Nada oculto por muito tempo.
CAPÍTULO 43: Nihil diu occultum
Diana partiu para Campo Grande com o seu coração aos frangalhos. Como se estivesse anestesiada pela própria dor, enfrentou os dias, a distância e o remorso por ferir tão violentamente Natália, além da indescritível sensação de perda que assolava sua alma. Nem mesmo o cuidado e proteção de sua mãe amenizaram aquele vazio que invadira sua vida quando deixou São Paulo. Alice estava de mãos atadas, não podia enfrentar o marido, principalmente por saber que de nada adiantaria. Durante os dias que antecederam a eleição municipal, Diana vestiu a personagem de boa filha moderna e discreta, evitando as especulações sobre sua sexualidade, ligou o “automático” absorvida na sua perda.
Acrisio Toledo Campos conseguiu o que não era previsto pelas pesquisas: arrastou a eleição pela primeira vez naquela cidade para o segundo turno, protelando o sacrifício de Diana, que aquela altura goz*va da influência do pai para cumprir horas de estágio na universidade federal daquele estado impedindo mais atrasos na sua graduação. Por diversas vezes a loirinha se refugiou nas lembranças e na esperança de refutar aquele estado de prisão que seu pai a submetera, lutaria por Natalia com todas as suas armas, tão logo pudesse mantê-la a salvo do seu pai.
Como as pesquisas anunciaram: Acrisio reverteu o quadro do primeiro turno, e venceu as eleições. O resultado ecoou para Diana como o anúncio de liberdade condicional. Em meio à comemoração na mansão de sua família, uma festa com dezenas de autoridades políticas, cabos eleitorais, e sua família, a loirinha correu para seu quarto e em minutos arrumou suas malas e anunciou para a mãe:
-- Estou voltando para São Paulo mãe, preciso vê-la, preciso que ela volte pra mim.
Alice olhou para filha com um olhar compassivo, entristecida pela ingenuidade da filha, sabia que seu marido não se contentaria com a reconciliação dela com Natalia.
-- Minha querida... As coisas não são tão simples...
-- Mas mãe! Ele conseguiu o que queria! Fiz o que ele pediu, cumpri minha parte.
-- E vai continuar cumprindo!
A voz grave do senador adentrou no cômodo, surpreendendo mãe e filha.
-- Não é justo! Fiz o que o senhor queria, já tem sua prefeitura, agora tem uma dúzia de corruptos nojentos da liderança nacional do seu partido hipócrita lambendo o chão que o senhor pisa, está tudo de volta ao normal, volto à minha vida.
-- Não dei prazos para você, não estipulei que seu comportamento, sua brincadeirinha de casinha com aquela caipira voltaria com o fim dessas eleições. Preciso manter minha reputação a salvo dos respingos de boatos imorais que você proporcionou, porque minha ambição vai muito além dessa prefeitura.
-- Mas que diabos o senhor está me dizendo? – Diana franziu a testa indignada.
-- Em dois anos concorrerei a cadeira de governador, até lá tenho que assegurar minha credibilidade e integridade política, assim, nosso acordo permanece.
-- O senhor quis dizer: chantagem! – Diana berrou com as lágrimas vertendo pelo rosto.
-- Chame como quiser.
Acrisio virou as costas quando Alice interviu.
-- Meu querido, espere. Não há uma alternativa? Quem sabe se a Diana fosse para fora do Brasil? Tiraria ela do foco da imprensa, seria mais fácil evitar essa perseguição...
-- Acha que vou financiar os devaneios de sua filha no exterior? Já fiz isso, e não deu certo.
-- Acrisio, paciência... Diana está se formando em Direito como você sempre quis, atendeu suas exigências, ela tem conquistado fama e prestígio com a profissão dela, ela merece se qualificar nisso, é uma prova de sua boa vontade e do respeito por ela.
O jeito meigo daquela bela mulher falar com o marido ditador era a arma secreta de Diana para tocar o coração do pai.
-- Você me garante que vai se comportar? Não vai criar um incidente internacional?
Diana bufou.
-- Não sou mais criança pai. Mas, o senhor me garante que não fará nada contra Natália e a família dela?
-- Tem minha palavra, até o momento que você cumprir com a sua, e sua vida seja a mais completa discrição, sobre absolutamente tudo!
As condições estavam muito bem explícitas naquela simples declaração “completa discrição sobre absolutamente tudo”. Se esse era o preço, Diana assentiu pagá-lo, era muito menor do que a taxa exorbitante de viver longe de Natalia.
Com o compromisso firmado, Diana aguardou alguns dias a pedido da mãe para concluir as horas de prática jurídica naquela universidade, e acertar os detalhes da sua partida para Nova Iorque, retornou à São Paulo o mais rápido que pode para fazer as provas de disciplinas que cursava paralelamente à custa de processos movidos conseguindo quebras de pré-requisito. Entretanto, a urgência maior era mais íntima, mais visceral, incontrolável: rever Natália e reconquistá-la, avançando um passo que ela mesma não estava segura em dar, mas precisava arriscar alto pelo seu amor.
*******
As provas finais consumiam o tempo e energia dos estudantes no final do semestre. As meninas da república se organizavam em grupos de estudo, inclusive Natália que lutava para manter o foco no estudo a fim de se esquecer de sua decepção com o amor.
Diana chegou ao Campus ansiosa, esfregando as mãos suadas, com os olhos nervosos a procura de um só rosto, o mesmo que acompanhou seus sonhos, desejos e a lembrança mais presente nas últimas semanas, o de Natália.
Os corredores pareciam infinitos, as pernas trêmulas da loirinha não contribuíam para que aquela distância diminuísse até o quarto semestre do curso de Direito, sala de Natália. A expectativa foi vã, a sala estava vazia.
-- Oi, não está tendo aula para o quarto semestre?
Diana perguntou a uma das colegas da ex-namorada.
-- Ah não, acabamos a última prova agora, foi aplicada no auditório da biblioteca. O pessoal está no Botecão.
-- Ah, obrigada.
Diana disse com ar frustrado.
-- Diana! A Natália está lá.
A garota deduziu a procura de Diana que sorriu agradecida, partindo para o bar. O cenário conhecido parecia apavorar a assídua visitante do lugar, ansiosa, Diana caminhou pelo Botecão, sendo pouco receptiva com os conhecidos que a saudavam depois do seu sumiço temporário. Sua ansiedade deu lugar a uma angústia sufocante, ao ver saindo do banheiro feminino Natália acompanhada de uma amiga da república em clima de flerte.
O impulso de correr na direção de Natalia e roubar-lhe um beijo, ou ao menos aproximar-se de seu corpo, foi contido bruscamente diante da cena. Diana ficou paralisada encarando as duas garotas com a estranha sensação de estar sendo usurpada. Os segundos solitários de angústia de Diana precederam a troca de olhares com Natália que ao se deparar com a ex-namorada encostada no balcão perdeu a respiração abruptamente.
O eco das vozes no bar sumiu em um passe de mágica.
As pessoas em volta pareciam fora de foco ao olhar das duas.
O som das batidas aceleradas dos corações parecia crescer gradativamente na medida em que Diana ousava caminhar em direção a Natália.
Diante de uma Natália visivelmente mais magra, e com um olhar nublado, Diana com as mãos recolhidas no bolso do casaco para esconder o tremor delas, encarou a ex-namorada com os olhos marejados e disse:
-- Oi Nat.
O cumprimento de Diana despertou Natalia do transe, entretanto, ela permaneceu calada e Diana prosseguiu:
-- Podemos conversar?
-- Não temos mais nada para conversar Diana, com licença.
Natalia saiu da frente de Diana, puxando a amiga pela mão. Diana sem reação encostou-se no balcão, e lá permaneceu pelo resto da tarde, bebendo sem parar observando Natalia claramente lhe provocando ciúmes com sua nova amiga.
A noite chegou e com ela os ânimos exaltados e a euforia do álcool. O sentimento de perda junto com a embriaguez impulsionou Diana a se render, se esquecer do bom senso e agir incisivamente. Quando Natália saiu do bar acompanhado do seu suposto affaire, Diana não hesitou, seguiu as duas e as alcançou no fim do quarteirão.
-- Natalia você vai pra casa comigo!
A voz da loirinha denunciava seu estado de embriaguez, sua expressão atordoada só confirmava tal fato.
-- Diana você não tem condições de levar nem a si mesma em casa, pegue um táxi e me deixe em paz.
-- Nat, por favor... Vem comigo.
Diana disse deixando as lágrimas escorrerem pelo rosto, rendida ao sentimento que lhe consumia que deixou frágil, indefesa pela iminência de perder definitivamente seu amor.
-- Qual é a sua Diana? Por que você se acha no direito de brincar assim com o sentimento dos outros?
Natália parecia ter perdido a paciência, seu tom denotava uma carga de indagações presas em seu peito que clamavam o direito de serem feitas a Diana.
-- Nat, vamos conversar, tenho tanto a te falar...
-- Mas não quero escutar Diana. Volte para a sua personagem de filha perfeita do poderoso senador, volte para sua vida de pegação, procure a Rosana, talvez ela queira te escutar.
Sem equilíbrio para andar rápido, Diana caiu por cima das mesas da calçada na tentativa de alcançar Natália. O barulho dos copos e garrafas se espatifando pelo chão chamou a atenção de Natália que fez menção de voltar para ajudar a loirinha, mas, foi contida por Silvana, ao invés da ex-namorada, Diana recebeu o apoio de alguém familiar que se apresentou solícita:
-- Venha Diana. É hora de pagar o favor que você me fez anos atrás, te levo para casa.
Sheila segurou Diana pela cintura e a levou até seu carro depois de tomar as chaves da loirinha, de longe, Natalia observou tomada de ciúme e irritação a intimidade com a qual Sheila conduziu Diana, renovando sua decepção com a ex-namorada.
****
Amargando a ressaca e gosto travado da tentativa fracassada de se aproximar de Natália, Diana despertou com a desagradável falta de memória acerca do que poderia ter acontecido entre ela e a mulher que estava ao seu lado na cama. Sheila se adiantou a responder às indagações da loirinha ao notar que esta despertara.
-- Antes que você deduza o pior, quer dizer, o melhor, nós só dormimos juntas e nada mais.
Diana deixou escapar um sorriso com dificuldade enquanto Sheila se levantava.
-- Vou te trazer um café forte, tome um banho, você está precisando.
-- Está me dizendo que estou fedendo?
-- Com certeza você já cheirou melhor minha querida.
Sheila deixou o quarto depois de se desviar de um travesseiro que Diana arremessou. Minutos depois retornou ao quarto com uma caneca de café amargo o qual Diana fez careta para ingerir.
-- Agora estamos quites, cuidei do seu porre como você cuidou do meu.
-- Não vai espalhar por aí que tivemos um “remember” do que nunca houve?
-- Não, eu aprendi a lição, até mesmo porque, estou namorando e acho que eu perderia mais com isso do que você, já que pelo que notei sua caipira não está mais nem aí para você.
Diana baixou os olhos e respondeu:
-- Obrigada pela força Sheila, valeu mesmo, posso te deixar em algum lugar?
-- Não precisa, pego um táxi. Acho que você deveria cuidar dessa ressaca antes de apresentar sua monografia.
-- Como você sabe que é hoje minha apresentação?
-- Por que a sua é depois da apresentação da minha namorada, vi no quadro os horários.
-- Ah... Minha monografia está pronta desde o semestre passado, a Natalia fez a maior parte...
Diana calou amargando outra vez sua angústia de perda.
--Então apresente bem o trabalho, você deve isso a ela.
Apesar de, a princípio, Sheila ter se comportado de maneira pouco honesta com Diana, a atitude da garota a redimiu, conquistando a simpatia da loirinha. Com muito esforço para se concentrar, Diana releu sua monografia e ensaiou sua apresentação com o pensamento em Natalia, de alguma forma, aquele trabalho era dela também.
No final da tarde, no horário programado, Diana chegou a um dos auditórios da biblioteca, local marcado para apresentação. Qual não foi sua surpresa, ao ver na sua banca, sua antiga arqui-inimiga: Doutora Dorothea.
A partir daí, o nervosismo dominou Diana. Apesar de não dizer uma palavra, ou deixar escapar uma provocação, a presença de ex-professora de Diana lhe intimidou a ponto de causar pavor, tal reação teve como consequência o conhecido “branco” na mente, evidenciado pelas imensas pausas durante a transição de slides e sua gagueira inédita. O sorriso quase maléfico de Dorothea diante do fiasco de Diana assustou ainda mais a loirinha, entretanto, a chegada discreta de Natalia, que se sentou no fundo do auditório, mas perfeitamente visível para Diana, representou um providencial antídoto dos céus contra o veneno que a presença de Dorothea ali se configurava.
A calma foi se apossando da loirinha, e aquela apresentação foi enfim dela. Os olhos atentos de Natalia lhe transmitiram a segurança que ela precisava para mostrar a qualidade do seu trabalho. A mudança na postura de Diana intimidou até mesmo Dorothea, que fez observações e correções pouco pertinentes, ao final a banca não pode negar nota máxima ao trabalho para a satisfação de Diana e orgulho de Natalia que saiu apressada do auditório.
-- Natalia, espera!
Diana gritou no corredor.
-- Fala Diana, estou apressada.
-- Obrigada por vir, foi fundamental pra mim, esse trabalho também é seu afinal.
-- Por isso eu vim.
-- Já que está aqui... Você pode me dar dez minutos a mais?
-- Pra quê Diana?
-- Por favor. Só preciso de dez minutos para dizer o que preciso a você.
-- Ok Diana.
Em um dos corredores abandonados pela reforma do piso superior, Diana abriu seu coração para Natalia que de braços cruzados demonstrava sua indisposição para qualquer argumento da ex-namorada.
-- Estou escutando Diana.
-- Primeiro: eu menti para você, não te traí.
-- Por que você faria tal asneira?
-- Porque precisei mentir para você, precisava terminar nosso namoro, de outra forma eu não conseguiria me afastar de você.
-- Você precisava terminar nosso namoro? Que besteira é essa agora? Outra mentira?
-- Nat, meu pai me obrigou, fiz isso para proteger você.
-- Ora faça-me o favor Diana! Essa não cola ta? Seu pai me procurou para me intimidar, deixei claro que não me afastaria de você! Se fosse pra fazer algo contra mim ele teria feito naquela época.
-- Você acha que ele desistiria só por que você mostrou toda sua nobreza e valentia? Ora Natalia, você não conhece meu pai.
-- Ok, se isso for verdade, o que seu pai faria contra mim?
-- Contra sua família... Levaria seu pai a falência em primeiro lugar.
-- Isso é loucura! Seu pai não tem meios pra isso.
-- Acredite, ele tem.
-- Se isso fosse verdade, porque não me falou? Por que você mentiu para terminar comigo?
-- Você se conformaria em terminar comigo por causa do meu pai?
-- Não! Mas poderíamos fingir para convencer seu pai, tentaríamos uma alternativa.
-- Era exatamente esse meu medo, era muito arriscado.
-- Então você preferiu mentir, me magoar, destruir nossa relação por não acreditar que poderíamos enfrentar isso juntas? Era muito arriscado?
Diana não teve como argumentar. Era esperar demais de Natalia que ela compreendesse o tamanho do sacrifício que ela as forçou a viver.
-- Você vivia me falando do quanto é difícil enfrentar o preconceito das pessoas, mas acabei descobrindo que muito mais difícil é lutar contra a covardia de quem a gente ama. Posso enfrentar a homofobia do mundo Diana, mas não consigo lidar com sua covardia em não se arriscar por nós.
Natalia se afastou com a expressão decepcionada, desviando-se do olhar marejado de Diana, travada pela verdade que agora não era mais suficiente para justificar sua atitude. Antes que Natalia sumisse do seu campo de visão em meio aqueles escombros, Diana ousou uma última tentativa:
-- Estou indo embora do Brasil, talvez não volte nunca mais.
Natalia engoliu seco. O abalo da notícia foi muito maior do que ela podia racionalizar. Sua reação não condizia com sua firmeza em atestar o fim do relacionamento com Diana, não estava pronta para arrancar Diana para sempre da sua vida assim como desejava.
A pausa no caminhar de Natália e seu silêncio dando as costas para Diana motivaram um, dois, três passos da loirinha até ficar próxima o suficiente da ex-namorada, o suficiente para ouvir sua respiração entrecortada e sentir a hesitação em partir dali.
-- Vem comigo?
Diana praticamente sussurrou ao ouvido de Natalia.
-- Você não pode brincar comigo assim Diana.
Natalia refutou com tom ressentido. Temendo tocar a pele de Natalia, como se estivesse se achegando em um animal arredio, Diana contornou os ombros e os braços de Natalia sentindo crescer em seu corpo uma onda de desejo arrebatadora, e Natalia por sua vez, provava a sensação de ser sugada por aquelas mãos, qual metal se entrega a um ímã com a naturalidade das leis da física: inevitável.
-- Vem comigo, só eu e você, longe de tudo isso que nos separa. Uma vida nova...
Em meio a erupção de sensações e o sentimento avassalador, Natalia não conseguia encontrar a sensatez nos movimentos do seu corpo, que simplesmente se jogou para trás encontrando os braços de Diana envolvendo sua cintura, e sua boca repousar em seu pescoço iniciando um reencontro ansiado de cheiros e gostos, os sentidos se entregando no compasso acelerado dos corações e respirações. O roçar do nariz de Diana percorrendo a nuca de Natalia enquanto erguia suas madeixas com força, incluía um excitante elemento na delicadeza do momento, tornando imperativo o encontro dos lábios, línguas e o passeio das mãos pelas peles quentes e eriçadas.
A insaciável busca da satisfação dos desejos de ambas promoveu uma série acidentes espalhando latas, ferramentas de pintura que estavam no caminho até os degraus no canto da sala. Diana jogou o peso do seu corpo contra o de Natalia impondo mais intensidade nas investidas de sua boca e mãos pelo colo e cintura de Natalia que não continha o gemido de prazer o sorriso nos lábios.
A satisfação percorria cada poro das peles de ambas, Diana parecia pressentir o que o corpo de Natalia queria assim se antecipava aos seus desejos levando a outra a um inédito gozo sem que fosse preciso a típica configuração do ato sexual, não foi preciso o toque mais íntimo, uma vez que a alma estava ali exposta, a intimidade estava escancarada ao prazer dos beijos e carícias apaixonadas.
Diana recostou seu rosto no colo de Natalia tentando recobrar suas forças e controle da respiração, enquanto Natalia ainda sentia seus músculos tremerem e os espasmos denunciarem seu ápice se propagando para a satisfação de Diana que sorria.
-- Uau!
Foi o máximo que Natalia pode explicitar. Diana deixou escapar um riso alto e disse:
-- Você é maravilhosa Nat.
-- E mesmo assim você me deixou Diana.
A mágoa estava lá, também exposta, viva.
-- Eu precisei Nat. Mas agora temos a chance de reconstruir nossa história, em Nova Iorque, uma das capitais do mundo!
-- Nossa história não precisa de outro cenário Diana, precisa de capítulos mais reais, e eles não existirão se fugirmos.
-- Não é fuga Nat, é só uma chance pra sobrevivência da nossa história!
-- Não Diana isso é fuga! Os problemas continuarão aqui! O que nos separa continuará a existir!
-- Nat! Um canto só nosso, longe de tudo! Livres! Nova Iorque! Imagine tudo que nos espera lá!
-- Nada me espera em Nova Iorque Diana! Minha vida está aqui, o que lutei a minha vida toda está aqui, minha faculdade, meu futuro, minha família...
-- E eu? Não significo nada para você?
Diana se levantou indignada, com as mãos na cintura. Natalia balançou a cabeça com uma expressão insatisfeita.
-- Você tem noção do quão egoísta você é? Reaparece aqui depois de semanas, quase dois meses, depois de me abandonar e revelar ter me traído com uma historia fantástica de chantagem do seu pai contra minha família, com uma proposta ainda mais fantasiosa sugerindo que eu largue tudo por você? Até quando duraria essa sua empolgação por mim? Aí você me deixaria de novo em um país estranho?
-- Eu não te deixei, e não subestime o que sinto por você, não estou empolgada, estou apaixonada por você!
Por segundos, Natalia ficou sem reação diante do brado carregado de paixão de Diana, mas, em seguida se obrigou a encarar sua realidade de dúvida e descrédito e decretou:
-- Não vou embora com você, não quero viver uma fantasia, quero minha vida real, e ao que me parece na minha vida real você ainda é uma grande incógnita para mim. Não sei até que ponto posso confiar em você ou nos seus sentimentos, estar com você é tatear um lugar desconhecido no escuro, por isso meus passos devem ser firmes e claros.
-- E agora, quem está com medo de arriscar?
Diana foi irônica, magoada pela descrença de Natalia a seu respeito.
-- Talvez meu instinto de defesa esteja falando por mim, coisas de menina do interior...
-- Uma vez caipira sempre caipira...
-- É o que eu sou Diana.
-- Amo o que você é, deixa eu te mostrar que você pode confiar em mim e no que sinto por você!
Diana retrucou segurando o rosto de Natalia.
-- E se eu te pedir para você ficar? E me mostrar isso aqui? Seguir nossos planos me prove que o que vivemos foi real, é real!
-- Você não entende que aqui meu pai não vai nos deixar em paz? Você e sua família estão na mira dele, isso é real também!
-- Então vamos enfrentar a realidade, assim ela nunca nos afastará, por que estaremos juntas, fortes. Seu pai vai recuar se mostrarmos que não temos medo das ameaças dele.
-- Nat como você pode ser tão cabeça dura!
Diana bufou erguendo os olhos.
-- Nat, parto logo depois da minha colação de grau especial, eu pedi antecipação por que as aulas dos cursos que pretendo fazer começam em três semanas. Aqui está sua passagem, para nossa sorte, você seguiu meu conselho e tirou o passaporte quando compartilhei os planos de te levar quando fosse fazer meu curso em Londres ou Nova Iorque, matriculei você em um dos cursos para facilitar o visto, aqui está o comprovante, vou te esperar, se você não aparecer, vou entender que nossa história acabou.
Natalia olhou para os papéis nas mãos de Diana, ainda absorvendo o peso daquela proposta. Concluir que Diana planejara sua partida junto com ela provocou um sentimento dúbio de raiva e satisfação, por um lado pensou que a loirinha a incluiu nos seus planos afirmando sua confiança no relacionamento delas e por outro se sentiu desrespeitada por ela ter tomado uma decisão tão importante pelas duas antecipando o seu sim para tal proposta.
Como Natalia não recebeu o que Diana lhe estendia, a loirinha colocou o envelope sobre a escada, passou a mão pelos cabelos desalinhados, depositou um beijo delicado na face de Natalia e disse:
-- Eu te amo, e vou te esperar até o último minuto naquele aeroporto.
Com seu peito ferido antevendo o desfecho daquele impasse Natalia respondeu:
-- Eu também te amo, mas, se você me deixar de novo, vou te tirar da minha vida pra sempre.
Diana não respondeu, salivou o gosto amargo das lágrimas que pareciam explodir em sua alma com uma ferocidade proporcional à sua angústia e saiu da universidade para dias de expectativa e apreensão que duraram até o dia do seu embarque para Nova Iorque.
************
Meados de dezembro, no Aeroporto Internacional de Guarulhos: o movimento triplicado, típico da alta estação, a pouco mais de uma semana das festas natalinas, o clima festivo, a decoração reluzente não contribuiu em nada para minimizar a angústia de Diana.
A loirinha buscava freneticamente com o olhar, identificar o rosto de Natalia naquela pequena multidão. A vigília nervosa diante do relógio do saguão do aeroporto anunciava que o prazo dado a seu amor se esgotava.
As semanas que se seguiram desde o último encontro com Natalia foram tensas e lotadas de preparativos e afazeres, para sua colação de grau e sua mudança para os Estados Unidos. Ocupou-se também com as despedidas dos amigos e da sua família, em especial sua mãe, que parecia aliviada pela filha sair das vistas do pai para viver sua liberdade.
Para Natalia, esses dias não foram diferentes. O envelope lacrado sobre a sua escrivaninha lhe atormentou a ponto de tirar sua concentração das provas finais e dos seus relatórios da bolsa de pesquisa. Precisava se decidir, inclinada a se jogar nos braços de Diana enfrentou a fila quilométrica do consulado americano conseguindo seu visto para entrar no país. Mas, ao pensar, pesar sua atitude, voltava atrás mentalmente e sofria a ausência de Diana que vez por outra lhe enviava mensagens ratificando sua expectativa, e reiterando declarações de amor.
A manhã do dia marcado na passagem se iniciou com a visita de Carla em seu quarto:
-- Posso entrar?
-- Claro Cacá.
-- Ontem foi a festa de despedida da Diana lá no Botecão.
-- Eu ouvi comentários...
Natalia baixou os olhos segurando a passagem.
-- Você se despediu dela?
-- De certa forma sim, há três semanas.
-- Nat... Você tem certeza da sua decisão?
-- O que você acha? Pareço ter certeza de algo?
-- Não... Mas, acho que você tem uma certeza.
-- Qual?
-- Você a ama.
Natalia deixou as lágrimas verterem pelo seu rosto.
-- Eu entendo que a Diana está te pedindo muito, que os planos eram diferentes, mas se você pensar, ela só está antecipando-os, e tem motivos para isso.
-- Antes não eram planos definitivos. Passaríamos uma temporada no exterior, só. O que seria da minha vida? Longe de tudo, sei que a influência do pai de Diana ajudaria a conseguir um green card e até me encaixar em alguma bolsa para concluir a faculdade lá, mas eu estaria completamente dependente dela, não é isso que quero. Sem contar no principal: eu não sei se posso confiar na Diana, não estou convencida que ela não me traiu com a Rosana, nem tampouco nessa história da chantagem do pai dela.
-- É muito arriscado mesmo. Mas, se ela não te amasse Natalia, ela não precisaria arquitetar tudo isso para vocês ficarem juntas. Ela também está perdendo ao partir assim, já tem uma carreira de fotografia aqui no Brasil, se ela estiver sendo sincera, ela deu esse passo por vocês, e será em vão se você deixa-la partir sozinha.
-- Então, por que ela não fica? Seguimos nossos planos e pronto! Isso é muito confuso para mim Cacá, muitas mentiras ou meias-verdades, como confiar nela?
-- É aí onde está o maior risco.
A breve conversa com sua amiga só incitou ainda mais as dúvidas que povoavam a mente da estudante. Diante do espelho, indagava a si mesma sobre seus sentimentos e sobre sua vida e quanto mais refletia, mais chegava à conclusão que seguir Diana era a atitude mais insana que poderia conceber. Entretanto, fixou seu olhar naquela pequena argola de brilhante no segundo furo de sua orelha que Diana transformara em aliança de compromisso entre as duas, e impetuosamente recolheu sua mala sob a cama e jogou todo o conteúdo de roupas que conseguiu amontoar e partiu sem dar explicações para as amigas, Carla solidária desejou apenas boa sorte recebendo um sorriso sincero em troca.
O trânsito de São Paulo não contribuiu em nada com o tempo escasso da moça para chegar ao aeroporto e embarcar e aumentando seu desespero percebera que na pressa esqueceu-se do seu celular impedindo-a de se comunicar com Diana.
Conferindo a hora Diana concluiu que o último minuto chegara, a passos lentos caminhou até a área de embarque internacional, num doloroso trajeto, guardando a última esperança de que Natalia surgisse qual mocinha de filmes românticos parando o avião na pista com alguma loucura.
Última chamada para o voo com destino à Nova Iorque, não restando alternativa Diana seguiu para o portão sentindo sua alma sangrar, segurando o pranto constatou que sua angústia chegara ao fim da pior forma: a recusa de Natalia.
Afobada, tropeçando nas próprias pernas, Natalia chegou ao aeroporto e encarou suas origens de interiorana, sentindo-se perdida nas dezenas de guichês das companhias aéreas. Espiou os painéis e pediu informação a uma funcionária simpática da American Air Lines mostrando sua passagem.
-- Sinto muito senhorita, o check-in já foi encerrado.
-- Ajude-me, por favor! Preciso embarcar, tem alguém me esperando.
-- Sinto muito mesmo senhorita, é impossível pelas regras da companhia e do aeroporto, e mesmo que a ajudasse seria inútil, a aeronave já deve ter levantado voo.
Natalia foi tomada por um sentimento de impotência descomunal, que lhe empurrava para a certeza de que Diana desistira do amor delas no momento que embarcara sozinha. Tal certeza massacrou sua alma, nublando seu raciocínio para as possibilidades mais práticas como remarcar aquela passagem e seguir seu amor, como se seu atraso fechasse um portal para outra dimensão na qual ela e Diana estavam destinadas a viver separadas para sempre.
Acomodou-se desolada em um dos bancos do saguão do aeroporto como se lhe faltassem as forças para se manter de pé, observou a alegria dos que chegavam e a ansiedade dos que partiam alheia ao cenário, permitindo-se invadir pela dor da perda configurada no pranto silencioso e solitário, até sentir uma mão tocando seu ombro.
-- Parece que adivinhei que te encontraria assim.
Sua mais nova amiga de república, Silvana lhe olhava ternamente, sentando-se ao seu lado.
-- Silvana?! O que faz aqui?
-- A Carla me disse onde você estava indo e corri para tentar te impedir de fazer essa bobagem.
Parece que o destino se encarregou disso não foi?
Natalia suspirou, acenando em acordo.
-- Fiz a bobagem de não ter decidido antes por aquilo meu coração gritava, cheguei tarde demais.
-- O coração nem sempre é bom conselheiro Natalia. Imagina o que sua família sentiria? Saber de uma vez só que a filha é lésbica e que partiu do Brasil praticamente fugida com uma mulher? A Diana vale isso tudo mesmo? Que você anule seus sonhos e os sonhos de seus pais para você enquanto ela torra o dinheiro do pai no exterior?
Natalia se viu sem argumentos. Pensando friamente, o impacto de sua decisão não atingiria só a ela, o que certamente lhe causaria muita infelicidade em curto e longo prazo.
-- A Diana deve estar certa que não a amo, que não acredito em nós, vai me esquecer para sempre.
-- Exatamente o que você deve fazer: esquecê-la e seguir sua vida, se realmente o que vocês sentem é amor, o destino vai se encarregar de aproximá-las de novo. Quem sabe em outro tempo vocês estejam prontas uma para outra.
Silvana abraçou Natalia contra seu peito consolando a jovem que explicitava o quão vulnerável estava, tentando se apegar ao que lhe restava, banindo para um recanto da sua alma a capacidade de amar e se entregar, rendida às leis de um destino cruel que lhe mostrou a força do amor e a proporção da perda dele, condenando-a injustamente a aceitação dos fatos e a necessidade de se recriar para renascer, arrancar sua carapaça frágil de menina do interior a duras penas, para dar lugar uma armadura inquebrável à prova de decepções e paixões que a fincava numa realidade cinza, bem diferente das cores que as lembranças do seu amor com Diana lhe reportava.
Fim do capítulo
FINAL DA PRIMEIRA TEMPORADA. ACOMPANHEM A SEGUNDA TEMPORADA NOS PRÓXIMOS DIAS
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