LIA

Quando cheguei à calçada da mansão do Supremo, os seguranças espalhados ao redor da casa me permitiram passar antes que eu dissesse que tinha permissão para ver a Lorena. Fiquei aliviada que nenhum deles fizesse o papel de porteiro para informar Lorena da minha presença ali, porque não quero que me anunciem, não ainda.

Também vim vê-la, mas, principalmente, aquele Guarda metido que fugiu de mim antes que eu abrisse a boca. Soube que o nome dele é Miguel, e que ele é o Guarda no comando na ausência de Hera.

Suspiro.

Me livrei de um companheiro aristocrata para um comandante. Qual dos dois é pior?

No caminho para o quarto de Lorena paro em frente a porta do quarto que recentemente virou escritório do Supremo. Quatro Guardas estão no corredor, dois na porta do que deveria ser o quarto do Supremo, e outros dois que caminhavam por ele, nenhum deles me olhou uma segunda vez quando bati na porta do novo local de trabalho da companheira da minha amiga.

Respirei fundo enquanto aguardava ser atendida.

Passei os últimos anos da minha vida planejando o momento em que poderia finalmente ser livre e viver a minha vida, assim como Lorena fazia antes de conhecer Hera. Não conto os detalhes do que planejo para minha amiga, mas sei que ela sabe. Lorena cresceu na sociedade aristocrata assim como eu, ela sabe as regras e os costumes, sabe que não tenho escapatória a não ser por duas opções: um companheiro ou fugir. Fugir era meu plano inicial até o dia em que sonhei com meu companheiro há dias atrás. Então, o plano mudou, se meu companheiro fosse um aristocrata, primeiro o rejeitaria e depois fugiria, caso ele se importasse tanto com os costumes da aristocracia assim como meus pais. No entanto, se meu companheiro não fizesse parte da aristocracia - que é o caso -, tentaria a união, contudo, parece que meu companheiro não quer nossa união, e antes de falar com ele para saber o porquê, porei em prática outro plano que surgiu em minha mente durante a noite. Talvez, o plano de última hora dê certo. Não pude conter o sorriso que saiu dos meus lábios por causa dessa nova possibilidade.

Nunca imaginei que minha melhor amiga se tornaria companheira da filha do Supremo Alfa, agora que isso aconteceu, posso usar isso a meu favor. Lorena sendo minha melhor amiga e Hera sendo quem é: a primeira mulher da sociedade aristocrata a dar seu grito de independência e mandar os costumes ao inferno. Dois fatores que conspiram a meu favor, Hera entende, assim como Lorena, o que passo, ninguém melhor que Hera para me ajudar, e como filha do Supremo Alfa, sua palavra é lei.

Esfrego as mãos suadas na calça jeans.

A porta se abre e Igor, o filho mais novo do Supremo Alfa surge no vão. Ele impede que eu veja o interior da sala, sua sobrancelha se arqueou e seu olhar intenso percorre meu corpo com luxúria.

- Desculpe interromper. - Fiz uma mesura. - Gostaria de falar com Hera, sou a amiga da Lorena. - Ele me avaliou mais uma vez e deixou um sorriso diabólico moldar seus lábios.

- Qual é o nome da amiga da minha cunhada? - Sua voz sedutora me alcança e me esforço para não fazer uma careta. Não estou interessada em sex*. Desde que sonhei com meu companheiro não me envolvi com ninguém mais, os bailes e chás da tarde das damas da aristocracia que minha mãe participa teria tomado meu tempo de qualquer forma, portanto, o principal motivo de não me envolver com ninguém é o fato de sentir minha liberdade tão perto e ainda não poder pegá-la. Se meu pai souber o que ando planejando, ele surta. Sua única filha mulher o abandonando, é isso o que ele vai pensar.

- Lia, ela sabe quem eu sou. - Ele percebe meu desinteresse e fecha a porta, para momentos depois Hera aparecer. Tentei não me encolher com o poder que emana do corpo dela. Desde que passei a frequentar a mansão do Supremo para ver Lorena, estive algumas vezes no mesmo cômodo que os filhos do Supremo, e posso afirmar que nenhum deles esbanja poder como Hera esbanja. Não é atoa que dizem que ela vai suceder o Supremo se algo acontecer com ele. Assim como o Supremo Alfa, Hera tem uma aura poderosa, que nos faz querer se ajoelhar e sumir da sua vista sempre que ela está por perto, é uma característica de Alfas, e qualquer pessoa que não seja um Alfa sente esse poder empurrando para a subserviência. Os irmãos de Hera não tem isso, nem mesmo Elisângela, que tem uma presença intimidadora, ou Aliandra, a bruxa Profeta com uma aparência linda e exótica. Hera é Alfa, e será a Suprema Alfa se algo acontecer com o Supremo, é nítido que Gaia passou esse destino a ela.

Engoli em seco diante daquele olhar dourado que pareceu pegar fogo. Sei que ela não gosta muito de mim, então terei que apelar, não persuadir, ela não é burra, tentar enganá-la ou dissuadi-la só vai fazê-la ter mais raiva de mim.

- Sim? - A porta atrás dela se fechou com um baque e dou vários passos para trás, fazendo uma mesura assim que encontro uma distância respeitável.

- Gostaria de falar com você a sós. - Olho para os lados sentindo agora o olhar dos Guardas Reais em mim. Hera indica a porta atrás de mim.

Entramos no quarto e ela fecha a porta. Hera cruza os braços e me encara, seu olhar me avalia e não de uma maneira amigável. Ela me olha como uma oponente, fico aliviada por nunca ter revelado a Lorena minha quedinha por ela. Se Hera soubesse...

- Não tenho o dia todo, é sobre a Lorena? - Curta e grossa. Tentei não me intimidar diante do tom de sua voz.

- Não sei se Lorena já te contou sobre a minha família, ela contou? - Ela negou com a cabeça, seu olhar semicerrado em minha direção. - Meus pais são aristocratas e seguem as leis e costumes antigos da sociedade. Eu não concordo com nada daquilo e não quero passar o resto da minha vida presa.

- O que eu tenho a ver com isso?

- A julgar pela atitude do meu companheiro, ele não vai querer a nossa união, então só tenho outras duas alternativas: continuo me preparando para fugir dessa alcateia, ou você pode me ajudar me tornando uma espécie de segurança pessoal da Lorena. Ela disse que você vai treinar Bruno, eu sei que não sou tão boa quanto Lorena em lutas, mas sou boa com armas, sei que você deve ter alguém melhor que eu, então, só me resta apelar para que você me ajude a fugir disso. - Quando termino de falar o silêncio engole o cômodo. Hera somente me observa, seu rosto indecifrável não desvia do meu. O que ela está pensando? Tomara que se lembre do que passou e me ajude. Fiz uma oração mental à Gaia, torcendo para que Hera concorde em me ajudar. - Você sabe que se Miguel e eu não consumarmos a união serei obrigada a permanecer com meus pais pelo resto da vida até que meu pai morra, e posteriormente, se ele morrer, serei passada para os cuidados do meu irmão, que se tornará o homem da família. - Hera suspira audivelmente, descruza os braços e põe as mãos no bolso da calça.

- Vou ver o que posso fazer. - Não era um não, mas também não era um sim. Me obriguei a não perder as esperanças, se Hera recusar ainda tenho outra alternativa, fugir, que foi para o que me preparei nos últimos três anos.

Saímos do quarto logo depois, os Guardas no corredor continuavam sua ronda, e conversavam baixinho. Antes de Hera entrar novamente no escritório a chamei.

- Onde posso encontrar o Miguel? Precisamos conversar. - Hera para segurando a maçaneta da porta e me olha uma última vez.

- Vou chamá-lo. E Lia... - A olho sabendo que uma ordem vinha por aí. - Miguel é meu amigo, e uma pessoa incrível que passou por muita merd*, tenha paciência com ele e talvez um dia você entenda. - Franzi o cenho.

- O que quer dizer...

- Não cabe a mim contar. - Hera me corta e atravessa a porta. - Tenha paciência com ele. - Tentei ignorar o fato de a última parte sair mais como um aviso do que como um conselho. - Espere no quarto. - Ela indica o quarto em que conversamos a poucos segundos atrás e se fecha dentro da sala.

Volto para o quarto com as mãos trêmulas. Raramente conversar com um homem me deixa ansiosa, mas realmente, para tudo se tem uma primeira vez.

"...tenha paciência com ele e talvez um dia você entenda."

Entender o quê? Por que ele saiu correndo de mim quando nos vimos? Ou é uma forma de dizer que provavelmente ele vai me rejeitar e que é para eu ter paciência que talvez um dia eu entenda o porquê?

Não sei se por instinto, ou medo - talvez medo - a última opção fez mais sentido para mim. Reviro os olhos.

"Desde quando sou profeta para ficar prevendo e deduzindo coisas? Pois é Lia, você não é."

Me sentei numa poltrona enquanto esperava a boa vontade de Miguel de aparecer.

Fim do capítulo