Nem sempre florescem os lírios. As coisas não nos favorecem continuamente; existem os dias de contratempo.
CAPÍTULO 37: Nec semper lilia florent
Durante quase uma hora Natalia permaneceu naquele consultório vazio, amargando a desilusão, decepção, perda. Sentimentos devastadores e estranhos a ela tomaram de conta da jovem, se deu conta que nunca sofrera de fato por amor, os foras que levara dos meninos no colégio nada mais eram do que drama de adolescente, a proporção do que sentia era incomparável.
Aos poucos aquele sentimento dilacerante se converteu em revolta e raiva contra Diana. Tal reação nublou a sensatez de Natalia, que se detinha apenas nas últimas palavras da agora ex-namorada, ignorando os sinais que a loirinha dava, os sinais que a própria Natália aprendera a ler, os sinais do esforço que Diana fez para esconder seus reais sentimentos ao tomar aquela decisão tão dolorosa.
Com os olhos inchados, e rosto nitidamente abatido pela dor que lhe assolara, Natalia saiu pelo corredor do hospital a fim de cumprir um triste, mas, prático ritual de fim de relação: recolher suas coisas do apartamento de Diana e voltar para sua quitinete. Quando saía do hospital encontrou Lucas que ao notar seu estado perguntou preocupado:
-- Natalia o que houve?
-- Lucas eu não estou para conversas, estou apressada.
-- Ei calma! Você está tremendo, qualquer um vê que você não está bem.
Lucas segurou a mão de Natalia atestando a alteração dos seus nervos.
-- Foi algo com a Diana?
Lucas indagou mansamente. O tom da voz de Lucas pareceu desarmar a moça que se entregou a um choro silencioso, mas ininterrupto. O rapaz não teve alternativa que não fosse oferecer seu peito para Natalia recostar-se. Durante alguns minutos permaneceu assim, abraçando Natalia, apoiando seu queixo na cabeça dela, afagando seu rosto ternamente.
-- Está mais calma? Quer falar?
-- Não, não quero falar. – Natalia respondeu enxugando as lágrimas.
-- Tudo bem então. Está com fome? Quer ir naquela padaria? Aqueles sonhos deliciosos saem daqui a pouco...
-- Não obrigada. Preciso ir ao apartamento da Di...
Natalia interrompeu a fala ao se dar conta do desconforto da situação.
-- Diana, pode completar Natalia.
-- Desculpe-me Lucas.
-- Vou ter que me acostumar não é? – Lucas disse sem graça.
-- Não será preciso. A Diana acabou de terminar tudo comigo. Preciso ir ao apartamento dela para pegar minhas coisas.
Lucas mudou a expressão, deixando evidente sua satisfação ao ouvir tal notícia. Conteve seu entusiasmo e foi cordial:
-- Quer que eu vá com você?
-- Melhor eu ir sozinha...
-- Ao menos te dou uma carona, e te deixo em casa depois...
Mental e fisicamente exausta, Natalia apenas consentiu com um gesto positivo, a solicitude de Lucas não era tão desinteressada, ela sabia disso, mas, não suportaria o peso do carregaria ao sair do apartamento e Diana sozinha, o peso do fim de um amor que ela acreditava nem ter tido a chance de existir.
***********
O trânsito caótico do fim de tarde de São Paulo não afetava a clausura mental que Diana criara, sentia-se inepta para explicar o que sentia ou interagir com a realidade que ela mesma provocara: seguir sua vida sem Natalia ao seu lado, e pior, a certeza de tê-la magoado o que certamente a jogaria nos braços de Pedro.
Automaticamente chegou à porta do seu prédio e se deparou com a sensação de pânico, imaginando que seu apartamento era de novo só seu, mas agora, com todas as lembranças dos momentos com Natalia. Insuportável aquela agonia. Como fugitiva do seu próprio refúgio, arrancou com o carro e só o parou quando se deu conta que estava praticamente sem combustível.
Enquanto enchia do carro no primeiro posto que encontrou, parou os olhos em uma faixa fixada em frente a um pub charmoso, mas com todo ar alternativo.
- “Rosana Campos e as Anfíbias hoje na noite da ressaca!”.
Diana não segurou o riso ao deduzir o porquê do nome da banda. Instintivamente ao ver o nome Rosana, se lembrou da psicóloga divertida e prestativa que conheceu no hospital, pegou no bolso o cartão que ela entregou pela manhã e constatou: “Dra. Rosana Campos – psicologia clínica”.
Não hesitou, estacionou em frente ao pub e entrou.
**************
Ao cruzar a porta do apartamento de Diana, Natalia foi capaz de ver em cada cômodo, em cada móvel, o curto espaço de tempo que vislumbrou o que entendia por amor nos braços de Diana. Entendeu claramente que a medida do amor e a importância de alguém não estão em tempo vivido, mas sim em intensidade desfrutada em cada gesto, em cada palavra, em cada olhar e em cada pensamento. Se a unidade de medida era intensidade, em nada seu namoro deixava a desejar se comparado aos amores que ela antes só conhecera pelos romances lidos.
Recolher seus pertences espalhados entre as lembranças da intimidade com a ex-namorada provocou em Natalia a nítida certeza que recolher os pedaços do seu coração e se refazer não seria fácil. Como se não bastasse o turbilhão de eventos que se acumularam na sua vida nos poucos meses de 2003, a cicatriz que Diana imprimia na sua alma tomara uma dimensão insuportável obrigando a menina interiorana esconder sua candura para superar tal decepção.
No mural feito por Diana no quarto, as fotos das duas trocando carinho, evidenciando o sentimento puro e forte entre elas, para Natalia se tornaram apenas imagens de uma história fictícia e distante. Preferiu encarar assim o que viveu com Diana: um filme no qual ambas foram meros personagens, emprestaram seus corpos para um enredo que não pertencia as suas vidas.
Ao deixar o apartamento, guardou uma daquelas fotos em sua mochila, qual soldado guarda uma bala que lhe feriu como troféu. Bateu a porta calculando que ali era o ponto de partida para seu objetivo mais urgente: tirar Diana do seu coração.
*******************
São Paulo reservava essas surpresas para Diana. Bares, boates e espaços inexplorados, fazendo jus ao título de metrópole cosmopolita. O pub Mess de bagunça não tinha nada, na verdade abrigava um conceito de bagunça organizada, que transportou Diana para seu tempo de intercâmbio na adolescência em Londres e Nova Iorque. A bagunça do lugar estava exatamente nessa mistura dos estilos ocidentais diferentes: um bar com prateleira e balcão de madeira tipicamente inglês, em um espaço aparentemente sem luxo, um galpão de uma fábrica abandonada, ao fundo um palco “propositalmente improvisado” lembrava os bares do subúrbio de Nova Iorque.
Diana de cara se encantou com o lugar, se existisse um livro de dicas “Onde curtir uma dor-de-cotovelo com estilo” a loirinha parecera encontrar o “top da lista”. Acomodou-se ali mesmo em um dos bancos no bar, fazendo um raio X do público enquanto o barman deslizava uma caneca esbarbotando a espuma do chope escuro pelo balcão liso.
A atitude do barman envolveu a loirinha ainda mais naquela atmosfera, quando encarou o senhor de meia-idade, tatuado e de pele muito alva, logo supôs que seu estilo era parte da decoração do ambiente. Sua hipótese se confirmou ao ouvir o sotaque gringo do barman:
-- Ressaca cura com outra ressaca! Este é por conta do casa para primeiros visitas! Seja benvinda a nosso Mess.
Diana abriu um sorriso em agradecimento, erguendo a caneca, sorvendo o todo conteúdo em um gole só, para o espanto do barman.
- Ow Yes! Você gostar muito cerveja hein?
-- Yes man!
-- Muito prazer: John Scott.
-- Ei! Você está brincando comigo não é? Um barman com esse nome?!
-- Isso porque não disse meu último nome...
-- Que seria...
-- Walkers.
Diana gargalhou e foi acompanhada pelo barman.
-- Com um nome desses que acha que futuro eu teria?
-- Tem razão John. Muito prazer: Diana Beer.
John apertou a mão estendida de Diana com cara de surpresa. Diana não conteve o riso e disse:
-- Te peguei gringo!
-- Ow! Por um momento acreditei seu nome ser esse mesma! Muito bom menina!
-- Ok John, um Scott pra mim, por favor!
John serviu Diana e emendou o papo.
-- Como descobriu este bar senhorita Beer?
-- Poderia dizer que foi por acaso John, mas depois de entrar aqui, afirmo que com certeza eu fui guiada por forças superiores, isso aqui é a minha cara! Como não conheci esse lugar antes?!
-- Oh culpa não ser de Diana. Fazer pouco tempo que inauguramos.
-- Menos mal, sinto-me menos culpada agora. Pelo seu sotaque imagino que você seja... Baiano?
John gargalhou.
-- You’re very funny! Quero dizer muito divertida! Você chegar perto, sou de Baltimore, também ter muitos praias lá, mas não é a Bahia!
-- Não conheci, mas ouvi falar. O que faz tão longe de Maryland?
-- Forças superiores me guiaram... – John disse faceiro.
-- Ow gringo filho da mãe! Está roubando minha frase?
-- Conhece força maior que o amor Diana?
-- Peeeeeeeeeeiiiiin! – Diana simulou som de sirene alertando erro.- Tocou em assunto proibido meu caro John, mais uma dose a isso!
Diana sorveu a dose num só gole mais uma vez.
-- John, e essa banda que vai tocar hoje, é boa?
-- Oh Yes! Elas já ter seus fãs que lotar esse lugar, sempre que tocam.
-- O que tocam?
-- Mundial music.
-- Nunca ouvi falar nesse estilo.
John sorriu.
-- Esse é definição que Rosana dar para o estilo da banda. Elas tocam músicas que são sucesso em partes diferentes do mundo, de várias culturas, e misturar com jeito brasileiro, como vocês dizem “aquele gingado”.
-- Já gostei do estilo então.
-- Então, confira você mesma, o show vai começar.
All the things she said
All the things she said
Running through my head
Running through my head
Running through my head
All the things she said
All the things she said
Running through my head
Running through my head
All the things she said
This is not enough
Todas as coisas que ela disse
Todas as coisas que ela disse
Passando pela minha cabeça
Passando pela minha cabeça
Passando pela minha cabeça
Todas as coisas que ela disse
Todas as coisas que ela disse
Passando pela minha cabeça
Passando pela minha cabeça
Todas as coisas que ela disse
Isso não é suficiente
I'm in serious shit, I feel totally lost
If I'm asking for help it's only because
Being with you has opened my eyes
Could I ever believe such a perfect surprise?
I keep asking myself, wondering how
I keep closing my eyes but I can't block you out
Wanna fly to a place where it's just you and me
Nobody else so we can be free
[Nobody else so we can be free]
Eu estou numa séria encrenca, Eu me sinto totalmente perdida
Se estou pedindo ajuda, é apenas porque
Estar com você abriu meus olhos
Eu poderia acreditar em uma surpresa tão perfeita?
Eu continuo me perguntando, imaginando como
Eu continuo fechando meus olhos mas não consigo tirar você da minha cabeça
Quero voar para um lugar onde haja somente você e eu
E ninguém mais, para que possamos ser livres
[E ninguém mais, para que possamos ser livres]
All the things she said
All the things she said
Running through my head
Running through my head...
And I'm all mixed up, feeling cornered and rushed
They say it's my fault but I want her so much
Wanna fly her away where the sun and rain
Come in over my face, wash away all the shame
When they stop and stare - don't worry me
'Cause I'm feeling for her what she's feeling for me
I can try to pretend, I can try to forget
But it's driving me mad, going out of my head
E estou tão confusa, me sinto encurralada e acometida
Eles dizem que é minha culpa mas eu a quero tanto
Quero fazê-la voar para longe onde o sol e a chuva
Venham sobre o meu rosto, lave toda a vergonha
Quando eles param e olham - eu não me preocupo
Porque estou sentindo por ela o que ela sente por mim
Eu posso tentar fingir, eu posso tentar esquecer
Mas isso está me deixando louca, estou perdendo a cabeça
Diana sentiu-se a única na pequena multidão que aclamava polvorosa as quatro mulheres incorporando as roqueiras adolescentes do momento. Sentiu-se única por acreditar que cada palavra da canção parecia gritar o que sua alma ressentia.
Além da trilha adequada para seu momento, a loirinha assistia a narrativa musical pela voz de uma mulher linda: longos cabelos com mechas claras nas pontas amassadas dando-lhe o ar sensualmente desarrumado, calça jeans colada ao corpo, botas cano longo pretas ressaltavam as curvas ainda mais evidentes na transparência da blusa que usava.
Nem nas fantasias mais surreais, Diana poderia imaginar a sensata psicóloga Rosana com seu estereótipo intelectual naquele cenário, com aquele figurino, com aquela atuação.
Rosana dominava o palco, enlouquecia o público com seus agudos acompanhados dos solos de guitarra da ruiva que esbanjava charme para a plateia predominantemente feminina. O carisma inegável da vocalista das “Anfíbias” não se dava só pela voz marcante, mas também, por sua postura soberana segurando o pedestal do microfone, permitindo expressões sensuais, mas, nada vulgares.
Não demorou a Rosana notar a presença da estreante na plateia. Apesar de bem menos efusiva que a maioria, Diana parecia hipnotizada pela música, pela banda, pela vocalista.
Do palco, Rosana expôs seu sorriso mais charmoso na direção da loirinha no balcão e ao final da primeira música saudou a plateia eufórica:
-- Boa noite galera! Eu sou Rosana Campos e nós somos As anfíbias, essa noite a gente vem de bandeja pra vocês com a melhor música dos quatro cantos do nosso pequeno grande mundo. Sirvam-se à vontade e descubram que a segunda-feira não precisa ser o pior dia da semana, ele só o início de mais oportunidades de ser feliz! John meu “mano” essa é pra você! Vamo curar a ressaca galera!
Sob os aplausos e gritinhos de fãs, Rosana entoou o hit dos Tribalistas: Já sei namorar demonstrando que dança não era um de seus talentos. Mas o jeito desengonçado da cantora se mover no palco incrivelmente tornava sua performance ainda mais empática, os expectadores se sentiam aptos para também soltarem o corpo livre de padrões ou compassos ensaiados.
Sem dúvida, o show das Anfíbias foram segundos de trégua na angústia de Diana. Mas, uma das músicas transportou a loirinha mais uma vez para perto de Natalia em seus pensamentos.
I'm standing on a bridge
I'm waiting in the dark
I thought that you'd be here by now
There's nothing but the rain
No footsteps on the ground
I'm listening but there's no sound
Isn't anyone trying to find me?
Won't somebody come take me home?
Estou parada em uma ponte
Estou esperando no escuro
Eu pensei que você estaria aqui agora
Não há nada exceto a chuva
Sem pegadas no chão
Estou ouvindo mas não há som
Há alguém tentando me encontrar?
Alguém virá me levar para casa?
It's a damn cold night
Trying to figure out this life
Won't you take me by the hand?
Take me somewhere new
I don't know who you are
But I... I'm with you
I'm with you
É uma maldita noite fria
Tentando entender essa vida
Você não vai me levar pela mão?
Leve-me para algum lugar novo
Eu não sei quem você é
Mas eu... Eu estou com você
Eu estou com você
I'm looking for a place
I'm searching for a face
Is anybody here I know?
Cause nothing's going right
And everything is a mess
And no one likes to be alone
Isn't anyone trying to find me?
Won't somebody come take me home?
Estou procurando um lugar
Estou procurando um rosto
Há alguém aqui que eu conheça?
Porque nada está dando certo
E tudo está uma bagunça
E ninguém gosta de ficar sozinho
Há alguém tentando me encontrar?
Alguém virá me levar para casa?
(...)
Oh why is everything so confusing
maybe I'm just out of my mind
yeah yeah yeah
yeah yeah yeah
yeah yeah yeah yeeeaaahhh
Oh por que tudo está tão confuso?
Talvez eu esteja fora de mim
Yeah yeah yeah
Yeah yeah yeah
Yeah yeah yeah yeeeaaahhh
(I’m with you – Eu estou com você) Avril Lavigne
Se seu pensamento tomou forma de canção, e esta soava como pedido de socorro, Rosana surgiu como a resposta à sua prece implícita no trecho:
Estou procurando um lugar
Estou procurando um rosto
Há alguém aqui que eu conheça?
Porque nada está dando certo
E tudo está uma bagunça
E ninguém gosta de ficar sozinho
Há alguém tentando me encontrar?
Alguém virá me levar para casa?
-- Oi John! Será que sobrou alguma bebida nesse bar pra mim?
Rosana se se encostou ao balcão ajeitando os cabelos desarrumados. O barman sorriu e serviu uma dose da mesma bebida de Diana para a cantora.
-- Se não chego a tempo, a loirinha aqui não deixaria mais nenhum gota não é John? – Rosana disse olhando para Diana, virando o copo.
-- Estou tentando melhorar minha segunda-feira, não foi isso que você falou lá no palco para fazer?
Diana disse sarcástica.
-- Acha que a solução dos seus problemas está no fundo do copo?
-- Quem sabe no fundo da garrafa... – Diana brincou.
-- Não acha que já bebeu demais? Está querendo voltar para o hospital agora como paciente ao invés de visitante?
Rosana se acomodou ao lado de Diana.
-- Eu pensei que você deixasse seus afazeres profissionais lá no trabalho. O que houve hoje? Esqueceu-se de passar pela capela no final do dia?
Rosana sorriu sem graça e disse:
-- Foi boa essa viu... Acabou com minha argumentação.
-- Então façamos de conta que você não sabe quem eu sou, nem muito menos já tenha meu perfil psicológico traçado com base em outros encontros... Vamos fingir que você não sabe por que estou bebendo assim... Sou apenas uma nova fã da vocalista mais sexy que conheci nos últimos tempos...
Rosana ruborizou, buscou palavras, mas parecia engoli-las gaguejando sílabas. Apenas acenou em acordo.
-- Muito prazer, Diana.
-- O prazer é meu Diana, sou Rosana.
-- Vocês são ótimas! Parabéns.
-- Obrigada. Alguém te indicou o lugar? Nunca te vi por aqui.
-- O ponteiro do tanque de gasolina...
-- Han?
-- O tanque de combustível estava vazio, parei para abastecer e vi a faixa com a propaganda do show, entrei pra conferir, achei o nome da cantora e da banda familiares.
-- Acho que minha identidade secreta está em risco agora...
As duas gargalharam, emendaram uma conversa leve que para Diana serviu como bálsamo para a dor que experimentara desde cedo. Rosana já enganava Diana com a bebida, dando sinal para John trocar por chá o conteúdo do copo, notando o estado da loirinha. A embriaguez de Diana ficou óbvia quando esta tentou levantar e sentiu o mundo alterar a velocidade bruscamente.
-- Opa! Para tudo que eu quero descer!
A voz lentificada da loirinha denunciava seu estado. Habilmente Rosana a segurou evitando sua queda e disse:
-- Hora de ir pra cama mocinha!
-- Opa! Pra minha ou pra sua?
-- Era só o que me faltava John... Cantada barata de uma bêbada. Vou te colocar dentro de um táxi menina, e isso é tudo!
-- Não precisa eu vim de carro!
Diana balançou as chaves do carro e apontou para seu veículo estacionado logo perto.
-- Lindo carro moça!
Rapidamente Rosana tomou as chaves e as jogou para John:
-- John guarde-o na sua garagem, amanhã a fanfarrona aqui vem resgatá-lo.
-- Ei! Ow!
Diana mal conseguia pôr-se em pé. Rosana envolveu o braço da loirinha em seu pescoço ajudando-a no seu percurso até o táxi estacionado.
-- Posso saber o que está acontecendo aqui?
A guitarrista ruiva da banda se aproximou falando com tom irritado.
-- Tina! Ajude-me aqui, por favor. – Rosana pediu queixando-se do peso de carregar Diana.
-- Ajudar exatamente em que minha querida?
-- Levá-la até o táxi meu bem, não está vendo o estado dela?
Tina acatou contrariada.
-- Doutora eu não posso ir pra casa... Não vou aguentar! – Diana confessou com os olhos marejados.
- O que você não vai aguentar Diana?
- Não vou aguentar. Ela não estar mais lá!
Rosana olhou Diana com compaixão, em seguida, olhou para Tina que se precipitou:
-- Não Rosana, não! Estou exausta, só quero dormir! Amanhã tenho faculdade, não quero cuidar de bêbada a noite toda!
Rosana continuou encarando a ruiva com olhar pidão, Tina bufou como se fosse inútil refutar.
-- Tá! Mas você cuida dela! Preciso dormir!
*************
Apática, Natalia chegou à universidade. Levantou-se naquela manhã depois de uma noite sem sono banhado com muitas lágrimas das etapas de um “luto”. O luto do fim de relacionamento. Viveu a negação. Recusava-se a acreditar que sua historia com Diana estava acabada. A raiva, a mágoa e decepção que experimentara no dia anterior não foram suficientes para enterrar o que sentia pela ex-namorada. Ver Diana na faculdade seria uma prova de fogo para seus planos de esquecê-la, no seu interior temia se jogar nos braços da loirinha pedindo pra reatarem.
A aula de IED começou, e nenhum sinal de Diana. Com quase uma hora de atraso, a loirinha apareceu, com a mesma roupa que vestia no dia anterior, e no rosto enorme óculos escuros na tentativa patética de disfarçar sua aparência de ressaca.
-- Ora ora ora... Que alívio! Até hoje eu acreditei nos lunáticos que profetizaram que o fim do mundo estava próximo, já que a senhorita estava assistindo todas as minhas aulas esse semestre e chegando pontualmente, mas, ver você há essa hora aqui nesse estado me trouxe tranquilidade, tudo está normal! Amém!
A ironia de Dorothea despertou o riso de alguns alunos, exceto de Natalia que olhava para Diana com reprovação.
-- Exceto se você me provar que é uma vampira, e não pode encarar a luz solar, aqui na minha sala de aula, retire esses óculos escuros senhorita!
Dorothea insistiu provocando Diana.
-- Em IED cara professora, julgo que já tenho direito adquirido sobre essa sala de aula.
-- Petulância de sua parte realizar tal julgamento. Saiba que eu determino as leis aqui dentro, e é coisa julgada: na minha sala não tolero que ninguém use artimanhas para esconder sua face de delito!
-- Delito? Então todos que estão sob a vigência das suas leis aqui nessa sala, são meros sujeitos passivos? Seu julgamento é baseado em suposições?
-- Não, meu julgamento é um ato jurídico perfeito minha cara, a evidência está nos seus poros, no seu hálito! E afirmo sim: é delito para um estudante chegar à minha aula atrasado por que está de ressaca!
Dorothea berrou enquanto se aproximava de Diana tirando os óculos da aluna. A loirinha apertou os olhos, visivelmente incomodada com o tom de voz da professora e com a luz incandescendo seu olhar. O incômodo à luz não impediu de encontrar os olhos de Natalia, que observava a cena atentamente, com um semblante magoado, nublado.
A professora não poupou esforços para espezinhar Diana, solicitando todo tempo sua intervenção, sempre à custa de gritos bem próximos ao seu ouvido, até o ponto da loirinha entregar os pontos, e sair de sala.
-- Tão cedo Diana? Algum compromisso? Outra farra ou orgia? Minha aula está incomodando sua agenda?
-- Na verdade sua aula é a mesma do semestre passado, que por coincidência é exatamente a mesma de dois semestres atrás, e é incrivelmente idêntica a três semestres anteriores também, até os mesmos exemplos, estou entediada.
Dorothea deu seu sinal de irritação: as fartas bochechas ruborizaram.
-- É bom que saia mesmo, já que não sou obrigada a registrar sua presença com seu atraso absurdo.
-- Bom, então não tenho mesmo o que fazer aqui.
Diana colocou de novo os óculos e saiu da sala sem olhar para trás. A reação de Dorothea foi instantânea:
-- Muito bem, vamos fazer um trabalho para nota parcial de vocês. Valerá 50% da prova, assim a prova bimestral só valerá 5 pontos, os 5 pontos restantes serão desse trabalho que vocês farão agora, e ah! Pode ser pesquisado.
A vingança de Dorothea estava anunciada. A nota bimestral de Diana já estava comprometida com tal manobra da professora. Sem pestanejar Natalia pegou o celular e enviou mensagem de texto para Diana:
-- Volte: trabalho valendo 50% da nota.
Dois minutos depois, Diana estava de volta para surpresa de Dorothea.
-- Esqueceu alguma coisa aqui Diana?
-- Não... É que os bares ainda estão fechados, e está chovendo, vou ficar por aqui mesmo.
-- Isso se eu permitir.
-- Meritíssima não se trata de sua permissão, estou regularmente matriculada, tenho direito a isso.
Sem argumentos, Dorothea deixou mais uma vez sua ira evidente na cor da sua face, o fato de Diana ser a primeira a entregar o trabalho só a enfureceu mais. Natalia sorriu discretamente, lendo a segurança com a qual a ex-namorada concluiu e entregou o trabalho, recordando da tarefa que Diana lhe deu no primeiro dia de aula: fazê-la passar em IED.
Na saída da universidade, quando Natalia se preparava para enfrentar a chuva e seguir para sua casa, ouviu a voz de Diana lhe chamar:
-- Natalia!
Natalia sentiu seu coração praticamente romper seu peito, tamanha a aceleração que ele alcançou. Esperou Diana se aproximar ansiosa.
-- Natalia eu queria te agradecer.
-- Pelo que exatamente?
-- Pela mensagem. Estaria ferrada com Madimbú.
-- Ah... Não por isso. Achei uma sacanagem da parte dela...
-- Ela fica à espreita, esperando um vacilo apenas.
-- Chegar de ressaca em plena terça-feira é mesmo um vacilo.
Natalia murmurou.
-- Eu só... Eu não... É que... Não queria ficar sozinha ontem... Meu apartamento...
Diana gaguejou, sendo traída pelos seus sentimentos, deixando escapar nas reticências, no olhar marejado o seu sofrimento.
-- Diana, olha pra mim, e repete o que você me disse ontem. Repete que “a gente” não vale a pena.
A loirinha não conseguiu fugir do olhar apaixonado de Natalia, mas antes que as palavras evidenciassem as suspeitas de Natalia, uma buzina soou diante delas:
-- Oi meninas! Vim fazer minha boa ação do dia! Quer carona até seu carro Diana?
Rosana falou esbanjando a simpatia inerente à sua personalidade. O constrangimento de Diana soou suspeito para Natalia, que imediatamente supôs mil situações envolvendo a ex-namorada e a psicóloga, em nenhuma das suposições elas eram inocentes no seu veredicto.
-- Eu... Não precisa doutora... Quer dizer... Onde meu carro está mesmo?
Rosana sorriu.
-- Entre, levo você lá. Natália você vem conosco?
O convite da psicóloga surpreendeu Natalia, que indecisa entre o ciúme e o desejo de terminar aquela conversa com Diana, não julgou agradável a companhia de Rosana.
-- Não quero atrapalhar vocês, com licença.
-- Mas... Natalia...
Diana entrou derrotada no carro de Rosana, concluindo que seus próximos dias seriam ainda mais complicados para seguir sua decisão.
****************
Atordoada, Natalia voltou ao campus, encontrando no caminho sua colega Ruth.
-- Ei Natalia! Estava te procurando, vai estudar?
-- Ah sim... Vou...
-- Já almoçou?
-- Não, mas estou completamente sem apetite.
-- Ah, vamos lá, temos muito assunto pra colocar em dia.
Fazer o tipo sociável não era bem o plano de Natalia naquele dia, mas não restou alternativa para a moça, que foi praticamente puxada para o refeitório.
-- É verdade o que estão falando por aí?
-- O que estão falando por aí Ruth?
-- Que o Sandro tentou te atropelar e seu herói te salvou?
-- Ah isso? Sim, o Pedro se jogou na frente do motoqueiro, que supostamente deduzimos que seja o louco do Sandro.
-- Ai que romântico! O Pedro é um fofo!
-- Ele é muito legal sim.
-- Estão dizendo por aí também que vocês estão namorando mesmo, é verdade?
-- Ai Ruth, não faz pergunta difícil...
-- Natalia qual o problema? O Pedro é um gato, é inteligente, é louco por você...
-- Ruth o Pedro perdeu a memória, não acho que seja uma boa época para começar um relacionamento, além do mais eu gosto de outra pessoa.
-- Outra pessoa? Ai! O Lucas?! Não brinca amiga...
- Não, não é o Lucas, você está doida?
- Ah, o Lucas é mais divertido, estava caidinho por você também... Vai saber né? Mas o Pedro esqueceu tudo mesmo? Não se lembra de nadinha?
- Nada.
- De ninguém?
- Ninguém. Quer dizer, ele se lembrou da Diana.
- Jura? Que doido... Por falar em Diana... Ela escapou por pouco hoje heim... A Dorothea estava possessa com ela!
- Ela é cruel mesmo com a Diana. – Natalia pensou alto.
- A Diana não é fácil também né? Adora provocar a professora, e ainda chegou atrasada, deve ter vindo mesmo de uma farra ou de uma orgia como Dorothea insinuou.
- Pra uma evangélica você não acha que está julgando muito pelas aparências?
- Não tem nada com religião isso Natalia. É juntar os fatos: chegou atrasada fedendo a bebida, roupa amarrotada e depois do zum zum zum que correu por aqui ontem...
- Do que você está falando?
- Ah... Nem te conto menina... A Cris e a Dani foram ao banheiro do segundo andar e ouviram uns barulhos estranhos, suspeitos vindos de uma das cabines, uns gemidos de mulheres e tal... Entendeu?
Natalia ficou pálida se remexendo na cadeira, lembrando-se do sex* incrível que teve com Diana na manhã do dia anterior no banheiro do segundo andar.
- Poderia ser qualquer menina, o que isso tem a ver com a Diana?
- O que tem? É que a menina que ela estava pegando, gem*u o nome da Diana, e as meninas ouviram! Você acha que tem outra sapatão aqui chamada Diana?
Natalia praticamente soltou o copo de suco que segurava, tamanho o nervosismo que a tomou. O incidente só não chamou mais atenção da colega, porque esta se preocupou mais em chamar para sentar com elas, as próprias testemunhas: Cris e Dani.
- Meninas eu estava aqui contando para Natalia a pornografia que vocês ouviram ontem.
- A fofoca da semana! – Cris comentou.
- Uma pouca vergonha isso sim! – Ruth acrescentou.
- Gente quem será que a Diana está pegando aqui na faculdade? Ninguém nunca confirmou casos dela aqui, fica tudo no campo da suspeita, o que aconteceu pra ela trans*r aqui dentro da faculdade? – Dani cochichou.
- Será que era a Sheila? Ela come a Diana com os olhos! – Cris indagou com os olhos arregalados.
- A Sheila nem estava na faculdade ontem... – Ruth afirmou.
- Ai gente, esse tipo de gente não devia freqüentar uma faculdade como essa, especialmente nosso curso. – Cris disse com ar de desprezo.
- Como assim Cris? – Dani franziu a testa.
- Ah gente, isso é anormal, desvio de caráter, safadeza né... Na nossa área moral é pré-requisito pra ser um bom profissional.
- Você só pode estar brincando. – Natalia falou atônita.
- Ah Natalia, você acha mesmo que homossexuais são pessoas respeitáveis? – Cris insistiu.
- Acho que respeito independe de orientação sexual, e nossa área como você se refere é uma das que mais se corrompe isso é desvio de caráter.
As três colegas se entreolharam esperando que alguma se manifestasse depois da defesa de Natalia.
- Você exagerou mesmo Cris, eles não tem culpa de nascer assim, do mesmo jeito que um deficiente físico não escolheu nascer com aquela deficiência. – Dani tentou concordar com Natalia.
- É uma doença, acho que o estado deveria oferecer tratamento psicológico, como há para álcool e drogas. – Ruth emendou.
- Ah gente, deficientes, doentes seja o que for, querem liberdade? Então que vivam isso no mundo deles, não somos obrigados a conviver com essa bizarrice! – Cris concluiu.
- Eu nunca ouvi tanto absurdo na minha vida! Cris um louco pensou como você e foi responsável por um dos maiores massacres da história, criou os guetos para os anormais viverem depois os matavam em câmaras de gás... Lembra? – Natalia falou indignada.
- Ai que dramática! Vai me comparar a Hitler? Eu apenas não sou hipócrita!
- Natalia a Cris exagerou mesmo, mas, a verdade é que na sociedade os homossexuais não tem o mesmo respeito que os heterossexuais, tem vida sexual desregrada, a prova é que a AIDS, por exemplo, é predominante em gays, não vê quantos já morreram disso? Se você precisasse de um advogado ou um médico, você confiaria mais em quem? Em um gay ou uma lésbica assumida, ou um casado com filhos e tudo mais? – Dani provocou.
Natalia silenciou. O preconceito com faces diferentes se apresentou. Em um simples papo com colegas ele pode ter uma mostra do que seria se tivesse assumido seu namoro com Diana. Aquilo que Diana sempre a advertiu e que ela se recusava a considerar como empecilho não seria um problema menor como julgava.
- Você não quer responder, mas sabe que confiaria mais no heterossexual. Natalia a sociedade por mais que se intitule evoluída, ainda é presa a rótulos. Diana tem a sorte de ser filha de quem ela é, mas, se fosse qualquer outra, sairia daqui não com a fama de excelente estudante de direito, por mais que fosse a melhor, sairia daqui como a advogada sapatão.
Dani concluiu no que foi apoiada por Ruth e Cris. Natalia permaneceu muda, como se podada pela lâmina afiada de um preconceito cruel. Para ela que vivia no interior, aquelas meninas pareciam mais provincianas, no entanto tal atitude a fez refletir quantas pessoas pensavam como elas e disfarçavam o preconceito no discurso de: eu respeito, desde que fiquem longe de mim.
Concluiu que não conseguiria estudar com as colegas, especialmente porque elas não paravam de especular quem seria a menina que estava com Diana no banheiro. Antes que chegasse ao ponto de ônibus, foi abordada por Lucas e Laura.
- Viemos te buscar! – Lucas disse animado.
- Pra levar o Pedro pra casa! – Laura respondeu.
- Já?
- É, os médicos disseram que ele está clinicamente recuperado, vai continuar o tratamento neurológico e com psicólogos para a memória dele, mas deram a alta dele. – Lucas explicou.
- Isso é ótimo!
- Outra coisa que gostaríamos de conversar com você minha querida. – Laura disse – Lucas nos contou que você mora muito longe da faculdade, logo, muito longe deles, e nesse momento, o Pedro precisa de você perto dele, assim como de todos os amigos, e me contou também que conseguiu uma vaga para você na república de meninas perto da deles, gostaria de pedir para que você apressasse sua mudança para lá, se for possível.
- Dona Laura, não posso infelizmente. A multa rescisória do meu apartamento é alta, meu pai não tem condições de pagá-la e ainda me manter dividindo despesas com as meninas.
- Imaginei e por isso, peço que aceite que eu pague essa multa. Posso negociar com a imobiliária para diminuí-la, mas preciso que meu filho se sinta apoiado para reconstruir a historia dele.
Por mais doce que Laura parecesse, e por mais generosa que aquela oferta aparentasse, Natalia captou perfeitamente a pressão implícita no pedido da mãe de Pedro. Ainda abalada pelo episódio com as colegas e amargando a decepção com Diana, Natalia se viu encurralada a aceitar a proposta de Laura, sublinhando sua obrigação de retribuir com gratidão e atenção o heroísmo de Pedro.
*********
No Mess, Diana recobrava os acontecimentos da noite anterior aos poucos, enquanto Rosana se reunia com duas meninas da sua banda no palco.
- Elas sempre ensaiam aqui John? – Diana perguntou.
- Sim, desde a primeira que tocaram aqui. Estavam sem lugar para ensaiar, eu oferecer.
- Mecenas dos tempos modernos... – Diana brincou.
- E você? Querer um remédio para ressaca?
- Ow não! A última vez que vim curar a ressaca aqui, me roubaram algumas horas de vida! Não consigo me lembrar como fui parar no apartamento da Rosana e muito menos o que fizemos.
- Não se preocupar, se ela fosse homem diria que Rosana ser um cavalheiro, não se aproveitaria de você naquelas condições.
- Ufa, é bom saber disso.
- Eu guardar seu carrão!
- Muito obrigada John. Acho que está na minha hora, preciso dormir enfrentar meu apartamento...
Diana baixou os olhos, não notou Rosana se aproximando.
- Por que você não a procura? Pelo que vi agora pouco, vocês ainda tem muito a conversar, talvez encarar seu apartamento vazio nem seja preciso...
- Não sei Rosana. As coisas continuam complicadas...
- Diana, vocês se amam, e isso é evidente.
- A gente se conhece a pouco mais de dois meses, amor? Não...
- Você não é essa racionalidade toda... Para de se esconder nessa capa Diana, amor tem sua própria definição de espaço-tempo. Acha que é muito a arriscar, então vá e faça valer a pena.
A expressão pensativa da loirinha se desfez com a chamada do seu celular:
- Oi pai.
- Como prometi tudo acertado. O safado que estava importunando seus amigos já está no estrangeiro. Não merecia isso um filho da mãe como esse! Mas, fiz sua vontade, agora ele está longe, tive que mexer meus pauzinhos pra o juiz autorizar a saída dele do Brasil, já que tem esse processo contra ele correndo.
- Obrigada pai, fico mais tranqüila.
- Estou fazendo minha parte pra me entender com você minha filha, espero que faça o mesmo por sua mãe, por nossa família.
As palavras do pai chegaram a causar arrepios em Diana, ela sabia que uma hora a generosidade e solicitude do senador teriam seu preço exposto. Contudo, naquele momento essa notícia era o que a loirinha precisava para procurar Natalia. Guardava em sua mente a atitude em seu favor que a ex-namorada teve na faculdade, mesmo sem querer, nutriu a esperança de tentar outra vez se entender com Natalia.
***************
Os planos de reencontrar Natalia foram adiados por Diana por motivo superior. Quando seguia para o apartamento de Natalia, recebeu a ligação de sua mãe:
- Mãe! O que houve? A senhora está bem?
- Ei minha querida calma! Desde quando eu só ligo quando acontece algo?
- Desculpa mãezinha, é que falei com o papai agora pouco, acho que fiquei meio que de sobreaviso, tudo bem com a senhora?
- Está sim. Seu pai deve ter se esquecido de mencionar que eu estava vindo para cá não é?
- A senhora está vindo? Não! O papai nem mencionou isso.
- A memória do seu pai só é boa para contar bois e marcar seus inimigos. – Alice desabafou.
- Quando a senhora chega?
- Já cheguei minha querida! Estou a caminho do hospital.
- Hospital? Mãe! A senhora disse que estava tudo bem!
- Mas está minha querida, vim apenas fazer exames, os meus médicos me encaminharam para cá, segundo eles o melhor serviço do país em cardiologia.
- A senhora está sozinha? Por que o pai não veio?
- Ele está na fazenda, vim acompanhada da Alda.
- Tia Alda vai querer ficar internada, vai achar umas mil doenças para ela enquanto a senhora faz os exames.
- Nem me fale... Ela já descreveu no mínimo uma dezena de sintomas que eu mesma nunca senti.
- Estou indo encontrar a senhora, qual o hospital?
- Sírio Libanês.
- Estou indo, beijo.
**********
A visita da mãe de Diana a absorveu completamente, pelo fato das alterações reveladas nos exames realizados, preocupando a loirinha quanto a fragilidade do coração da sua mãe. Seu pensamento viajava por várias vezes até Natalia, tentou ligar em algumas oportunidades, escutando a mensagem de celular desligado em todas as tentativas.
- Filha vá resolver suas coisas, não sairei daqui até fazer todos os exames. Ficarei internada.
- Não vou sair de perto da senhora, nem pense!
- Você não larga esse telefone... Vem cá, sente aqui, quer me contar alguma coisa?
- Mãe não há nada para contar.
- Esses olhinhos quando ficam tristes nunca conseguem me enganar.
- Não se preocupe com isso, quero que se preocupe só com sua saúde!
- Quando você se esquiva assim de me contar algo, é porque o assunto é amoroso...
Diana ruborizou imediatamente. Nunca conseguiu falar com naturalidade com a mãe sobre meninas, apesar de nunca haver sido recriminada por ela.
- Diana fala logo, eu não vejo você assim desde a Ana Bruna!
- Ai, eu não acredito mãe! A senhora vai ressuscitar a Bruna agora?!
- Por que foi a ultima vez que te vi assim, na verdade a única. Desde que sua melhor amiga e paixão, começou a namorar o Vinicíus. A decepção foi tanta que você depois de tantas brigas com seu pai aceitou terminar o colegial no exterior.
- Caraca pra que falar disso?
- Por que eu quero saber o que está te fazendo sofrer, antes que sua tia Alda volte com uma nova síndrome rara que ela contraiu nesse hospital! Não me faça raiva nem me deixe mais ansiosa, isso não faz bem ao meu coração.
Diana se rendeu, mesmo com o tom jocoso da mãe usando essa chantagem. Narrou sucintamente o que acontecera no quadrado amoroso que vivia com todos os dramas de uma novela mexicana.
- Diante de tudo isso que você me contou, só uma coisa me interessa.
- O que mãe?
- Essa menina, te ama?
- Não sei mãe. Eu sou para ela o que a Bruna foi pra mim: a primeira paixão. Achei que nunca sobreviveria quando ela terminou comigo, e depois dela, tive dezenas de paixões avassaladoras que duraram no máximo seis meses, com exceção da Julia.
- Mas ela não é mais uma paixão dessas para você não é?
- Não mãe. O que sinto por ela é tão maior, que me fez pensar primeiro nela, depois em mim.
- E você a ama assim? Simplesmente desistindo dela?
- Mãezinha... Nada está sendo simples. Aliás, quando se trata de um relacionamento homossexual, nada é simples assim. Mãe, se você conhecesse a Natalia... Ela é pura, o fato de ter vivido sempre no interior, deu uma ingenuidade tão encantadora... Não estou falando daquela ingenuidade piegas no sentido pejorativo. Falo de pureza de sentimentos, de visão... Ela não sabe o quanto as pessoas podem ser cruéis com quem é diferente, com quem foge dos padrões, especialmente na sexualidade.
- Ah minha querida, acho que ela já provou da crueldade das pessoas aqui em São Paulo...
- É, ela já foi tão exposta, já passou tanta coisa e me provou que além de pura, é forte, Essa dicotomia na personalidade dela é ainda mais apaixonante. Mas, a exposição na faculdade sobre ela ser lésbica, seria um rótulo que machucaria demais essa visão romântica que ela tem do mundo, não posso fazer isso com ela, e nem tão pouco posso obrigá-la a viver uma mentira, é tortura para alguém com conceitos tão fortes como os dela.
- Minha filha posso não ser uma expert nesse mundo que você está descrevendo, mas acho que a regra do amor é universal, São Paulo já dizia na época de Cristo que o amor tudo crê, suporta e espera. Se o que vocês sentem é verdadeiro o suficiente para acreditar, suportar e esperar, isso é amor, e quando é amor, tudo vale à pena.
Diana sentiu-se profundamente tocada pelas palavras da mãe, por lembrar-se do rosto de Natalia ao pensar em amor, e principalmente pelo apoio de Alice, tão carinhoso. Não saiu de perto da mãe até o dia seguinte, quando finalmente os exames foram concluídos.
- Mãe, que absurdo é esse de ficar em hotel?
- Minha querida, eu já tomei demais seu tempo, não quero atrapalhar sua vida, sei que você tem sua faculdade, trabalho e outros assuntos pra resolver não é?
- Tudo pode esperar, quero curtir minha mãezinha linda o máximo que eu puder! Vamos pro meu apartamento, que esse hospital já está me dando alergia.
Caracterizando a típica pessoa sem noção Alda acrescentou:
- Sabe que eu também Dianinha? Por umas duas vezes senti minha garganta fechando sabe? Uma coceira queimando aqui no pescoço...
- Ai tia! Não delira...
Diana levou Alice e Alda para seu apartamento depois de jantarem em um restaurante sofisticado na zona sul da cidade. Acomodou a tia e a mãe no seu quarto, que ainda guardava os resquícios de Natalia. Na verdade, Natalia deixou sua marca em cada cômodo do apartamento, detalhes que não passaram despercebidos por sua mãe:
- Frutas frescas na geladeira? Bolo caseiro? Comida armazenada em potes de plástico... Dianinha você está dividindo apartamento com outra pessoa? Ou é um caso de dupla personalidade? Li um artigo na internet sobre isso...
- Ei para de falar bobagem tia Alda! Que mania de doença! Não é dupla personalidade não, eu estava dividindo apartamento com uma pessoa sim.
Alice observava calada, no quarto da filha parou diante das fotos de Diana e Natalia juntas no mural e sorriu discretamente.
- Mãe, a senhora está precisando de alguma coisa?
- Sim estou.
- O que mãezinha? Toalhas limpas? Lençóis?
- Que você me leve para conhecer essa moça aqui amanhã.
Alice apontou para a foto de Natalia no mural.
- Han? A senhora o que?
- Quero conhecer Natalia, a moça que minha filha ama.
**********
Fim do capítulo
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