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Meu Passado Com Você por Bibiset

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Palavras: 5484
Acessos: 1461   |  Postado em: 26/12/2021

Capitulo 15 - Pipoca e Tetê

Eu não sabia mais como me livrar dos olhares fulminantes de Talita, a nova “garota” da Júlia. Eram tantas indiretas, sempre que ela acompanhava Jú até o estúdio era o mesmo teatrinho. Odiava isso, nunca fui o tipo de curtir esse joguinho de olhares e alfinetadas, então meu limite era quase zero para esse tipo de gente. Júlia tinha um tato afiado para escolha de suas parceiras, elas sempre me trataram muito bem, umas até bem demais, nenhuma jamais implicou com nossa relação mais íntima, elas entendiam nosso “combinado” e algumas convidavam para uma participação mais ativa… Claro, sempre recusado por mim com toda educação. Porém, Talita… Era diferente. 

 

 

 

— Jú, olha só, se você for trazer a Talita amanhã, já me avisa que eu dou um jeito de ficar no estúdio. — Júlia me encarou surpresa com minha reação, eu não tinha alterações de humor com ela, era sempre tudo monotonamente equilibrado na nossa relação. Por isso emendei para não parecer grosseira. — Não quero que ela fique incomodada comigo e acabe estragando a noite de vocês… 

 

 

 

— Tudo bem… Eu entendo. Ela tem um gênio bem peculiar mesmo e eu ainda tô tentando decifrar aquela raposinha manhosa… 

 

 

 

Ela parou com o dedo no canto do lábio inferior, naquele seu jeito “Super Júlia” analítico. 

 

 

 

— Ela não gosta de mim nem um pouco, mas não é isso que me incomoda… 

 

 

 

— Jura? — Ela me abraçou me puxando para o colo dela, estávamos sentadas no sofá colocando algumas séries em dia, enquanto tínhamos uma folguinha. 

 

 

 

— Você me conhece. — E ela conhecia muito bem. Ela sabia de praticamente todos os sentimentos conflituosos que eu cultivava, que me causaram tantas cicatrizes no passado, e que ainda ardiam no presente. 

 

 

 

— Tá, mas o que te incomoda nela então? 

 

 

 

— Não sei explicar, mas sinto que ela tem uma “preocupação” comigo, desnecessária claro, mas tem. E eu não lido bem com esse tipo de julgamento, você sabe… 

 

 

 

— Você se importa demais com que os outros pensam, gatinha. 

 

 

 

— Só quando esse “pensamento” pode afetar diretamente quem eu amo. 

 

 

 

Ela me olhou profundamente e eu não precisei dizer mais nada, ela entendia. Sabia que eu era o tipo de pessoa capaz de me afastar para evitar conflitos. Ela havia presenciado uma amostra disso e o medo de me perder passou de relance pelo seu semblante. 

 

 

 

— Eu não sei o que dizer, Mica… Sabe, eu tenho minha forma de vida, que admito não ser a mais comum, mas…

 

 

 

— Não estou dizendo que vou embora. – Eu sorri ternamente segurando seu rosto, seus cachos soltos e revoltos contornavam-lhe a face, ela tinha um semblante sereno e ao mesmo tempo conformado. — Jú, você está fazendo aquilo! 

 

 

 

— Desculpa, desculpa… 

 

 

 

Ela balançou a cabeça, tentando evitar analisar a situação e prever o futuro, coisa que havíamos conversado inúmeras vezes para não ser feito com relação a nós duas. Éramos mais do que “namoradas”, aliás jamais nos denominamos por rótulos, apenas existíamos e compartilhávamos nossa existência. Era simples, não havia sofrimento ou cobrança… Por isso eu conseguia lidar tão facilmente e ela sabia disso, já havia me alertado sobre minha maneira um tanto imatura em lidar com relacionamentos. Diante de qualquer obstáculo, a desistência por minha parte era mais do que certa, eu preferia evitar a fadiga por medo de me frustrar ou decepcionar.

 

 

 

— Eu NÃO ESTOU desistindo da gente, ok. — Insisti só para deixar claro, caso ela não tivesse entendido ou não estivesse acreditando tanto. 

 

 

 

— Ok! Acredito em você, mas só…

 

 

 

— Júlia, eu só estou me abrindo com você. — Saí do seu colo me sentando na mesinha de centro, de frente pra ela. — Eu não quero ser um empecilho, só isso. — Meus olhos não fugiam aos dela. 

 

 

 

— Você não é um empecilho, nunca foi! 

 

 

 

— Para VOCÊ não. — Fui enfática, precisava fazê-la “enxergar” que Talita havia criado expectativas da mesma forma que raízes criam caminhos por baixo da terra. Silenciosas. 

 

 

 

Nesse exato segundo, por ironia do destino, a campainha tocou. Me levantei indo em direção ao quarto e ela me puxou pela mão, interrompendo minha saída. Me puxou em direção a porta e imediatamente eu travei, embolando o tapete em meus pés. 

 

 

 

— Me solta Júlia, não faz isso! — Me senti uma adolescente novamente, sendo impelida pela melhor amiga a conhecer sua “outra” melhor amiga, a rivalidade pairando no ar, quase palpável. 

 

 

 

Ela abriu a porta e a própria Talita entrou apressada, já fulminando minha presença com o olhar. Seus olhos voltaram para Júlia e depois para nossas mãos unidas. Ela não estava feliz. 

 

 

 

— Podemos conversar? — Ela fez a pergunta para Júlia, mas sem tirar os olhos de mim. — A sós? 

 

 

 

— Eu já estava de saída! — Rapidamente me desvencilhei de Júlia e saí em direção ao quarto, busquei uma mochila e meu celular. Desviei do corpo de Talita, que devia ser o dobro mais alto do que o meu, dei um tímido “tchau” e saí, com meus pensamentos e reflexões… Mas não sem antes ouvir a tentativa da Super Júlia psicóloga em tentar contornar a situação, sem pressionar o emocional de Talita. 

 

 

 

Fui para um pub já conhecido, onde algumas bandas alternativas se apresentavam, nada do gosto de Júlia. Aproveitei para colocar meus pensamentos em dia. Morar com Julia era ótimo e muito conveniente para nós duas, nos dávamos tão bem que sex* era apenas um plus na relação, na maioria das vezes preferíamos apenas conversar e assistir filmes e séries, era uma relação tranquila. Até Talita chegar. Suspirei depois de saborear o primeiro gole da bebida alaranjada, qual era o nome mesmo? Não importava. 

 

 

 

Eu amo essa música! Cantarolei baixinho junto com o vocalista…

 

 

 

— I was scared of preety girls and starting conversations… 

 

 

 

Minha voz ecoou em gavetas do passado, arrastando móveis velhos e usados, levantando o pó que já se compactava. Os olhos azuis. Onde foi que nos perdemos? Eu já tinha feito aquela pergunta um milhão de vezes e sabia de cor que o que viria em seguida seriam divagações sobre como nossas vidas seriam se… 

 

 

 

Se eu nunca tivesse fica com Beatriz, se nunca tivesse saído de São Paulo, se nunca tivesse implicado com Isabella, se nunca tivesse cortado minha mão com o caco de vidro, se nunca tivesse sentido o cheiro do seu cabelo…

 

 

 

Ou ouvido sua risada cristalina, viajado no branco do seus dentes ou no brilho que sua língua fazia quando ela sorria travessa e a colocava entre os dentes. Seu cheiro era insano. Bebi outro gole, desta vez mais longo. Pedi uma dose de whisky. 

 

 

 

— Lady, running down to the riptide… 

 

 

 

Tamborilei meus dedos apreciando o som da banda. Eles eram bons. Virei a dose sentindo a quentura familiar abraçar com carinho meus neurônios. Entorpeci em poucas doses, era bom não sentir remorso por pensar nela. A banda mudou. Acariciei meus próprios cabelos em uma fuga disfarçada daquela carência eterna que Isabella havia cavado em minha alma. Ri gostosamente do meu próprio martírio, eu era tão patética quanto aquele resto de líquido alcoólico que sobrava em meu copo. Solitário e “resquicioso”, aguardando o desfecho de ser bebido ou lavado.

 

 

 

— Mais uma? — A garçonete gritou do balcão, quase compadecida. E antes que eu pudesse responder, uma pontada em meu peito me fez franzir o rosto e agarrar minha própria camisa, na tentativa falha de “parar” a dor. Ela se aproximou, mas eu não a ouvia… Um zunido estranho tomou conta do ambiente e eu pensei antes de desmaiar que o som dessa banda não era tão boa quanto a anterior. 

 

 

 

*** 

 

 

 

— AAAAAAAAAHHHHHHHH!!! POR FAVOOOR, TIRAAA!!!

 

 

 

Se meu grito pôde ser ouvido do outro lado do hospital? Talvez. A certeza era que eu estava naquele momento provando a pior dor que já senti em toda minha vida. Parecia estar parindo um cacto com espinhos e não um bebê fofinho como via nas fotos de revistas e livros. Quando terminaria? Eu só conseguia me perguntar se eu sairia viva daquele filme de terror que era o parto. 

 

 

 

Tudo começou quando Fernando apenas citou o nome dela em meio à uma conversa, foi mais ou menos assim: 

 

 

 

— Mica adorava essa bala… 

 

 

 

— Sério, Fernando? — Eu joguei o travesseiro nele, afinal que diabos de ideia imbecil lembrar da sua prima naquele momento? Eu havia acabado de chegar da casa de mamãe, enquanto tive que ouvir  escondida  Elisa dar uma bronca em Fábio pelo fato de mais um ano em que ele não falava com a filha, nem mesmo em seu aniversário. E claro que obviamente EU me lembrava exatamente que hoje era seu aniversário, talvez por isso meu inconsciente tenha escolhido especificamente essa maldita bala preferida dela e depois dá-la para Cami como um “presentinho” que trouxera da rua… Ahhh, afinal de contas quem eu queria enganar? Eu pensara nela o dia todo e hoje em especial meus pensamentos estavam totalmente independentes e rebeldes, confabulando até mesmo contra qualquer racionalidade que eu tentasse trazer à tona. Eu só conseguia me lembrar do sabor que a bala tinha em sua boca. 

 

 

 

— AHHHHH, SEU MALDITO FILHO DE UMA… — Eu urrei esmagando a camiseta do meu melhor amigo, minha voz já rouca por tanto ter gritado desde o momento em que senti a primeira contração, em seguida a bolsa lavou o tapete da nossa sala e Cami e Fer me trouxeram voando, enquanto eu gritava no carro a cada dois minutos. Que dor insuportável! Ok, agora com certeza rasgou tudo, eu senti! Estava me rasgando ao meio!!! Lembrei de todos os filmes de terror que havia visto durante a gravidez e um medo absurdo de que “pãozinho” talvez fosse um alienígena gosmento e assassino permeou meus pensamentos. Eu estava assustada e pálida, podia ver no reflexo dos olhos de quem me assistia. 

 

 

 

A voz da minha mãe ao meu lado quase me acalmava, mas ouvi-la dizer que no parto em que nasci ela não sentira tanta dor só me fazia ter vontade de agarrar sua cabeça e gritar dentro do seu ouvido “EU NÃO SOU VOCÊ”. 

 

 

 

Sim, eu estava insuportável. Desde o sexto mês, precisamente. Meu humor estava diferente, Cami e eu quase terminamos umas dezenas de vezes. Fernando quase voltou para a casa da mãe mais umas dúzias. Verônica era uma das poucas pessoas única que suportava minha insuportabilidade, ela simplesmente estava sendo uma amiga incrível e compreensiva, enquanto Cami e Fer enchiam a cara no sofá da sala, foi num dia assim que eu e ela conversamos por horas no quarto. Soube um pouco sobre sua infância complicada, sua adoção pelos pais que eram bastante privilegiados financeiramente, o que justificava sua elegância e educação exemplar. Além disso ela fazia um trabalho incrível com crianças vítimas de queimaduras no HERP (Hospital Especializado de Ribeirão Preto). Fazia pós graduação em Dermatologia Funcional na USP. Ela era perfeita, mas incrivelmente não se aproveitava disso e isso me intrigava. Verônica era uma mulher diferente e Fernando era completamente apaixonado por ela (e vice versa), eu a achava um máximo e não só por me suportar, ela era mesmo uma mulher incrível. 

 

 

 

A voz do obstetra me trouxe de volta a realidade e eu franzi o cenho o máximo que minha pele conseguia, ele estava dizendo o quê? 

 

 

 

— Se você não se sentar um pouco mais inclinada eu não vou conseguir fazer o procedimento, não tenho visão…

 

 

 

— O senhor tá me dizendo que eu tenho que sentar de acordo com o que a SUA coluna suporta? — Eu não era Verônica, minha elegância e educação nesse momento mandavam lembranças.

 

 

 

— Filha, se acalma… 

 

 

 

— Eu vou parir essa criança da forma que ELA quiser, não da forma que te agrada! — Se esse obstetra de plantão pensa que eu vou me submeter as suas vontades de recém formado com ego inflado, ele que pense de novo. Me levantei num último esforço, controlando a pouca energia que me restava. Seis mãos tentando impedir que eu fizesse alguma besteira e por Deus, eu só queria acabar logo com aquilo, eu estava há oito horas em trabalho de parto, não tinha mais fôlego para tanta força pélvica, era meu último “sopro” e se o bebê não saísse por bem, eu seria capaz de puxá-lo com minhas próprias mãos! Me perdoa pãozinho, mas a mamãe não vai aguentar por muito mais tempo… Você precisa sair. 

 

 

 

— Você não pode…

 

 

 

A frase ficou entalada na garganta do obstetra enquanto eu me apoiava em pé na lateral da cama e em um único movimento “expulsava” pãozinho daqui de dentro, que afinal estava mais do que pronto para sair do forno, não havia o que esperar… A dor cessou ao mesmo tempo em que minhas sobrancelhas subiam surpresas pela sensação única de ter o corpinho quente e úmido agora em minhas mãos. O cordão ainda nos unia e o silêncio da sala foi interrompido pelo choro cristalino daquela criança que eu já amava mais do que a mim mesma. As enfermeiras rapidamente controlaram a situação, estavam tão sincronizadas que valeria a cena de um filme, tão organizado que foi. Pãozinho saindo e chorando, minha mãe chorando junto, Fernando pálido quase desmaiando, obstetra ainda inconformado, a enfermeira mais nova se agachando e pegando pãozinho das minhas mãos, de forma precisa e ágil, a outra cuidando do cordão umbilical já que Fernando estava incomunicável e não respondia às perguntas se ele gostaria de cortar. A frase “É uma menina” dita por alguém e meu coração explodindo de um sentimento inexplicável com aquela informação. Quando ela voltou para meus braços eu finalmente sorri… aliviada por vê-la bem, em meus braços. Seu choro era musical e sua dificuldade em abrir os olhos pela primeira vez me fez dar a primeira de muitas gargalhadas que eu teria com minha preciosa. As duas bolas negras me olharam, me completando como jamais alguém foi capaz de fazer. A amava e adorava, mesmo a conhecendo há apenas alguns segundos. 

 

 

 

*** 

 

 

 

Após o vergonhoso desmaio no pub me dediquei em prestar mais atenção à minha saúde. Não era velha, mas a juventude já dera adeus há muito tempo para que eu abusasse daquela forma como fiz no meu aniversário. Depois que voltei para São Paulo nunca mais havia comemorado essa data, Júlia respeitava e nós passávamos o dia normalmente, contudo aquele dia eu havia extrapolado em não me alimentar direito e ainda beber no pub de forma irrefreável. Então bebericava meu suco verde tranquilamente, como quem não quer guerra com ninguém, a não ser…

 

 

 

 — Talita, vê se me erra! — Gritei mandando toda e qualquer paz pelos ares. Lá vinha aquele projeto de mau humor tentar acabar com meu dia novamente. Já não bastava eu ter que dividir meu sofá com ela, ou ouvir seus gemidos quando elas dormiam no quarto de hóspedes, claro depois de muito conversar com Júlia, finalmente ela entendia que eu não me importava com o fato dela trazer Talita para casa, na verdade eu só queria ter uma noite tranquila de sono, minha agenda estava cada vez mais cheia e trabalhar quase quinze horas por dia estava me sugando todas as energias e eu NÃO podia me arriscar desmaiar novamente. Ainda tinha que aguentar seus resmungos sobre a louça que eu JÁ ia lavar, só estava terminando meu suco e…

 

 

 

— Branquela! 

 

 

 

— Ah, nossa… Quantos anos você tem? — Eu olhei para ela incrédula. Depois que enfim Júlia descobrira o real motivo por trás do ranço gratuito que Talita tinha por mim, eu ainda tentava acreditar que o fato de não ter o mesmo tom de pele delas, me fazia um ser humano tão escroto assim. Sim, meus antepassados foram desprezíveis, e eu pagaria essa dívida o quanto necessário e claro que não reclamava, mas ser chamada de Branquela era cômico, por que ela fazia pelo único motivo de mostrar à Júlia que uma preta não deveria se rebaixar ao ponto de namorar um “bigato” — palavras de Talita — como eu. O que eu podia dizer? Eu não tinha a pele delas, não sofria o que elas sofriam, não sabia um mínimo o que era ser uma mulher lésbica e preta em um país racista como o nosso, então simplesmente me calava. A última vez que eu e Júlia havíamos estado “juntas” fora há cerca de dois meses, e isso só foi possível graças a viagem de urgência que Talita precisou fazer. Eu estava subindo pelas paredes e não estava com tempo nem cabeça para sair em busca de uma “rapidinha” qualquer. Foi rápido e desengonçado. No final ambas parecíamos arrependidas, por incrível que pareça! Aquela diaba conseguiu plantar essa semente em nossa amizade colorida e simplesmente não conseguíamos mais estar juntas sem nos preocuparmos se Talita saberia ou veria. Um absurdo! 

 

 

 

— Parem as duas! — Júlia chegou com o balde de pipoca, o cheiro delicioso me dando água na boca… Meu estômago reclamando por só estar recebendo comidas “verdes” e saudáveis ultimamente, mas antes que pudesse dar uma mãozada, estilo “Micaela”, fui impedida por Jú. 

 

 

 

— Gatinha, esse é da Tatá… Eu faço o seu rapidinho. — Minha cara de cachorro abandonado foi o suficiente para ganhar um selinho rápido, mas eu não queria selinhos! Queria pipoca! 

 

 

 

— Amor você vai perder o começo do filme. — Talita reclamou já de boca cheia e eu a fuzilei com os olhos quando ela sorriu perversa afastando a pipoca das minhas mãos sedentas. 

 

 

 

— É só pausar. — Respondi tentando novamente roubar a pipoca do balde que ela defendia com garra. 

 

 

 

— Você não tem uns velhos para fotografar hoje não? — Ela levantou o balde com seu braço quilométrico e eu preparei o xingamento… 

 

 

 

— Talita! — Esse era o aviso de Júlia. Ela achava que só agora estávamos passando dos limites? Meu anjo, o céu era o limite para o poço de ódio chamado Talitão. E eu tenho um histórico nada sutil de ser enxotada da casa das pessoas (vide meus pais), quem me conhece sabe o passado que carrego, mas será que posso descansar em paz no MEU sofá e comer a MINHA pipoca? 

 

Um balde de pipoca voou, Talita tinha TOC por limpeza e logo estava aos berros, Júlia diplomaticamente tentava contornar a situação com táticas que eu e “Tatá” (ler com voz enojada) já estávamos vacinadas. Algumas alfinetadas e rosnados depois e… Mais uma vez “sutilmente” fui expulsa do meu apartamento. Lá ia eu novamente para o estúdio, fotografar alguns “velhinhos”, enquanto minha ex-atual-ex se deliciava no sofá que escolhemos juntas, com ninguém mais ninguém menos que o próprio demônio na Terra. 

 

 

 

— Seu Constantino! — Eu olhei surpresa para o senhor que estava sentado no pequeno jardim que havia em frente ao estúdio. 

 

 

 

— Pode me chamar de Zé, filha… Eu já te disse! 

 

 

 

Claro, José do Constantino Calleghari não perdia a oportunidade de ser galanteador, mesmo comigo, uma mulher nada convencional para seus costumes e gostos, e ele um senhor de nada menos que oitenta e nove primaveras, vestindo um simpático chapéu dos anos cinquenta. Tinha um rosto finalizado no capricho com rugas e sardas nos lugares certos. 

 

Meu cabelo seguia bem curto, mas desta vez as laterais raspadas em um desenho que vinha até a costeleta, a franja bem penteada, quase um moicano, assentava-se com minha boa e velha pomada – ai de mim, se um dia a empresa dessa pomada fechasse – seguia o meu jeitão de sempre, com roupas consideradas “masculinas” pela sociedade. E mesmo assim Seu Constantino possuía sangue juvenil o suficiente para ver algo além, que talvez “salvasse” em mim, segundo suas tradições. Sorri de lado para ele, tocando-o no ombro. Era domingo, ele sabia que eu não trabalhava, o que mais poderia estar querendo ali? 

 

 

 

— O que o senhor faz aqui, em pleno Domingão? 

 

 

 

— Eu devolvo a mesma pergunta, criança… Não era para estar com a moça bonita dos cachos? 

 

 

 

Eu ri. Seu Constantino não perdia a oportunidade.

 

 

 

— Júlia?! Não… hoje ela é da “outra”. — Pisquei dando uma breve risadinha e minha tentativa de deixar o homem no mínimo sem jeito foi por água baixo quando ele começou a rir e tossir sem parar. 

 

 

 

Entramos no estúdio ainda sob risadas, acendi as luzes e ofereci logo um café da máquina, que cordialmente ele recusou dizendo preferir o bom e convencional café passado. O levei então até a cozinha, cochichando como se compartilhasse um segredo e mostrei o coador de café – de pano mesmo – sobre a pia da cozinha. 

 

 

 

Após passar um café bem forte sentamos ali mesmo, para um bom papo. Mal havia percebido que a tarde de domingo já se despedia. Foi ele quem me alertou, ao puxar o relógio de bolso – esse é das antigas mesmo – e conferir a hora. 

 

 

 

— Tenho que ir, minha filha. O papo está muito bom, mas eu estava de passagem… Saí para esticar as pernas e sentei para dar uma respirada. Seu banco de jardim é meu salva vidas todos os Domingos, saiba que eu tenho gratidão. — E riu tossindo de novo. — Hoje minha neta vai se apresentar no teatro, preciso chegar cedo para pegar o melhor lugar. 

 

 

 

— É mesmo, qual idade dela? 

 

 

 

— Tem a sua, acredito eu… — E retirou uma carteira fina e marrom do bolso. — Olha, é parecida com você…

 

 

 

Só então eu entendi. Seu Constantino gostava mesmo de mim, e não pelos motivos equívocos que eu levianamente supusera. Olhei a foto com interesse e surpresa. Sua neta era obviamente do “vale”, assim como eu. A garota tinha mais tatuagens que eu poderia contar, com cabelo curto e piercing no lábio inferior e na sobrancelha, uma versão minha só que mais radical. Mas não era isso que me fazia perceber sua sexualidade, eu não era mais tão precipitada assim — graças à Berê —, a sua foto fora tirada em uma parada gay de São Paulo, quem tirou a foto conseguiu captar sua alegria genuína estando abraçada a outra garota bem parecida com ela, diria que seriam irmãs até. Aquilo me emudeceu de uma forma que eu não esperava e felizmente Seu Constantino cortou o silêncio.

 

 

 

— Ela que me cadastrou aqui no seu estúdio, você não estava no dia, só a mocinha bonita da recepção. Ela tem um álbum do avô, sabia? Aquele book que você fez pra mim… Ela adorou. 

 

 

 

— O senhor não se… Ela…  — Eu gaguejei e fiquei em silêncio. Ok, aquilo estava sendo um pouco surreal para mim… Como aquele vovô de quase noventa anos conseguia lidar tão naturalmente com a sexualidade da neta e ainda por cima guardar uma foto dela em uma parada gay, na carteira? Se meu pai sequer sonhasse que eu ia em Paradas do Orgulho, já faria um sermão de cinco horas… Eu até conseguia ouvir sua voz me dizendo que eu precisava tomar cuidado, que não eram lugares seguros, que não precisava daquele alarde todo, bla bla bla. Fora a vez que minha mãe soltara não entender a necessidade de se fazer um desfile comemorando o orgulho de uma coisa tão sem vergonha. Eu ainda era uma pivete na época, mas a frase me marcou como uma queimadura. 

 

 

 

— Não acha? — Foi então que percebi que o homem me fazia uma pergunta.

 

 

 

— Desculpe, o que disse? 

 

 

 

— Perguntei se não achou ela linda? — Ele mostrava a foto na minha direção e eu não pude responder, meu sorriso melancólico pela inveja da garota foi automático. Não queria sentir, mas era impossível não me imaginar neta daquele homem. Ter um familiar que me apoiasse dessa forma, parecia fantástico demais até para meus sonhos mais surreais. 

 

 

 

Apenas balancei a cabeça anuindo e esse domingo foi o primeiro de muitos que eu e Seu Constantino nos reuníamos para café e muita conversa. Mal sabia eu que graças à esse homem de idade avançada, minha vida viraria de ponta cabeça. 

 

 

 

*** 

 

 

 

Eu era mãe. Isso foi um baque de emoções em meu peito, eu… Era mãe. Mãe de uma pequena Micaela, sim… Lisbela possuía os cabelos negros e a pele clara, com olhinhos tão profundos quanto os da prima, além de ter nascido no mesmo dia. E pensar que eu tentava a todo custo não lembrar de Micaela e isso se tornou algo tão necessário que eu acabava lembrando por impulso em tentar refrear a lembrança dela. Mas agora era explícito, olhar para Lis, me faria lembrar dela em cada segundo e sinceramente? Eu não estava me importando nem um pouco.

 

 

 

— Dá a mãozinha pro papai, filha… — Fernando bem que tentava, mas Lis era teimosa como… Bem, vocês sabem quem. Ela ignorou pai de forma categórica e engatinhou até Verônica puxando os fios decorativos do seu sapato elegante. Todos assistiam a cena com um sorriso bobo no rosto, ou era só eu mesma que estava boba desde que ela nasceu e via perfeição em tudo que aquele “pãozinho” fazia. Era mãe babona sim e se tentassem discutir ganhariam uma carranca minha por uma semana. 

 

 

 

— Quem é a boneca princesa do vovô? — Fábio se aproximou com mais um ursinho de pelúcia. Lis possuía uma coleção de dar inveja e eu que me matasse de lavar tantos ursos depois de “passearem” por todos os lugares, com mãozinhas sujas de muita papinha e Tetê. 

 

 

 

— Silvia, ela não é a carinha da Bubu?

 

 

 

Ele precisava mesmo lembrar isso a cada trinta segundos? Minha mãe devia pensar o mesmo, por que só balançou a cabeça concordando. Ninguém mais aguentava ele chamando Lis de Bubu, mas dar um telefonema para filha em São Paulo e saber como estava, aí não podia. Minha meta de vida era não repetir esses erros na maternidade, tinha consciência que às vezes sem perceber eu criava expectativas para Lisbela, mas me policiava a todo instante em entender que ela era um ser humano e não uma “boneca”. Com onze meses e ela já tinha preferências de negar colo do pai e preferir o cordão do maravilhoso sapato de Verônica.

 

 

 

— Quem vai querer Tetê? 

 

 

 

Voilá! Palavrinha mágica que mamãe sabia como usar e abusar. Lis balbuciou sílabas que só outros bebês entenderiam e “correu” engatinhando em minha direção. Sentou sobre as perninhas esticando os braços e arrancando vários “ouns” da pequena plateia. Me sentei de frente para ela, puxando a alça da minha blusa, mas nem precisei ajeitá-la, ela se aninhou abocanhando e sugando seu banquete preferido do dia. 

 

 

 

— Ah Bella… no chão? 

 

 

 

E a cara de desconforto de Fábio e mamãe era meu aperitivo diário. Sorri desentendida sabendo que o que mais incomodava aos dois era o fato de eu não ser uma mãe convencional. Amamentar era primordial para mim e Lis, sendo assim eu me sentaria onde estivesse limpo e confortável, e estaria perfeito para nós. 

 

 

 

Minha mãe logo trouxe uma mantinha que eu tinha absoluta certeza que sua intenção era cobrir o rostinho da minha pequena, juntamente com seu Tetê farto, mas devo lembrá-los, caso falhe a memória, que estávamos em Ribeirão Preto! Em pleno verão! Recusei com um sorriso simpático que já sabia de cor. 

 

 

 

— Ela faz uns barulhinhos engraçados… 

 

 

 

O pai babão cochichou com Verônica que também sorriu, beijando-o em seguida. 

 

 

 

— E você Verônica, não tem vontade de ser mamãe? — Ygor sabia o timing perfeito em como ser inconveniente. Ele entrou na sala, o olho pregado na boca de Lis me sugando. Abracei minha pequena sem nem perceber. 

 

 

 

— Quem sabe… — Ela era enigmática, tínhamos que concordar. Quando ela falava até Ygor se calava. 

 

 

 

— Vocês não vão nadar? — Túlio já era um homem, eu jamais me acostumaria com aquela voz de barítono. Ainda tinha um olhar de menino, mas era muito mais alto e forte que Ygor, o que deixava o primo mala de Micaela muitíssimo incomodado. — A Pati está chegando… 

 

 

 

Patricia era nova namorada de Túlio e assim que ela chegasse ele iria embora, pois viajariam para acampar com amigos. Com dó do pobrezinho eu acabei cedendo, aproveitando que Lis já dormia com a boquinha aberta e úmida de leite, muito bem alimentada ela dormiria por pelo menos alguns minutos até acordar com energia redobrada. Entreguei ela ao pai que aninhou em seu peito, com Verônica acariciando suas costinhas. Eles pareciam a família “perfeitinha” para quem olhasse. Fábio deveria estar pensando o mesmo, pois seus olhos brilhavam. Eu sorri disfarçadamente, imaginando qual seria a reação do pai de Micaela, se soubesse que a Verônica perfeita que ele tanto adorava, havia nascido Douglas, mas não se identificava com o gênero masculino, então passou a ser Verônica desde os onze anos. Sim, a namorada do meu melhor amigo e pai da minha filha era uma mulher trans e eu nem sei mensurar o orgulho que eu sentia pelo amor entre os dois. Claro, que ambos sofriam muito com essas cobranças babacas e sem sentido sobre “e o casamento?”, “tá grávida”, quando Verônica dizia não estar se sentindo bem, ou quando ela não entrava na piscina, mesmo em épocas de muitíssimo calor. Mas ela NÃO precisava de nada disso para ser a mulher incrível e maravilhosa que é! Eu amava aqueles dois e os defenderia até o fim, se algo ou alguém tentasse separá-los ou fazer qualquer chacota, eu estaria disponível em tempo integral para enfrentar a pessoa. Além de pai, Fernando e Verônica eram padrinhos de Lis, eu não tinha religião, mas não poderia escolher melhores pais para minha “pãozinho”, caso algo acontecesse comigo. 

 

 

 

Fui pensando em tudo isso numa irritação involuntária, já na defensiva. Entrei na piscina com Tulinho e jogamos conversa fora, antes dele me jogar uma bomba na cabeça, de forma nada sutil, que me fez perder toda compostura e pose de heroína. 

 

 

 

— Tu viu quem vai voltar pra Ribs? 

 

 

 

Eu ri do sotaque que ele imitava da namorada e joguei água falando que não era vidente. 

 

 

 

— Micaela… Ela vai abrir um estúdio no centro, coisa chique…

 

 

 

— Claro, o sugar daddy dela que tá bancando, assim até eu. 

 

 

 

— Cala boca Ygor… Sério, mano! Você gosta de ser babaca. 

 

 

 

Eu assisti a implicância dos primos em câmera lenta e no modo silencioso. Na verdade aquilo tudo não passava de um sonho pra mim e eu não estava em sã consciência disposta a acordar, precisava entender primeiro o que diabos era “sugar daddy” e por qual razão Micaela estava sendo bancada por “isso” e VOLTANDO para Ribeirão Preto. Micaela. De volta. Em Ribeirão Preto. O batuque da música me desconcentrando. Eu percebendo que o batuque não era música, era meu coração. A vermelhidão que subiu pelo meu colo e pescoço. Minha cabeça afundando na piscina. Alguém me puxando de volta e quase gritando no meu ouvido…

 

 

 

— Bella!!! A Lis acordou! 

 

 

 

Minha filha no colo da Tia Elisa, coçando os olhinhos. Os olhos negros me procurando na piscina. Uma mini Micaela. Micaela. De volta. Em Ribeirão Preto. Meu coração. Minha cabeça. A piscina. Micaela. 

 

 

Fim do capítulo

Notas finais:

É isso... Vamos trabalhando, vivendo e... 

Escrevendo quando possível rs 

nem vou pedir desculpas pela demora, pois sei que é indescupável. 

Boas Festas de final de ano o/ 


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Comentários para 15 - Capitulo 15 - Pipoca e Tetê:
mtereza
mtereza

Em: 10/05/2023

Amei a novidade sobre Verônica e vamos as confusões que o retorno da Mica a cidade certamente trarão rsrs ansiosa 


Bibiset

Bibiset Em: 10/05/2023 Autora da história
Vê é uma das minhas favoritas nessa trama s2


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fabsales
fabsales

Em: 12/02/2022

Eu amo tanto essa história, tô dia entro aqui pra ver se já atualizou.. Volta logo, por favor :)

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patty-321
patty-321

Em: 28/12/2021

Saudade dessas duas. Feliz ano nova.

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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 26/12/2021

Vixe e agora!?

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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 26/12/2021

Vixe e agora!?

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