhante esvoaçando ao ventos os cabelos caídos nos ombros, sentia o frescor do movimento. Fui atrapalhada por Bruni gritando em meu ouvido.

-Acorda, Letícia! - pisquei três vezes - A Anne tá passando mal.

-O que foi? - disse em tom de preocupação.

-Não sei, ela tá estranha, estou levando ela pra casa no carro do Thiago, vou tentar acalmá-la.

-tudo bem, precisa de alguma coisa? - ela me olhou agradecida

-Não, Lety, sinto que você tem algo a fazer - ela piscou o olho e meu coração parou, como ela sabia daquilo? Será que tinha visto meu caderno com o nome da Nanda e os corações? Perdi a sensibilidade das pernas. - ela saiu rapidamente e ao longe vi ela e Thiago carregando Anne no colo, parecia pálida.

                        O tempo depois daquilo demorou a passar, ou foi muito rápido? Não sei, mas minha mente me pregava peças. Já eram aproximadamente 22:00. Quando percebi que a coordenadora estava falando quem havia ganhado, meu coração bicho besta desembestou a correr dentro do peito.

- E em terceiro lugar.... Beatriz do primeiro ano! - logo a garota apareceu e a platéia gritava enlouquecida... ela recebeu flores e uma coroinha.

-Agora em segundo lugar, abram alas para a Fernanda na 7ª série!!! - Aquilo mexeu comigo. Vi Nanda deslizar rapidamente no palco, flores e a coroa. o tempo parou. eu ainda vejo como uma fotografia em minha mente. Não me lembro do que aconteceu depois, eu a estava esperando perto da saída. quando eu vi ela descendo já com roupas normais, coroa na cabeça e sorriso esplêndido. 

-Sim, é hoje - pensei e sorri imediatamente - hoje diria que a amava. Eram meus últimos dias na cidade, eu precisava dizer aquilo, desejava que ela me aceitasse e quisesse manter o contato.

                             Ela olhou em outra direção e saiu correndo, a próxima ação me destruiu. Nanda pulou em Daniel do segundo ano e agarrou o pescoço dele. Daniel por sua vez enroscou aquelas mãos pegajosas na cintura de Nanda e trocaram aquele beijo. Fiquei chocada por vários minutos totalmente sem ação. A minha garota nas mãos daquele cara. Não sei o que me fez parar, talvez quando eles terminaram o beijo e olharam em minha direção, esfriei completamente, o sangue fugiu de mim, fiz uma careta involuntária enquanto Nanda olhava em minha direção e falava com Daniel fiz leitura labial, era como se eu pudesse ouvir sua voz aveludada na minha cabeça:

-espera aqui um pouco, amor... - aquilo me deu ânsia, quis fugir dali. virei as costas e sai apressada. Nanda me alcançou e puxou meu braço.

-Ei, você tá bem?

Fim do capítulo