Capitulo 1
Capítulo 1
Lianna acordou cedo naquele dia. Levantou-se antes que o relógio despertasse. Abriu a cortina e observou o tempo. Estava nublado novamente, podia perceber uma leve neblina cobrindo a rua. Dias assim a deixavam apreensiva.
-Isso não quer dizer nada - pensou - tudo vai correr bem, nada pode dar errado.
Pegou a roupa que já tinha deixado reservada na noite anterior e dirigiu-se ao banheiro do corredor.
Deixou que a água muito quente escorresse pelo corpo lavando as tensões da noite mal dormida.
Hoje tudo começaria. Seria o passo decisivo. Estava nervosa, seu futuro dependia disso.
Vestiu-se rapidamente, prendeu o cabelo em um coque. Tomou uma xícara de café e saiu para pegar o ônibus, o primeiro dos três que pegaria para chegar ao hotel. Aproveitou para dar uma última conferida em seu currículo. A maioria das pessoas o acharia muito bom, muitos cursos, estágios e apresentações de trabalhos em seminários. Ela se esforçara ao máximo na universidade, pois sabia que era a única forma de melhorar sua vida, de sua prima e sua tia.
Colocou os fones de ouvido e selecionou uma música ao acaso no celular, esperava que pudesse se distrair um pouco. Não muito tempo depois desistiu, não estava ajudando, não conseguia se concentrar. Sua mente só pensava se realmente estava pronta e o que aconteceria dali para frente.
Viu o ônibus encher apesar de ainda ser praticamente madrugada. Levantou-se e ofereceu o assento a uma mulher que estava com uma criança no colo. Sorriu para a menininha. A mãe lhe agradeceu, também sorrindo. Eram muito parecidas. Desejou poder lembrar do rosto de sua mãe. Balançou a cabeça, tentando esquecer o assunto. Não podia deixar que lembranças tristes a desviassem de seu objetivo.
Depois de duas horas, três ônibus e algumas quadras a pé, chegou ao hotel. Dirigiu-se ao recepcionista.
-Bom dia, Carlos. Minha tia está ocupada? – perguntou, sorrindo para o senhor que a olhava e retribuía o sorriso de forma simpática.
-Bom dia, Lianna. Caiu da cama, hein?! - riu - Sua tia está na lavanderia, pode ir até lá.
-Obrigada - disse, já na porta do elevador de serviço.
Antes de a porta fechar-se, o ouviu gritar:
-Tudo vai dar certo, não se preocupe.
Seu nervosismo só aumentou, todos esperavam muito dela. Não podia decepcionar.
******
Manoela ouviu as batidas insistentes na porta. Cobriu a cabeça com o travesseiro. Seu corpo estava dolorido, a cabeça parecia que ia se partir em milhares de pedaços. Houve uma pequena pausa e as batidas recomeçaram. Bufou, sabia quem era e que tinha que abrir. Levantou-se e sentiu o chão ondular sob seus pés. Amaldiçoou-se por ter bebido tanto na noite anterior e, no entanto, sabia que em poucas semanas, provavelmente esta cena ia repetir-se. A boca estava seca. Pegou uma garrafa d'água do frigobar e foi abrir a porta.
-Oi Marlene. - disse ao abrir aporta e se deparar com a Senhora parada, pronta para começar uma nova sessão de batidas frenéticas.
-Menina, sua mãe está furiosa a esperando. - disse a idosa camareira.
-Ela sempre está furiosa, Marlene. - falou Manoela com um dar de ombros, se jogando no sofá.
Marlene deu uma olhada na bagunça em que se encontrava a sala da suíte e imaginou a farra da noite anterior. Olhou para Manoela e notou as olheiras que marcavam seu rosto deixando sombras lilases sob seus olhos. Sem dúvida, não aprovava o modo de vida de Manoela, mas não podia fazer nada, ninguém conseguia controlá-la.
Desde pequena, Manoela tinha o gênio forte e sempre fazia o que bem entendia na hora que queria. Mesmo tendo praticamente a criado, nem mesmo Marlene conseguira fazer com que mudasse suas atitudes.
-Trouxe seu café - disse já servindo uma xícara com o líquido escuro, forte e fumegante, exatamente como a garota gostava- Arrume-se, sabe que não pode adiar este encontro.
-Ai, Marlene, não acredito que ela veio de São Paulo, só para dar-me mais uma lição de moral. - exasperou-se Manoela, brincando com uma fatia de pão com geleia sem, no entanto, comer - Não consegue me deixar em paz!
-Menina Manu, depois do que aprontou no hotel do litoral, era óbvio que ela viria. Afinal, o melhor hóspede de lá saiu prometendo nunca mais voltar, depois da sua festinha na piscina. - retrucou Marlene.
-Ah, aposto que aquele velho mal amado nunca teve adolescência...
-Manoela, com 27 anos não se está mais na adolescência há muito tempo.
-Pois eu decidi prorrogar a minha! - disse levantando, pegando uma calça jeans surrada do chão e vestindo.
-Você vai colocar estas roupas? - perguntou a camareira sabendo que essa era mais uma forma da garota irritar sua mãe.
-Dona Maria Isabel não pode controlar tudo, não é?! A roupa com que me vestir não importa, ela vai reclamar de qualquer jeito. Pelo menos estarei confortável quando tiver que sair de lá e ir me secar ao sol. - falou rindo e pegando uma camiseta qualquer que estava jogada em uma cadeira.
Marlene balançou a cabeça.
-Essa menina não muda.
******
Lianna bateu duas vezes na porta da lavanderia e entrou. Sua tia estava passando os lençóis e uma pilha grande já se encontrava do seu lado em uma cadeira. Sempre admirara sua tia Suzana. Fora morar com ela aos 5 anos, depois do serviço social tê-la tirado da guarda do pai.
Nesta época, uma garotinha assustada e solitária. A tia sempre lhe tratara como uma filha e sempre se esforçara muito para que fosse feliz. Ela era a mãe que a vida lhe dera e não poderia ter pedido outra melhor.
Até hoje via os sacrifícios que ela fazia para que nunca faltasse nada para ela e para a prima.
Neste dia em particular ela cobrira o turno de uma colega que trabalhava à noite e continuaria trabalhando até às 18h, quando o seu próprio turno acabaria.
-Bom dia, tia Suzana. - disse dando-lhe um beijo na bochecha.
-Bom dia, minha filha. - falou dobrando o lençol que acabara de passar. - Chegou cedo!
-Fiquei com medo de me atrasar. Posso lhe ajudar enquanto isso. - pediu
-Certo, mas seja cuidadosa. Eu tenho que servir o café à alguns hóspedes daqui uns minutos. Vá à cozinha e diga à Marta que você vai levá-los. - disse a tia. - Mas não se atrase, se não der tempo para entregar tudo, deixe que eu termino.
-Ok, tia. - disse abrindo a porta e mandando um beijo para a ela.
Marta lhe deu um uniforme e a lista dos hóspedes que já tinham pedido o café da manhã.
Lianna apressou-se para entregá-los. Precisava manter a mente ocupada e odiava ficar parada.
Os primeiros quatro foram rápidos, pois eram no mesmo andar. O quinto era no último andar e ela sabia o que significava: suítes de luxo.
Enquanto esperava que o elevador chegasse tentava entender o número escrito à mão na comanda.
-Isto é o número sete? Ou número um?
Saiu apressada do elevador, empurrando o carrinho e quase não percebeu a garota que estava abaixada amarrando os tênis no meio do corredor. Desviou no último momento. O carrinho caiu fazendo uma enorme confusão de café, suco, frutas e pães espalhados pelo chão.
Sentiu os olhos encherem-se ao abaixar-se para começar a juntar as coisas. Com certeza isso resultaria em uma reclamação junto ao gerente e, quando este descobrisse que fora ela que fizera aquela bagunça, sua tia receberia uma reprimenda.
-Não é possível que eu não consiga nem entregar café... se não faço nem isso direito como vou lidar com o que me espera?
-Você não olha por onde anda? - ouviu a garota perguntar.
Não se atreveu a levantar o olhar. Continuou tentando juntar os cacos das xícaras quebradas.
-Desculpe Senhora. - disse humildemente, as lágrimas presas na garganta. -Não a vi. Isso não voltará a acontecer, prometo.
-Olhe para mim. - ordenou a garota
Lianna levantou-se e a olhou. A garota devia ter quase a sua idade, no máximo uns doisa nos a mais. Tinha os cabelos negros e lisos que caiam até seus ombros. Os olhos também negros, tinham um brilho de fúria. Vestia jeans surrados e rasgados nos joelhos, mas que Lianna tinha certeza que custavam mais que seis meses do salário de sua tia. Uma camiseta cinza deixava o ombro direito e parte da barriga a mostra. Era muito bonita, mas estava com olheiras profundas e o semblante conturbado em sua fúria.
-Qual o seu nome? - perguntou olhando-a de cima a baixo.
-Lianna, Senhora. - respondeu.
-Pois bem, Lianna - o nome foi pronunciado com desprezo - se preza seu emprego aqui é bom que tome mais cuidado. Não vou reclamar para o seu gerente, pois estou atrasada. Mas espero não voltar a vê-la fazendo estas trapalhadas no meu corredor.
-Muito obrigada, Senhora. E mais uma vez me desculpe.
Lianna esperou que ela saísse para voltar a juntar os cacos do chão. Suspirou.
-Pelo menos não vai reclamar ao gerente...
Ficou pensando no modo superior como a outra lhe observara. Fora para isso que estudara tanto, para não precisar aturar este olhar que os mais abastados lançavam a pessoas como ela.
-Achou que eu era camareira. Só por isso se achou no direito de me olhar de cima, como se fosse muito melhor que eu. A culpa não foi só minha, afinal se ela não estivesse no meio do caminho... -Suspirou de novo. Terminou de juntar tudo e voltou à cozinha.
Contou à Marta o acontecido, que ficou muito preocupada:
-Como era a mulher que você atropelou, minha filha? - perguntou Marta enquanto a ajudava a encher o carrinho novamente.
-Não atropelei ninguém, Marta, eu desviei. Ela era alta, cabelos e olhos negros. Gênio forte. Me olhou como se eu não fosse nada e colocou meu “suposto” emprego em cheque, caso eu voltasse a atrapalhá-la. - respondeu.
-Ah, deve ser a Senhorita Manoela. Filha da Senhora Maria Isabel, dona do hotel. Aquela garota é o cão. Acha que é melhor que todo mundo e vive aprontando. É melhor que você não se meta mais com ela. – falou, olhando-a com carinho. -Deixa que eu levo este, ok?!
-Muito obrigada, Marta. – falou - queria ajudar e acabei atrapalhando.
-Não se preocupe querida, às vezes acordamos do avesso! - riu a cozinheira que já saia empurrando o carrinho rumo a elevador de serviço.
-Isso não é um bom sinal - pensou triste.
******
Marlene ficou apressando Manoela, que fazia tudo propositalmente devagar. Demorou ainda quarenta minutos para sair. Antes de chegar à metade do corredor percebeu que estava com o tênis desamarrado. Abaixou-se para arrumá-lo. Estava pensando no que diria à sua mãe sobre o incidente no hotel do litoral. Assustou-se quando ouviu a perigosa aproximação do carrinho de camareira. Viu quando a garota desviou no último momento e derrubou tudo no chão, espalhando pães, frutas e cacos por metade do corredor. Esqueceu-se da desculpa que havia inventado. Ficou furiosa.
-Hoje em dia contratam qualquer um pra trabalhar num hotel.
Olhou-a atentamente. Pele clara, levemente bronzeada, cabelos castanhos presos em um coque. Não se lembrava de tê-la visto antes no hotel. Devia ser nova. A garota não se atreveu a olhá-la, devia estar morrendo de medo de perder o emprego. Quando esta se abaixou para começar a juntar a bagunça do chão, Manoela pensou ter visto um brilho úmido em seus olhos.
Ainda olhando para o chão, a outra se desculpou.
-Desculpe Senhora. Não a vi. Isso não voltará a acontecer, prometo.
-Olhe para mim.
A garota levantou o rosto em sua direção e Manoela percebeu quando doces e inteligentes olhos cor de mel a estudaram. A garota era muito bonita. Viu quando ela engoliu as lágrimas.
-Qual o seu nome? - perguntou avaliando-a.
-Lianna, Senhora. - respondeu timidamente
Podia muito bem chamar o gerente e esta garota estaria na rua num piscar de olhos. A sensação de poder melhorou um pouco seu humor. Entretanto a garota parecia tão humilde e havia o fato de ela estar bem no meio do corredor na hora que a outra ia passar. Sabia que tinha culpa no incidente também. Resolveu relevar, afinal prejudicar a garota não melhoraria seu dia mesmo.
-Pois bem, Lianna, se preza seu emprego aqui é bom que tome mais cuidado. Não vou reclamar para o seu gerente, pois estou atrasada. Mas espero não voltar a vê-la fazendo estas trapalhadas no meu corredor.
-Muito obrigada, Senhora. E mais uma vez me desculpe. - ouviu-a desculpar-se, mas não lhe deu maior atenção. Seguiu seu caminho até o escritório de sua mãe.
Fim do capítulo
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Sem cadastro
Em: 29/11/2024
. Boa noite autora.
Já faz tempo essa história, mas lerei novamente para sentir as mesmas emoções.
MalluBlues
Em: 08/01/2022
Estou amando a história! Sua escrita é ótima e as personagens são envolventes. <3
Resposta do autor:
Obrigada, não tem nada melhor para uma aspirante a escritora do que ter sua escrita elogiada. :D
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paulaOliveira
Em: 06/01/2022
Manoela é uma grossa, aff.
Resposta do autor:
Kkkkkk
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